domingo, 23 de outubro de 2011

Decomposição.

Decomposição.


Havia, na pequena Santa Martha de João Polino, uma velha senhora que, mais por vício do que por necessidade, mendigava pelas estreitas ruas de terra do distrito.
Já sexagenária, tinha a mania de dar cantadas em todos os jovens que encontrasse pelo caminho e, por incrível que pareça, muitas vezes obtinha sucesso em tais investidas.
Volta e meia era encontrada nos matos e quintais das casas, semi-nua e adormecida. Com aquele sorriso de quem obtivera muito prazer nas noites geladas do lugarejo.
Quando não obtinha êxito, era comum encontrá-la no celeiro de um sitiante qualquer, muitas vezes embriagada.
Tal mulher colecionava na embaraçada cabeleira vários tipos e espécies de parasitas. Muitas vezes os bernes se desenvolviam e completavam as etapas evolutivas do espécime, até voarem para nova reprodução, provavelmente encontrando ali, novo campo para o desenvolvimento, do ovo à mosca adulta.
Quando falo que não tinha necessidade de mendigar, me remeto ao fato da mesma ter aposentadoria e casa própria.
Essa casa era raramente usada pela velha senhora, se tornando mais um depósito de seus garimpos pelas vielas do local, onde catava tudo quanto se pode imaginar e seqüestrava , transformando restos de latas, vidros, sofás destruídos, pedaços de pano rotos, garrafas de vidro ou plásticas; tudo, enfim, em preciosidades guardadas dentro da casa.
O mau cheiro denunciava a decomposição dos guardados orgânicos, como os restos de comida que se acumulavam num cômodo especialmente separado para isso.
Um dia, mais revoltados que penalizados, alguns vizinhos, cansados de denunciarem à saúde pública o estado em que se encontrava tal pardieiro, resolveram agir.
A ação foi de uma violência ímpar. Invadiram a casa da pobre demente e começaram a arrastar tudo o que encontravam pela frente.
Na sala, vários “monumentos” feitos com pedaços de diversos materiais demonstravam a todos a que ponto a loucura chegara.
Várias esculturas de formas lembrando vagamente crianças estavam espalhadas entre restos de madeira, de lata e de vidros jogados pelos quatro cantos.
Ao simples toque as esculturas se desfizeram, revelando a fragilidade com que foram feitas; sem nenhum material que aderisse os diversos “tijolos”.
Porém, ao entrarem no quarto onde, teoricamente, dormiria a pobre senhora, tiveram uma surpresa.
Pelo quarto, espalhados, vários esqueletos de crianças de, no máximo um ano de idade, em diversas posições, sentados, deitados, em pé, estavam espalhados pelo cômodo, e os alimentos decompostos servidos em pratos, como se fossem para alimentar aos pequenos infantes.
E, deitado no chão, um cachorro morto, em estado de decomposição avançado, observava os pequenos cadáveres famintos...

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