quarta-feira, 31 de março de 2010

HOMENAGEM A EUCLIDES DA CUNHA

DANTÃO

PARECE-ME que o vejo iluminado.
Erguendo delirante a grande fronte
- De um povo inteiro o fúlgido horizonte
Cheio de luz, de idéias constelado!

De seu crânio vulcão - a rubra lava
Foi que gerou essa sublime aurora
- Noventa e três - e a levantou sonora
Na fronte audaz da populaça brava!

Olhando para a história - um século e a lente
Que mostra-me o seu crânio resplandente
Do passado através o véu profundo...

Há muito que tombou, mas inquebrável
De sua voz o eco formidável
Estruge ainda na razão do mundo!

Euclides da Cunha

1


“Estruge ainda na razão do mundo”
A voz onipotente da esperança
Que tanto quanto pode já se alcança
E dela vez em quando ora me inundo,
Deveras tempestades, enfrentara
Quem muitas vezes sonha, mesmo quando
A vida noutra sendas desbotando
A luz ainda quando se fez clara,
Aprazo a solidão que tanto ensina
E gera realidades discrepantes,
Sabendo ter nas mãos os diamantes,
Decerto se concebe nova sina,
Aonde perfilaram-se satânicos
Momentos mais cruéis em tons tetânicos.

2


“De sua voz o eco formidável”
Vagando pelo espaço em luz atroz,
Ainda se prepara em laços, nós
O rumo que é por certo mais mutável,
Por conseguinte vejo o quão é fútil
O caminhar sem ter sequer lanterna,
E quando a fantasia ora se interna,
O pêndulo se mostra mesmo inútil,
Assim a mesma vida dita nobre
Tez onde pudesse ser mais clara
A lúcida presença em que prepara
O rito onde deveras já se encobre
Destino traduzido em luz e chaga,
Enquanto me amordaça quer e afaga.

3

“Há muito que tombou, mas inquebrável”
Delírio se mostrasse mais audaz,
E nada do poder me satisfaz,
Trazendo este terreno enquanto arável

Em aridez completa, em dissonância,
O peso do viver vergando a planta
Ao mesmo tempo trai ou agiganta
Diversa com certeza ressonância.

Eclética emoção mesmo exaustiva
Gerasse contra-senso onde não há,
E tendo desde sempre aqui ou lá
A sorte pela qual inda se viva;

Assisto ao meu final de camarote,
E a vida preparando um novo bote.


4


“Do passado através o véu profundo”
O quase perpetua o som mais doce,
E quanto mais ainda duro fosse
O sonho pelo qual ora me inundo

Mordazes desconfortos trazem medo
E tudo o que se crê inda não basta
A face; tantas vezes, vejo gasta,
Enquanto algum sorriso; em vão concedo,

Sensata caminhada? Nunca vi
Nem tanto quanto pude ora prossigo,
A angústia produzindo o desabrigo,
O amor que ainda possa ver em ti

Não dita qualquer norma e mesmo se
Traçasse outra seara não se vê.

5


“Que mostra-me o seu crânio resplandente”
Corsária atroz bandeira em vil mortalha,
Porquanto toda a sorte diz batalha
Ao fim a vaga história se pressente,

Apátrida caminho soma o nada,
E o vendaval transcende à própria morte
Quem nunca me mostrasse e já conforte
Negando desde quando esta alvorada.

Mentindo pra si mesma, nada diz,
E o vasto prado agora sendo agreste,
Diverso do que outrora me disseste,
Ainda que pudesse ver matiz

Mais rara de uma vida feita em mágoa,
Aonde nem o sonho mais deságua.

6


“Olhando para a história - um século e a lente”
Aumenta ou diminui a quantidade,
Por mais que ainda tente ou mesmo brade,
O vento da verdade dita e sente.
Gerando discordância a cada passo,
O manto se recobre em luto e moldo
Deveras muito aquém do quanto em soldo
Recebo e me transformo no que traço.
Ausente dos meus olhos, luz intensa,
Porquanto a vida traz em glória e medo,
E sendo desta forma que procedo,
Não tendo quem da sorte me convença
Mergulho neste abismo feito em treva,
Enquanto uma esperança atroz se ceva.

7


“Na fronte audaz da populaça brava”
Mostrando um heroísmo onde não vejo,
Sequer a menor sombra de um desejo
Enquanto a realidade se desbrava
Em senda florescente ou tão mordaz
O amor se mostra sempre em luz sombria,
O quanto deste sonho fantasia,
Ou mesmo uma verdade já desfaz,
Não posso sonegar nem tento quando
Ressoa dentro em mim o temporal,
E quando se mostrasse em ritual,
O mundo noutro mundo se moldando,
O verso mais venal não mais desvenda,
Tampouco se transborda noutra senda.




8

“Foi que gerou essa sublime aurora”
Mudando num instante este destino,
O quanto se fez fero em desatino,
Agora noutro porto já se ancora,
A senda se mostrando mais audaz,
A cena que parece temerária,
A sorte muitas vezes temporária
Da dor renascerá, decerto, a paz.
O vento transformado em temporal,
A fúria que pareça desditosa,
Enquanto amanhecer deveras goza
De um novo tempo em claro ritual,
Vencendo as intempéries a manhã
Decerto não seria mais malsã.

9

“De seu crânio vulcão - a rubra lava”
Escorre com sanguínea insensatez.
Ao mesmo tempo tudo se refez,
Enquanto a alma em fúria já se lava,
Jamais se percebera desde então
Momento que pudesse se mostrar
Além de qualquer força, pois solar,
Mudando desde sempre a direção
A nova caminhada feita em glória
Matizes tão diversos do passado,
O céu agora assim mais estrelado
Traduz o que se fez tanta vitória,
Clamando pela paz, a guerra trama,
A sorte desenhada em fogo e chama.

10



“Cheio de luz, de idéias constelado”
O mundo não havia conhecido
Tampouco desenhado sequer crido
Num tempo pelo sol iluminado,
Vertendo em sangue o quanto foi bastante
Mergulho no passado inda contemplo,
Erijo dos meus sonhos novo templo,
E dele se percebe o cativante
Fulgor que se emanara deste olhar,
Sobejo cavaleiro em noite clara,
Minha alma extasiada se declara
E sabe cada passo vislumbrar,
Decifra tanta força neste braço,
Maior do que deveras hoje traço.

11


“De um povo inteiro o fúlgido horizonte”
Mostrado após sanguíneas sensações
Honrado caminhar onde repões
O mundo que deveras já desponte
Após a imensidão de cada gesto
Audaz do comandante intemerato,
E sendo tanto assim, vital contrato
Ao qual com todo ardor ora me empresto,
Gerando depois disso outro caminho,
Aonde transformara em solo manso,
O quanto dos teus passos eu alcanço,
No encanto que produzes, eu me alinho,
E sei da furiosa maravilha
Deitando em teu caminho, rara trilha.


12


“Erguendo delirante a grande fronte”
Porquanto um caminheiro enfrenta a guerra
E sabe aventureiro quanto encerra
A sorte que deveras ora aponte,
Confrontos do passado e do futuro,
Presente se mostrando mais bravio
E quando em versos tantos eu desfio
Um mundo que soubera ser escuro
Na clara percepção desta mudança
A luta sem limites pela vida,
A mão que vence sempre, decidida,
Enquanto a cada passo já se lança
Transformação ditando cada gota
Do sangue em pele audaz, ferida e rota.

13


“PARECE-ME que o vejo iluminado”
Neste cenário belo ao qual me insiro,
Na força tão mortal de um ledo tiro,
Destino muitas vezes destroçado,
Assim caminha em fúria nossa história
Gerando seus heróis, fugazes luzes,
Mas quando noutras luzes reproduzes
Eternizando assim cada vitória,
Terás teu nome escrito a cada dia,
No olhar vitorioso da esperança,
Gerando a cada dia esta mudança,
Aonde a mão mais forte sempre guia,
Mortalha se transforma em fonte e luz,
À qual este caminho se conduz...

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