sábado, 1 de junho de 2013

DESEJOSO

DESEJOSO

De carinhos sublimes desejoso,
Querendo esta presença iluminada
De tanto que eu vivera receoso,
Encontro nos teus braços, doce Fada
Um mundo mais feliz e venturoso,
Depois de tanto espinho em minha estrada.

Vivendo nosso amor a cada instante,
Dourando nosso dia em fantasia.
Amor que se fazendo mais prestante,
Garante toda a glória que eu queria.
Num sonho que se mostra deslumbrante
Concebo amanhecer divino dia.

Contigo eu sou feliz, isto eu garanto.
Coberto por teus braços, belo manto...

MARCOS LOURES

A LUA

A LUA

A lua se mostrando clara e cheia
Dominando o cenário, nua e bela,
O quanto de magia nos revela,
Enquanto em poesia ela vadeia.

Por mais que a humanidade ainda creia,
Eu vejo com certeza noutra tela
Corcel de um sonhador atrela a sela
E voa pela noite e se incendeia.

Um nauta quis fazer da velha dama,
Apenas um satélite sem vida,
Porém meu coração mantém a chama

Caminha pela lua de São Jorge,
Se a multidão vagueia assim perdida,
Eu trago o seu clarão em meu alforje...

MARCOS LOURES

RENASCIMENTO



RENASCIMENTO

Amor que dessa dor fez seu ocaso
Renasce no perdão do novo amor.
A vida não permite tanto acaso,
Se caso novamente amor e dor.

Nos portos do ciúme quando encalha,
Amor não deixa mais um só recado.
Amor quando transforma na batalha,
Aos poucos destruindo o ser amado.

Tem dó de quem amou e agora pede
Amor de quem jamais sofreu de amor.
Amada nada forte nos impede

Receba deste amor, o salvador.
Bem junto dos meus braços, vem morena,
Ao menos por sentir apenas pena...

MARCOS LOURES

PRESENÇA DO QUE FOMOS

PRESENÇA DO QUE FOMOS

Imagem decomposta especular,
A pútrida presença do que fomos,
Desfaz-se em incontáveis, fartos gomos,
Carcaça que inda teimo em cultivar...

Se o féretro se fez há tantos anos,
Insepulta, mantenho tua imagem,
Pois dela, muitas vezes a coragem
Proporciona força em desenganos.

O tempo vai fluindo e nada muda,
Abutres vão rondando, rapineiros,
A pele que desfeita já se gruda

Entranha no meu corpo e me domina,
Recende pelos ares, podres cheiros,
Porém tal heresia me alucina,,,

MARCOS LOURES

NEM PUDESSE ACREDITAR

 NEM PUDESSE ACREDITAR

Não tento e nem pudesse acreditar
Nos ermos de uma vida sem sentido
O tempo noutro tempo consumido
E a sorte não presume o que moldar,

No mesmo e tão diverso caminhar
O quanto ainda resta e não duvido
Expressa este caminho dividido
Nos ermos de quem tanto quis amar.

O vento me tocando mansamente
O verso noutro tanto se apresente
Pausando num tormento sem saber

O prazo determina o fim de tudo
E sendo de tal forma, se eu me iludo
A vida não traria algum prazer.


MARCOS LOURES

RUMO AO NADA

Rondando e em cada passo rumo ao nada
A lenta e mais ferina fantasia
Gerando o que talvez, jamais se via
Na face tanto quanto desolada,

Apenas o que possa e agora invada
O sonho na total melancolia
Gerindo este demônio a cada dia
Propondo tão somente a barricada

E nada se apresenta após o farto
Cenário que deveras se descarto
Jamais encontrarei um similar,

O beijo se expressando qual tormento
E nisto o todo enquanto o não fomento
Tomasse com certeza um vão lugar.

MARCOS LOURES

O TEMPO MAIS FELIZ

O TEMPO MAIS FELIZ


O gosto que transcende uma certeza
Do tempo mais feliz que eu não sabia
Buscando quase sempre uma utopia
Não vira a carta aberta sobre a mesa,

O tempo segue como a correnteza
E o tanto que desejo nunca via
Não fosse a tua bela companhia
Há muito se rompera tal represa

Volúveis emoções, fim se aproxima
E vejo tão somente a dura estima
Que a vida nos ensina e não cala,

Fortuna me deixando para trás
Apenas o vazio, outono traz
E uma alma desta angústia ora é vassala.

MARCOS LOURES

sexta-feira, 31 de maio de 2013

LUZES E TREVAS

LUZES E TREVAS


Mesclo luzes entre trevas
E bebendo a ingratidão
Apresento o quanto cevas
Nesta rude dimensão,
O caminho aonde nevas
Outro tanto em certo chão,
Esperanças mais longevas
Rumam noutra direção.
E embarcando no não ser
Enfrentando o que faz ver
A certeza mais agreste
O meu mundo se aproxima
Do que possa e não se estima
Neste encanto que me deste.

MARCOS LOURES

MERGULHANDO NO VAZIO

MERGULHANDO NO VAZIO

Jogo a vida de tal forma
Mergulhando no vazio
A verdade se deforma
O momento ora recrio,

E sabendo desta norma
O tormento dita estio,
A semente se reforma
No caminho mais vadio,

Coração não mais sabendo
Quando o tempo mesmo horrendo
Recolhesse cada não,

Sigo apenas o que rege
A esperança quase herege
Num etéreo coração.

MARCOS LOURES

NADA TENHO

NADA TENHO



Nada tenho nesta vida
Que permita acreditar
Na certeza da saída
Na vontade do luar,

A verdade que me acida
Outro tanto a desenhar
O que possa em desprovida
Vida sem qualquer lugar,

Navegando sobre as ondas
Onde quer que me respondas
Trazes sonhos mais audazes,

Mas sei bem que nada resta
Vendo a vida pela fresta
Vendo a luta em rudes fases.

MARCOS LOURES

A MINHA SINA

A Minha Sina capítulos 1 a 11
Cordel - A minha sina - capítulo 1 - O coronel e o doutor

Vou curvando minha vida,
Nas capotadas da sorte,
Perdoando até a morte,
Que sei que traz despedida.
Minha sina, minha vida,
Carrega tanta certeza,
De fundear a tristeza,
De trazer pano pra manga,
A morte, minha capanga,
Flutua desta leveza.

Fiz parto de sucuri,
Namorei onça pintada,
Minha sorte não foi nada.
Carreguei o que perdi,
Travei luta e não venci.
Deu empate nessa joça.
Fiz uma nova palhoça
Para morar com você;
Queria lhe conhecer,
Plantei uma nova roça.

Você foi minha quimera,
Não conheci sua manha,
Minha lida foi tamanha,
Dentro da minha tapera,
O sal da vida tempera.
Plantei feijão, plantei milho,
Plantei, em você, um filho.
Fiz da lenha essa fogueira,
Minha velha companheira,
Só tem cano e tem gatilho.

As armas da solidão,
São as mesmas que disparo,
Com meu amor, eu deparo,
Nas rotas do meu sertão,
Bebo o sim, conheço o não.
Vadiando sem parar,
Sem ter nem onde chegar,
Sou um passo da saudade,
Vou mesmo sem ter vontade,
No sertão virando mar...

Cravo dente na maçã,
Da cara de quem me escarra,
Tenho dentes tenho garra,
A vida segue mal sã.
Tem tempero d’ hortelã...
Nas enchentes da ribeira,
Desabou a barranceira,
E cobriu casa e estradão,
Nada restando, senão
Uma cama e uma esteira...

Nas ligas dessa fornalha,
As plagas se confundiram,
Vieram e se fundiram
Numa ponta de navalha,
Nessa dor bem mais canalha.
No medo da poesia,
Fiz a minha moradia,
Nos altos desse penedo,
Mas a chuva meteu medo,
Só restou melancolia...

Coronel Antonio Bento,
Cabra muito descarado,
Só matou pobre coitado,
Sempre a gosto e a contento,
Nem precisa juramento...
Pois mesmo de safadeza,
Carregado na pobreza,
Matou sem pedir licença.
Matou mais que a doença,
Por causa de miudeza.

Deu três tiros em criança,
Comeu ovo de valente,
Matou cabra já doente,
Se não me falta a lembrança,
Matou até esperança...
Sem dar chance de defesa,
Foi o rei da malvadeza,
Não perdoa nem defunto,
Quando a morte é o assunto,
Coronel é realeza...

Pois bem, meu companheiro,
Conto sem titubear,
Pela luz desse luar,
Juro pelo mundo inteiro,
Que no dois de fevereiro,
No sertão da Muriçoca,
Coronel virou paçoca,
Nas mãos desse matador,
Contratado por Doutor,
Lá da serra da Minhoca...

Doutor lá da medicina,
Homem muito conhecido,
Famoso por ser sabido,
Que conhecendo Marina,
Pelo amor, mal assistido,
Quis levar ela pro céu,
Nessa vida assim, ao léu,
Nos colos dessa montanha,
Conheceu a dor tamanha,
Na filha do Coronel...

De emboscada, na tocaia,
Foram três tiros com fé,
Dois na cabeça e um no pé,
Estribuchou qual lacraia,
Bem antes que o mundo caia,
Escapou por um milagre,
Mas a vida pro vinagre,
Ficou quase sem andar,
Agora deu de sonhar,
-Vou pescar aquele bagre...

Lá na capital mineira,
Escondido na grandeza
Da cidade, na certeza,
De que numa vez primeira,
Preparava uma rasteira,
Para o Coronel safado,
Mundo gira, tá girado,
Tempo passa sem parar,
Não perde por esperar,
Já tá tudo combinado...

Passa mês, passa dois, três,
Passa um ano sem notícia,
A vida naquela delícia,
Coronel matando rês,
Volta e meia, outro freguês.
Tudo em paz, na paz da morte,
Quem tiver pouco de sorte,
Escapa da covardia,
Vê nascer mais outro dia,
Sabe que é gado de corte...

Numa ponta de fuzil,
Na bala bem atirada,
Vida não valendo nada,
Coração batendo vil,
Nessas terras do Brasil.
A morte por encomenda,
A solidão vira tenda,
Vai cortando esse caminho,
Cabra andando tão sozinho,
É, da morte, compra ou venda...

Acontece que, Marina,
Moça bonita e safada,
Me pegou só, de empreitada,
Pela luz que me ilumina,
Foi a minha triste sina...
A moça bem sem vergonha,
Me deitou mesmo sem fronha,
Num travesseiro de terra,
Lá bem n’alto dessa serra,
Que prazer e dor medonha!

As pernas da moça prendiam,
Eram como um alicate,
Prontas para esse arremate,
Davam prazer e ardiam,
Depois, de novo, fugiam...
Madrugadas com Marina,
No mato, bem de surdina,
Dos grilos, de companhia,
Mordia, depois gemia,
Marina, doce menina...

Sabendo que essa querência
Era coisa do diabo,
Pisando em Satã, no rabo,
Imaginei qual valência
De morrer sem clemência...
Mas a vida tem seu jeito,
De fazer desse mal feito,
Uma nova circunstância,
Mesmo tendo na distância,
Essa dor que dói no peito...

Quis a vida, no seu bote,
Trazer minha solução,
Sem ter mesmo precisão,
De sangrar o seu cangote,
Nem viver desse rebote,
Tive a sanha mais querida,
De salvar a minha vida,
No meio desse pagode,
Matar esse velho bode,
Era a minha despedida.

Acontece que o doutor,
Sabendo da valentia
Que meu nome já dizia,
Entre os cabras de valor,
Escolheu, pra matador,
Dentre os homens do quartel,
Que sangrasse o Coronel,
Esse que aqui vos fala,
Me deu rifle, me deu bala,
Pra mandar ele pro céu...

Fiz que não queria tento,
Pois já conhecia a fama,
De deitar gente na lama,
De não ter um pensamento,
De saber que esse jumento,
Era a mais terrível fera,
Que riscava até cratera,
Nas pontas do cravinote,
Era preparar o bote
Que a morte sempre se gera.

Cobrei desse Satanás,
Pra fazer esse serviço,
Que eu mesmo já cobiço,
Quase vinte mil reais,
Se pedisse, dava mais...
Da raiva que ele mantinha,
Da tristeza que ele tinha,
De não poder mais andar,
Da querência de vingar,
As balas que ele retinha...

Numa noite sem ter lua,
Me preparei para a caça,
Com uns goles de cachaça,
Me dirigi para a rua,
Onde o medo não atua,
Onde a saudade não vinga,
Eu tomei mais uma pinga,
Prá coragem não fugir,
Na certeza de engrupir,
Os quatro ou cinco safados,
Que, pau desses bem mandados,
Dali não iam sair...

Acontece que, chegando,
Na casa do celerado,
Olhando assim, bem de lado,
Eu fui logo reparando,
Nesses olhos que, m’olhando,
Diziam pois sem dizer,
Que bem queriam me ter,
Da forma que sempre teve,
Na cama que me conteve,
Do jeito que fosse ser...

Marina, bem safadinha,
Camisola transparente,
Dizendo ser eu parente,
Do mesmo saco, farinha,
Me fez de galo, a galinha.
Colocou dentro de casa,
A fogueira e toda a brasa,
Que queriam tanto arder,
Era matar ou morrer,
A vingança não se atrasa...

Fiz da sorte, o sortilégio,
A vida foi na maçada,
Sangrou até na calçada,
A morte sei do colégio,
Matar foi meu privilégio.
Sei de tanta valentia,
Que não viu raiar o dia,
Sangrada no coração,
Não deixou sequer razão,
Nem a sorte que queria...


Cordel - A minha sina - capítulo 2 - Jacinta
Marina, minha menina,
Safada como ela só;
Na minha vida deu nó.
Depois da mão assassina,
Continuei minha sina;
Em busca do meu caminho,
Mas dei tempo, fiz um ninho;
Com Marina fui morar,
Tanto prazer para dar,
Por que vou ficar sozinho?

O doutor nem me pagou,
Nem precisava pagar;
Marina foi no lugar,
Foi tudo que me restou;
E, de novo, aqui estou...
Na cama dessa pequena,
Que faz bico e que faz cena;
Pronta para me engrupir,
Bastava só me pedir,
Rezava até em novena...

Mas, num dia de tristeza,
Por causa de romaria,
Cismou de ir com Maria;
Filha da dona Tereza,
Que fez voto de pobreza;
Duma forma diferente,
Dando pra todo vivente,
O que Deus lhe deu com fé,
Ia a cavalo ,ia a pé;
Toda noite um diferente...

Juntando pólvora e fogo,
O troço todo fedeu;
Marina, então se esqueceu,
E mesmo com todo rogo,
Fugiu com um tal Diogo;
Sem deixar rastro e sinal,
Juntei então no bornal,
E pra outras cercanias,
Em busca das valentias,
Recomecei meu jornal...

Nessas estradas mineiras,
Sem ter medo mais nada;
Na serra ou noutra baixada,
Fiz das rimas verdadeiras,
As ramas foram esteiras,
Onde dormi sem ter medo.
Desse meu novo degredo,
Exilado sem ter casa,
Meu peito ardendo na brasa,
Na solidão, meu segredo...

No bornal levo cachaça,
Três pistolas carregadas,
Luares e madrugadas,
Que é coisa que dá mais graça,
Cigarro prá ter fumaça;
Um monte de valentia,
Um novo romper do dia,
Quatro mortes nas “costa”
Três foram de pau de bosta,
Que nem pra bosta servia...

Num canto desse cerrado,
Onde vi onça pintada,
Pelas ribeiras, jogada,
Tudo me foi preparado
Encoivarei um roçado,
Das coisas que sei plantar,
Quiseram me contratar,
Pra fazer mais três “defunto”,
Que, pra terra de pé junto,
Era fácil de levar...

O serviço foi moleza,
Eles morreram no susto,
Tavam atrás dum arbusto,
Se borraram na certeza,
Nem me causaram grandeza.
Servicinho mais vulgar,
Mas deu pra comemorar,
A filha dum tal meeiro,
Nunca vi, no mundo inteiro,
Uma beleza sem par...

Jacinta, a moça chamava,
Tinha um rosto mais perfeito,
Tudo que tinha direito,
A moça tinha e sobrava,
Mas eu nunca imaginava
O que tinha diferente,
Pois se toda aquela gente,
Ninguém me contava nada,
Por que estava, ali, jogada,
Uma moça, assim, ardente...

Sem querer saber por que,
Não me importava a peleja,
Pois quando um homem deseja,
Nada pode convencer,
Não há do que se temer,
Nem há o que perguntar,
É só correr e pegar,
Pois, na vida o que é do home,
Nenhum bicho vai e come,
Nem preciso comentar...

Pois bem, essa tal Jacinta,
Tinha a beleza da flor,
Nem conhecera o amor,
Não procurou fazer finta,
Fui pintando, tanta tinta,
Sem licença pra pedir,
Chegando, fui conferir,
A moça bem de pertinho,
No seu colo fiz um ninho,
O seu cheiro quis sentir...

A moça ficou só no beijo
Não aceitou meu carinho,
Que, mesmo indo de mansinho,
Acendendo seu desejo,
Me deixou só no cortejo,
Fechando as pernas pra mim,
Pensei logo ser assim,
O jeito dessa donzela,
Que depois, numa esparrela,
Ia tintim por tintim...

Depois de tanto alvoroço,
Sem dar ouvido a ninguém,
Que quando a gente quer bem,
Angu não tem nem caroço,
A gente mergulha no poço,
Sem saber profundidade,
Nem pergunta da maldade,
Nem quer saber de mais nada,
A moça, perna fechada,
Parecia santidade...

Mas, depois de três semanas,
De tanto rala e não abre,
Mostrei a ponta do sabre,
Os olhinhos mais sacanas,
Que engana mas não me enganas;
Jacinta não resistiu,
De beijos, então cobriu,
Fez que teve uma vertigem,
Surpresa: não era virgem,
Onde entra um entra mil...

Quis saber dessa safada,
Por que foi que me fechou
Porteira por onde entrou,
Um boi, talvez a boiada,
Ela então, desesperada,
Me disse bem deslambida,
Que nunca na sua vida,
Ela poderia ter,
Um outro amor pra viver,
Sua sorte era perdida...

Me contou: quando menina,
Com doze anos de fato,
Deitada nesse regato,
Que a lua mais ilumina,
Nessa água tão cristalina,
Foi, um dia, se banhar,
Mas não podia esperar,
Que toda nua, e bonita,
O coração que s’agita
Nunca iria imaginar...

Na margem daquele rio,
Um moço que lá chegava,
Belo cavalo montava,
Um príncipe em pleno cio,
Enchente em tempo de estio,
Não conseguiu resistir,
A boca então quis abrir,
Num solavanco com força
Ali, acabou-se a moça,
Se deixando possuir...

Acontece, não sabia,
Que esse príncipe fajuto,
Era o safado dum bruto,
Que não tinha serventia,
A não ser na sacristia,
Que tristeza dessa sina,
Quando tirou a batina,
O padre por pilantragem,
Fez tremenda sacanagem
Com essa pobre menina...

Saiu correndo depressa
Mal completou o contado;
Eu fiquei descompassado,
Com toda aquela conversa,
A quem quer que isso interessa,
Vou contar bem devagar,
Nessa noite de luar,
Vendo de novo essa cena,
Ouvi de longe a pequena,
Num lamento, relinchar!

Sai correndo ligeiro,
Deixei tudo de empreitada,
E, naquela madrugada,
Naquele triste janeiro,
Perto daquele ribeiro,
Antes que a terra me engula,
Só falar, coração pula,
Te juro e falo verdade,
É pura realidade:
Eu tinha comido a mula!


Cordel - A minha sina - capítulo 3 - Virgulino
Minha vida vai depressa,
Nas matas desse grotão,
Onde bate coração,
Vida fazendo remessa,
Vou passando sem ter pressa,
Buscando um novo cantar,
Procurando por lugar
Onde possa ter certeza,
Que não tenha mais tristeza,
Nem do que me admirar...

Depois dessa confusão
Com Jacinta e sua laia,
Não quis saber de gandaia,
Muito menos procissão,
Procurando um novo chão,
Bicho de saia, tô fora,
Pelo menos por agora,
Nem que peça a condessa,
Até mula sem cabeça.
Encontrei por mundo afora...

Cheguei nas terras do Juca,
Pelos matos da Terena,
Naquela serra pequena,
Alma da gente cutuca,
Vivendo dessa arapuca,
Não posso dela fugir,
Vou morrendo sem sentir,
Cheiro de terra molhada,
Pelo sangue, temperada,
Brotando sem se pedir...

Pois te conto seu doutor,
Não podendo ficar quieto,
Peguei caminho mais reto,
Todo cabra de valor,
Debaixo do sangrador,
De sujeito mais safado,
Abriu desde seu costado,
Descendo o pau mete ripa,
Revirando então as “tripa”,
Deixando bem perfurado...

Empreitada como aquela,
Nunca mais eu vou saber,
Era coisa pra querer,
Sem pensar direito nela,
Por conta duma costela,
Que um sujeito me quebrou,
Mas deu o fora, vazou,
Nem notícias nem recado,
Correu pelo descampado,
Nem rastro dele ficou...

Esse maldito chulé
Dera de contar vantagem,
Isso é muita sacanagem,
Não vou deixar isso a pé,
Nem que fique tereré,
Não vou fazer de rogado,
Eu pego esse desgraçado.
Eu vou tirar isso a limpo,
Soube que está num garimpo,
Vou matar esse viado...

Peguei a minha mochila,
Despenquei, fui para lá,
Tem gente falou não vá,
Mas tem defunto na fila,
Fui correndo pr’essa vila,
Eu nem pensei duas vezes,
Quero a cabeça do sapo,
Arranco logo no papo,
Que é assim que matam reses...

No garimpo lá no Norte,
Procurei por toda parte,
Não pedindo nem aparte,
Estava com gosto de morte,
Apostei na minha sorte,
Pro garimpo fui correndo,
Mal o sol ia nascendo,
Eu nem esperei brotar,
Querendo depressa chegar,
Vingança assim, vou vivendo...
Chegando no mafuá,
Encontrei cabra valente,
Ouro tinha até no dente,
Tanta gente tinha lá
De todo jeito que dá;
Tinha velho desdentado,
Tinha cabra magoado,
Por causa duma mulher,
Todo jeito que quiser,
Muito pudim de cachaça,
Tem sujeito boa praça,
A desgraça que vier...

Perguntei pra todo mundo,
Onde estava o desafeto,
Que por certo, tava perto,
Ele chamava Raimundo,
Era um cabra vagabundo,
Tinha cicatriz na cara,
Bigode tinha na apara,
Uma cara de paçoca,
Uma cor de tapioca,
Ia sangrar numa vara...

Me pediram com cuidado,
Muita vagareza e tino,
Pois ele tinha o destino,
E o corpo tava fechado,
Que por mais que fosse errado,
Com ele ninguém bulia,
Era o rei da valentia,
Sujeito muito covarde,
Que antes que a noite tarde,
Matava mesmo de dia...

Camarada sem tempero
Senhor dessas taperas,
Maior fera entre essas feras,
Temido por companheiro
Rei dum reinado inteiro,
O maior dos assassinos,
Herói de todos meninos,
O superhomem de lá
Nó em jararaca dá,
Dobrava todos os sinos...

Sem ter medo de valente,
Cara feia e assombração,
Matador desse sertão,
Pensei dum modo decente
De levar esse vivente
Pra casa de Satanás,
Dei dois passos para trás,
Chamei esse tal Raimundo,
Que era fedorento e imundo,
Que só morte satisfaz...

Na hora do desafio,
Ele me reconheceu,
E sabendo quem sou eu,
Chamou espada no fio,
Convidando mais um trio,
Prá “mode” poder brigar,
Gostei do desafiar,
Quatro sujeito é demais,
Mesmo assim eu quero mais,
Nunca vou me acorvadar...

Porém com o sangue quente,
A gente não pensa, demora.
Eu nem pensei, nessa hora,
Que tinha lá muita gente,
Que era melhor, de repente
Esconder e tocaiar,
Podia escolher lugar
Pra pegar esse safado,
Mas deixei tudo de lado,
E com ele fui lutar...

Depois de já ter furado,
Um dos cabras de Raimundo
Uma faca entrou bem fundo ,
Me machucou desse lado,
Agora eu já tô ferrado,
Chegou a hora da morte,
Acabou a minha sorte,
Minha sina terminou,
Pensei que tudo acabou;
Mas meu Deus tem muito porte...

Na hora que eu precisava,
De uma ajuda de meu Deus,
Surgiu um cabra dos meus,
Que eu nunca que imaginava
Que esse camarada tava,
Endiabrado, esse dia,
E no mei da ventania,
Sacou de sua peixeira,
Na porrada fez fileira,
Fez à sua serventia...

Esse sujeito do Norte,
Parecia mais menino,
Chamado de Virgulino,
Não temia dor nem morte,
Para culminar a sorte,
O moço meio zarolho
Era cego só dum olho,
Mas enxergava por dois,
Numa conversa depois,
Temperou com muito molho...

Contou que era garimpeiro,
Veio de Serra Talhada,
Corria na vaquejada,
Percorreu sertão inteiro,
E que desde fevereiro,
Nesse garimpo chegara,
Que cedinho já notara,
Naquele tal de Raimundo,
Um sujeito vagabundo,
Que esse dia preparara...

Força de eu ter conhecido,
Pros lado de Pernambuco,
Um cabra bom de trabuco,
E muito do divertido,
Resolvi por mais sentido,
Nessa nossa ladainha,
Perguntei nessa tardinha,
De quem ele era parente,
Fiquei quieto de repente,
Com a resposta que tinha...

Contou-me, pra susto meu,
Que era neto de Zefinha,
Moça dessas bonitinha,
Que no passado viveu,
Que de perto conheceu,
Com muito beijo e abraço,
Moça pegada no laço,
Nas terras desse sertão,
Que teve com Lampião,
O rei de todo cangaço,

Um moleque bem criado,
Um sujeito musculoso,
Cabra muito perigoso,
Campeão de todo o gado,
Esse peão afamado,
O rei de todo sertão,
Era cara e coração
Do pai, sujeito valente,
Compreendi, bem de repente,
Que o neto de Lampião

Era o tal de Virgulino,
Que lutou junto comigo,
Sem temer nenhum perigo,
Sem ter medo do destino
Que com todo desatino,
Ajudou a terminar
Com quem quis me machucar,
Me pegar na covardia,
Mas com toda valentia,
Me ajudou comemorar...

E desde aquele incidente,
Agora não tem jeito não,
Quando vamos no sertão
Ninguém bole com a gente,
Nem na faca ou no repente,
Quem queira corre perigo
Mexeu com ele ou comigo,
Na ponta duma peixeira,
Arrepende a vida inteira,
Depressa vem o castigo...


Cordel - A minha sina - capítulo 4 - No dia em que o Diabo criou chifre
Depois de ter conhecido,
O neto de Lampião,
Lenda viva do sertão,
E tendo me convencido
Que nada mais é perdido;
Fiz pro moço, uma proposta,
Coisa de gente que gosta,
Ir pelo sertão afora,
Sem ter dia mês e hora;
Mas partiu, nem deu resposta...

Sozinho pelas estradas,
No meio de tanta areia,
Procurando pela teia,
Seguindo novas pegadas,
Esperando outras jornadas.
Homem valente de fato,
Encontrei uns três ou quatro,
Mas não queria de sócio
A vida precisa d’ócio,
Pescando nesse regato.

Acontece que sujeito
Que vive dessa maneira,
Pulando da barranceira,
Não pode ver um mal feito,
Acha que tá no direito,
De se meter em rabuda,
Não pode ver da miúda
Que entra em nova enrascada,
Saindo de madrugada,
Atrás de moça taluda...

Joaquim me deu pousada,
Pros lado do Patrocínio,
Falou num tal vaticínio,
Coisa das muito enrolada,
Botei meu pé, nova estrada,
E parti bem de mansinho,
Levando meus bagulhinho,
Guardados no meu bornal,
Quarta feira, carnaval,
Ia de novo sozinho...

Nessa mesma quarta feira,
Que é de cinzas pode crer
Montado num zabelê
Filho duma égua estradeira,
Pru móde ser mais ligeira,
Que eu precisava chegar,
Determinado lugar,
Na curva do Zebedeu,
E lá mesmo é que se deu
Isso que eu vou lhe contar...

Chegando nessa serrinha,
Que é lugar bem diferente,
Um monte de gente crente,
Disse que toda tardinha,
Avoa umas avezinha
Fazendo gesto indecente,
Mas é coisa de veneta,
Imagina, coça as teta,
Dando banana pro povo,
Os cabra mexe nos ovo,
Que isso é coisa do capeta!

Fui pagando para ver,
No que essa história daria,
Subindo na ventania,
Sem ter medo nem por que,
Esse trem vou resolver.
Num tem nem mais precisão,
De fazer sua oração,
Sou um cabra penitente,
Num tenho medo de gente,
Que dirá d’assombração!

O lugar era bonito,
Tinha cor do meu tiê
No meu velho metiê
Nunca tive tanto grito,
De mulher vaca e cabrito,
Zoando feito vespeiro,
Até fiquei mei besteiro,
Mas não arredei meu pé,
Chegando com pontapé,
Entrei nesse pardieiro.

No meio da confusão,
Reparei numa bobagem,
Reparei na sacanagem
Que não tinha nem perdão,
Um tremendo mocetão,
Tava toda machucada,
A bunda toda lanhada,
Riscada com um chicote,
Mesma hora dei o bote,
Levando a destemperada...

Moça bonita e dengosa,
Tinha os olhos rabichados,
Os lábios grossos, inchados,
Um perfume igual a rosa,
Eta bichinha gostosa!
Eu, na hora pensei nela,
Arretada matusquela,
Banquete prum homem só,
Nem pensei em ter mais dó,
Esqueci dessa esparela...

A moça num conseguia,
Falar na minha linguagem,
Mas pra quem quer sacanagem,
Era de pouca valia,
Entender o que dizia,
Não preciso nem falar,
Comecei a cutucar,
A moça de pouco a pouco
O troço deixando louco
Vontade de não parar...

Que boca boa, eu beijava,
A minha mão bem safada,
Fazia sua jornada,
Enquanto ela delirava,
Sua blusa eu abaixava,
As tetas todas macias,
Minhas mãos eram vadias,
Chegavam nas suas coxas,
As florizinhas mais roxas,
Não tinham tais serventias...

A perna da moça aberta,
Esperando pela clava,
Tanto gozo que se lava,
A danadinha era esperta,
Coisa boa que se flerta
Nunca se esquece mais não,
Deitei gostosa no chão.
Cavalguei essa danada,
Minha vida desgraçada,
Parecia ter perdão...

Tanto gosto, tanta festa,
Depressa a noite chegou
Quem gozou não reparou
Uma porrada na testa,
Uma pancada indigesta,
Acabei desacordado,
Quando vi, tava danado,
No meio desse barraco
Que recendia a sovaco,
Misturado com meleca
Reparei nessa boneca,
Mas sentindo do meu saco...

Num canto, tava amarrado,
Pelo saco sim senhor,
Por isso senti a dor,
Um calor desesperado
Tô frito, talvez assado,
Eu pensei por um segundo,
Nessa merda eu me afundo,
Não vai sobrar nem pentelho,
Vi um cabra de vermelho,
Mais feio que o tal Raimundo...

A morte não tinha pressa,
Fiz promessa de jurar,
Que nunca mais vou matar,
A minha mão Deus engessa,
Atadura nem compressa,
Precisa mais ter valor,
Nunca mais um matador,
Nunca mais um sanguinário,
Se meu Deus me der contrário,
Prometo agir com amor...

Apois bem, nem compensava
A morte via de perto,
Nem podia ser esperto,
O troço se complicava,
O moço os olhos injetava,
Com brabeza sem igual,
Meu último carnaval,
Era fava mais contada,
Toda tristeza instalada
Morto naquele arraial...

Uma voz de touro bravo,
Foi berrada neste instante,
Com três metro o tal gigante,
Me disse: em teu sangue lavo
Tu não serves nem pra escravo,
Depois dessa que aprontou,
Essa mulher que pegou,
Fez safadeza de fato,
Fez dela gato e sapato,
Pro chão, você arrastou...

Essa dona é melindrosa,
Com ela não bole não,
Ela é minha tentação,
Do jardim é minha rosa,
Eu sei que ela é bem fogosa,
Já lhe dei muita pancada,
Mas bem sei que a desgraçada,
É chegada em aprontar,
Qualquer um que for chegar,
A vadia é bem chegada...

Mas nunca tinha me dado,
Tanto trabalho afinal
Nesse fim de carnaval,
Parece ter despertado,
O que tem de mais tarado,
As pernas não sossegou
Depressa ela se entregou
A um vagabundo sem eira,
Depois de tanta besteira,
Um par de chifre botou...

A minha cabeça lisa,
Tá ficando encaroçada,
Por causa da disgramada,
Que tanta lição precisa,
Em teus bagos se batiza,
Não vai sobrar mais nada,
Nem sombra dessa safada,
Nem de você seu matuto,
Agora cansei, fiquei puto
Essa conversa fiada!

O trem estava fedendo,
Eu não vi mais solução,
Amarrado no culhão,
O calor já tava ardendo,
Eu pensei: já ‘to morrendo,
Num tem outro jeito não,
Pedi a Deus seu perdão,
E rezei com muita fé,
Mas, de repente, num pé
De vento uma solução...

Quando senti ventania,
Olhei de beira pro lado,
O troço tava arretado,
Meu Bom Deus me protegia,
Apesar das covardia
Que tanto fiz por aí,
Nesse momento eu senti,
Que meu Pai não me deixara,
Nesse vento que ventara,
Surgiu, do nada, o Saci...

Junto com o Pererê
Tava amigo Virgulino,
Que em todo esse desatino,
Nunca iria se esquecer
Dum amigo pra valer,
Companheiro do perneta,
Um tocador de trombeta,
Um arcanjo lá do céu,
Que no meio desse escarcéu,
Deu porrada no capeta!

Trazia de tira colo,
Aquela santa menina,
Ela mesmo, a tal Marina,
Por pouco que eu não me enrolo,
Vendo nesse mesmo solo,
O trio que me salvara,
Tomar vergonha na cara
E parar de safadeza,
Me perdendo nas beleza,
Vou parar com essa tara...


Cordel - A minha sina - capítulo 5 - Na terra do cirandar...
Depois de ter conseguido,
Sair do tal Tororó,
Vazado, comendo pó,
De me sentir perseguido,
Tanto tempo lá perdido,
Nessa ciranda de roda,
Minha vida tendo poda,
Por causa desse diabo,
Tá tentando me dar cabo,
Não vou cantar essa moda!

E quase que ele me pega,
Usando da fantasia,
Que meu peito já queria,
Mas a verdade me nega,
Amor é coisa que cega...
Tenho que ter mais calma,
Pois senão perco minha’alma,
A coisa pode estourar,
Não quero mais complicar,
Nem enfiar minha palma...

Nesse mundo da ciranda,
Pensei sair bem depressa,
Mas a vida me confessa,
Que pra frente é que se anda
Senão a coisa desanda,
Não vai sobrar nem poeira,
Dançarei a vida inteira,
Sem ter como nem dizer,
Eu não quero assim morrer,
No meio dessa besteira...

Bem perto do Tororó,
Tem as terras do De Conta,
Onde tem gente que apronta,
Faz e nem sente mais dó,
Comendo um saco de pó,
A gente passa por lá,
Tem tanta gente que dá,
Vontade de ficar triste,
O meu peito não resiste,
Dessa gente muito má...

Um grito desafinado,
Bem agudo por sinal,
Foi todo meu grande mal,
Eu ouvir o tal miado,
Um bicho pobre felino,
Tava nesse desatino,
Amassado qual paçoca,
Corria de toca em toca,
E pedra em cima, zunino...

Foi pedra e foi paulada,
O bichano quase urrava,
De tanto que apanhava,
Mas não pensei mais em nada,
Também dei u’a cacetada,
Acertei bem de primeira,
Foi uma bruta sangreira,
O gato tá esfolado,
Dessa vez tá bem matado,
Mas vazou na capineira...

Dona Chica s’admirou
Do berro que o gato deu,
O danado não morreu,
E bem depressa escapou.
Pras terras pr’onde vou,
Vou guardar acontecido,
Dele não ter se morrido
Não vou mais m’esquecer,
Quase vi gato morrer,
Mas agora tá fugido...

Saí depressa dali,
Fui em busca d’outro canto,
Mas, logo ouvi novo pranto,
Escorrendo qual xixi,
Nessa mata me perdi,
Procurando quem chorava,
Uma bela moça estava,
Triste que dava pena,
Sua mão de longe acena,
Perguntei que se passava.

A moça então já me disse,
Que um moço cirandeiro,
Acendeu o candeeiro,
Depois fez muita bobice,
Que bem antes que s’ouvisse,
Deixou ela tão sozinha,
A moça era bonitinha,
Minha vontade coçou,
Logo se recuperou,
Pensei logo na Ritinha...

Ela falou da ciranda,
Da meia volta prá dar,
Onde fora cirandar,
Mas caiu meio de banda,
No mundo fez a quitanda,
Mas a vida foi mesquinha.
“O amor que ele me tinha,
Era pouco e se acabou”;
Me mostrou ali no lado,
Um anel todo quebrado,
Foi tudo que lhe restou...

Deixei a moça tristonha,
Não pude falar mais nada,
Passei para outra estrada,
Numa curva mais medonha,
Dessas que nem gente sonha;
Pesadelo sei de cor,
Uma dor foi bem maior,
Quando tive o desprazer,
De perto conhecer,
Uma sina bem pior...

Um moleque bem safado,
Filho do Seu Francisco,
Um pivete bem arisco,
Ria-se tanto o danado,
Um jeito desengonçado.
Quis saber logo o porquê,
Só pedi pra me dizer,
Ele me contou sorrindo,
Foi contando achando lindo
O que passo pra você:

“Pai Francisco entrou na roda,
Tocando seu violão”.
Não fazia nada não,
Mas tem gente que vem, poda,
Nem pode cantar mais moda,
Delegado não quis não,
“Pai Francisco foi pra prisão”.
“E como ele vem faceiro”,
Contava pro mundo inteiro,
O seu filho, sem perdão...

O pobre tão machucado,
Depois de tanto apanhar,
Não podia nem cantar;
“Vem todo requebrado,
Boneco desengonçado”.
Eta filho desumano,
O velho entrou pelo cano,
Tomou tanta da porrada,
Inda agüentar a gozada,
De beltrano e de sicrano!

Deixei depressa esse mato,
Fui buscando outra paragem,
Mas a tal da sacanagem,
Não respeita nem regato,
Como digo, assim, de fato.
Percebi, numa sacada,
A rosa despedaçada,
Que, por causa dum entravo,
Brigou com um velho cravo,
E saíram na pancada...

E logo ali, adiante,
Vinha moça bem tristonha,
Roupa amarrada na fronha,
Que por tristezas que cante,
Me mostrava estar diante,
Dum caso que me entristece,
A moça bonita padece,
Duma pobreza sem dó,
A vida fazendo nó,
A dor no meu peito cresce...

Me dizia não ter cobre,
Tanta coisa assim perdi
De marré, marré, dici;
Eu sou pobre, pobre, pobre...
Eu tentei um gesto nobre,
Mas reparei meu bornal,
Não dava nem pro mingau,
As migalhas que trazia,
Meu bem, fica proutro dia,
Quem sabe lá pro Natal?

Andando mais um pouquinho,
Passando naquele rio,
De noite um tremendo frio,
Reparei, bem de mansinho,
Um sapo dando pulinho...
Mas não era um pulo só,
Tanto pulo dava dó,
Tava todo jururu,
Era um sapo cururu,
Cum frio no fiofó!

No meio do sururu,
Uma coisa também vi,
Me deu vontade e eu ri,
Um tremendo brucutu,
Falando assim pro bitu:
“Vem aqui, bitu, vem cá”,
“Não vou lá, eu não vou lá”,
Respondia o bicho arisco,
“Você me quer de petisco,
Não quero mais apanhar”.

Saindo desse buraco,
Passei por rapaz chorão,
Chorava de borbotão,
Eu fui logo dar pitaco,
Me respondeu num só taco:
“Deus, o que será de mim,
Como vou viver assim.
O meu boi, tadim, morreu”...
Mas antes ele que eu:
“Vai buscar no Piauí!”

Depois de tanta mazela,
Encontrei uma saída,
Dei um tchau na despedida,
‘Tô ficando matusquela,
Escapei dessa esparrela,
Mas pra nunca me esquecer,
Do meu grande bem querer
Pra não perder a centelha,
Peguei a rosa vermelha,
Hei de amar até morrer!


Cordel - A minha sina - capítulo 6 - Boi bandido e Catirina
Depois de ter escapado
Da terra do cirandar,
Eu voltei a procurar,
O meu destino marcado,
Ter meu mundo desolado,
Num momento diferente,
Voltar ser, de novo, gente;
Podendo ter paz na vida,
Buscando sem despedida,
Viver, de novo, contente...

Partindo do tal reinado,
Encontrei novo caminho
Entrando, bem de mansinho;
Num belo mundo marcado,
Pelos campos, verde prado,
De beleza assim, sem par;
Pois esse belo lugar,
De bonito dava brilho,
Não quero perder o trilho,
Mas preciso descansar!

Coisa mais sensacional
Era tal lugar bonito,
Digo, redigo e repito,
Eu nunca vi nada igual,
Parecia um festival
Dessa natureza em flor,
Nunca tanta vi tanto verdor,
Nem em sonhos ‘maginei
Pois foi lá que desbanquei
Esse peito sofredor...

Conheci moço bacana,
Um doutor muito educado,
Me falou ter procurado,
Um cabra que não engana,
Tinha muito safardana,
Enganando o pobre moço,
Eu não fiz muito alvoroço,
Mas pedi logo um emprego,
Cuido de vaca e burrego,
Carregando água de poço...

Olhei pra cara do dono,
Me disse que tava bem,
Não confiava em ninguém,
Vivendo nesse abandono,
Um rei grande no seu trono;
Mas, porém, sem confiar,
Tanto deram de enganar
Um moço tão confiado,
Entendi o seu recado,
Comecei a trabalhar...

Me falou dum boi bandido,
Que era boi dos premiado,
Um tal boi condecorado,
Boi daqueles bem vestido
Por Deus, boi escolhido,
Um campeão de rodeio,
Tinha um couro bem vermeio,
Era grande pra danar,
Era boi pra se ganhar
Bem mais de milhão e meio!

Costumado a criar gado,
Nos tempos lá das Gerais,
Pensando não querer mais,
Esse mundo disgramado
De correr lado pra lado,
Buscando por valentia,
Escapar da covardia,
Do capeta mais chifrudo,
Entro calado, vou mudo,
Viver essa regalia!

Eta mundinho dos bão,
Viver aqui na moleza,
No meio da natureza,
Sem ter preocupação,
Não quero mais nada não.
Só quero essa vida boa,
De tardinha na garoa,
De noitinha no meu quarto,
A vida enfim, me deu trato,
Fez canoeiro e canoa...

Nesse campo bem verdinho,
Sem ter seca nem ter fome,
O que se quiser, se come,
Só tá faltando carinho,
O resto vai direitinho,
Não quero sair daqui,
É, pois, tudo o que pedi,
Pensei estar realizado,
O meu coração, danado,
Resolveu se divertir...

Tinha moça bem faceira,
Filha dum sujeito bravo,
Mas sem temer por agravo,
Eu cantei a noite inteira,
Esperei, falei besteira,
Essas coisas de quem ama,
Esquentei brasa na chama,
Chamei pra dar uma volta,
Aceitou, não fez revolta,
Foi parar na minha cama!

O pai, depois do mal feito,
Reclamou com o patrão,
Esse não deu bola não,
Os dois quer tá no direito,
Agora vamos dar jeito,
Os dois precisa casar,
Aceitei sem nem pensar,
Eu casei com Catirina,
Era o nome da menina,
Mais bonita que o luar...

Passa mês três mês, um ano
Eu me sentindo feliz,
É tudo o que sempre quis,
Vivendo assim sem ter plano,
De tanto saber engano,
Desconfiava de nada,
Tudo de carta marcada,
Na jogatina da vida,
A tristeza tá perdida,
A vida dá gargalhada...

A moça então, embuchou,
A barriga tá crescida,
Minha sorte decidida,
É nesse mundo que vou,
Devagarinho chegou
O meu tempo de ser rei,
Doutro caminho não sei,
Até que enfim tenho paz,
Me esqueci de Satanás
Nem pros lados eu olhei!

Acontece que a danada,
Uma noite então me disse,
Que seu coração ouvisse,
Pro móde tá embuchada,
Sonhou nessa madrugada,
Um desejo diferente,
Vai ouvindo minha gente,
Veja só se isso tem jeito,
Com todo amor no meu peito,
Me pediu, de modo urgente,

Pra matar essa vontade,
Coisa que não tem juízo,
Me falou que era preciso,
Lhe trazer até de tarde,
Coisa de gente covarde,
Me pegou desprevenido,
Agora tô convencido,
Não tenho mesmo sorte,
Isso me cheirava a morte,
A língua do boi bandido!

Eu tentei desconversar,
Catilina então chorava
Dizia que eu não amava,
Me falando, sem parar,
Que se não fosse pegar,
A língua do desenfeliz,
Nosso filho tão feliz,
Ia ser um desgraçado,
Nesse choro, maltratado,
Minha vida por um triz...

Sem ter jeito nem escapo,
Cheguei perto desse boi,
Nesse dia então se foi,
Dei pancada até sopapo ,
Por pouco que não fui capo,
Numa chifrada mal dada,
A calça saiu rasgada,
Quase que fico capado,
Mas o boi foi deslinguado,
Sua língua ensangüentada...

Peguei, então tal troféu,
Voltei correndo pra casa,
Coração queimando brasa,
Descortinei esse véu,
Nesse inferno, cadê céu?
Reparei na gargalhada,
Eu não pensei em mais nada,
Minha vida não tem jeito,
Reparando bem direito,
No riso da desgraçada,

Eu vi que fora enganado,
A tal dessa Catirina,
Que pensei ser a menina,
Por quem fui apaixonado,
Tinha já se transformado,
De maneira diferente,
Num jeito mais repelente,
Com dois chifres apontando,
Era o diabo enganando,
Rindo seu riso contente...

Vazei então no capinado,
Deixando tudo depressa,
Não querendo nem conversa,
Com o bicho disgramado,
Sem vergonha e tão safado,
Ter me deixado sozinho,
Procurei o meu caminho,
Não posso mais ter nem paz,
Esse bicho ruim é capaz,
De me comer picadinho...

Cordel - A Minha Sina Capítulo 7 - Caçando o porco errado...
Depois de ter escapado,
Das terras do faz de conta,
Tanta coisa que se apronta,
Meu mundo vai enganado,
Não me resta nem recado.
O bornal ficou por lá,
Quem mandou me casá
Com a tal de Catirina,
Quase me pegou de quina
De modo a me extropiá.

Minha sorte é que deixei,
Escondida nesse mato,
Na beirinha do regato,
Foi depois que me lembrei,
Quando na mata cacei,
A minha velha espingarda,
Senão a vida danada,
Acabava duma vez,
Já tava morta essa Inez,
Não ia sobrar mais nada...

Com espingarda na mão,
De fome não vou morrer,
Riacho dá de beber,
Vou seguindo a procissão,
Vazando pelo sertão,
Deixando tudo pra trás
O Maldito Satanás
Não vai desistir da caça,
Passa vila passa praça,
‘Tô precisando de paz...

Depois, pensando direito,
É que fui lembrar com calma,
O que vai ser da minh’alma,
Mas o feito já tá feito,
Metendo as caras e o peito,
Eu pensei bem devagar,
Como fui engravidar,
Pensei na minha veneta,
A mulher desse capeta,
No quê que isso vai dar?

Deixei de lado a bobiça,
Vazei no trecho, direto,
Seu capetão vadre reto,
Eu não posso ter cobiça ,
Senão essa joça enguiça,
Vou deixar de lero lero,
Se me dar também eu quero,
Vou caçando esse meu rumo,
Quem sabe acerto meu prumo?
Assim seja, assim espero...

Depois de muito caminho,
Estou de novo sozinho,
Nas matas do Jequibá,
Sem vontade de casar,
Vou caçando passarinho,
A fome tá me matando,
Assim eu vou reparando,
Nas belezas dessa serra,
O bom cabrito não berra,
É melhor sair caçando...

Logo perto dum regato,
Achei um rastro bendito,
Eu vou poder comer frito,
Rastro de porco do mato,
Vou rapidim dar um trato,
A carne é muito gostosa,
É caça das preciosa,
Dá pra gente empaturrar,
Saí depressa a caçar,
Minha barriga já goza...

Mas, essa maldita sina,
Não dá sossego nenhum,
Senti um cheiro, um futum,
Um fedor mei de latrina,
Me lembrei de Catirina,
Um tremendo pescoção ,
Me jogou, logo no chão,
Quase me arranca o papo,
Tomei um outro sopapo,
Apanhei pior que cão...

Em cima do tal do porco,
Um anãozinho dos feio,
Com o cabelo vermeio,
Tava me dando um sufoco,
Eu peguei então um toco,
Dei pancada demais,
O danado foi pra trás,
Num segundo pus sentido,
Os pé do bicho invertido,
Eu não posso ter mais paz...

Deu risada e gargalhada,
Reparei então nos dente
Os dente desse demente,
Tinha a cor esverdeada,
Tomei tanta porrada,
Por pouco ele não me estora,
Eu ‘tô ferradim agora,
Não tenho mais nem saída,
Eu vou perder minha vida,
Nas mãos desse Caipora...

De repente ele parou,
Me falando assim de banda,
Quase que tudo desanda,
Quase que você matô,
Um bicho de muito valô
O meu porco é montaria,
É por isso que eu batia,
Pra você se sussegá,
Agora, pode caçá,
Mas manera a valentia...

Num precisa de regalo,
Nem de fumo nem de esteira,
É só num fazer besteira,
Mata passarim ou galo,
Prá comer não atrapalho;
Só num gosto de maldade,
Nem de saber crueldade,
Com os bicho cá do mato,
Entonce tá feito o trato,
Você ganhou liberdade...

Não me bastou Satanás,
Quase que eu estou ferrado,
Fui caçar o bicho errado,
Minha vida deu pra trás,
Nessas matas, nunca mais...
Vou pegar minha espingarda,
Vou vazar dessa invernada,
Vou sair do matagal,
Depois de tomar um pau,
Não quero saber de nada...


Cordel - A minha sina - capítulo 8 - Um tiro dado pela culatra... E salvador.
Acontece que, na pressa
De sair do matagal,
Eu trupiquei nesse pau;
Minha vida anda as avessa,
Inda morro numa dessa!
As perna quase parti,
De cara pru chão caí,
O negócio tava feio,
Eu num arranjava meio,
Desse fardunço saí...

Machucado, bem doído,
Tive que ficar parado,
Cheiro de mato queimado,
Eu pensei: eu tô perdido,
Nesse caminho comprido,
Eu num tenho salvação,
E não tem mais jeito não,
Como posso me escapar,
Se não encontro lugar,
Nem encontro solução...

A noite tava chegando,
Escura e muito fechada,
É parar a caminhada,
Ali ficar matutando
Num posso sair andando.
O mato pegando fogo,
Complica mais esse jogo,
Brilhando lá d’outro lado,
Se chegar eu tô ferrado...
Rezei, pedindo num rogo.

Arrastei dentro da mata,
Devagar, fui deslizando,
Vi dois foguinho brilhando,
Tanto medo me maltrata,
Procurei marca de pata,
Encontrei um rastejar,
Trem começa a complicar,
Os dois olhinhos brilhando,
Nesse bicho rastejando,
Pensei logo : Boi Tatá...

Escondido desse bicho,
Fiquei nesses matagá,
Eu sei que esse Boi Tatá,
É pior que carrapicho,
Se não vazar num esguicho,
O troço pode feder,
O danado vem fazer,
Com o pobre do coitado,
Um fogaréu desgraçado,
Fazendo o cabra morrer...

Depois é que me lembrei
De ter matado um gambá,
Os restos dele deixá,
E pelo que eu já bem sei,
Esse gambá que matei,
É que trouxe esse malvado,
Não vivo mais sossegado,
Minha sina é de matar,
Como é que vou escapar,
Desse bicho disgramado...

Mas pru sorte, seu dotô,
Deus é muito meu amigo,
Com Ele corro os perigo,
Me protege sim sinhô,
O meu maior protetô!
Um caçador, nesse instante,
Deu um tiro na vazante,
Do rio que passa perto,
Esse tiro foi incerto,
Passando bem raspante...

Esse tiro salvador,
Dado sem ter direção,
Foi a minha salvação,
Esse tal de caçador,
Sem ter noção, atirou
Na casa do Boi Tatá,
Acertando tudo lá;
E fazendo um grande estrago,
Escapei dessa, tô pago,
Mato parou de quemá...

O caçador, desastrado,
Me salvou desse bagaço,
A faca que corta é d’aço,
O medo traz estampado,
Eta mundão mais danado,
Feito de cruz e diabo,
Vou babando igual quiabo,
Eu tô fedendo defunto,
Mas vamo mudá d’assunto,
Pois senão assim, acabo...


Cordel A minha Sina Capítulo 9 Matinta Perêra


Escapando dessas matas,
Nas terras do Boi Tatá,
E precisando encontrar,
Por terras menos ingratas,
Passei por morros, cascatas,
Por luares e sol forte,
Seguindo o rumo do Norte,
Na busca da solução,
Não via outro jeito não,
Tentar escapar da morte...

Seguindo lá pra Bahia,
Tanta coisa por dizer,
Não queria me perder,
Tanta coisa que eu fazia,
Esperava pelo dia,
Da verdade, libertar..
Nem podia descansar,
Chegar de manhã, de tarde,
Sair sem fazer alarde,
Novas matas chafurdar...

Depois de muito caminho,
Precisando d’acalento,
Dormindo só no relento,
Tive que procurar ninho,
Não me importa estar sozinho,
Noite não tinha luar,
A mata pra se embrenhar,
A vida fica de fora,
Escapei do caipora,
É melhor pra descansar...

No meio da noite escura,
Um passarim lá cantando,
Com o bico se espraiando,
Dizia, tal criatura,
Canto que ninguém atura,
Reparei nessa bestêra,
Por detrás da capoêra,
Procurei nem deu pra ver,
Depois pude perceber,
Era o Matinta Perêra...

Procurei donde chegava,
O canto dessa agourenta,
Escutei mais de quarenta,
A peste nunca parava,
A diacha só cantava,
Trazendo uma maldição,
Corri, diantava não,
A danada arrepetia,
A terrível cantoria...

Já cansado de correr,
Vi que não tinha mais jeito,
Não tenho mais nem direito,
Maleita, peste, vou ter...
E depois d’adoecer,
É torcer pra ficar bom,
O danado desse som,
É coisa pior que praga,
Inté valente se caga,
Não canta num outro tom...

Bem mais tarde se lembrou,
Duma coisa que sabia,
Convidar para outro dia,
O passarim que piou,
Com o qual já s’assustou
Para tomar um café,
Gritou com força e com fé,
O Perêra concordou,
Foi pelas mata, avoou,
Fui devagar pé no pé...

Na madrugada alvorada,
Ouvi tremendo barulho,
Parecia que os entulho
Das mardita alma penada,
Tava a fazer revoada,
Perto donde eu lá dormia,
A noite tava bem fria,
A mata tava sem lua,
Vi uma mocinha nua,
Me chamando, essa vadia...

Eu pensei ser o Perêra,
Que chegava pro repasto,
Olhei de banda, de fasto,
Valeu essa noite intêra,
Já pensei nas bandaiera,
A moça era bem bonita,
Tinha jeito de cabrita,
No cio, a bichinha tava,
Então me refastelava,
Eta mocinha catita...

Dei meu braços pra safada,
Agarrei nessa cintura,
Com tamanha formosura,
Viva a vida a madrugada,
Vou lhe dar uma pernada,
Vou fazer festa de monte,
E bem antes que s’aponte,
O sol na barra do dia,
Vou pegar essa vadia,
Já tá feito meu apronte...

Acontece que a demente,
Agarrou com tanta força,
Que nem parecia moça,
Eu até fiquei descrente,
O sol lá no seu nascente,
Apontava sua cara,
A moça ria da tara,
Chegava, então, gargalhar,
Num mexia do lugar,
Todo mordida se sara...

Nesse embrolho de dar dó,
A moça deu um chupão,
Acelera o coração,
Quase que virei foi pó,
Na garganta deu um nó...
Nesse momento, a portera,
Aberta na ribanceira,
Eu vi um redemoinho,
Pensei não tou mais sozinho,
Deve ser a tal Perêra...

Quando vi tal reboliço,
A garganta já mordida,
Minha vida tá perdida,
Já tô no mei desse enguiço,
Espetando como ouriço,
A moça largou as mão,
Assim, mei de supetão,
As mão da moça era garra,
Escapuliu dessa farra,
Me largou, depressa então...

Reparei, nesse momento,
A coisa de se estranhar,
Logo depois de largar,
Bem no meio desse vento,
Arreparei tomei tento,
Eu vou contar pra você,
Pode inté te surprendê,
Um perneta bem risonho,
Como que fosse dum sonho,
O tar saci pererê!

Me contou que já sabia,
Dos caminho meu nas trilha,
E sabendo da armadilha,
Veio depressa, de dia,
Me tirar dessa arrelia,
Me livrar dessa estribeira,
Arrancando de primera,
Das mão desse Satanás,
A sorte é que veio atrás,
Ele, Matinta Perêra!


Virgulino, meu cumpade,
Sabendo dessas encrenca,
Tando com vida da avenca,
Vivendo lá c’a cumade,
Pensou na realidade,
Da vida do seu amigo,
E pediu preu vir contigo,
Prá te sarvá da peleja,
Ah! E que ele te deseja,
Munta sorte nos perigo...

Partindo sem mais dizê,
Sumiu numa ventania,
Me deixou na manhã fria,
Varejou sem perceber,
Nas mata do bem querer,
Foi correndo, foi na fé,
Não dexou nem seu chulé,
Na perna que lhe restava,
Adepois que eu reparava...
Nem tomou o seu café!!!!!


Cordel - A Minha Sina Capítulo 10 - A Cabeça Satânica


Depois de ter escapado,
De novo dessa mulher,
Pensei preciso de fé,
Senão eu já tô ferrado,
Nesse mundo desgraçado,
Sem tentar escapatória,
Dei a mão à palmatória,
Vazei daquele lugar,
Preciso me concentrar,
Senão nem resta memória...

Procurando me esconder,
Entrei na mata bravia,
A gente, quando se fia,
Não tem nada pra temer...
Nas matas do Zabelê,
Nas minhas Minas Gerais,
Espero poder ter paz,
Aqui a terra eu conheço,
Não pode dar nem tropeço ,
Descansar, eu sou capaz...

A noite estava bonita,
Noite de lua e luar,
Um bacurau a cantar,
Outra coruja que grita,
E quem não é bobo evita,
Escapar donde se encontra,
Não tenho medo por conta,
Mas não quero vacilar,
Deixando só por deixar,
A noite, bobeia, apronta!

Debaixo dum jetibá,
Aqui vou ficar, parado,
Descanso bem sossegado,
Repouso não vai faltar,
É melhor ir repousar,
Não perder um só segundo,
Depois eu vazo no mundo,
Procurando Deus M’acuda,
Por certo terei ajuda,
Vou dormir sono profundo...

Sonhei com tanta beleza,
Satisfiz o meu desejo,
Em anja dei muito beijo,
Espantei minha tristeza,
Nadei contra a correnteza,
Fiz a casa de sapê,
Isso é lugar de viver,
Não tem outra solução,
Pr’essas terras, pr’esse chão,
Só no sonhar dá prazer!

Encontrei com Virgulino,
Em Marina dei abraço,
Vencendo esse meu cansaço,
Eu cruzei todo destino,
Virei de novo menino,
Nas cordas dum violão,
Levantava o poeirão,
Dançando muito forró,
Da vida nem tive dó,
Balançou meu coração...

As danças que lá dançava,
Não parava de dançar,
Dançando bem devagar,
Nessas danças me encontrava,
Dancei do jeito que tava,
Não corria mais perigo,
Acabara-se o castigo,
Nem ligo pra mufuá,
O pau pode vir quebrar,
Eu finjo nem é comigo!

Sonho gostoso de ter,
A noite fazia frio,
O coração mais vadio,
Despencado de bater,
Acostumado a sofrer,
Tava bem sossegado,
Eu também tava cansado,
Precisava repousar,
Mas não dá pra descansar,
Sem ficar preocupado.

Um barulho, então ouvi,
Era o mato se mexendo,
Reparei que tava havendo,
Acordei depressa, eu vi,
Há uns dez metros dali,
Uma coisa me espantou,
Do mato se levantou,
Uma coisa diferente,
Uma cabeça de gente,
Que parece, alguém cortou...

A cabeça se mexia,
A danada até falava,
Dava riso, gargalhava,
Tanto medo ela metia,
Desabei na correria,
Sem pensar em direção,
O terrível cabeção,
Não se fez nem de rogado,
Disparou para o meu lado,
Eu não via solução...

Atrás da tal cabeçona,
Eu vi um descabeçado,
Pensei, já tô ferrado,
Meu pai já to na lona,
Vou correndo pr’outra zona,
Aqui não fico mais não,
Procurei o meu facão,
Correndo sem pena e dó,
Cortei mato, até cipó,
Vazei no capoeirão.

Me lembrei então na pressa,
O que contava vovô,
A cabeça se criou,
Na noite que não confessa,
Eu não escapo mais dessa,
Gosmenta como o quiabo,
Com essa agora me acabo,
A cabeça vem atrás,
Foi feita por Satanás
A cabeça do diabo!

Então reparando bem,
Eu vi no descabeçado,
Aquele jeito safado,
Que me lembrava d’alguém,
O capeta agora vem,
Atrás de mim, não tem jeito,
Meti as caras e o peito,
Num buraco qu’encontrei,
Lá dentro eu me enfiei,
Me dou bem por satisfeito...

Quando entrei nesse buraco,
O danado se fechou,
Quem tava fora ficou,
Escapei, foi por um naco,
Confiando no meu taco,
Fui entrando pela terra,
Um bom cabrito é que berra,
Calado morre, sem pena,
Ao entrar, que bela cena,
Um monte no mei da serra!

Tudo brilhava, dourado,
O sol lá tinha nascido,
Até hoje eu duvido,
Daquele meu novo achado,
E fiquei maravilhado,
Com o que meus olhos viu,
Nem parecia o Brasil,
Uma lagoa dourada,
Muito bela, iluminada,
Por um céu azul, anil...

Quando ouvi então sussurro,
Duas moças que se ria...
Me escondi, sem covardia,
Que eu não sou um cabra burro,
Ponta de faca dei murro,
Não quero mais confusão
Me deitei naquele chão,
Reparei que ele brilhava,
Toda a terra clareava,
Um bonito amarelão...

As duas moças branquelas,
Com o cabelo bem liso,
Vou me calar pois preciso,
Escapar pra longe delas,
As roupas bem amarelas,
Os cabelos alourados,
Até chinelos dourados,
Uma riqueza de brilho,
Parecendo até o milho,
Os cabelos cacheados..

Pensei bem onde é que estava,
Depois é que recordei,
Tanta coisa que não sei,
Mas aquela eu me lembrava,
Tanto brilho que brilhava,
Até num lago dourado,
Já tava tudo explicado,
Esse lugar diferente,
Adivinha minha gente:
Encontrei o Eldorado!

Nada mais belo no mundo,
Precisei me beliscar,
Não dá nem pra acreditar,
Que nesse buraco profundo,
Aqui nesse fim de mundo,
Lugar de muita beleza,
Lugar de muita riqueza,
Guardado nesse buraco,
Já tava ficando fraco,
Esperei na correnteza...

Quando vi, bem de repente,
Um bicho bem engomado,
Num caminho rastejado,
Apareceu bem contente,
A danada da serpente,
Começou a me falar,
Então eu fui reparar,
O negócio complicou,
Um bicho que me falou,
Já dá pra desconfiar...

De repente a gargalhada,
Conhecida já faz tempo,
Me criou um contra tempo,
Eu não pensei mais em nada,
A risada da safada,
Da mulher de Satanás,
Corri, deixando pra trás,
Tanto ouro que nunca vi,
Nem da terra despedi,
Mais que o ouro vale a paz!

Voltei de novo, correndo,
No buraco do tatu,
Tô cagado d’urubu,
Viver assim, me escondendo,
Tantas terras percorrendo,
Até descansar da sina,
Pela luz que me ilumina,
Já tô ficando cansado,
Pelo capeta marcado,
Outras tantas me destina!


Cordel A minha Sina Capítulo 11 A Besta Fera


Escapando dessa terra,
Desse famoso Eldorado,
Num caminho desgraçado,
Subindo naquela serra,
Onde coração se enterra,
A vida não tendo jeito,
Lutando pelo direito
De viver a vida em paz,
Escapei de Satanás,
Me dando por satisfeito...

Depois deste descaminho,
Nas matas não ando mais,
Eu deixei tudo pra trás,
Procurei o meu caminho,
A vida sem ter um ninho,
Onde possa descansar,
Tô precisando parar,
A vida não faz sentido,
Meu mundo está mais perdido...

Encontrei um vilarejo,
Lá perto de Sucupira,
Onde cabra bom atira,
Por vontade e por desejo.
Numa morena dar beijo,
Deitar de novo na rede,
Matar a fome e a sede,
Sem ter dó e piedade,
A danada da saudade,
Encostada na parede...

Nessa terra do pé junto,
Que se chama de Ramela,
Onde todo cabra pela,
Tesconjuro seu defunto,
É melhor mudar de assunto...
Encontrei com Virgulino,
Contei os meus desatino,
Ele respondeu na lata,
Me deu um punhal de prata,
Pra cuidar do meu destino...

Depois de muita conversa,
Se despediu o amigo,
Me disse: agora é contigo,
Me desculpe minha pressa,
Tenho que voltar depressa,
A Marina tá esperando,
É melhor ir terminando,
Que essa noite não demora,
É melhor eu ir embora...
Se despediu, me abraçando...

Fui então procurar casa,
Encontrei uma viúva,
Me fez bolinho de chuva,
O seu corpo andava em brasa,
Tanta saudade me arrasa,
Me chamou pra ir dormir,
É melhor ficar aqui,
Um lado meu me dizia,
O outro lado me pedia,
Foi esse que obedeci...

A mulher era fogosa,
Deitada naquela rede,
Viúva igual galho verde,
Balancei então a rosa,
Com dois dedinhos de prosa,
Tava feita a sacanagem,
No mei daquela engrenagem,
As coisas perderam rumo,
Alisei mantive prumo...
O resto todo é bobagem..

A noite de lua cheia,
Era plena madrugada,
Foi então que a cachorrada,
Como que tivesse peia,
Numa bagunça incendeia
Todo aquele povoado,
Num barulho desgraçado,
Assustando até defunto,
Não gostei daquele assunto
Fui depressa conferir,
Mal a porta pude abrir,
Nunca vi tanto cão junto!

Os danados dos cachorro
Corria feito o diabo,
Nesse trem inda me acabo,
Fui conferir, subi morro,
Fui prestar o meu socorro,
Quando vi um bicho feio,
Cavalo e homem no meio,
Sobre os cascos galopando,
Nos cachorros chicotando,
Sem parar sem ter nem freio...

A viúva então me disse,
Que era a tal besta fera,
Que nessas noites impera,
E se a danada me visse,
Se por acaso me ouvisse,
Era melhor cair fora,
Tô frito, pensei na hora,
Eu não dou sorte me ferro,
O bicho então solta um berro,
É hora de eu ir embora!

Não deu tempo nem daria,
Olhando pra minha cara,
Relinchou, fez que anda e para,
Disparou na montaria,
Eu vazei na noite fria,
Ele correndo por trás
Parecendo Satanás,
Não me deixou nem por reza,
Tudo que demais se preza,
A gente não é capaz...

Me lembrei do tal punhal,
Que Virgulino me dera,
Parei, olhando pra fera,
E mostrei fiz um sinal,
Pus na mão direita um pau,
O punhal também mostrei,
Parecendo que era um rei,
O bicho não quis correr,
Fez que iria até morrer,
Pra outras banda vazei...

O danado do mistério,
Se mostrou na solução,
Trotando pediu perdão,
E vazou pro cemitério,
Fiz de bravo, fiquei sério,
Ele então se acovardou,
Num momento se abaixou,
Fez então cara de triste,
O diabo não resiste,
Ao punhal que prateou...

Nem voltei para a viúva,
Peguei o meu embornal,
Varejei no matagal,
Eu prefiro até saúva,
Comi bolinho de chuva,
Fiz festança com mulher,
Vivendo como Deus quer,
Me embrenhei então na mata,
Meu destino me arrebata,
Seja lá o que Deus quiser!


MARCOS LOURES

EM GOLES FARTOS

EM GOLES FARTOS


Belo em goles fartos, sonho
E pudera ser assim
O caminho dentro em mim
Que deveras mal componho

E se possa ser risonho
Tento crer no meu jardim,
O momento diz enfim
O cenário que proponho.

Vagamente pude ver
O que tanto dá prazer
Ou quem sabe me sacia,

A palavra se negando
Outro tempo mais infando
Mata toda a fantasia.


MARCOS LOURES

A MERETRIZ E A SANTA

A MERETRIZ E A SANTA

Trazendo o viço da vida
E um vício, felicidade.
Perseguindo na cidade
As portas da despedida
Do tempo que fui feliz
No colo da meretriz
Matada por ser verdade
O boato que dizia
Que em toda essa eternidade
Rasgando essa fantasia
De dona desse bordel,
Viajava pelo céu
No cabo desse cometa
Que comentam que surgia,
No nascedouro do dia
Pelas alvorada afora
Que desde que foi embora
Escurraçada, essa moça.
Nunca mais quebrou a louça
Que compunha nessa Igreja
Para quem quiser que veja
A clarear nesses dia
Nessa imagem dessa santa
Olhos da Virgem Maria.
Pois então desde esse dia
Ando vida solitária
Buscando cara metade
Mas no mundo sem alarde
Num tem esperta ou otária
Que queira, de serventia
Ou por amor ou decreto
Viver, amar de concreto
Fazer da vida a valia
Que possa dar compromisso
Fazendo do jogo atiço
Do rogo desse serviço
Que traga minha fornada
De pão e de poesia
Pra poder só nessa estrada
Ser a minha estrela guia
Essa mão que me consola
Que me carrega a viola
E me ensina nessa escola
De que serve a valentia
Se nada mais me trazia
O rebento desse dia
Que acende todo pavio
Que me deixa por um fio
Antes que nada avacalha
Sou do fio da navalha
E gosto de ser assim
Que tudo seja por mim
Como nada mais poderia
Se tivesse essa fantasia
De ser feliz com mulher
Se Deus isso não quer
Por culpa da cafetina
Que amei desde menina
Que voava sem ter asa
Pelas soleiras das casa
Esquentando feito brasa
Aquele que nunca se acha
Que pensa que vai, despacha
E que carregando essas acha
Pra aquecer tempo mais frio
No mundo segue vadio
Meu coração sem atino
Acostumou com destino
De viver do desatino
Por causa de bruxaria
De quem nunca foi compasso
Com pressa nem o cadarço
Da vida amarrou direito
Trafegando no meu peito
Sem rumo e sem direção
Foi o lastro desse chão
O gosto azedo da vida
Assumindo a despedida,
De quem nunca mais voltou
As asas criadas vento
Os olhos partidos, tento
Fazer desse meu intento
O meu maior instrumento
Se preciso restaurar
As mãos estão calejadas
Perfumadas por suor
Trincadas pelo melhor
Da vida que a vida nega
A quem na vida trafega
Sem ter rumo que se entrega
Nos traços desse meu lápis
Que com grafite bem negro
Não deixa mais que me escapes
Sorte sem rumo e apego
Minha sombra rela o pé
Atravessa esse portão
Formiga das lava pé
Queimando meu coração.
O amor, foi reviravolta
Sentou praça sem escolta
Vacilou, o amor caiu
Ralando o seu joeio
Sangrando todo vermeio
O coração já saiu
Andou dando devorteio
Na viola que ponteio
Do mundo roçando o meio
Varando pela porteira
Que permitiu minha fuga
Mas agora já refuga
Disfarçada em brincadeira
Dessas de saltar fogueira
Nas noites de sexta feira
Na coruja da ribeira
Qual mocho de bico torto
Vou seguindo absorto
No meio desse caminho
Que vai pra trás da fazenda
Perto daquela moenda
Que moendo, me matou
Os olhos perdidos ao leu
Percorrendo nesse céu
Em busca de minha amada
Única infeliz madrugada
Que acalentou minha lua
Que andava toda nua
Nos meus sonhos mais gulosos
Agora, como os leprosos
Do testamento mais velho,
Sem Cristo pra me curar
Embolado escaravelho
Me enovelo devagar
Qual fora ouriço caixeiro
Me defendo dos cachorro
Que lá por cima do morro
Já passam o tempo inteiro
A preparar o seu bote
A minha sina mais forte
Aquela que leva pro norte
Procurando minha sorte
Mas só tenho minha morte
Pra poder negociar
No fundo, pode estar certo
Que nada tendo por perto
É o que melhor vai tocar
O coração deslambido
Que bate de tanto sofrido
Num acalanto sem rima
Acabando com estima
Estrume tomando tudo
O corpo vai cego, mudo
Eu nem sei se me ajudo
Se posso saber o contudo
Se não sei nem o porque
De tudo que posso ver
Tá tudo selecionado
Nas cismas da minha sina
Feito mágoa cristalina
Feito matreira saudade
Gerada por contrafeitos
Contra os meus próprios defeitos
Nada posso argumentar
Só sinto nada ter feito
Nem do doce nem confeito
Mereço ao menos respeito
Pela dor que trago, o peito
Batendo feito demente
Trazendo para essa gente
Esse canto de amargar
A boca da noite vigora
Essa minha triste espora
Machuca qual catapora
Queima tal qual caipora
Me lembrando que agora
Já ta chegando minha hora
O meu tempo já se estora
É hora de ir-me embora
Embora fora de hora
Agora chegou minha hora
Doutor vou já vazar fora
Desculpe pela demora
A lua já se ancora
A barra da noite aflora
E terminando essa história
Carrego nessa memória
Os tristes olhos da Santa
Quebrados, por essa moça
Cuja carne não foi louça
Sangrada até não ter força
Com ela também fui morto
Meu pensamento absorto
Procurando por um porto
Onde possa ter descanso
Procurando pelo remanso
Desse rio que se encurva
Pra no meio dessa curva
Numa noite do sertão
De lua e de poesia
Enterrado, sem valia,
Meu inútil coração...


MARCOS LOURES

A DANADA DA PAIXÃO

A danada da paixão

Seu moço me dê licença
Deu lhe contar uma história
Essa eu já sei de memória,
Embora não lhe convença
É um caso de doença
Que se espalhou no sertão,
É preciso de atenção,
Senão num vai entender,
Como posso me esquecer
A doença da paixão?

Conheci moça bonita,
Nas estradas que passei,
Nos caminhos já fui rei...
É coisa que muito agita,
Com um lacinho de fita
A moça era bem faceira...
Eu gostei foi de primeira
Parecia uma princesa,
Me envolvi nesta beleza
Era paixão verdadeira...

Acontece que essa moça
É filha dum inimigo
Que já me trouxe perigo
De sangrar já formou poça
A mocinha era de louça
Uma bela namorada,
Eta vidinha azarada
O quê que posso fazer?
Era melhor nem saber
E parar a caminhada...

Mas o coração da gente
Não quer saber desse troço,
Bem cedo é que me alvoroço,
Não posso viver contente
Se não matar a serpente
Não posso comer esse ovo,
Já me dizia meu povo
Eu não tenho mais saída,
O que fazer desta vida
Vou encarar esse corvo...

Tantas vezes vi saudade
Voando qual passarinho
A procurar o seu ninho
Vida parece maldade
Preciso tranqüilidade
Eu não aceito conselho
Vivo nesse sol vermelho
Nessa terra meu deserto
Não tenho medo do incerto
Pode guardar seu bedelho...

Filho de cabra marcado
Pra morrer em emboscada
Minha viola é tocada
Não tenho medo de fado,
Nem destemido e safado
Vão poder me segurar
A bala que vai matar
No meu revólver se esconde,
Eu não vou perder o bonde
Não precisa preocupar...

Mas ao ver a moça linda
Um coração não tem jeito,
Arrebentando no peito
Essa saudade não finda
Pois tanta tristeza ainda
Nessa vida vou viver,
Mas é matar ou morrer
Essa dúvida tortura
Passear na noite escura
Esperar amanhecer...

Depois de muita fofoca
Amor que fora mimoso,
Agora é bem perigoso,
Eu não vou sair da toca
Não vou pra terra, minhoca
Eu preciso solução
Como viver no sertão
Essa terrível doença
Não me deixa recompensa
A danada da paixão!


MARCOS LOURES

ALVOROÇO

 ALVOROÇO

Quero te falar seu moço
Como pode esse alvoroço
Em troca desse colosso
Que pendura no pescoço
Suga portanto até o osso
E traz de novo esse preço
Que custa minha cabeça
Que me traga assim, à beça,
Que me pega e nem confessa
Deixando-me pelo avesso
Pelo medo dessa lida
Sangrada e sempre curtida
Numa espécie de malgrado
Meu coração safado
Perdido nessa loucura
Que morde tampouco cura
E transforma essa bravura
Em bravata loroteira
Que na vida por inteira
Goles bebe mais sedenta
Que prende, mata, arrebenta
Que nem fosse água das benta
Das beatas que arremete
A vida na bola sete
Que não luta quem compete
Nem jogando mais confete
Nem alenta nem repete
Apenas me traduzia
A cota da valentia
Das setas com que feria
Os tentos dessas Maria
Que tanto foram poesia
Jazendo num canto novo
Criado feito esse povo
Costume de embriagar
A noite inteira tragar
Nas fronteiras desse bar
Na sombra desse luar
Nas matas do meu sertão
Arremete toda luta
Vencendo, sem força bruta,
Quem teima em relutar.
Trago no peito, cativo,
Meio morto, meio vivo,
Num somar bem mais ativo
Que permite, sobrevivo,
Resistir à ventania
Que transforma meio dia
Em noite escura de breu
Que foi e que fora meu
Modo mais silencioso
De dizer ao Poderoso
Quanto me causa alvoroço
O ter que ser mais fogoso
Num modo mais salutar
De converter minha guia
De saber viver serventia
Sem ter medo do viria
Nem do vindo perceber
O que foi já esquecer
Nesse nunca mais ter sido
Que me traz o ter perdido
O que jamais conquistei
Se perdi ou se ganhei
Ficaram sombras no chão
Do que mais temo ou venero
De tudo quanto eu mais quero
Doce veneno singelo
Do valor que mais espero
Dos goles o mais bitelo
Na ponta do meu cutelo
No corte dessa saudade
Que me traz a novidade
De saber que não há de
Nem perdão peço direito
O sabor desse confeito
Desmancha na minha boca
Vivendo de muita ou pouca
Nessa voz muito mais rouca
Que bobagem seja então
A rima dessa canção
Por tanta vadiação
Das cordas do violão
Que repetem sem parar
Falando que vai voltar
A sensação de friagem
Voltando dessas paragem
Feitas dessa forte aragem
Que entra pela garagem
Das portas do coração
Trancando toda bestagem
Que me fez fazer bobagem
E nunca me disse o não
Nesse sentido comporto
As luzes desse meu porto
Nas vezes em que me importo
Retirando meu conforto
Revirando minha cama
Ardendo na tua chama
Que queima tão devagar
Permitindo minha lenta
Sensação de quem não tenta
De quem perde o que se inventa
Nessa tarde que se aumenta
A vida que se lamenta
Ardendo feito pimenta
Estourando toda farsa
Naquele velho comparsa
Que tenaz, sempre disfarça,
O bote dado na praça
E matando mais amassa
O sentido dessa massa
A que vai, tenta e não passa,
Manipulando essa massa
Transformando na cachaça
Gosto de rebelião
De tremer o nosso chão
Meu peito vai ao contrário
Sendo revolucionário
Não pode ser funcionário
Nem pode bater cartão
Tem amanhã por divisa
Sabe tudo que precisa
Sabe da hora precisa
De espalhar nesse chão
A luta sempre altaneira
Sempre em busca verdadeira
Do que seja liberdade
Do que quer dizer verdade
Sem ter pingo de saudade
Sem ter frases de perdão
Quero molhar meu sertão
Com certezas e paixão
Das lágrimas sem maldade
Paridas do coração!


MARCOS LOURES

O DIA QUE SONHEI COM O DIABO

O DIA QUE SONHEI COM O DIABO

Seu moço vou lhe contar
Um sonho muito esquisito
Que toda noite vem cá
Eu conto de novo e repito.
Com tanta gente bonita
Nesse mundo de Meu Deus
Eu não tô fazendo fita
Pergunte pros olhos meus,
Quase que assim me acabo
Passando por tanto frio
Já me dando calafrio
Eu sonhei com o diabo...
Pois bem quando vi o bicho
Conversando com o Senhor
O meu ouvido eu espicho
Pra escutar o falador
Que falava bem baixinho,
Em tom de lamentação
Diabo falando mansinho?
Esconjuro, meu irmão,
Coisa nova para mim,
Coisa de outro planeta
Diabo falando baixim?
Isso é coisa do capeta!
Eu vou tentar repetir
O que falou o danado,
Foi o que deu pr’ouvir
Desse demo desgraçado:
-Meu pai eu não guento mais,
Tenha piedade de mim,
Tudo que um sujeito faz
Nessa vida de ruim,
A culpa é desse que fala
Com a Vossa Senhoria,
A dor na minha alma cala,
Não ouço outra sinfonia.
Mulher chifrou o marido
Com vizinho ou com padeiro,
O dinheiro foi perdido,
Sumiram com paradeiro,
O sujeito deu um tiro
Por umas brigas de fato,
Outra mulher quer prefiro,
Ou a quebra do contrato,
Político fez ladroagem,
A vizinha quis te dar,
Filho fazendo bobagem
Outras ervas quis fumar
Sócio deu golpe na praça
Tacaram fogo no mato,
Sujeito tomou cachaça
E num quis pagar o pato,
Outro cabra tropeçou,
Na queda quebrou nariz,
Quem foi que ele culpou?
O capeta esse infeliz.
Já não agüento Senhor
Tudo de ruim que acontece
Todo traste pecador,
Rogando a ti numa prece
Diz que a culpa é toda minha,
Eu juro que não agüento
Mais ouvir a ladainha
Pouco a pouco me arrebento
Com a danada falação
Todo mundo se esquecendo
Que nós tudo é como irmão,
É melhor eu ir morrendo
Não agüento isso mais não
Pois pelo que estou sabendo
Cristo em crucificação
Sofreu uns dias de dor,
Agora eu, o capetão,
Por onde quer que eu for,
Vou carregando essa cruz
Que me pesa o tempo inteiro,
Só porque um anjo de luz
Teve inferno em paradeiro...
Já que a culpa é toda minha
Pra todos vou sugerir
Uma coisa muito certa,
E bem fácil de sentir.
Deixando a cadeia deserta
E prender só o culpado,
Que é o capeta desgraçado
Causador de todo o mal
Vai ser sensacional
Economiza dinheiro
E garante o capital.
Libertando o mundo inteiro
Deste sufoco infernal
Não ter mais prisioneiro
Vai ficar tudo legal.
Mas a culpa disso tudo,
É do Senhor, Grande Pai,
Mas eu bem sei que contudo,
Sua cabeça mudou
E ganhou um certo nexo,
Todo anjinho que criou
Depois de mim, não tem sexo.
A culpa foi da diaba
Da mulher que eu escolhi,
Toda noite me chifrava
Só depois eu percebi.
Nasceu chifre, nasceu rabo,
Fiquei vermelho, raivoso,
Virei o capeta, o diabo,
Esse bicho pavoroso,
Culpado de tudo de errado
Que na terra o homem faz,
Tem pena desse coitado,
Deixa esse diabo em paz!
 
 
MARCOS LOURES