quarta-feira, 31 de março de 2010

HOMENAGEM A BASTOS TIGRE

" Definição "
Bastos Tigre ( 1882/1957).

Amor é mal, é mal que não tem cura;
mas, sendo mal, sofre-lo nos faz bem . . .
Chora o amante, se o amor lhe dá ventura,
e ri da dor, se dele a dor lhe vem.
O amor é vida e leva a sepultura;
é doce filtro, o amor, e fel contém.
É luz, mas, entretanto, em noite escura
vive, às cegas, o alguém que ama outro alguém.
O amor é cego, e vê todo o invisível;
sendo imutável, quase sempre é vário,
é deus, e faz de um Santo um pecador !
Fraco a indefeso, é força irresistível;
sendo, pois, a si próprio tão contrário,
quem é que pode definir o amor?


1

“quem é que pode definir o amor?”
Se entranha em nossa pele e se mistura
Às vezes nos tomando com ternura
Ou mesmo com seu ar de puro horror,
Vivendo a sensação enquanto for
Domando a mais terrível criatura
Tornando a mais volátil tão segura
Enquanto se espalhando com torpor.
Gerir o sentimento e no final,
Sabendo ser diverso cais e nau,
Vestindo da ilusão que ora contemplo
Indefinível mesmo, mas ainda
O quanto desta luz se mostra infinda.
Tornando uma alma quase etéreo templo.

2

“sendo, pois, a si próprio tão contrário”
Decerto contradiz ou me esclarece
Ao mesmo tempo angústia, medo e messe,
Num sentimento vasto e sempre vário,
Fazendo da esperança em raro brinde
A glória procurada e quando vista,
Peçonha se entornando enquanto insista,
Caminho tão prismático deslinde,
Vivenciando assim auge ou abismo,
Nas ânsias de um amor fim e começo,
No quanto em claridade desconheço,
No ardil em tempestade ainda cismo,
Gerando por si próprio um ledo fim,
O amor demônio feito em querubim.


3


“Fraco a indefeso, é força irresistível;”
E quando se percebe em tal escala
Ao mesmo tempo enquanto me avassala,
A dor se transformando, indescritível,
Seguindo cada rastro que se vê
Pereço num instante em que renasço,
Na doce sensação de um meigo abraço
Não sendo casual, nem há por que,
Tormenta que alivia e me maltrata
Ansiosa caminhada em espinheiros,
Ao ter nos sonhos meros mensageiros,
A força incoercível da cascata,
Amor entranha; tolhe e nos liberta
Arromba qualquer porta, mesmo a aberta.

4


“é deus, e faz de um Santo um pecador”
Gerando a dor intensa e sendo rude,
Porquanto vez em quando nos ajude,
Deveras nos transporta medo e dor,
Assíduo companheiro da esperança
Encontra nos seus braços, fantasia,
E quando se propõe com rebeldia
Aos mais distantes rumos já se lança
Porfia entre tempestas e momentos
Suaves, não contendo-se, devora,
Não conhecendo mais limite ou hora,
Da angústia e do temor, caros proventos,
Por ser assim, amor, dono e servil,
A cada novo tempo, um novo ardil.

5

“sendo imutável, quase sempre é vário”
Gerando o contra-senso mesmo quando
Aos poucos sem limite nos tomando,
Não vê na caminhada um adversário,
Erguendo a cada passo suprema luz,
Ourives do vazio, tantas vezes,
Enquanto em suas mãos nós somos reses,
Ao mais extremo oposto nos conduz,
Vertente feita em glória e tempestade,
Gestando uma ilusão sempre transforma,
Ao não se deixar sob qualquer norma,
Insaciável mesmo quando invade,
E logo se afastando gera o caos,
Ausência de algum cais; destroça as naus.


6


“O amor é cego, e vê todo o invisível;”
Além de sensitivo se observando
Momento mais audaz, porquanto brando,
Adoça enquanto fere, força incrível,
Tornando-me impassível, calmaria
Gerenciando a sorte quando em guerra,
No ser e por só ser o eterno encerra,
É mão que destroçando já nos guia,
Fantásticos caminhos envolvendo
Toando as mais sublimes emoções
E quando em seus desníveis tu te expões
No quanto se produz, traz estupendos
E opacos decifrares do viver,
Nefasta luz transforma-se em prazer.

7


“vive, às cegas, o alguém que ama outro alguém”
Mergulha em precipícios de tais tons
Sobejas amarguras, tristes sons,
No quanto variáveis já contém,
Expressa a dor em risos e delírios,
Sevícias em delícias; sabe o quanto
Da lucidez se perde a cada canto,
Somente no final, risos, martírios
Assim ao se mostrar em tal nudez,
O amor não se permite qualquer senso,
E quando noutra senda recompenso
O que deveras quis e se desfez,
Na multifacetária caminhada,
Por vezes afinal não resta nada.

8


“É luz, mas, entretanto, em noite escura”
Semeia as tempestades e a bonança
Enquanto na verdade não se alcança
É tudo o que um amante em vão procura.
Dicotomias tantas; dita quem
Cevando com ternura e mansidão,
Por vezes maltrapilho e duro chão,
Do qual nada se vê nem se contém,
Somente alguma luz já poderia
Traçar um novo sol, mas quão brumoso
O céu se mostra enfim tempestuoso,
E a noite de tão quente, morre fria,
Assisto ao caminhar desta quimera,
Inverna num segundo a primavera.

9






“é doce filtro, o amor, e fel contém”
Ansiedade feita em alegria,
O gosto mais suave se porfia
Depois do quanto quis, vejo ninguém,
Assim num caminhar tempestuoso
Anseios se mostrando tão vorazes
Lunático delírio em tantas fases,
Vencendo ou se vencido dor ou gozo,
Na majestade feita em luz e glória
No medo se tornando mais constante,
É deslumbrante e vil num mesmo instante,
Deveras noite clara ou merencória,
Amor sem ter limites, diz segredos,
Ludibriando ao fim próprios enredos.

10


“O amor é vida e leva a sepultura,”
Porquanto se mostrasse mais audaz,
No quanto de esperança já nos traz
Moldando no final, a noite escura,
Erguendo a fina taça aonde um dia
Celebro amanheceres inconstantes,
Seduz por ter no olhar, falsos brilhantes
E trama a dor enquanto à luz nos guia,
Escassas horas dizem tanta vida,
E não podendo ter mais tradução
Por mais que novos rumos se farão
Do quanto caminhara se duvida,
Divide a sorte em tanto ou quase nada,
Assim amor se mostra em vária estrada.

11


“e ri da dor, se dele a dor lhe vem”
Não deixa qualquer dúvida e duvida
Ao mesmo tempo cura e traz ferida,
Das sortes desejadas tanto aquém
E quando se perfaz em luz diversa,
No quase traça o tanto que se crê
Engodo se ditando sem por que,
E nele toda a glória desconversa,
Complexo e tão mordaz, fomento e fim,
Escara decifrada a cada passo,
Nas sendas deste todo me desfaço,
Negando mesmo o quando e quanto vim,
O prazo de um amor, tal variante,
Por vezes falso brilho, ou diamante.

12


“Chora o amante, se o amor lhe dá ventura,”
E traz a luz enquanto nos maltrata,
Assim o vento forte em tez ingrata
No parto traduzindo a sorte escura,
Esgueira-se deveras por caminhos
Aonde não se vê qualquer final,
Amor tendo o seu próprio ritual,
Os dias mais doridos se sozinhos
Ansiosamente dizem do passado
E quanto mais audaz, mais inseguro,
No topo deste anseio me perduro,
E assim ao se notar diverso grado,
O quanto muitas vezes diz o não,
E quando nem tampouco se verão.



13


“mas, sendo mal, sofrê-lo nos faz bem . . .”
E quando se percebe desta forma,
Quem ama ao se doer não se conforma,
Traçando o quanto é vário o que contém,
Neófito não sabe o descaminho
Gerado pelo tanto que se sente,
E quando desta luz se faz presente,
Por vezes do terror eu me avizinho,
Gestando nele mesmo angústia e gozo,
O amar se trama envolto em raro brilho,
O quanto se demonstra em novo trilho,
Deveras muitas vezes majestoso,
Transforma qualquer ser em luz ou treva,
Amor em desamor mesmo se ceva.

14


“Amor é mal, é mal que não tem cura;”
Porquanto indecifrável quando traça
Na luz ensandecida esta fumaça
Gerando mel em forma de amargura,
Ocaso se dizendo do princípio
A tez tão variada me faz ver
A dor aonde um dia quis trazer,
E traz da cordilheira ao precipício,
Venal e tão gentil por vezes dita
A sorte incomparável, mais sutil,
Além do que deveras se previu
Ou quase, glória em paz, reina bendita,
Severas tempestades, calmarias,
Assim traçando medo em alegrias...

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