sexta-feira, 2 de abril de 2010

O NAVIO NEGREIRO ALEGORIA E HOMENAGEM A CASTRO ALVES

O Navio Negreiro



'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia,
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.

II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!...

III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...

V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...

São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
...Adeus, ó choça do monte,
...Adeus, palmeiras da fonte!...
...Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...

VI

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!




1


“Colombo! fecha a porta dos teus mares”
Já não comporta mais a sorte aonde
Por mais se procure já se esconde
A sorte permanente de Palmares,
Ainda se percebe em solo agreste
A fúria desdenhosa de uma fera,
Matando a mais perfeita primavera,
Diversa da que tanto tu quiseste,
Assim ao se sentir no americano
Olhar intensidade desta incúria,
Da escravidão decerto esta lamuria,
Causando a cada dia um desengano,
Mortalha do passado no presente,
Futuro de que forma se pressente?





2


“Andrada! arranca esse pendão dos ares”
Por onde aventureiros prosseguiam,
Agora novas trevas vêm e guiam
Tornando vis deveras seus altares,
O corte se aprofunda e sempre mais,
O fogo da esperança se escondendo,
Num solo tão fantástico e estupendo,
Encontro da ilusão seus enxovais
E bebo desta imunda água em fel,
Nefasta e caricata garatuja,
A mão que tanto fez-se bem mais suja,
No olhar terrível fera, mais cruel,
A brasa que deveras trouxe o nome,
Agora não sacia a sua fome.

3


“Levantai-vos, heróis do Novo Mundo”
Tentai ao menos ver uma esperança,
Futuro no vazio ora se lança
E nesta estupidez eu me aprofundo,
Num verso mais audaz, vejo o futuro
Espelha este passado em sangue e luta,
A mão que vos domina sendo bruta
O dia se tornando mais escuro,
Vagando pelo céu cruzeiro em luz,
Ao menos poderia vos guiar,
Porém na imensidão de vosso mar,
Apenas tanto medo reproduz
A face mais bisonha do gigante,
Aurífero caminho, deslumbrante.


4


“Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga”
Jogando sobre as ondas barcos tantos,
Apenas se percebem desencantos
Aonde a solidão, deveras traga
E a peste se mostrando em voz comum,
Negando qualquer brilho ao caminheiro,
Roubando toda a glória do tinteiro,
Caminho que procuro, sei nenhum,
Negando assim a luz onde pudesse
Vencer os dias turvos que encontrei,
Sublime Paraíso, rara grei,
A Natureza aqui derrama a messe,
Mas tudo sendo em vão, um corte imenso,
E deste vão futuro me convenço.

5


“Como um íris no pélago profundo”
Pudesse ter a sorte venturosa,
Mas quando a realidade tudo glosa,
O solo em aridez se faz imundo,
Perpetuando assim a vil peçonha
Que tanto do passado diz sangria,
Futuro soberano já se adia,
E toma espaço então tanta vergonha.
Mesquinhos rapineiros corruptores
Políticos venais, podre quimera,
Aonde alguma luz inda se espera
Gerando com beleza raras flores,
Apenas putrefata garatuja
Na mão fétida marca amarga e suja


6

“O trilho que Colombo abriu nas vagas,”
Desnuda-se em total angústia quando
Deveras em terror já se tomando
No olhar dos rapineiros as adagas,
Profanas tempestades, roubos tantos,
A lúbrica paisagem se mostrara
Aonde se tortura em vil escara,
Sobrando aos andarilhos, desencantos,
Medonha esta serpente feita em treva
Devastação matando uma esperança
E quando a voz em vão assim se lança
A morte a cada dia mais se ceva,
E vejo quão nefasto este caminho
E nele, do final eu me avizinho.


07


“Extingue nesta hora o brigue imundo”
Aonde se perfaz a leda história,
Mas mesmo em plena paz é merencória
Enquanto no passado me aprofundo
Percebo contumaz a roubalheira
Que tanto te sugou por tantos anos,
Assim ao se rever tais desenganos,
A sorte de outra sorte já se inteira,
E o vandalismo expondo esta sangria
Corruptos e canalhas são vulgares,
Poder gerando assim toscos altares,
E a senda tão sonhada se desvia,
Mergulha num abismo sem ter volta,
Revive a cada tempo a vã revolta.

08


“Fatalidade atroz que a mente esmaga”
Não deixa que se veja um novo dia,
E quando mais além já se irradia
A fúria dominando cada vaga,
Tempestas e procelas destroçando
O sonho de um momento mais feliz,
O corte reaviva a cicatriz,
E o tempo não se faz deveras brando,
Um sonhador, apenas nada mais,
Assim eu me encontrando solitário,
Caminho tão cruel, desnecessário,
Momentos que pudessem triunfais
Somente traduzindo a desventura
Que em solo mais gentil já se perdura.








09

“Que servires a um povo de mortalha, ‘
Melhor ter sido o fim de alguma história
O gosto relativo da vitória
Deveras sanguinário; dita a gralha,
Perpetuando assim uma injustiça
A sorte se transforma em dor venal,
O que pudera ser, pois, triunfal
Resume uma passada movediça,
Malsã quem tanto em morte se porfia,
Nefasta natureza de tal corvo,
Lacrimejante rumo em vil estorvo,
Delírio se transforma em falsa luz
E à plena derrocada já conduz.

10

“Antes te houvessem roto na batalha,”
Talvez tanta desgraça não gerasse
Quem mostra a dolorosa e vaga face
No fio de uma torpe e vã navalha,
O medo que transforma-se em terror,
A dura caminhada sobre a Terra,
A fúria que outra fúria em si encerra
Mosaico tão nefando a se compor,
Assisto à derrocada da esperança
E a fonte se secando, dita o nada,
Imagem do futuro destroçada
Enquanto o teu furor mordaz avança,
Medonho caricato, vil guerreiro,
Sanguíneo e voraz, tal rapineiro.

11


“Foste hasteado dos heróis na lança”
Aonde poderia haver a paz
O lábaro se mostra tão mordaz,
E à fome em pandemônio já nos lança,
Percebo quão inútil tal vitória
Transcende à própria treva e nada diz,
Somente a vida sempre por um triz
Traduz de uma esperança vil escória,
Putrefação gerando liberdade?
Deveras é assim tão necessário?
O grito que se faz mais temerário
Aquele que o furor deveras brade
E trame contra frágil pequenez,
Assim é que na paz ainda crês?


12


“Tu que, da liberdade após a guerra,”
Trouxeste esta miséria ao derrotado,
Matando algum futuro e do passado
A sorte num terror ledo se encerra,
Negando uma existência mais tranqüila
Devora como fera o que restava,
Assim imagem rara, torpe, brava
Escravizando a sorte se perfila,
Gerando este vazio, imenso caos,
Não posso permitir visão de dor,
E quando mais à glória este rancor
Ditar as normas; desço alguns degraus
E chego ao mais profundo em treva plena,
Nem mesmo a claridade ainda acena.


13


“E as promessas divinas da esperança”
Perdidas sobre a face mais cruel
Ainda que se perca rumo e céu,
O quanto do vazio já se alcança
Percebo vil herança que deixaste,
A morte feita em fúria é teu legado,
O mundo após o tempo, desolado,
Já não conhece mais apoio ou haste,
Jazigos espalhados, covas rasas,
Demônio em ânsia tanta, destroçando,
Trazendo junto a ti, diverso bando,
Aonde encontras vida; tu arrasas,
As asas da alegria se podadas,
As mãos de algum futuro já cortadas.

14


“Estandarte que a luz do sol encerra”
Jazendo sobre o solo, tosco e vago,
O corpo macilento ainda afago
Enquanto a fera audaz, ainda berra,
Gerações de nefastas aves vãs
E delas se percebe apenas isso,
O quanto da esperança perde o viço,
Na ausência mais completa de amanhãs,
Fulgores entre mortos? Fátua luz.
A podridão se espalha e tu te ris,
Aonde se mostrara a cicatriz,
A fúria noutra imensa reproduz
Eternizando assim tanta fartura
Nefanda em vilipêndio, criatura.

15


“Que a brisa do Brasil beija e balança,”
A sorte em derrocada das florestas
E quando tais desertos; cedo, gestas
Percebo quão inútil tal mudança.
A sorte desenhada a ferro e fogo,
O gosto da sanguínea fantasia,
A mão que contra o frágil se porfia,
Tramando a derrocada deste jogo,
Não posso me calar perante a cena
E ver se destruir a mãe natura,
A vida se tornando turva e escura,
Espúria aonde fora mais serena,
Jogando assim ao léu o que virá,
A morte se espalhando aqui e lá.

16


“Auriverde pendão de minha terra,”
Cujo verde se perde a cada instante,
Aonde poderia deslumbrante,
A morte a cada dia mais descerra,
Imagem do futuro desolado,
Desértico caminho em meio ao nada,
Assim cada floresta derrubada,
Arranca este pendão do teu passado,
Medonho e peçonhento; se afigura
Quem tanto em fúria mata a natureza,
Gerando tão somente uma incerteza,
Aborta um amanhã com amargura,
Riquezas? Não! Somente esta ganância
Tornando bem maior tal discrepância.

17

“Que o pavilhão se lave no teu pranto,”
Após não restar nada, só o vazio
Apenas nestes versos eu desfio
O quanto trago em mim, tal desencanto,
Vencida a voz de quem tanto lutara
Perdida uma esperança a cada dia,
Mergulho neste nada que se cria,
A noite não será de lua clara,
A morte feita em treva se aproxima,
A terra se exaurindo, gera a fome,
E quando o verde eu vejo, aos poucos some,
Aonde se escondera nossa estima?
Vagando em terra escusa e mais agreste,
Diversa da que outrora tu nos deste.

18


“Silêncio. Musa... chora, e chora tanto”
Ao ver já destruída a Mãe Natura,
O fardo que deveras se assegura
Ocaso se mostrando qual quebranto,
Percorro estas entranhas, vejo enfim,
O quanto se destrói sem serventia,
A morte a cada passo mais me guia
Aonde houvera outrora algum jardim,
Nefasta se afigura a torpe imagem,
Atípicos demônios nesta sebe,
E o quanto do vazio se concebe
Tragando com furor a paisagem,
Um árido caminho dita a sorte,
Da vida em plenitude, vejo a morte.




19


“Que impudente na gávea tripudia”
Por sobre mares turvos, poluídos,
Os dias noutros tantos vãos perdidos,
E apenas se moldando a sorte esguia,
Erguendo a cada passo a morte eu vejo
E tanto se percebe o ritual
Que um dia se prepara, ato final,
E nele se mostrando torpe ensejo,
Marcando com furor a nossa história,
Gestando alguma pútrida farsante,
Aonde houvera luz de um diamante,
A lua se mostrando merencória,
Quem poderá deveras dirimir
O medo de um nefando e mau porvir.

20


“Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,”
Com os tons já embaçados num mosaico,
Aonde se pudesse em paz, prosaico
Caminho dita a sorte mais funesta,
Perece a cada golpe do machado,
Sangrando em moto-serra algum futuro,
O gesto tão diverso que procuro,
Ditame mais feliz de algum passado,
Mas nada do que posso perceber
Traduz alguma chance, nada disso,
Apenas paz e luz, o que cobiço,
Somente posso ver o desprazer
De ter a minha terra solapada,
E a vida traduzida neste nada.


21


“Em manto impuro de bacante fria,”
A terra destroçada se percebe
E aonde poderia nesta sebe
A claridade aos poucos se esvaia,
Sedentos e nefastos caminheiros,
Gerando invés de flores, dores tantas,
E quando tu concebes e levantas,
Apenas restarão vis espinheiros,
Jazidas em jazigos transformadas,
As ânsias de um momento bem melhor,
Morrendo a cada dia onde o menor
Traduz as novas luzes d’alvoradas.
Espúrio com certeza o teu legado,
Diverso das promessas do passado.


22

“E deixa-a transformar-se nessa festa”
Orgástica loucura tão venal,
Poder se transformando na banal
Medonha criatura que se gesta
Negando algum futuro para quem
Depois de tantos anos não pudera
Conter a imensidão da torpe fera
Negando ao que deveras inda vem
A sorte de tentar outro caminho
Diverso deste estúpido e mordaz,
O passo se mostrasse mais audaz,
Quem sabe algum canário tenha um ninho,
Chagásica esperança se afilando,
Apenas das rapinas, tosco bando.

23


“P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia,”
Nem mesmo alguma mata; eu vejo após
Um ato tão terrível quão feroz
Que à própria natureza desafia,
Escárnio? Vilipêndio tão somente
Assisto à derrocada desta terra
Que há tanto uma esperança ainda encerra,
Negando um solo bom à vã semente,
Ausente dos meus olhos a alvorada,
Fumaça se tornando a cor do céu
Futuro se moldando mais cruel,
Restando a terra nua e desolada,
Jazendo o que talvez pudesse ser
A salvação de um mundo em vil prazer.

24


“Existe um povo que a bandeira empresta”
Para o furor terrível dos farsantes
E vejo noutros dias os brilhantes
E verdes caminhares da floresta,
Agora nada havendo, só deserto,
Areia invés do verde que inda havia,
Diviso com terror, melancolia,
O coração se mostra ainda aberto
E teima contra a fúria mais nefasta
De quantos e temíveis vãos grileiros,
Os cortes são profundos e ligeiros,
A sorte a cada morte já se afasta,
E assim ao se perder verde esperança
Ao que, por que e quando enfim se lança?

25


“Varrei os mares, tufão,”
Desditoso marinheiro
Um terrível timoneiro
Condenando à negação
O futuro desta terra
Que deveras hoje vejo
Bem aquém de algum desejo
Morte em dor gerando guerra,
Fome e fúria demarcando
Cada dia do futuro,
Tanto atroz, venal e duro
Onde outrora fora brando
Solo feito uma carcaça,
Condenando-te à desgraça.

26


“Rolai das imensidades”
Fonte em fúria, terremotos
Os porvires mais remotos
Solidão gerando grades,
O degredo da esperança
O terror em cada olhar,
Onde possa navegar
Se este mar tanto balança
Percebendo então meu fim,
Nada resta de alegria,
Uma sorte se esvazia
Tanta seca no jardim,
Um deserto toma a forma,
Tua face se deforma.

27


“Astros! noites! Tempestades,”
Furacões venais momentos
Em completos desalentos
Com certeza, tanto brades
Nos furores de quem sabe
Que agoniza e vê seu fim,
O terror chegando assim,
Esperança já não cabe,
A mortalha se tecendo
Com terror e a Natureza,
Se tocando com vileza
Onde outrora em estupendo
Caminhar se prometia,
Hoje resta a vilania.

28

“Do teu manto este borrão,”
Afastando este matiz
O futuro se desdiz
Sonegando qualquer chão,
Mergulhando no passado
Vejo a glória prometida
Numa história desvalida,
O vazio por legado,
Cancioneiro dita a lua
Coração de um sertanejo,
Mas agora resta, eu vejo,
Uma face inteira e nua
Já despida da esperança,
O temor ora me alcança.

29

“Co'a esponja de tuas vagas”
Nada posso, em vilipêndio
Tuas matas, tanto incêndio,
Devastando belas plagas,
Perpetua o medo quando
Se traduz insensatez
O terror que agora vês
Pouco a pouco desfiando
Uma história que pensara
Bem maior e mais feliz,
Uma imensa cicatriz
Ao gerar-se desta escara,
Numa amara tempestade,
Tanta fúria nos invade.



30

“Ó mar, por que não apagas”
Do cenário tal torpeza,
Mal se vê na natureza
Cenas duras e tão vagas,
Não pudesse caminhar
Contra a força mais atroz,
De que vale a minha voz,
De que vale meu olhar?
Nada tendo a cada dia,
Um jazigo eu vejo enfim
Onde houvera algum jardim,
Só restando esta agonia
De uma terra outrora bela
Que desnuda se revela.


31

“Tanto horror perante os céus,”
Percebido em fogo intenso,
Quando em claro azul eu penso,
Cinzas vejo os toscos véus,
No cenário colorido
De um momento do passado,
Percebendo destroçado
Condenando-se ao olvido
O que fora tanta glória
Esperança mais gentil,
Em verdade o que se viu
Cena amarga e merencória
Uma escória toma a cena,
E a desgraça à solta, plena.

32


“Se eu deliro... ou se é verdade”
Tanta dor que se prevê
Sem ter mesmo algum por que
O cenário se degrade
Consumido pelo fogo
Destruído sem perdão,
Novos dias mostrarão
Que perdemos já tal jogo,
E o futuro se percebe
Sem mais cores, tão grisalho,
Quando em prol inda batalho
Vejo a morte nesta sebe
E mergulho no vazio,
Solo agreste, duro e frio.

33

“Dizei-me vós, Senhor Deus,”
Porque tanta desventura
Numa terra agora escura
Só se escuta o vão adeus
Tanto tempo poderia
Ter em sorte sorridente,
O calor que ora se sente,
Nossa sorte se faz fria
E o mergulho neste abismo
De um desértico caminho,
Desolando o nosso ninho,
Só gerando o cataclismo,
A medonha face exposta,
De uma terra decomposta.


34


“Senhor Deus dos desgraçados”
Ao se ver a mesma cena
Que o passado nos condena
Os tormentos desvendados,
O terror já se espalhando
Nos incêndios florestais
Traduzindo em nunca mais,
O que se mostrara quando
Em beleza tão sutil,
Percebido em verde raro,
Cada verso em que declaro
Tanta dor quanto se viu
Mesquinhez de um povo então
Traduzindo em podridão.



35


“Ao som do açoute... Irrisão”
A fúria se transformando
Fogo insano se espalhando
Destroçando a plantação
Fome eu vejo em cada face
O terror não se contém,
Da esperança muito aquém,
Sorte vaga que se embace
Nas terríveis heresias
Onde outrora houvera luz,
Tanto medo reproduz,
Nas angústias que porfias,
Derrocada da esperança
Natureza em vil vingança.

36


“Dança a lúgubre coorte”
Num terror que se espalhara
Ao mostrar a sorte amara
Feita em dor, terror e morte,
Uma terra antes gentil,
Agora vejo em tez mordaz,
Onde um dia quis a paz,
O terror não se previu,
Assolando o verde eu vejo
Cada ponto esfumaçado,
Tanto medo, este legado,
Diferente do desejo
De quem soube enfim te amar,
Terra, céu, floresta e mar.

37


“E assim zombando da morte,”
A sorte se mostra nua
Face escusa, nova lua,
Sem ter sombra que conforte,
Furiosa natureza
Se amortalha em voz tenaz,
E o que fora mais audaz,
Condenado com torpeza
Perecendo a cada dia,
Não mais deixa uma esperança
O meu braço não se cansa,
Minha voz é quem me guia,
Mas assim não vendo fim
O que faço sem jardim?

38


“Nas roscas da escravidão”
Natureza se perdendo,
Morte como dividendo
Tão escuro este porão,
O caminho a percorrer
Se transforma num deserto,
O futuro sendo incerto,
Condenando ao desprazer
Nada além deste vazio
Da esperança sequer gota,
A bandeira sendo rota,
Rota vaga em dia frio,
Navegante aventureiro
Já sem cais nem timoneiro.


39


“— Férrea, lúgubre serpente —“
Açoitando em moto-serra
O futuro já se encerra
Tudo cessa num repente,
A mortalha se tecendo
Em grisalha natureza
Segue contra a correnteza,
Morte e dor, teu dividendo,
Nada resta, só, talvez
Uma frágil desventura
Tanta luz, tanta procura,
Se perdendo noutra tez,
A alegria cessa enquanto,
Do teu povo, vago canto.

40


“Prende-os a mesma corrente”
O furor em glória insana,
Uma tez mais soberana
Se mostrando agora ausente
E o terror já se espalhando
Alegrias; não terás,
Quem deveras tão mordaz
Prosseguindo em contrabando
Desde quando se mostrara
Em luzes frágeis, natureza
Segue em dura correnteza,
A manhã jamais é clara,
Tanta cinza no teu céu,
Teu futuro, o mais cruel.


41


“Nem são livres p'ra morrer”
Passarinhos, feras, aves,
Seres bravos e suaves
Nada pode conceber
Navegando em água escura,
Solidão já se aproxima,
A mudança deste clima,
Cada vez mais se perdura,
Corte em fúria de outra luz
Tudo em cinza, nada vejo,
Onde outrora um azulejo,
Céu brumoso se produz,
E assim segue sem porvir,
Mar em dor, tanto a bramir.

42


“Hoje... cúm'lo de maldade,”
Sem no olhar um horizonte,
Poluída cada fonte,
Só terror e iniqüidade,
Afluentes do vazio
Foz em turvas águas; creio
Que secando assim o veio,
No futuro quente e frio,
Solitário caminheiro
Percorrendo a terra nua,
Em crateras qual lua,
Talvez haja um espinheiro
Derradeira prova aonde
O futuro não se esconde.

43

“A vontade por poder”
Vai gerando a desventura
Quando a sorte se procura
Se encontrando o desprazer
Nada vejo só terror
E deveras esta senda
Onde o brilho dita a lenda
Poderia noutra cor,
Mas agora em turbulência
Natureza se desnuda,
Tal seara, sem ajuda
Não terá mais florescência
E a nefasta face exposta,
De uma terra decomposta.


44

“Ontem, plena liberdade,
Hoje nada se mostrara
Funda chaga, vil escara
Onde a sorte se degrade,
Geração em dor imensa
Carpideira do futuro,
Um momento mais escuro,
Não verá mais recompensa,
A senzala do passado
Eterniza-se em terror,
Natureza a decompor,
Morte em solo destroçado,
Auriverde, o teu pendão,
Gris deveras o teu chão.

45


“E o baque de um corpo ao mar”
E o fogo já destruindo
Um cenário outrora lindo
Pouco a pouco a desbotar
É nefasto o teu futuro
O presente não diz nada,
Onde pode uma alvorada
O que quero e em vão procuro
Ao perder verde esperança
Nada resta sobre a terra,
A verdade se descerra
Neste fogo em vil vingança
Quando pode perceber
Corpo aos poucos, perecer.

46


“Pelo arranco de um finado,”
Se percebe a carpideira
Voz da fera madeireira
Todo o mato devastado,
Sendo assim nesta seara
Antes flórea em tal vergel,
Hoje gris o imenso céu
No teu verde vasta escara,
Esfumaça-se o futuro
Sem o sol numa manhã
A esperança se malsã
Neste véu grisalho e escuro,
Traduzindo em fogo e chama
Teu terror exposto em drama.

47


“E o sono sempre cortado”
Pela angústia do não ser,
Tão somente o vil poder
Sonegando algum legado,
O vazio em fogaréu
O terror ora se espalha,
Verde mata, agora em palha,
Da floresta até o papel,
A madeira, o corte, a serra
O vazio se moldando,
Esperança em contrabando,
Uma história assim se encerra,
Num torpor em fúrias vejo
O que outrora em vão desejo.

48


“Tendo a peste por jaguar”
Nada resta no caminho,
Nem o ser vago e daninho,
Nem tampouco algum luar,
Tão somente escuridão
E o deserto em terra nua,
Onde a sorte se faz crua
Novos dias não verão
O luar nem mesmo o sol,
A nefasta tela cria
Transformando em noite o dia,
Destroçado este arrebol,
O passado se traduz
No futuro em tosca luz.

49


“Infecto, apertado, imundo,”
O teu solo mais desértico
Onde outrora quis poético
Nesta senda me aprofundo
E não vejo sequer sombra
De um momento mais feliz
Neste céu imenso e gris,
O futuro já me assombra,
A sangria da esperança
Torna a vida quase inútil
Esperança sendo fútil,
Ao vazio já se lança.
No caminho em trevas feito,
Rio seco, perde o leito.

50

“Hoje... o porão negro, fundo,”
Onde outrora quis a sorte
Sem ter nada que comporte
No vazio me aprofundo,
Esperança que guiara
Navegando em vão percebe
Quanto escusa a dura sebe
Que se fez; um dia, clara
Solidão toma o cenário
O terror traduz a fome,
Todo o verde já se some
O calor incendiário
De um momento mais atroz
Já tolhendo nossa voz.

51

“Sob as tendas d'amplidão”
Nada mais restando enfim,
O planeta chega ao fim
Num eterno e vão verão,
Incendeia-se a esperança
Nossa mata, nada resta
O que fora uma floresta
O deserto agora alcança
Haveria qualquer luz
Se pudesse ter decerto
O caminho que deserto
E ao terror já nos conduz,
Morte certa, mundo alheio,
Rio perde em seca o veio.

52


“O sono dormido à toa”
O caminho desolado,
Quanto houvera do passado
Noutra senda uma canoa
Sorte se escoando em vão
Cicatrizes infinitas,
Onde as terras mais bonitas,
A terrível solidão,
Cena agora repetida
Num país maravilhoso
Vejo agora em tenebroso
Rumo dita esta partida
Para o nunca mais será,
Desde aqui e desde já

53


“A guerra, a caça ao leão,”
O rumo sem ter certeza
Onde a sorte com pureza
Ditaria a direção
Hoje a senda se transforma
Tão igual aqui na América
Sorte amarga e vã quimérica
Se tornando a dura norma,
O planeta já sangrando
Se perdendo a cada dia,
Onde a sorte reluzia
Num suave tempo, brando.
Aquecimento global
Prenuncia este final.

54


“Ontem a Serra Leoa,”
Hoje a fúria no Brasil
Céu grisalho aonde anil,
Voz vazia já se entoa
Sendo assim nada se vê
Nem talvez uma esperança
No vazio em que se lança
Sem ter menos um por que
Tanta luz que houvera outrora
Tanto sonho no porvir,
Natureza a destruir
Em terror tudo decora,
Morte eu vejo invés do brilho,
De viés escuso trilho.



55


“Acha um corpo que roer”
O que resta da floresta
Esta imagem tão funesta
Do terrível desprazer
Destroçando fauna e flora
Num vazio imenso e vão
Aridez tomando o chão
Nada ao menos te decora,
A nudez expondo o solo,
Em terrível derrocada
Tão somente vejo o nada
Para a morte então decolo,
Vejo o fim se aproximando
Esperança se acabando.

56

“Mas o chacal sobre a areia”
Se alimenta dos destroços
Do passado nem os ossos,
Fogaréu ditando a teia
Onde outrora houvera alento
Seca eterna desde agora,
Não restando mais a flora
Desolado, areia e vento,
E o terror se espalha sobre
Este solo que deveras
Expressa em primaveras
O que agora em vão recobre
O vazio se percebe
Onda havia flórea sebe.

57


“Vaga um lugar na cadeia,”
E o vazio determina
Onde houvera fonte e mina,
Hoje a morte se rateia,
Esquecendo do que um dia
Poderia ser tão belo,
Neste verso; o fim revelo
E traduzo esta sangria
Cada tempo mais cruel,
Novas eras não virão,
Tão somente solidão
Morte em água, solo e céu,
Assistindo à derrocada
Que fazer? Somente o nada...


58


“E cai p'ra não mais s'erguer”
A esperança que inda havia
De outra luz em novo dia,
De um suave amanhecer,
Trevas tanto, grises céus
E a terrível penitência
Tanta dor, tanta inclemência
Segue imersa em fogaréus,
Os segredos desta terra
Desnudados desde então
Um terror toma a amplidão
Longa história já se encerra,
E o vazio que transtorna,
Solidão cruel se entorna.


59


“Ai! quanto infeliz que cede,”
Corpos tantos pelo chão,
Ao sentir devastação
Ilusão não se concede,
E perdendo uma esperança
O que restará do todo,
Nem tampouco um charco, um lodo,
O deserto agora avança
Crava as garras mais venais
Toma toda a terra e traça
Tão envolta na fumaça
Traduzindo-se em jamais,
Novo norte? Não mais vejo,
Glória? Nem sequer lampejo...


60

“E a fome, o cansaço, a sede”
Toma conta do cenário
Sertanejo sem a rede,
Ilusão de um visionário
Novo tempo? Nada disso,
A mortalha sendo eterna,
Esperança já se hiberna
Tanta vida, tanto viço
Num instante se perdeu,
E o momento mais venal
Em terror já capital
Espalhando imenso breu
Sendo assim nada mais resta,
Só deserto, onde floresta.

61


“Desertos... desertos só”
Nada além neste horizonte,
Seca a terra, a mina, a fonte,
Só vislumbro areia e pó.
A mortalha recobrindo
Solo outrora varonil,
Esta terra, o meu Brasil
Que já fora belo e lindo,
Num momento mais atroz,
Um Saara se transformando
Sem futuro desde quando
Da cobiça se fez voz,
E o passado em claridade,
Do deserto, a eternidade...

62


“Depois no horizonte imenso”
Onde azulejava a sorte,
Sem ter nada que conforte,
Na verdade me convenço
Do final que se aproxima
Em terror sem galhardia,
Nova noite mata o dia,
Onde houvera alguma estima,
Solidão destroça a luz
E o passado vindo à tona,
Esperança me abandona
Ao vazio se conduz
O caminho de quem tanto
Se mostrara em raro encanto.


63


“Depois, o oceano de pó”
Recobrindo a terra nua,
Nossa senda continua
Num caminho tosco e só,
As entranhas, formas vis,
Ardentias, profusão,
Solo em decomposição
O futuro contradiz
Medo, morte, e nada além
É somente o que ora vejo,
O que fora algum lampejo
Nem reluz o que contém,
A mortalha nos recobre
Solo, outrora rico e nobre.


64


“Depois, o areal extenso”
Onde havia matagais,
Criminosos ancestrais
Destruindo um mar imenso
De vergel e de esperança
Água farta em luz intensa,
Hoje a morte em recompensa
No vazio a voz se lança
E mergulho num deserto
Abissais medonhas formas,
Neste vão que te transformas,
Um terrível nada aberto,
Vai se expondo esta nudez,
Onde o sonho se desfez.



65


“...Adeus, amores... adeus!...”
Nada resta do passado
Este mundo desolado
Envolvido em dor e breus
Não permite sequer canto
Nem tampouco uma alegria
Solidão que desafia
Nela em puro desencanto
Penetrando em solo escuro
Nada resta, tão somente
O vazio por semente,
O vazio por futuro,
Sendo assim, dos meus amores
Já não tenho mais albores.


66

“.Adeus, palmeiras da fonte!...”
Nada além de um solo frio,
Do deserto este vazio
O grisalho no horizonte
Tanta bruma aonde outrora
Azulejo se mostrara
Desta senda bela e clara
Nem lembrança nos decora,
E devora o desespero
Toma conta e quando invade,
Ao gerar a tempestade
Traz consigo o destempero,
Solitário caminheiro
Vendo só fogo e espinheiro.




67

“Adeus, ó choça do monte,”
Nada resta, nem ao menos
Os momentos mais amenos
Água limpa em bela fonte,
Destroçado vejo o dia
Não se vê sequer o brilho,
Dominando o escuro trilho
Os ares de uma agonia,
Morte feita em solidão
Caminhando em treva e dor,
Poderia então compor
Novo tempo ou estação,
Mas as feras, digo um homem,
Pouco a pouco te consomem.

68

“Cisma da noite nos véus”
Bela lua sertaneja
Traduzindo o que deseja
Quem não quis os fogaréus,
Mas a força do dinheiro
Bem maior do que esperança
Apontando a fera lança
Destruindo por inteiro
O que fora mais sutil,
E deveras se desmata,
Sorte vã em terra ingrata
Tão diverso fim se viu,
Onde houvera natureza,
Nem água, nem correnteza.

69


“Quando a virgem na cabana”
Iracema de Alencar
Encontrara um verde mar,
Noutra terra soberana
Não podia nem saber
Nem tampouco traduzir
Uma ausência de porvir
Nesta sede de poder,
Vejo a morte e nela traço
Com terror imenso um verso,
O caminho então disperso
Feito em nó, em fogo em aço,
Veste apenas o vazio,
Que deveras já recrio.



70


“Passa um dia a caravana,”
De terrores sendo feita
Toda a terra já desfeita
Em furor seguindo insana
Navegando sobre o nada,
Se percebe este deserto,
O caminho agora aberto
Onde a mata era fechada
Espelhando em fina areia
O futuro do planeta,
Tanto engano se cometa,
Dilacera corpo e veia
E sem sangue, sem futuro,
Solo morto, amaro e escuro.

71

“Viveram moças gentis”
Homens fortes, sonhadores
Nos jardins diversas cores,
Um momento mais feliz,
Mas a fúria toma tudo
E se em fogo me transmudo
Vou fazendo o que bem quis
Nada resta do que outrora
Se pudera acreditar,
O vazio a desenhar
Sem a luz, ausente aurora
Morte traça dia a dia,
Terra em dor, farta agonia.



72


“Nasceram crianças lindas,”
Mas agora em triste aborto
Natureza perde o porto,
Onde as dores são infindas
A mortalha a recobrir
Cada sonho que inda existe
Um futuro amargo e triste
Solitário este porvir,
Nada havendo nem a luz
Segue assim a tua sina,
E esta mão quando assassina
Só vazio então produz,
Sangra a terra e se agoniza
Tempestade areia; avisa.

73

“Das palmeiras no país,”
Que falava outro poeta
Nada resta, a fina seta
Do terror tudo desdiz,
Morte em forma de futuro
Navegando sem ter cais
Das florestas magistrais,
Tão somente um solo duro,
Geração pós geração
Nada resta, nem o brilho,
Quando o amor este andarilho
Já não vê mais solução,
Esperança se perdendo,
Treva onde um sol estupendo.

74


“Lá nas areias infindas,”
Do deserto brasileiro
Tanta dor, um mensageiro
Do passado em cores lindas
Se perdendo em tanto gris
Nada sabe, nem conhece,
Não se vê sequer a messe
Onde outrora quis feliz,
Geração do nada ter,
O presente se lançando
Ao vazio desde quando
Fala forte este poder,
E o calor de uma esperança
No vazio ora se lança.


75

“Têm que dar para Ismael”
Desta África americana
Onde houvera soberana
Mata agora escuro véu
Esfaimada esta guerreira
Que se fez maravilhosa,
Num jardim ausente rosa,
Nem daninha; a seca inteira
O futuro que se deu
A quem tanto havia dado
O presente sonegado,
Um caminho em tanto breu,
Têm que dar somente o nada,
Sorte em fúria, destroçada.

76


“Que nem o leite de pranto”
Que nem o medo da morte,
Nem a luz que inda conforte
Nem sequer canário e canto,
Desencanto tão somente
Molda a terra antes tão bela
O futuro tece a tela
E sonega uma semente
Produzindo esta aridez
Onde houvera uma esperança
A seara amarga alcança
Todo sonho, insensatez
Negação de algum alento,
Vejo dor e sofrimento.


77

“Como Agar sofrendo tanto,”
Iracema em dor terrível
Um momento mais temível
Feito em treva, turvo manto,
Geração pós geração
Tanto havia por fazer,
Mas ganância de poder
Causando destruição
Matagais, florestas fartas,
Luzes várias, flores raras,
Se percebem vis escaras
Se das sortes tu te apartas,
E o cenário refletindo
O terror agora infindo.


78


“N'alma — lágrimas e fel...”
Onde outrora se quis tanto
Se percebe ausente o canto,
Um canário morto ao léu,
Percebendo este areal
E somente este deserto,
Tanto grito e tanto alerto,
Mas pareço algum boçal
Cavaleiro em noite vã
Traduzindo em versos frágeis
Motos-serra são mais ágeis
E sonegam a manhã
Morta assim a terra esboça
Esta face feita em fossa.

79


“Filhos e algemas nos braços,”
Caminheira do futuro,
Neste solo amargo e duro
Inda tenta leves passos,
Traços mesmo do que fora
Uma sorte mais sutil,
A desdita diz Brasil,
Onde a sorte tentadora
Poderia ter enfim
Um momento mais feliz,
A verdade contradiz
E traz seco este jardim,
A mortalha que reveste
Traduzindo o solo agreste.


80


“Trazendo com tíbios passos,”
Esta dor que dilacera
Neste olhar terrível fera
Ocupando os seus espaços
Traços ditam o vazio
Sensação de nada ter,
O deserto a se fazer
Um terreno agora frio
Desafios do porvir,
Novos tempos amanhãs
E deveras são malsãs
As estradas a seguir
Se não forem bem cuidadas,
Esperanças destroçadas.

81


“De longe... bem longe vêm”
Os olhos de quem se deu
No vazio em pleno breu
Da esperança bem aquém
Nada resta nem ao menos
Ilusão e calmaria
Noite vaga, amarga e fria
Onde em climas mais amenos
Poderia ter a sorte
Que talvez inda tivesse
Se pudesse ter a messe
Da alegria que conforte,
Mas a morte traduzindo
O que outrora fora lindo.

82


“Que sedentas, alquebradas,”
Das florestas nada vejo
Onde houvera algum lampejo
São vazias alvoradas.
O caminho encontra o medo
O terror já se espalhando,
Alegria em contrabando,
A morte ditando enredo,
Nada além do canto atroz
Nada além deste deserto
Tantas vezes eu alerto
Já cansada a minha voz
Deste encanto do passado,
O temor: nosso legado.


83

“Como Agar o foi também”
Iracema não sabia
Da tristeza e da agonia
Que esperança não contém,
O perder de um novo tempo
O poder gera poder
E deveras posso ver
Tão somente o contratempo
Nele a senda mais dorida,
Agoniza este planeta,
Tanta dor que se cometa,
Destroçando a própria vida,
Neste solo americano,
Desalento e desengano.

84


“São mulheres desgraçadas,”
Mães dos pobres continentes
Na verdade as indigentes
Pelas sortes mal fadadas
Vendo os filhos destroçados
Mortas horas, novo engano,
O planeta em desengano
Se entregando, ausentes prados
E das matas brasileiras
O deserto se desnuda
Esperança tão miúda
Já não restam mais palmeiras
Ar terrível, podridão,
Em total desolação.


85


“Sem luz, sem ar, sem razão”
Caminhando em seca terra
Solidão tamanha encerra
Nada vejo em solução
Se perdendo assim a sorte
Sem ter nada que reponha
Nesta cena tão medonha
Medo apenas se comporte,
Cinza céu; vergel já morto
Onde um dia poderia
Ter a luz e a galhardia
Esperança perde o porto,
Navegando em águas sujas
Caricatas garatujas.

86


“Hoje míseros escravos,”
Onde outrora vira a luz,
O caminho reproduz
Noites frias; mares bravos
E terrores assolando
O planeta feito azul,
Norte, leste, oeste e sul,
Nada vejo, a morte em bando
Putrefata senda, eu sei
E o verdugo feito em homem,
Esperanças se consomem,
Nada resta desta grei
O vazio se porfia
Morre aos poucos. Que agonia!

87


“Ontem simples, fortes, bravos”
Hoje frágeis caminheiros
Entre medos e espinheiros
Onde houvera rosas, cravos,
Senda feita em turvas águas
Devastando-se deveras
Nem tampouco as duras feras
Vejo só terror em fráguas
Destoando co’o passado
Feito em glória em luzes tantas
Hoje em morte desencantas,
Não restando sequer prado,
Da floresta tropical
Ao terror, cruel, venal.


88

“Combatem na solidão”
Como fossem, pois lunáticos
E os venais, são bem mais práticos
Neles vejo a podridão,
E o caminho feito em trevas
Se porfia a cada tempo,
Tão somente um contratempo?
Se o vazio ainda cevas
As longevas esperanças
São mortalhas, nada mais,
Onde houvera temporais,
Dos desertos frias lanças
E o fatal pressentimento
Do completo desalento.


89



“Que com os tigres mosqueados”
As onças, jaguatiricas
Em tais terras antes ricas
Bons momentos vislumbrados
Extinção de qualquer vida,
Morte dita atrocidade,
Onde quis eternidade
Tão somente o pesticida,
O veneno se espalhando
Nada resta do planeta,
Ao vazio se arremeta
O que outrora fora brando,
Solidão já se mostrara
Na profunda e torpe escara.


90

“São os guerreiros ousados”
Sonhadores, tão somente,
Mas é frágil tal semente
Pelos tantos destroçados,
As insânias do presente
Traduzindo noutro dia
Uma sorte se esvazia
Vida apenas segue ausente
Ilusão? Creio que não,
Na verdade se traduz
Pela fúria à qual me opus
E vencido, a direção
Se mostrando mais exata
Fogaréu tomando a mata.

91

“A tribo dos homens nus”
Nada além de alguma cena,
O futuro já se acena
Saciando os urubus
Destruída a natureza,
O que resta para nós?
Se em verdade o frio algoz
Atuando com destreza
Nada deixa do passado,
Transcendendo ao próprio tempo
Segue envolto em contratempo,
Traz no olhar tão desolado
O farrapo de uma vida,
Que se vê leda e perdida.

92


“Onde vive em campo aberto”
O verdugo feito em pus
Dilacera a própria cruz
Transcorrendo este deserto,
Rapineira realidade
Nada tendo no futuro,
Qualquer traço inda procuro,
Mas vazio agora invade,
Degradada natureza
Sorte finda, o que faremos?
Sem ter água, rios, remos
Só restando esta certeza
Da mortalha que se tece
Deste solo que empobrece.

93

“Onde a terra esposa a luz”
Se gerava tanta vida,
Mas agora a despedida
Só a morte reproduz,
Finda a glória desta terra,
Finda a sorte do planeta
Tanto engano se cometa
Na verdade que se encerra
O mergulho no vazio
Num inferno sobre nós
Vendo a face deste algoz
Tento e mesmo desafio,
Num momento mais funesto,
Devorando cada resto.

94


“São os filhos do deserto,”
Os herdeiros do futuro,
Solo agreste, torpe e duro,
Um abismo sendo aberto,
Só insetos, nada mais,
Talvez reste alguma vida
Onde a sorte em despedida
Se prepara em funerais,
As mortalhas já nos cabem,
Os momentos tão terríveis
Dias longos, implausíveis
Pouco a pouco já desabem
Sobre todos do planeta
Que à loucura se arremeta.


95


“Musa libérrima, audaz,’
A mortalha da esperança
Que deveras já te alcança
Tudo nega e nada traz
A semente desejada
No passado se mostrando
Neste solo outrora brando
Vai gerando o mesmo nada
E do nada se transforma
Numa face mais cruel,
Onde houvera um claro céu
Tanto azul, sobeja norma,
Vejo o tempo agrisalhado,
O terror, nosso legado.

96


“Dize-o tu, severa Musa,”
Do que outrora fora sonho
Hoje em tempo mais medonho,
Solidão deveras usa
Do terror do nada ter
Como forma de mostrar
O terrível lapidar
Desdenhoso do prazer,
Nele açoda-se o vazio
E pesando sobre nós
O temor, vago ou atroz
Que num verso já desfio
Procurando melhor sorte
Que deveras me conforte.

97


“Perante a noite confusa”
Nada vejo do passado,
O caminho destroçado
Com o medo sempre cruza
E traduz o nada quando
Outro dia se lapida
Modifica a nossa vida
E o poder já desabando
Como fúria sobre quem
Desejara outro momento
E deveras me atormento
Quando o nada se contém
E transcende esta esperança
Que ao não ser somente lança.

98

“Como um cúmplice fugaz,”
Do terror, o rapineiro
Se mostrando um mensageiro
Do que tanto se é capaz
Molda a fonte mais sombria
E deveras caprichosa
Sonegando qualquer rosa,
Espinheiro então se cria
Quando a sorte sonegando
Um momento mais feliz
O futuro contradiz,
O passado nos pesando,
A mortalha já nos cabe,
Esperança em vão se acabe.

99

“Se a vaga à pressa resvala”
Nada resta do talvez
E somente insensatez
Decorando a velha sala,
O passado se apresenta
E transcende feito em luz
O futuro nos conduz
Tão somente à vã tormenta
E a conquista de uma glória
Não permite ao andarilho
Que vislumbre raro brilho,
Nesta lua merencória,
Morta a vida, o que restando?
O futuro desabando...



100


“Quem são? Se a estrela se cala,”
Caminheiros do futuro
Que deveras neste escuro
Antevejo na ante-sala
Do vazio que se traça
Com terror a cada dia,
Esperança já sombria
Se transforma em vã fumaça
Glória há tanto procurada
Não se vê em qualquer senda,
O terror que se desvenda
Sorte sinto desprezada,
Morte vejo a cada fato,
Na aridez deste regato.


101


“Que excita a fúria do algoz”
O desejo da mortalha
Podre campo de batalha
Do futuro nega a voz,
Semeando tão somente
O terror e nada além
Se o vazio me contém
Onde pode uma semente?
Nada resta e nada cevo
Neste solo tão agreste,
O contrário do que deste,
O que deixo, não longevo,
Amargura sem final,
Onde havia matagal.


102


“Mais que o rir calmo da turba”
De chacais e de urubus
Solos mortos, vejo nus
E o passado me conturba,
Caminheiro em temporais
Navegante do não ser,
Morto em vida, desprazer
Encontrando ausente cais,
Marinheiro segue a rota
Rota roupa me recobre
O que fora outrora nobre,
Na verdade não se nota,
Se denota a estupidez
E traduz o que ora vês.

103


“Que não encontram em vós”
Esperança após a guerra
A tristeza se descerra,
Só restando o duro algoz,
Nada além se percebendo
Do vazio que ora bebo,
O futuro não concebo
Sequer vejo dividendo,
O passado traduzido
Na mortalha do presente
O velório se pressente
Esperança em vago olvido,
Terrorismo? Nada disso,
Só não vejo qualquer viço.

104


“Quem são estes desgraçados”
Que caminham sobre escombros
Carregando nos seus ombros
Os destinos desolados,
Vago assim também sem rumo
Sobre turva sensação
Do vazio e do senão,
O meu erro sempre assumo,
Mas as feras tão sombrias
Devorando em gula imensa,
Só pensando em recompensa,
Matam tantas alegrias
E a mortalha que nos cabe,
O futuro que se acabe.




105


“Varrei os mares, tufão”
Desta imensa tempestade
Que deveras tudo invade
Sem ter rumo ou direção
Se perdendo todo o norte
Onde houvera uma esperança
Fogaréu na mata avança
Sem mais nada que conforte
Num confronto inadiável
Natureza em fogaréu
Incendeia o mar e o céu,
Um cenário formidável
E a loucura em que desfez
Demonstrando a insensatez.

106

“Rolai das imensidades”
Fogos tantos, vendavais
Entre lobos magistrais
Já não restam mais cidades,
A catástrofe se espalha
Num terrível cataclismo,
Solitário vago e cismo,
Sou refugo da batalha,
Navegante solitário
De um planeta aonde a vida
Em terrível despedida
Sonegando este cenário,
Perco o rumo e sem jardim,
O que será, Deus de mim?

107


“Astros! noites! tempestades!”
Os caminhos são dantescos
Em terríveis arabescos
Solução já não invade
Se degrada toda a sorte
Esperança me abandona,
Solidão volvendo à tona
O vazio que comporte
Traduzindo o nada ser
E este nada se transforma,
No futuro dita a norma
Cisma em tanto desprazer,
A mortalha se apresenta,
Nesta face, em vã tormenta.

108


“De teu manto este borrão”
Em terríveis tons concebe
O que resta desta sebe
Feita espúria escuridão,
Caminhante do não ser
Navegante do vazio,
Mesmo assim eu desafio
Busco um novo amanhecer
Em grisalhas tempestades
Fogaréus em meio aos pastos,
Passos toscos, velhos gastos
Inda há sorte que se brade?
Não percebo e ainda luto,
Mas vestindo já tal luto.

109

“Co'a esponja de tuas vagas”
Poderia o mar imenso
Apagar o fogo intenso,
Porém sombras morrem vagas
Nada tendo no futuro
Tempestade em fúria e morte,
Sem sequer saber de um norte,
Mesmo assim inda procuro
Caminhar por entre brasas
E sentindo este espinheiro
Sou quem sabe o derradeiro
Ser que vaga sem ter asas,
Os chacais já destroçados,
Os destinos solapados.




110

“Ó mar, por que não apagas”
Este incêndio sobre a terra?
Tanta dor que ele descerra
Invadindo tantas plagas,
Nada resta do passado,
A mortalha cobre tudo,
Se deveras não me iludo,
Bebo o sonho degradado,
Falso guizo, temporal,
Vaga noite, dia insano,
O mergulho tão profano
A vergonha em ritual,
A senzala do presente,
Esperança tão ausente.

111



“Tanto horror perante os céus,”
Traduzindo o nada ter
Nada sendo, o que fazer?
Entregando aos toscos véus
A esperança de um futuro,
A vontade de lutar
Nesta ausência de luar
Neste mundo tão escuro
O vazio se tornando
Sensação que não me deixa,
De que vale tanta queixa
Se não tendo aonde ou quando
O desfile das estrelas,
Já não posso sequer vê-las.

112


“Se é loucura... se é verdade”
Não consigo desvendar
O caminho sem luar,
A tristeza que ora invade
Solidão ditando normas
O medonho anoitecer
Tanta vida a se perder
São diversas suas formas
E o que tenho dentro em mim,
Como um sonho derradeiro
Das angústias mensageiro
Sendo um tolo querubim,
Bebo esta água poluída
E percebo o fim da vida.

113


“Dizei-me vós, Senhor Deus”
Com certeza por que tanto
No universo em desencanto
Encontrando tanto adeus,
Já vencido, nada posso
Nem tampouco ora sonhar,
Caminhando a divagar,
Cada fardo agora endosso
Com o medo, em vão reluto
E vestindo a turbulência
Sobre a terra esta regência
Do vazio em pleno luto,
Sendo assim, o que fazer?
Direção a se perder;

114


“Senhor Deus dos desgraçados”
Nada além do quanto quero
Um momento menos fero,
Mas os dias desolados
Nada trazem, nada dizem
Só traduzem o vazio,
Se deveras desafio
Os meus passos contradizem
Mortes tantas e deslizes
Onde outrora houvera um sonho
Espetáculo medonho,
Dita regras infelizes,
Solidão, dura quimera,
Onde encontro a primavera?


114


“E ri-se Satanás”
Terrível heresia
Que se vê na agonia
Onde encontrarei paz?
A vida se desfaz
O luto se porfia
Tanto medo se cria
Neste mundo mordaz
Na ausência do futuro
Onde vejo o passado
Solitário velado
Caminhando no escuro
Planeta em ledo adeus,
Imerso nestes breus.

115

“Gritos, ais, maldições, preces ressoam”
A esperança trancando a sua porta
O sonho dia a dia já se aborta,
Apenas os vazios inda escoam
Tomando toda a terra em fogaréu
Ainda que pudesse resistir
Sem ter sequer a sombra de um porvir
Brumoso eternamente então tal céu
Negando qualquer forma de existência
Gerando tão somente o nada ser
O quanto se tortura em desprazer
Mostrando esta terrível penitência
Inglório caminhar da raça humana
Que um dia se pensara soberana.

116

“Qual um sonho dantesco as sombras voam”
Rondando este deserto após a vida
A sorte na terrível despedida,
Somente as heresias inda ecoam
Gestando a solidão, negra fumaça
A fúria da Natura contra ataca
Cravando no final em fria estaca
O quanto do futuro já se embaça
Medonha face exposta do planeta
Agora tão vazio quão venal,
Girando sem sentido pelo astral
Volvendo contra si, tosco cometa,
Redemoinhos tantos, vendavais,
E as ânsias em momentos terminais.

117


“Faz doudas espirais”
Girando intensamente
Voltando num repente
Em sonhos espectrais
Nada vejo e não mais
Não tendo uma semente
Uma esperança ausente,
Os ventos são fatais
A sorte se perdendo
A morte em dividendo
O que será de nós?
Nada restando enfim
Onde quis um jardim
Um sonho morto, atroz.

118


“E da ronda fantástica a serpente”
Não deixa que se veja nem a sombra
Do quanto se perdeu e agora assombra
Tornando cada passo um penitente
Ausente dos meus olhos a esperança
Vazios dias mortas ilusões,
E quando novamente tu te expões
O fogaréu ao nada já se avança
Na Lança do terror o quanto em fúria
A terra se tornando inabitável
O fim já se mostrando inevitável
Da vida feita amor, restando a incúria
Nem mesmo uma lamúria posso ouvir,
Não resta nem sequer mesmo o porvir.





119


“E ri-se a orquestra irônica, estridente”
Demônios e satânicas figuras,
Nas trevas entre as brumas tão escuras
Tinindo com furor cada tridente,
Somente a estupidez reinando agora
Aonde houvera vida no passado,
A morte se recebe por legado
Vazia a cena, a fúria já devora
E o tempo se esgotou, nada mais resta
Tampouco algum momento em doce alento,
Deveras tão somente o sofrimento,
Aonde havia luz, rio e floresta
Desértico caminho se desnuda,
E a sorte num instante, cego, muda.


120


“Fazei-os mais dançar”
Demônios caricatos
Deveras os seus atos
Impedem de sonhar
A morte do luar
A seca dos regatos,
Terríveis desacatos
O quanto pude amar
E nada disso vejo
Ausente o meu desejo
A treva me inundando
Medonho este momento
E nele, me apresento,
Sereno ou mesmo brando.


121


“"Vibrai rijo o chicote, marinheiros”
Da nau que ora naufraga num espaço,
E quando este desenho horrendo traço
Vislumbro num segundo os mensageiros
Do Criador em lástima se expondo,
Na visceral vontade de existir
Ao perceber o fim de algum porvir,
Da imensa claridade enfim me escondo
E sei que no final de tudo assim
Apenas a vagar um astro morto,
Deveras dos demônios belo porto,
A história se encaminha para o fim,
Quem sabe seja simples pesadelo,
Mas como se consigo até vivê-lo?

122


“Diz do fumo entre os densos nevoeiros”
A voz em rebeldia de Satã
A vida que deveras foi malsã
Não serve nem tampouco aos espinheiros
O gozo do passado nos meus olhos,
A luz ausente mesmo do que tanto
Pensara num momento em raro encanto
Saudade sinto até dos vis abrolhos,
A sorte deslindada na quimera
Medonha que se mostra em tantos gris,
O mundo numa imensa cicatriz,
A vida não consegue e sem espera
Mergulha num abismo em louco espasmo,
Satã se gargalhando em vão sarcasmo.

123


“Tão puro sobre o mar,”
O céu que via outrora
Aonde se decora
Deveras o luar
Num louco gargalhar
A sorte não demora,
E tudo vai embora
Não resta nem sonhar,
Um peso em minhas costas
As cenas decompostas
Falando do passado
Que tanto me faz bem
E quando nada vem,
O que terá mudado?


124

“E após fitando o céu que se desdobra,”
O fim se transformando inevitável,
Aonde poderia ser arável
A terra com mil juros sempre cobra
E o passo se fazendo agora em vão
Não deixa qualquer sombra, morto em vida,
Preparo também minha despedida,
A sorte se entranhando em frio chão,
Caminho sobre escombros, nada mais,
E nesta ausência toda nem a voz
Do mais terrível cão da fera atroz,
Tampouco vejo a sombra dos chacais,
Apenas o vazio, este vazio
Tormenta em tom nefasto e mais sombrio.


125

“No entanto o capitão manda a manobra,”
Na fulgurante barca dos horrores
Aonde houvera então jardins e flores
Somente este vazio se desdobra,
O corte se profana, a terra morre
E o vasto de um deserto toma tudo,
E quando vez por outra inda me iludo
Realidade nunca me socorre,
Venais os descaminhos desta cena
Sofrível tal momento que inexato
Sem água, morta a vida eis um fato
Noção de tal instante tendo plena
O quadro se mostrando irreversível,
O mundo em agonia; pois, terrível.


126


“Cantando, geme e ri”
Demônio triunfal
Vagando neste astral
O rumo já perdi,
Jamais eu percebi
Momento mais venal,
Assim num ritual
O todo vejo aqui
Num átimo vazio
E o gene se transforma
Nesta mutante forma
Satânico recrio
Em temporal fugaz
A morte feita em paz.

127


“Outro, que martírios embrutece,”
Não tendo menor chance, me misturo
E outrora imaginara ser mais puro
Caminho que deveras obedece
Às trevas tão somente e nada mais,
Ausência de esperança gera o medo
E quando aos vis demônios me concedo
Sabendo dos terríveis rituais
Vestígios do que fora outrora humano
Perdidos na genética mutante,
E o quadro se transforma neste instante
Do nada sou também um soberano
Imorredoura fonte do vazio,
Num ar tão tenebroso e mais sombrio.


128


“Um de raiva delira, outro enlouquece,”
Jazendo sobre as sombras do passado,
O corpo de um planeta desvairado,
Na morte este vazio se amortece,
Risonho cavaleiro do não ser,
Terrível como fosse outro demônio
Reinando sobre vasto patrimônio,
Porém já devastado, o que fazer?
Somente a solidão, sem o futuro
Espúrio caminhante em trevas tantas,
Ainda emoções houvesse quantas
Pudesse, mas deveras já conjuro
Teimando contra a vil eternidade
Numa ânsia que decerto me degrade.

129


“E chora e dança ali”
Demônio em luz sombria
Aonde houvera dia,
Deveras já perdi,
A sorte que escolhi
Austera fantasia
Na bêbada agonia
Aonde, aqui, ali
O resto do que viva
Ainda que vivesse
Em meio a vaga messe
A mente mais altiva
Mergulha num abismo
E tosco, torpe, cismo.


130

“A multidão faminta cambaleia,”
Em volta desta fúria intransponível,
O quanto deste quadro é tão temível
O medo entranhando em cada teia,
Ao léu este planeta gira e gira
Eterno carrossel sem direção
Vagando tão somente em solidão
Qual fora incomparável, louca pira,
Incêndios pululando em toda a face
Desnuda desta esfera que vulcânica
Espasmos de uma intensa tez tetânica,
E a solidão se mostra em tolo impasse.


131



“Presa nos elos de uma só cadeia,”
Vagando por espaços sem sentido,
O mundo que pensara dividido
Negando qualquer luz, já se incendeia
Na insana tez deveras da candeia
O medo pode ser já percebido,
E quando se encontrasse algum olvido,
A morte renovada se permeia
E o vento assola todo este areal,
Cadáver do cadáver triunfal
Satã gargalha em festa eterna e nobre,
O furioso passo se tornando
Aonde se pensara fosse brando,
Ao fim de cada etapa o pus recobre.

132


“E voam mais e mais”
Terríveis mariposas
Sanguíneas vis esposas
Em atos teatrais
Tornando os rituais
Em cenas mais viscosas
Por mais que belicosas
As asas infernais
Entranham tempestades
Volúpias performáticas
Essências aromáticas
Em lutos seus degrades
Mecânico fulgor
Terrível estupor.

133


“Ouvem-se gritos... o chicote estala”
O pesadelo em treva eu vivifico
E quando me percebo e verifico
O sacrifício toma toda a sala,
Arrastam-se correntes as galés
Assistem ao final do velho drama
Ainda se mostrando enquanto clama
Olhando para os lados, de viés
E tendo em suas mãos velha vergasta
Satânica figura em ironia,
Deveras tempestades já procria,
E a sorte a cada instante mais se afasta,
Medonho caricato eu sigo assim
E aguardo tão somente pelo fim.

134

“Se o velho arqueja, se no chão resvala,”
E toda a tempestade feita em fúria
Vergastas se estalando em farta incúria
Minha alma desta cena se é vassala
Domina este cenário e também ela
Envolta por satânico delírio
Decifra cada passo do martírio
E tosca e em tepidez já se revela
O quanto fora inútil minha vida
Depois deste espetáculo em terror,
Matando o que restara, o sonhador
Em luzes tão funestas não duvida
E segue a torpe trilha dos demônios
Vagando entre nefandos patrimônios

135

“Faz doudas espirais”
A terra em carrosséis
Exposta em duros féis
Girando sempre mais
Nefandos funerais
Expondo antigos méis
Aos rostos infiéis
Seguindo magistrais
Demônios se apossando
Deste terreno quando
Encontram cada espaço
Vagando sem destino
Também eu me alucino
E cedo a cada passo.

136

“E da ronda fantástica a serpente”
Edênica ressurge a cada instante
E vendo tanta fúria, degradante
Caminho se demonstra num repente
A sorte se transforma em nada então
E o medo se esvaindo a cada olhar,
Pudesse noutra senda caminhar,
Mas sinto ter deveras sempre vão
O tempo se congela no vazio
O corte se aprofunda sempre mais
E quando em loucas cenas rituais
Deveras sobre o nada me recrio
Assola-me a vontade de fugir
Ao tétrico caminho do porvir.

137


“Em ânsia e mágoa vãs”
Girando eternamente
A fúria se consente
Em vários tolos clãs
O medo dita a cãs
Açoda novamente
O rito de um demente
Em torpes toscos afãs
Os olhos no passado
O corte aprofundado
O vento quase insano
Demônios entre tantos
Deveras desencantos
E o luto soberano.

138


“No turbilhão de espectros arrastadas,”
A sorte se esvaindo em grises tons
Deveras se mostrando em loucos sons
As sortes tantas vezes degradadas
As horas não existem nem porfiam
Cantigas demoníacas se ouvindo
Cenário cada vez mais poluindo
E os medos entre medos desafiam
As sombras do passado me rondando
O corte se percebe agora enorme
O olhar de um louco insano já disforme
As esperanças morrem tosco bando
O vento do futuro em negação
E ainda se percebe em diversão.

139


“Outras moças, mas nuas e espantadas,”
Açoites e vergastas cortam mais
E dentre estes diversos festivais
As cordas do passado arrebentadas
Mordazes gargalhares de Satã
Em pendulares ritos, fogos tantos,
E neles se percebem desencantos
Loucura porfiando amargo afã,
O peso do viver vergando as costas
Deveras é difícil prosseguir,
A sorte feita em aço faz sentir
As mortes entre insânias decompostas,
Terrível pesadelo? Nada disso
Ausência de calor, num fogo em viço.

140


“Rega o sangue das mães”
A fúria sem limite
A insânia se permite
Na confusão de cães
Que tanto reproduzem
Os males e os tormentos
Completos desalentos
Deveras me seduzem
E a fúria me tomando
Decerto não mais creio,
O mundo sem receio
O peso em contrabando
E o gozo de um orgasmo
Insano em torpe espasmo.

141


“Magras crianças, cujas bocas pretas”
Tentando qualquer forma de alimento
Apenas fel tomando este momento,
As hordas entre as hordas de capetas
Incríveis gerações e clãs diversos
Estúpidos venais acorrentados
Cabelos entre os olhos desgrenhados
E os passos sem destino vão dispersos,
Não posso me calar, danço e me agito
Fornalha se mostrando em ar sutil,
O solo do desértico Brasil,
Agora feito em brasa, mais bonito,
E o rito demoníaco propaga
Ainda bem maior escara e chaga.

142


“Negras mulheres, suspendendo às tetas”
Macilentos demônios entre tantos,
Assisto ao derrocar dos desencantos
Girando feito em trevas, os cometas,
Ansiosas as bacantes bebem sangue
Dos corpos exauridos, mas respiram,
Demônios com demônios já conspiram
No seco e tão funesto, antigo mangue
Aonde em profusão seres vulgares
Zumbis perambulando sem destino
E quando vejo a cena me alucino
A podridão se exala em mil lugares,
Vasculho dentro em mim é só percebo
Demônio que deveras quero e bebo.

143


“Horrendos a dançar”
Demônios entre tantos
Sorvendo dos quebrantos
O quanto pode dar
A sorte a se tornar
Deveras desencantos
Por todos vários cantos
O vento a trucidar
Os restos que se vê
Sem nada e sem por que
Medonhos caricatos,
E assim brindando ao podre,
Dos vinhos em cada odre
E repelentes pratos.

144

“Legiões de homens negros como a noite,”
Ansiosas faces rubras, branca tez
Tomados por total insensatez
Vibrando em fúria vejo um fino açoite
E a carne decomposta faz a festa
De todo rapineiro que inda sobra,
Terrível Satanás divina cobra,
Ao gozo mais fugaz quando se empresta
Gerindo tal orquestra em funerais
Marcando em dissonância este compasso
A terra sem destino pelo espaço
Exposta assim solares vendavais,
Não deixo de saber cada sevícia
E sinto a cada corte, outra delícia.

145


“Tinir de ferros... estalar de açoite..”
A festa não termina e quero mais,
Comendo nestes podres festivais
Assim se ultrapassando outro pernoite
Sem ter manhã nem sol que ainda brilhe
Tomado o céu por brumas tão espessas
A vida a se mostrar sempre às avessas
Caminho em treva tanto maravilhe
O olhar de quem se fez em tempestade,
Singrando este oceano em fogaréu,
A terra navegando segue ao léu
Somente a podridão agora invade
Redime cada corpo decomposto,
E o mundo em morbidade, assim exposto.



146


“Em sangue a se banhar”
Demônios entre os restos
Momentos mais funestos
Eu posso adivinhar
O mundo a naufragar
Satânicos meus gestos,
Risonhos, desonestos
Deveras demonstrar
Fatídica visão
Total contemplação
Do nada que se vê
E assim sigo vazio,
Ainda vivo espio
E busco algum por que.

147


“Que das luzernas avermelha o brilho”
Gerando a sensação de alguma luz,
E a fúria noutra fúria reproduz
Caminho onde tento, teimo e trilho,
Percorro outro infinito sem saber
Se existe alguma vida; além dessa
A história noutra história recomeça
Satânico caminho a me envolver
Cardumes de zumbis vagam sem rumo,
O cheiro pestilento do nefasto,
Mas gosto e com certeza não me afasto
Bebendo com furor terrível sumo,
Assisto à derrocada do planeta,
E a sorte de um porvir que se prometa.

148


“Era um sonho dantesco... o tombadilho”,
A proa todo barco dito terra
Em furioso mar de lava encerra
Deveras o caminho em torpe trilho,
Seguindo sem ter paz um só momento
Demônios e figuras mais nefastas,
As horas entre as horas sendo gastas
Somente para a senda do tormento
E o peso de ter mesmo me esquecido
Do quanto fora outrora mais gentil,
Demônio que em demônio permitiu
Morrendo quando nasce e não duvido
Da morte feita em vida me gestando
Da vida feita em morte renovando.


149

“Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror”
A cena se mostrando em face demoníaca,
A sorte determina o quanto em tez maníaca
O mundo neste instante eu vejo decompor
Na morte a cada olhar, na vida inexistente
Planeta se perdera e nada se mostrando
Aonde poderia haver um povo brando
A vida se transforma e vejo um penitente
Caminho feito em treva e nada mais além
Respiro a podridão e nela me desnudo
O vento se desvenda em corte e não me iludo
A porta se arrombando e o quanto se contém
Da furiosa chama em prantos e terrores,
Aonde houvera luz somente dissabores.

150

“É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...”
Nefasto patrimônio escassa fantasia
Mortalha tão somente ainda me cobria
E vejo em tosco céu deveras nas alturas
Um Pai calado e triste, em face desolada
A sorte neste inferno agora se desvenda
E aonde houvera luz, somente opaca senda
Do todo prometido, apenas vejo o nada,
Singrando sem destino imenso este cometa
Girando em carrossel, nefasto rosto vejo
E quando se percebe aquém do que desejo
Ao nada simplesmente a sorte se arremeta,
Mudando a direção, fagulhas entre fogos
Das fráguas se percebe insânia em torpes jogos.

151

“Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras”
E a cena se reflete em tudo o que inda resta
Demônio em pleno riso, orgástica esta festa
E além do que pensara as noites tão escuras
Sedenta fantasia, estúpido canalha
O corte mais sutil, a senda mais terrível
Pedaço deste mundo em face mais temível
Enquanto se porfia em campos de batalha
O que restara enfim, devora-se depressa
A história no vazio, eu sei que pode ter
Ainda qualquer brilho inútil de um prazer
E toda a servidão assim que recomeça
Espalha novo incêndio e mata o que restara
Da insana caminhada em chaga, fogo e escara.


152


“Como o teu mergulhar no brigue voador”
Caminho descoberto entre trevas percebo
Com fúria do vazio em vão sinto e concebo
O que não poderia ao menos sonhador
Gerar a tempestade horrível que ora vejo
E nela se traduz o mundo agora insano
Gerindo este não ser, demônio soberano
Numa ânsia tão venal, somente vil desejo.
Medonho temporal à sorte se permite
E nada do que fora outrora posso ver
A senda se destrói em tanto desprazer
Ultrapassando assim deveras o limite
E tendo nada além de todo o desencanto,
Ainda que pudesse estúpido quebranto.

153


“Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano”
Jamais se concebera o fim de tal maneira
A vida mesmo eu sei audaz e passageira,
Porém o que ora vejo apenas tanto dano
Escava-se no nada e nada se produz
Aquém do que sonhara a morte intransigente
O fogo de um inferno aqui sendo presente
Ausente deste olhar qualquer forma de luz,
O medo se espalhando aonde poderia
Haver felicidade intensa esta agonia
Que resta deste todo aonde se emergira
Inútil fogaréu, estúpida esta pira.

154


“Desce do espaço imenso, ó águia do oceano”
Fantasma do passado ainda vejo bem
Transforma a tempestade e morre muito além
Deveras rapineira a sorte em desengano,
Furor intensamente escassa fantasia
O medo se propaga a noite se eterniza
Tampouco se percebe alento em mera brisa
Nem mesmo algum sorriso esboça uma alegria
A morte toma tudo e nada mais resiste
Somente uma alma atroz, a fúria se apresenta
De forma mais vulgar deveras violenta
Cenário sem porvir decerto bem mais triste
Edênico caminho há tanto destroçado,
Não resta qualquer sombra ainda do passado.





155


“As melodias do céu,”
As lembranças do passado
Que carrego aqui do lado,
A saudade é tão cruel,
O sabor doce do mel,
Coração apaixonado,
Neste tempo abençoado
Hoje louco carrossel,
O sonhar sem ter limite,
Neste sonho que acredite
Possa um dia me trazer
A alegria novamente,
Mas o fim já se pressente,
Tão somente o desprazer.

156

“Vós sabeis achar nas vagas”
Os momentos mais suaves
E permitam vossas naves
Dias calmos; noites magas
E deveras noutras plagas
Sem terrores ou entraves
Talvez dias menos graves
Talvez longe das adagas
Novos tempos surgirão.
Sonho apenas, nada mais
Destroçados magistrais
Delírios de um trovador,
Que decerto fez do amor,
A tábua de salvação.

157


“Nautas de todas as plagas,”
Por momentos poderiam
Encontrar se fantasiam
Estas luzes que ora apagas,
Restitui-se nova vida
Traça em cores o futuro,
Do passado tão escuro
Amanhã decerto ungida,
Quem talvez inda veja
Nova senda mais brilhante,
Mas deveras num instante
Toda a sorte se negreja
E o caminho sem porvir
É o que posso enfim, sentir.


158


“Versos que Homero gemeu,”
Noutros tempos mais felizes,
Quando começaram crises
E este rumo se perdeu,
Num momento mais dorido
Nossa história noutra trilha,
Mas agora sem partilha
Tudo morre em vago olvido
Do passado triunfante
Da ciência e do saber,
Da vitória ao desprazer
Tudo gira num instante
E a semente nada dita
Numa terra tão maldita.



159


“Vão cantando em noite clara”
Os sonhos que já perdi,
O momento diz daqui
Que o futuro não declara
Nem sequer qualquer alento
A quem possa ter no olhar
Horizonte, sem o mar,
Tão somente areia e vento,
Doce sabor do passado
Vive ainda em torpes lábios
E o mundo sem astrolábios
O caminho destroçado
Nada resta sobre a terra
Longa história que se encerra.

160


“Homens que Fídias talhara,”
Áureos tempos do passado,
Onde resta algum legado
Deste brilho de Carrara?
Nem a sombra do que fora
Esta senda soberana,
Cada passo mais engana
Quem tem a alma sonhadora,
Morte expressa no vazio,
Na fumaça e fogaréu
Tão ausente deste céu
Qualquer brilho, só desfio
Solidão em treva tanta,
A minha alma desencanta!

161


“Do mar que Ulisses cortou,”
Nem sequer resta uma gota
Nossa história agora rota
Dela nada mais restou,
Nem semente ou mero grão
Onde vejo um arvoredo?
Se algum sonho inda concedo
Em bem sei é sempre em vão,
O meu mundo feito em nada,
No terror do nada ter,
Tão somente o desprazer
Nesta terra desolada
E o deserto toma conta
Nem sequer um brilho aponta.

162


“Belos piratas morenos”
Belas moças. Belo sonho,
O que tanto inda componho
Ao falar de tempos plenos
Traz no peito esta saudade
De quem fora mais feliz,
A verdade contradiz
No terror que já degrade
Qualquer sombra de uma vida
Numa terra em podridão
Aridez tomando o chão
Já se mostra a despedida,
No horizonte acinzentado
Nem a sombra do passado.


163


“Que a vaga jônia criou,”
Em seu momento de glória
Ao lembrar tal bela história
Neste nada que restou,
Caminheiro do passado
Sem presente nem futuro,
Dentro em mim inda procuro
Um diverso e manso Fado,
Mas somente uma ilusão
Nada além, isso eu percebo
Do vazio que recebo,
Não se vê a geração
Tão somente o fim atroz
Toma inteira a minha voz.

164


“Os marinheiros Helenos,”
Os momentos em que a sorte
Ao ditar diverso norte
Tão distante dos venenos
Que espalharam tanto medo,
Tanta morte, tanta dor,
Onde houvera agricultor
Já não resta algum segredo,
Tudo fora destruído,
Nada mais eu vejo aqui,
Do passado me perdi,
Do futuro, apodrecido,
Nada tendo no presente,
O vazio então se sente.

165


“E os loureiros do porvir”
Dizimados desde já
Onde o tempo mostrará
O que não posso sentir
No reinado do vazio,
Nesta terra sem destino,
O meu verso pequenino,
Onde o fim ora desfio,
Mergulhando no que fora
Traça dias de ilusão
Outros tempos mostrarão
Paisagem desoladora
Dela nada a se mostrar,
Terra, céu, luar e mar.

166

“Canta os louros do passado”
Quem deveras poderia
Ter nas mãos um novo dia,
Nossa senda outro legado,
Mas realidade nua
Se expressando em dor e tédio
Já não vendo mais remédio
Senda torpe continua
Em matizes tão grisalhos
Somente restos se vêm
Procurando por alguém
Nem a sombra nem atalhos
Tudo em trevas, nada vendo,
Qual será meu dividendo?

167


“O Francês — predestinado —“
Sonhadores em Paris
Nem ao menos cicatriz,
Percebe-se em desolado
Caminhar sobre o vazio,
Brasas, cinzas, labaredas
Onde havia as alamedas
Solidão, eu prenuncio,
E mergulho dentro em mim
Procurando alguma luz,
Mas deveras reproduz
Esta falta de jardim,
E o que fora primavera
Noutra dor, nova quimera.

168

“De Nelson e de Aboukir.. .”
De momentos magistrais
Tão somente o nunca mais
É que posso enfim ouvir,
Dita o rumo do futuro
O não ser e nada crer,
Onde poderia haver
Solo agreste, frio e duro,
Percebendo o solitário
Caminhar por terra nua,
Onde a sorte não atua,
Qualquer brilho é temporário
E corsário deste nada,
Sem o sol, sem alvorada.

169


“Lembrando, orgulhoso, histórias”
De outros tempos, velhos dias
Revivendo as fantasias,
Nestas horas merencórias,
Solitário navegante
De um planeta ensandecido,
Totalmente destruído
Num cenário degradante,
Tão mesquinho este presente
Amanhã em voz terrível
Expressando esta possível
Caminhada que pressente
Quem deveras se fez sonho,
Neste enredo que componho.

170

“Rijo entoa pátrias glórias,”
Quem se fez insensatez,
Bem diverso do que crês,
Inda imerso em vãs vanglórias
O caminho se apresenta
Desolado em fúria tanta,
O que uma alma teima e canta,
Tempestade violenta
Destruindo o que restara
De uma história tão bonita,
Se mostrando esta desdita
Se tocando nesta escara
Quem sabe talvez consiga
Perpetrar outra cantiga?


171


“Que Deus na Mancha ancorou,”
Uma história feita em brilho,
Outro tanto um andarilho
Percebeu onde encontrou
No passado intensa luz,
Mas na ausência desta fonte,
Nada vendo no horizonte
Nada disso reproduz
E sedento sem saber
Onde pode haver a mina,
Cada dia se alucina
E mergulha no não ser,
Matizando este cenário,
Desolado e solitário...


172


“Porque a Inglaterra é um navio,”
Porque a América se fez
Com soberba em altivez,
Onde houvera qualquer fio
Do passado ainda tento
Vislumbrar um só instante
Mais feliz ou deslumbrante
Tão distante deste vento,
As escórias se mostrando
O calor é infernal,
Morte sendo triunfal,
Onde houvera um dia brando,
Nada sei e não terei,
No vazio eu dito a lei.

173


“Que ao nascer no mar se achou,”
Navegante do passado,
No presente desolado
Nem a sombra ele encontrou,
O perfil deste planeta
Se mostrando mais venal,
Qualquer ponto num astral,
Carrossel dita o cometa
Que sem rumo ou direção
Vaga sem saber para onde
Nem deveras já se esconde
Nem os dias mostrarão
Nova luz em tanta treva,
Novo grão se nada ceva?

174


“O Inglês — marinheiro frio,”
Navegante do passado,
Já deixara por legado
Universo em desafio,
Mas agora nada havendo
Nem sequer o próprio mar
Sem ter onde navegar
Um planeta que estupendo
Se transforma de repente
Num deserto sem igual,
O caminho triunfal
Desta edênica serpente
Traduzindo em nada ser,
Demonstrando o seu poder.


175


“Junto às lavas do vulcão”
Cinzas tantas farta lava
A minha alma já se lava
Na total desolação
Esta cena se repete
A cada instante e cada passo,
O futuro se não traço
O presente me compete,
Solitário navegante
De um cometa sem destino,
Quando vejo e me alucino,
Percebendo o degradante
Caminhar da terra imensa,
A morte por recompensa.

176

“Relembra os versos de Tasso,”
Relembra os versos de amor,
Relembra os versos, cantor
Que não vendo mais espaço
Caminhando sem ter nada
Nem tampouco direção
Neste imenso mundo vão
Nesta terra desnudada
Sorte em trevas, nada além
Sorte em medo, morte em vida,
Preparando a despedida
Que deveras não contém
Esperança; então me calo,
Sem ter nada, nada falo...

177

“Ou do golfo no regaço”
Ou do rio em grande foz,
Nada escuto, nem a voz
Nada vendo, nada traço,
Esperando o mesmo nada
Que deveras se percebe
No vazio desta sebe,
Uma etérea caminhada,
Rumo ao quê? Nada se vê
Nem tampouco saberei
Solitária e dura grei,
Nem na sorte mais se crê,
Vago alheio e sigo só,
Companhia? A deste pó.

178


“Terra de amor e traição,”
Terra de sonho e de gozo
Um planeta majestoso
Em completa perdição
Senda amarga em desalento
Senda fria em noite escura,
Tanta sorte se procura
Nem sequer sombra, só vento
E o lamento de quem fora
Noutros tempos trovador
Hoje ausente campo e flor,
Nem imagem redentora,
Tão somente esta aridez
Tudo enfim já se desfez.

179


“Canta Veneza dormente,”
Em sobejos carnavais
Em momentos magistrais,
Canta a terra plenamente,
Canta a América do sonho,
Canta uma África festiva,
Uma terra ainda viva,
Belo dia, eu recomponho,
Mas sequer vejo uma gota
Do que outrora fora farto,
Se do sonho já me aparto,
A minha alma agora rota
Nada tendo, nada faz,
Nem ternura, dor ou paz.

180

“Da Itália o filho indolente”
De momentos geniais,
Mas agora nunca mais
Nada além, nada se sente,
Vandalismo dita as normas
E os desvios do planeta
Onde ao nada se arremeta
Já não vejo sonho ou formas,
Nem o canto do canário
Nem o som do rouxinol,
Nem a lua, nem o sol,
Tão terrível o cenário,
Somente desolação
Neste mundo em perdição.

181


“As andaluzas em flor”
Asiáticas, morenas,
Ébano em divinas cenas
Tanta glória em farto amor,
Porém tudo se perdera
Já não vejo nem sinal,
De um momento casual,
Sem sequer pavio ou cera
A vela de uma esperança
Já não pode mais luzir,
Onde houvera algum porvir
O terror somente alcança
E a medonha realidade
Com terror agora invade.

182

“Lembram as moças morenas,”
Os meus sonhos, sedução
Na terrível solidão,
Trago em mim as duras penas
De quem tanto desejara
E nada tendo no passado,
Mergulhando em seu legado,
Reabrindo enorme escara
Escancara tão somente
O seu peito que iludido,
Vive só em vago olvido
Já não tendo nem semente
Só pressente a morte em vida
Há tanto tempo decidida.

183

“Requebradas de langor,”
Carnavais Bahia e Rio,
Meu passado, se eu porfio
Vejo um rito tentador,
Mas envolto pela sombra
Do que tanto mais temia,
Desta terra agora fria,
Solidão, terror, assombra
E o mergulho dentro em mim
Sonegando uma esperança
Ao vazio já se Lança
O que outrora quis jardim,
E morrendo a cada instante,
Num cenário degradante.

184


“Do Espanhol as cantilenas”
Da alegria de uma história
Nada tendo, só memória
Caminheiro segue, apenas
Onde o rumo e a direção
Não existem, o horizonte
Sem ter sol que lá desponte,
Sem ter lua, duro chão
Nada além do nada, nada
E este rito se repete
O futuro não compete
Numa terra devorada,
Férreo sonho, mesquinhez
Vivo em tal insensatez.





185


“As vagas que deixa após”
Um moderno navegante
Como fora algum farsante
São somente destes pós
Que deveras entre tantas
Cinzas vejo no horizonte,
Sem ter nada que desponte
Na verdade em turvas mantas
Os destinos se traçando
No vazio e tão somente,
O que houvera de repente
De um momento bem mais brando
Se transforma em solidão,
Nada tendo desde então.

186


“Saudosa bandeira acena”
De um passado ainda vivo,
Meu olhar procura, esquivo
Qualquer hora mais serena,
Mas não vendo nada além
Do vazio nesta sebe
Tão somente e já percebe
O que o nada ora contém,
Solitário navegante
Sem sequer tripulação,
Condenado à solidão
Num cenário vil constante
Perde o rumo, se não há?
O que exista aqui ou lá?

187

“Presa ao mastro da mezena
Deste barco sem futuro
A bandeira em que perduro
Não será decerto amena,
O pendão já destroçado
Tudo cinza e nada mais,
Dos vergeis tão magistrais
Dos meus dias do passado,
Tão somente espúria treva
E deveras nada além,
O que tanto o nada tem,
Do vazio não se ceva,
Mergulhando neste sonho,
Prosseguindo em ar medonho.

188

“Como golfinho veloz”
Sobre as ondas do passado,
Ao me ver tão desgraçado
Procurando velhos nós
Nada vendo, sigo assim,
Servidão do nada ser,
Nesta ausência do viver,
Que faço agora de mim?
No semblante doloroso
Numa face sem sorriso,
Este inferno tão preciso
Onde outrora majestoso
Dita assim um frio verso
Num estúpido universo.

189


“Resvala o brigue à bolina”
Segue o rumo do vazio,
Nada tendo, nada crio,
A minha alma desatina
Bebe a pútrida ilusão
Que se vê em cenas vis,
Onde outrora fui feliz,
Vejo roto este pendão
Deste solo em aridez,
Desta terra sem futuro,
Deste solo frio e duro,
Toda a história se desfez,
E o que tanto desejei,
Morre em triste amarga grei.


190

“Cantai! que a morte é divina”
O que resta ao navegante
Que se fez em vago instante
E deveras se alucina,
Nada resta tão somente
O final em voz sombria,
Este sonho não se adia
E deveras se consente,
Alegria derradeira
Neste funeral vazio,
Meu caminho que desfio,
Sem sequer sonho ou bandeira,
Nesta imensa solidão
É de fato a solução.

191

“Que lhe ensina o velho mar”
Onde possa ter um cais,
Em cenários magistrais,
Teima e tenta navegar,
Mas ausente cada gota
Nada resta nem o sal,
O que fora triunfal
Numa imagem morta e rota,
Formidável solidão
Caminhada pelo espaço
Sem sequer um rumo ou traço
Passo os dias desde então,
E a fogueira esta fumaça
Essa sim, nunca mais passa.

192


“Ama a cadência do verso”
Quem deveras quis esta arte,
Mas agora em Novo Marte
Solitário este universo,
Sem ter quem possa me ouvir
Minha lira se calando,
Esperança em frágil bando
Numa ausência de porvir
Corta fundo o medo, apenas,
Os delírios de um poeta?
Onde a sorte se completa
Poderiam ter serenas,
Mas completa insanidade,
Quando o ocaso chega e invade.

193


“Donde é filho, qual seu lar?”
Nada tenho do passado,
Se não tenho este legado
Nada mais vou encontrar,
Acidez de um solo bruto
Aridez de uma alma vil,
O que outrora se previu
Traduzindo eterno luto,
Nada deixa senão resto
E o cenário em dores feito,
Cada sonho já desfeito,
O que tenho em tom funesto,
Geração da morte apenas,
Devorando frias cenas.

194


“Que importa do nauta o berço,”
Que importa se o ledo chão
Nada tem seguindo em vão
Dita a vida em tom disperso,
Mergulhando no passado
Nada vendo no futuro,
O meu canto se procuro
Não seria anunciado
Sorte ausente em podres dias,
Onde houvera luz e clara,
A verdade se declara
Sem sequer mais poesia,
E a mortalha se mostrando
Num momento tão nefando.




195

“Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas”
Aonde eu possa até chegar ao porto
Diverso deste imenso mar já morto
Somente feito em trevas, dores, brasas,
Pudesse ter nas mãos outros momentos,
Pudesse ter além de simples sonho
E quando na verdade me proponho
Os medos e as angústias, meus proventos,
Nefasta realidade, ausente sol,
Medonha a dura imagem que ora vejo,
A senda mais sublime que inda almejo
Pudesse me guiar feito um farol,
Albatroz; albatroz, albatroz... Nada,
Somente a morte em vida anunciada.

196


“Sacode as penas, Leviathan do espaço,”
E leva o sonhador ao cais seguro,
Diverso do vazio em que perduro
O mundo desairoso em louco passo,
Vagando sem destino, solitário
Aonde houvera vida, nada tendo,
Aonde houvera sonho o vão desvendo,
O todo desabando, vil corsário,
Não posso prosseguir. Melhor morrer,
Deixar-me enfim levar por treva e medo,
E quando me condeno a tal degredo,
Ausente de minha alma o próprio ser,
Assim se imaginando alguma luz,
Quem sabe noutro mundo, além da cruz?

197


“Tu que dormes das nuvens entre as gazas,”
Tu que vês com teus olhos o horizonte
Não deixe que se seque cada fonte,
Não deixe que te invadam tantas brasas,
A fúria do presente no futuro
A sorte desairosa que virá
Quem sabe se mudando desde já
O solo não se mostre árido e duro,
À sombra das palmeiras um ilhéu
O mundo transcorrendo em plena paz,
Quem dera, mas a face é tão mordaz
Ausente dos meus olhos qualquer céu,
Extrema solidão de um navegante
Num mar em podres águas, degradante.

198

“Albatroz! Albatroz! águia do oceano,”
Aonde te escondeste dos meus olhos,
Jardim sem ter sequer urze ou abrolhos
O mundo num completo desengano,
Mesquinhos dias vejo para todos,
Mesquinhas horas trazem turbulência
E quando sob o corte em vil regência
Nem mesmo restarão mangues e lodos,
A sorte se lançando no vazio,
O peso desta vida intolerável,
Aonde se pudesse em agradável
Caminho, noutro rumo já desfio
E vejo a podridão da própria terra,
Que a cada novo dia, dor encerra.


199


“Que semelha no mar — doudo cometa”
Aonde nada pode ter nem sombra
A vida no presente já me assombra
Aonde no vazio se arremeta
Soldados entre guerras e batalhas
Ardis de uma aridez em tez sangrenta,
Nem mesmo uma alegria me apascenta
As horas em terrores morrem falhas
E o gozo de um prazer alucinante
E o rito se mostrando em tez dorida
Aonde se pudesse crer na vida
Apenas tão somente um vago instante
Medonho pesadelo? Nada disso,
Transcende ao que desejo, ao que cobiço.

200

“Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira”
Seguir cada momento feito em luz
E ter a sensação que reproduz
A vida com certeza aventureira;
Mas nada. Tão somente a dor domina
A cena que deveras se degrada,
O peso do viver mata a alvorada
A fome de poder escassa a mina
E o gozo do amanhã? Não mais importa,
Agora quero agora ou nunca mais,
Que danem-se os caminhos magistrais
Se for preciso, mesmo arrombo a porta
E deixo mesmo morta esta esperança
Assim tanto dinheiro já se alcança.

201

“Por que foges do pávido poeta?”
Por que foges da luz que ora te toca?
Aonde a realidade traça a toca
Ali poderia ter a meta,
Diverso do que tanto desejara
O mundo se amortalha e muito além
Somente o que deveras me convém,
Abrindo se preciso, nova escara,
Assim ao se encarar este universo
Medonha tempestade se gerando,
Ao nada simplesmente se fadando,
Caminho dentre pedras mais disperso,
E o gesto soberano da vingança
Matando qualquer forma de esperança.


202

“Por que foges assim, barco ligeiro?”
Vagando sem destino em mar imundo
Deveras se em verdade me aprofundo
Do mundo em turbilhão eu já me inteiro,
Seguindo a rota imagem do presente
Aonde a cada dia mais se vê
A imensa solidão sem ter por que
A sorte dos meus olhos segue ausente,
Mesquinharia gera mais terror
E o fardo se aumentando verga as costas
As horas se mostrando decompostas
Da paz nem mesmo sombra, simples dor.
E o vandalismo trama vandalismo,
Assim de passo em passo até o abismo.

203

“E o vento, que nas cordas assobia”
Traçando novos dias? Nada disso
Aonde se pudesse ter o viço
A sorte poluída e mais sombria,
O quadro definindo dor e morte
Desgaste de uma terra soberana
A cada novo dia, mais se explana
Assim tão tenebroso e duro norte.
Mesquinhas as fortunas em terrores
E secas, produção de dor e treva
Aonde se mostrando árida ceva
Não poderia haver decerto flores,
Albores, asas, sonhos, albatrozes...
Somente dissabores mais atrozes.

204

“Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,”
Ascendo ao mais sublime caminhar
No sonho liberdade ganha o mar,
O pensamente é barco, nau, canoa.
Mas quando acordo ouvindo esta buzina
Atropelando a paz, tanto cinismo,
O quadro virtual de um cataclismo
Deveras totalmente já domina
E o vento do passado no meu rosto,
O sonho em podridão se decomposto
Não deixa qualquer sombra, morre em vão,
Assim ao se perder qualquer caminho,
Prosseguirei e mesmo se sozinho,
Quem sabe novos dias se verão?




205

“Esta selvagem, livre poesia,”
Libertária por ser somente assim,
Sedenta de uma sombra, de um jardim,
Aonde se perdendo se recria
Vencida pela atroz realidade
Não deixa nem sequer um mero espaço
Verdade com terror, agora traço,
Mas nada adiantando deste brade
Fartura? Nada disso, só temor,
E o peso lacerando quem carrega
Uma alma sem destino, estando cega
Somente sem caminho, gera a dor
E o corpo estraçalhado do planeta
Prepara no futuro esta falseta.

206



“Esperai! esperai! deixai que eu beba”
Ao menos da esperança é o que inda peço,
E sigo em tenebroso rumo avesso
Ao mundo que deveras se conceba
Na sorte, derrocada tão somente
Na fúria de uma voz sem galhardia,
De um tempo vendo morta a poesia
Já não se vê sequer viva semente
E o parto se abortando, em duro feto
Mesquinhos olhos lambem cada chão
O quanto se prepara em solidão
Gerada pelo intenso desafeto,
Não vejo nem percebo qualquer luz,
À morte em plena vida se conduz.

207

“No berço destes pélagos profundos”
Gerações se formando no vazio,
E quando a própria sorte desafio
Percebo noites vãs dias imundos.
O corte se aproxima da garganta
A fúria da Natura se percebe
E quando se destroça cada sebe
Vingança bem mais alto se levanta,
Pudesse acreditar em novo tempo,
Mas como se o passado nos condena,
Aonde poderia mais serena
A terra se tomando em contratempo,
Audácia? Nada disso, só cobiça
A história em voz sombria, movediça.

208


“Crianças que a procela acalentara”
Somente turbulência poderia
Haver em inclemência em tal sangria
Jamais a noite imersa em lua clara,
O gosto deste amargo toma tudo
E o fardo se aproxima a cada instante,
Cenário se moldando degradante
Deveras, já cansado eu não me iludo,
Sentindo este final que se aproxima
Sentindo a tepidez de um novo clima
A morte a cada dia se mostrando,
Aonde não cabiam mais porquês
O que deveras sentes, tocas, vês
Demonstra este futuro tão nefando.


209


“Tostados pelo sol dos quatro mundos”
Os solos decompostos, na aridez
Aonde se plantando estupidez
Gerando tão somente toscos fundos
Astuciosamente vejo a gralha
Rondando este cenário em podres sendas
Diverso do que ainda crês, desvendas
Somente vejo um campo de batalha
E nele se percebe a ingratidão
E deles se concebe este vazio,
O quanto poderia, novo estio,
O quanto poderia em belo chão;
Mas tudo não passando de promessa
Cuidado que o planeta já tem pressa...

210

“Homens do mar! ó rudes marinheiros,”
Já não percebo mais qualquer espaço
O mar tão destroçado; eu vejo e passo
Momentos que percebo derradeiros,
Medonhas as serpentes do passado
Medonhas as serpentes do momento
Medonha face vejo em desalento
Medonho este caminho em vão traçado,
O quadro se aproxima de um torpor
E dele novo coma produzido,
A morte num cenário envilecido
Gerado pelo farto desamor,
Não deixa qualquer dúvida numa alma
Que nunca nem na morte já se acalma.

211

“Pelas vagas sem fim boiando à toa”
Vagando por espaços mais venais
Os dias demonstrando o nunca mais
E dele qualquer luz sempre destoa,
Trouxesse algum alívio, pelo menos,
O sonho de um poeta, mas no fundo
Quando deveras tento e me aprofundo
Bebendo dos terrores em venenos
Mesquinhos olhos tomam o cenário
E o medo se propaga por quem sabe
Que todo este futuro só lhe cabe,
Diverso deste canto temerário.
Pudesse pelo menos, se eu pudesse...
Mas nada nem sequer ternura ou prece.

212

“Meu Deus! como é sublime um canto ardente”
Deveras mavioso em luzes fartas,
Mas quando do futuro tu te apartas
Mal vês este terror que se pressente
Nas ânsias do vazio em que se cria
A frágua toma conta da floresta
E o quando do poder que ainda resta
Gerando noite estúpida e sombria
Vazias minhas mãos, vazios olhos
Vazios caminhares, noites vãs
Vazias as certezas das manhãs
Vazios os canteiros, nem abrolhos,
Vazios e vazios, só vazios...
Venceremos no fim tais desafios?

213


“Que música suave ao longe soa”,
Apenas ilusões? Sonhos dispersos?
Aonde se mostrassem belos versos
Uma alma vaga só, seguindo à toa
Sem rumo nem paragem, segue fria
E o vento em vandalismo dita as normas
E quando o próprio solo tu deformas
A sorte a cada passo se esvazia,
O tempo não tem tempo é temporal
Que tanto devastando cada sebe,
Nem mesmo uma alegria se percebe
O mundo não é sempre atemporal,
Diversidade dita a sua história,
Mas como se não temos nem memória?


214


“Oh! que doce harmonia traz-me a brisa”
Traçando com ternura novos dias...
São meras ou espúrias fantasias
Apenas o vazio já me avisa
De uma avidez terrível da daninha
Afoitos camaradas do presente
Bebendo com terror nada se sente
Mortalha a cada dia se avizinha,
O vento em dissabores dita o mundo
O vento do terror em cada olhar
O vento insaciável demonstrar
O vento deste tempo amargo e imundo,
Ascendo ao que podia ser suave,
Mas como se emperrada a velha nave?



215


“E no mar e no céu — a imensidade”
Não vejo divisão, belo azulejo,
Mas quando acinzentado céu prevejo
Marcando a cada dia tal degrade,
Não posso suportar a dura idéia
De um tempo feito em ódio, mais hostil,
O quanto se em verdade se previu
Gerando a cada dia em assembléia
A fúria dentre todas, a pior
A fúria dentre tantas a mais dura
A fúria se mostrando em face escura
A fúria destroçando, eu sei de cor
E sinto finalmente a dor imensa
Na morte do planeta, a recompensa?

216


“Embaixo — o mar em cima — o firmamento...”
Apenas tal beleza bastaria
Se toda a sorte ao menos, na alegria
Mudasse este terrível sentimento
Da gula feita em gula e nada mais,
Da gula oprimindo quem é frágil,
Da gula do voraz deveras ágil
Da gula que só gera os temporais,
Assisto à derrocada de quem tanto
Outrora se mostra mãe gentil,
E quando se demonstra o que se viu,
Somente se prepara o desencanto,
Desarvorado passo rumo ao nada,
A história totalmente destroçada.

217


“Sentir deste painel a majestade”
Diversa da que tanto se percebe,
No olhar mais delicado a bela sebe
Com toda a sua glória traz e invade
Sobeja maravilha, natureza
Descrita com ternura por poetas
E assim ao se mostrarem belas setas
O rio percorrendo a correnteza
Encontra a sua foz e ali renasce
A história deste mar, belo e profundo,
Na cíclica beleza deste mundo,
Se vê soberania em cada face,
Mas quando se percebe a insensatez
O quanto já se fora e se desfez?

218

“Bem feliz quem ali pode nest'hora”
Saber da natureza em ar tranqüilo,
E quando em cada verso aqui desfilo
Beleza sem igual que nos decora,
Encontro-me deveras com o amor
E dele se moldando nova senda,
Quem sabe do passado se desvenda
Caminho mais suave a se compor,
Quem sabe... Mas percebo a solidão
Aonde poderia haver doçura
E quando se concebe em amargura
De fato o que meus olhos, pois verão?
Cenário degradante e nada mais,
Ausência de esperança em rituais.


219


“Galopam, voam, mas não deixam traço”
Corcéis de uma esperança que se expõe
E quando o mundo em dores se compõe
De que me valeria tanto espaço?
O traço definindo este vazio
A sórdida ilusão de uma fortuna,
O peso do passado coaduna
Com toda a realidade que desfio,
O gesto mais audaz, o tenebroso.
A face mais mordaz, a de uma fera
E tudo transformando a primavera
Outrora num cenário majestoso
Agora em seca e fúria. É natural
O fim que se demonstra em tez venal.



220

“Neste saara os corcéis o pó levantam,”
E apenas a poeira dita a regra
Desértico caminho desintegra
Futuro aonde os dias já me espantam,
Medonha realidade se aproxima
São várias as tormentas, cataclismos
Cavamos com a gula tais abismos
Mudança se percebe já no clima,
Assim desta possível tentação
A fome do poder e do dinheiro
Tomando este cenário, o derradeiro,
Gerando esta moderna escravidão,
Navio segue em água poluída
Traduz nesta viagem nossa vida.

221


“Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?”
Quem sabe o rumo se é tão longa a vida?
Quem sabe... Nada além do que se acida
Quem sabe, nem sequer desvenda um passo,
E rumo ao mesmo nada do começo
Voltando deste ciclo vida e morte
Será que no final a nossa sorte
Não mude nem de casa ou endereço?
Um simples adereço, nada mais?
O ser humano pode em assembléia
Mudar esta verdade em tosca idéia
Gerando outros momentos, magistrais,
Ou mesmo, suicida com vileza
Matando desde cedo a natureza.


222


“Donde vem? onde vai? Das naus errantes”
Gerindo estes caminhos pelas sombras,
E quando se procuram por alfombras
Somente se encontrando estas farsantes
Imagens de um momento mais cruel
Ausência de esperança gera a morte,
Sem ter sequer um rumo, busco um norte
Que possa desvendar um belo céu,
Mas como se em verdade me enlouqueço
Insânia vai domando o coração
E morto, sem saber desta amplidão
Garanto a cada passo outro tropeço,
Será que a nossa sorte seja assim?
Condena-nos deveras triste fim?



223

“Como roçam na vaga as andorinhas”
Também as procelárias, migração
Sabendo desde sempre a direção
Seguindo pelos céus, migram sozinhas
Porém aquele ser que se diz nobre
Nem mesmo o seu futuro ainda traça
E quando se percebe na fumaça
O fim que se prepara e nos recobre,
O quanto desta estúpida senzala
Aonde esta corrente, feita em trevas
Negando da esperança suas cevas
Uma alma mais sombria não se cala,
E o corte do arvoredo em luz medonha
Demonstra tão somente esta vergonha!

224

“Veleiro brigue corre à flor dos mares,”
Rasgando os oceanos: esperança.
Enquanto a voz ao longe já se lança
Criamos novos rumos? Vãos altares?
Seguindo em procissão não se percebe
Mudança alguma, o fim se aproximando
Cenário que desnudo em ar nefando
Domina com certeza a imensa sebe
E assim só se concebe este vazio
E nele outro momento mais atroz,
Inútil com certeza a minha voz?
Deveras morta a sorte, morto o estio,
O corpo do planeta decomposto
O visceral caminho já deposto.

225


“Ao quente arfar das virações marinhas,”
A sorte traiçoeira dita a regra.
Futuro que deveras desintegra
A morte feita em trevas mais daninhas
O corte se aprofunda e vejo assim
Eviscerado sonho em morte e em dor,
Aonde poderia ter a flor
A seca dominando o meu jardim,
Jogado contra o fundo deste poço
Jogado pelas ondas, bebo o abismo
E quando solitário ainda cismo,
Não tendo nem sequer um alvoroço
Percebo ser inútil meu cantar,
Melhor pudesse então já me calar...

226


“'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas”
Talvez ainda reste um cais ao menos,
Os dias que pudessem mais serenos,
Desenhos promissores de outras telas
Mas quando se percebe o mesmo gris
Esfumaçando o olhar, sem horizonte
Por mais que ainda cante ou mesmo aponte
Decerto outro poder maior desdiz,
Calado e me negando ao tom sombrio,
Seria muito bom, mas não consigo,
Se eu vejo a cada instante o desabrigo,
O quanto se me calo propicio?
Do nada já cansado de sentir
O nada garantido no porvir?


227

“Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...”
Misturam-se meus sonhos, pesadelos
E quando vejo a treva a envolvê-los
Aonde se mostrara o soberano
Caminho para a glória se delira
Ou mesmo é tal verdade assim funesta?
A que destino um homem já se empresta?
Inútil é decerto minha lira?
Não tendo mais saída, pois quem sabe
Bem antes que o castelo já desabe
Conceba novo rumo, novo dia,
Ou nada se fazendo, o que será?
Só sei que é necessário e desde já,
Futuro em treva e morte não se adia...

228

“Azuis, dourados, plácidos, sublimes...”
Caminhos porventura já traçados
Em dias mais felizes, tão sonhados
Ou rendidos finais em torpes crimes?
Deveras se podia ter certeza
Do rumo que se toma nesta senda
E quando outro futuro se desvenda
Matando a cada dia a natureza
Gerando a torpe fera feita inglória
Medonha caricata, vergonhosa,
O tempo não descansa, e cedo glosa
Traçando uma derrota, uma vitória.
Urgente, pois se faz a decisão
Salvemos ou morramos neste chão!

229

“Ali se estreitam num abraço insano,”
O corte na raiz, não do arvoredo
E sim da hipocrisia e desde cedo
Talvez da dura história mude o plano;
Senzalas que criamos no presente
Senzalas que criamos pro futuro
Senzalas feitas solo árido e duro
Senzalas da esperança sempre ausente.
Senzalas tão somente e nada mais,
Navios com porões abarrotados
Falando dos momentos já passado,
Falando destes vis e atemporais
Caminhos que desvenda a humanidade
Por mais que um tolo bardo ainda brade.


230


“'Stamos em pleno mar... Dois infinitos”
Caminhos que possamos escolher,
Vivamos tão somente pro prazer?
São fúteis na verdade tantos gritos?
Somando algum momento vez em quando
Não basta, é necessário muito além,
E quanto da verdade se contém
Nas horas em que a fúria nos tomando
Gerindo cada passo rumo ao tanto
Que possa se escolher pelo melhor,
O fim se não souber, eu sei de cor
E nele tão somente o desencanto.
Voracidade expondo esta ferida
A nave com certeza destruída...

231


“— Constelações do líquido tesouro...”
Constelações de sonhos, nada mais
Constelações sobejas, naturais
Constelações de paz, ancoradouro
Diverso do que tece este terror
Diverso do que vejo a cada dia
Diverso desta noite vã sombria
Diverso deste enorme desamor,
Eu tento e não consigo mais conter
Ensandecida voz solto em poema,
Rompendo qualquer medo, sem algema
Prevejo em mais completo desprazer
O golpe sobre a terra preparado,
O mundo sem futuro um vil legado.

232

“O mar em troca acende as ardentias,”
Deixando que se veja algum farol
Ainda resistindo, imenso sol
Sonega noites mortas e sombrias,
Mas quanto poderia haver ainda
De sorte neste mundo sem juízo
Riqueza traduzindo em prejuízo
A morte a cada traço se deslinda
Ainda esta mortalha de outras eras
Ainda se mostrando tanto medo
Ainda sem caminho, este segredo
Ainda sem porvir, terríveis feras.
Girando sem sequer saber por que
Procuro uma atitude, mas cadê?

233

“Os astros saltam como espumas de ouro...”
Num sonho majestoso de futuro,
Mas quando vejo o céu cinzento e escuro
Aonde se matando o nascedouro
A fonte em água límpida deveras
A fonte do futuro mais feliz
A fonte na verdade se desdiz
A fonte em seca mata as primaveras
Despreparado? Opaco e tão somente
Negando deste solo uma semente
Granando estupidez e vilania
A porta se cerrando pouco a pouco
Decerto um brado intenso e quase louco
Não tem somente enfim qualquer valia.

234

“'Stamos em pleno mar... Do firmamento”
Talvez ainda venha a luz que cure,
Mas quando tanta dor já se perdure
Aonde posso ver algum alento?
Nefasta realidade, torpe tom,
Vestígios do passado a cada passo,
Pudesse novo tempo, e não refaço,
Colher o quê? Decerto nada bom.
A morte se espalhando a cada cena
Reflete insanidade em tom voraz,
O quanto se perdendo desta paz,
O quanto se perdendo em nada acena
Somente este fastio e esta mortalha
Que a cada novo dia, nunca falha.


235



“Como turba de infantes inquieta”
Vagando pela casa em descompasso
Deveras o futuro traz o traço
Do quanto em noite escura se completa
A sorte discernida há tantos anos
Apocalipses? Trevas? Vil mortalha
Na qual a cada dia se trabalha
Tecida pelos nossos desenganos.
Verdade que se mostra a cada fato
E quando não se vê realidade
O medo do amanhã quando me invade
No verso, que é minha arma, eu já retrato
Espero não ter sido sempre em vão
O canto deste velho coração.


236


“E as vagas após ele correm... cansam”
E as vagas após tanto muita vez
Traduzem a completa insensatez
E nelas novos dias não alcançam,
Servis aos mais terríveis dos senhores,
Servis e tão somente ao vil dinheiro
Servis e num instante derradeiro
Servis e sonegando até albores
Perpetuando a morte a cada gesto,
Mesquinha tanta luta por poder
E quando sem futuro nada a ver
O que nos resta apenas o funesto
Delírio de uma morte em fogo intenso
E dele a cada não eu me convenço.

237



“Brinca o luar — dourada borboleta;”
Vagando pelo céu em plena prata
Cobrindo em raios fartos bela mata
Reinando sobre a noite do planeta
Assim belo cenário se fazia
E agora em grises tons, noite brumosa,
A sorte tantas vezes gloriosa
Há tanto que deveras é sombria,
O corte do arvoredo, uma queimada
O céu tão poluído, o mar também,
O nada sempre em nada nos convém?
Depois de tanta luta, resta o nada?
Absurdos caminheiros do futuro
Tornando o dia a dia mais escuro.

238

“'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço”
Um nauta sem destino, a natureza
Mergulha neste mar feito incerteza
E não reconhecendo qualquer traço
Destina-se deveras ao que tanto
Lutamos e sonhamos num instante
Cenário deslumbrante ou degradante
Beleza tão sobeja ou desencanto,
Verdade está nas nossas duras mãos
Cevando com certeza este futuro
Se existe, se inda vejo o que procuro,
Ou morto se abortando últimos grãos.
Resposta? Está solta pelo vento,
A glória ou a dor e o sofrimento?

Um comentário:

Diogenes Pereira de Araujo disse...

CARÍSSIMO MARCOS;

Sua fecundidade e talento disputam o primeiro lugar de minha admiração.

Castro Alves,exemplar aplicação da Poesia a serviço de uma boa causa.

"Navio Negreiro" ajudou a libertar os oprimidos pela escravidão;compete à Poesia motivar e ajudar a libertar todos os prepotentes opressores deste tipo de escravidão.