Essa
é a mais bela poesia que eu conheci, antes de tudo, a título de preâmbulo há
que se lembrar do conto de Monteiro Lobato sobre o Jeca-Tatu, o culpado segundo
Lobato pela miséria do país.
Num
discurso no Senado o gigantesco Ruy Barbosa citou o conto e a partir daí, houve
essa resposta de Catullo da Paixão Cearense, não para Monteiro Lobato, mas sim
para Rui Barbosa.
Lendo
esse belíssimo poema, eu não me sinto capaz de denominar o que faço de poesia,
essa é a mais bela página da literatura brasileira, na minha modesta e
inexpressiva opinião.
Marcos
Loures
A
RESPOSTA DO GÉCA-TATÚ
O caboclo Géca Tatú,
tendo o mesmo nome do outro, a quem se referiu n’um dos seus
discursos uma
personagem de grande vulto, ofendido, e julgando que todas aquelas
referências foram
feitas a si, resolve vir à Capital para rebatê-las, segundo seu modo de
pensar. Ouçamos a
defesa do violeiro nortista, perante o seu eminente ofensor, o maior
brasileiro do seu
tempo.
A
RESPOSTA DO GÉCA-TATÚ
A
João Pernambuco, a alma dos violeiros e cantadores da minha terra.
Seu
doutô!... Venho dos brêdo,
só
prá móde arrespondê
toda
aquela fardunçage
que
vancê foi inscrêvê.
Eu
não sei lê, mas porêm
o
seu Padre Capelão,
que
sabe lé munto bem,
lêu
prá nós tudo, im três mez,
o
seu bunito sermão.
Me
dissérum, cá na Côrte,
que
o seu doutô faz aquilo
de
cabeça e sem trabáio!...
Vancê
tem fôrgo de gato
e
lingua de papagaio!
Não
têje vancê jurgando
que
eu sêje argum canguçú!
Não
sou, não, seu Conseêiro!
Sou
do Norte!... Eu sou violêro,
e
vivo naquelas mata,
cumo
véve um sanhassú.
Vassúncê
já me cunhece!
Eu
sou o Géca-Tatú!
Os
hóme cá da cidade
me
agarante que o sinhô
é
o prêmêro entre os prêmêro,
é
o mais grande brasilêro,
é
o Dunga dos inscritô!....
Mas
porém macaco véio
não
mete a mão im cumbuca
vazia
ansim, seu doutô!
Nós
tudo já tá cansado
desta
vida de rocêro,
prá
dá mio a tantu galo
que
só canta no polêro.
Meu
patrão e os cumpanhêro
só
leva a falá de lêzes,
que
é uma grande trapaiada,
imquanto
nós leva a vida
surrando
as mão c’uma inxada.
Cum
toda essa mapiáge,
vassuncê,
seu senadô,
nunca
um dia se alembrou
que
lá, naquelas parage,
a
gente morre de sêde
e
de fôme.. sim sinhô!
Vassuncê
só abre o bico,
prá
cantá cumo um cancão,
quando
qué fazê seu ninho
nos
gáio d’uma inleição!
Vassuncê,
que sabe tudo,
é
capaz de arrespondê
quando
é que se ouve nos mato
o
canto dos zabelê!?
Im
que hora é que o macuco
se
põe mais a piá?
E
quando é que a jacutinga
tá
mió de se caçá?
Quando
o urú, entre as foiage,
sabe
mais assuviá?
Quá
é de todas as árve,
a
mais dêrêita e impinada?
E
a que tem o páu mais duro,
e
a casca mais incourada?
Vancê
não sabe quá é
a
madêra que é mais bôa,
prá
fazê-se uma canôa!!!
Vancê,
no meio da trópa
dos
cavalo, seu doutô,
óiando
prôs animá,
sem
vê um só se movê,
não
é capaz de iseuiê
um
cavalo isquipadô!
Eu
queria vê vancê,
no
meio d’uma burrada,
somentes
pulo um isturro,
dizê,
im conta ajustada,
quantos
ano, quantas manha,
quantos
fio tem um burro!
Vancê
só sabe de lêzes
que
se faz cum as duas mão!...
Mas
porém não sabe as lêzes
da
Natureza e que Deos
fez
prá nós cum o coração!
Vancê
não sabe cantá
mais
mió que um curió,
gemendo
à bêra da estrada!
Vancê
não sabe inscrevê
no
papé, feito de terra,
quando
a tinta é a do suó,
e
quando a pena é uma inxada!
Se
vancê não sabe disso,
não
póde me arrespondê!...
Óia
aqui, seu Conseiêro!...
Deos
não fez as mãos dos hôme
somentes
prá ele inscrevê!
Vassuncê
é um senadô,
é
um conseiêro, é um doutô!
É
mais que um Imperadô!...
É
o mais grande cirdadão!...
Mas
porém eu lhe agaranto
que
nada disso seria
naquelas
mata bravia
das
terra do meu sertão!!
A
mizéra, seu doutô,
tombêm
a gente consola!
O
orguio é que mata a gente!...
Vancê
qué sê Perzidente
e
eu só quero sê rocêro
e
tocadô de viola!
Vancê
tem todo o dêrêito
de
ganhá os cem prú dia,
prá
mió pudê falá!!
Mas
porém o que não póde
é
a inguinorança insurtá!
A
gente, seu Conseiêro,
tá
cansada de espera!!
Vâncê
diz que a gente véve
cum
a mão no quêxo, assentado,
sem
fazê caso das coisa
que
vancê diz no Senado!
E
vassuncê tem rézão!
Se
nós tudo é anarfabeto,
cumo
é que a gente vae lê
toda
aquela falação?
Prá
dizê que dois cum dois
faz
quatro, seu Conseiêro,
vancê
gasta seis tintêro
e
fala uma noite toda
e
um dia todo intêrinho!
Vossa
Incerlença parece
a
cumade Ginuveva,
quando
intica cum os vizinho.
Preguiçoso?!
Madracêro?!
Não,
sinhô, seu Conseiêro!!
É
pruquê vancê não sabe
o
que sêje um boiadêro
criá
cum tanto cuidado,
cum
tanto amô e alegria,
umas
cabeça de gado,
e,
despois, a impidimia
carregá
tudo, cum os diabo,
im
mêno de quatro dia!
É
pruquê vancê não sabe
o
trabáio disgraçado
que
um hôme tem, seu doutô,
de
incoivará um roçado,
e,
quando o ouro do mio,
vae
ficando imbonecado,
prá
gente entonce cúiê,
o
mio morre de sêde,
pulo
Só inturricado,
sequinho,
cumo vancê.
É
pruquê vancê não sabe
quanto
custa um pai sofrê,
vendo
o seu fio crescendo,
dizendo
sempe: Papái!!
Vem
me ensiná o A. B. C.!
Ói
aqui, seu Senadô!
Não
é só questão de nôme!!
Eu
só votava prá um hôme
sê
Perzidente, se o cabra
já
subésse o que era fome!
Eu
não queria sabê
se
ele era, como vancê,
—
um doutô de falação.
Abasta
só que essa hôme
fosse
um burro, cumo eu,
mas
porém, um bom cristão!
Prá
sarvá o mundo intêro
abasta
tê coração!
Se
eu subêsse, meu sinhô,
inscrevê,
lê e contá,
entonce,
sim, eu havéra
de
sabê cumo assuntá!
Tarvez
vancês não déxasse
os
sertanejo morrendo,
pió
que fosse animá!
Prú
móde a politicáia,
vancê
qué que um hôme sáia
do
sertão prá vi votá
im
Joaquim, Pedro, ou Francisco,
quando
vem sê tudo iguá!?
Preguiçoso?!
Madracêro?!
Não
sinhô!... Seu conseiêro!
Vancê
não sabe de nada!
Vancê
não sabe a corage
que
é percizo um hôme tê
prá
corrê nas vaquejada!
Vossa
Incerlença não sabe
o
valô d’um sertanejo,
acerando
uma Quêmada!
Vancê
mente, sim, sinhô!!
O
cabôco brasilêro
tem
munto brio e valô!
Nós
é que já tá cansado
de
trabaiá prôs doutô!
A
gente não faz questã
de
levá um dia intêro
cum
uma inxadinha na mão!
A
gente péde, somentes,
prá
vancês não se esquecê
que
nós tudo sêmo érmão!
Vancê
tem um casarão!
Tem
um jardim e uma xáca!
Tem
criado de casaca!
E
ganha, todos os dia,
qué
chôva, qué faça Só,
só
prá falá, cem mir ré!
Eu
trabáio o ano intêro,
somentes
quando Deos qué!!
Eu
vivo da minha roça,
me
isfarfando, cumo um burro,
prá
sustentá oito fio,
minha
mãe, minha muié!
Eu
drúmo im riba d’um couro,
n’uma
casa de sapé!!
Vancê
tem seu ôtrômóve!
Eu,
prá vi no apovoádo,
ando
dez legua de pé!!
Neste
mez amarfadado,
prú
via de não chovê,
vi
a róça du feijão
à
farta d’água morrê!!
O
Só têve tão ardente
lá
prôs lado do sertão,
que
im mêno de quinze dia
perdi
toda a criação!!
A
minha vaca, a Férmósa,
que
amava cum tanto amô,
pul’uma
surucutinga
foi
mordida, sim, sinhô!
Na
sumana arretrazada,
o
vento tanto ventou,
que
a páia, que cobre a choça,
foi
pulos mato!.. Avuôou!!!
Minha
muié tá morrendo,
só
prú farta de mêzinha,
e
prú farta d’um doutô!
Minha
fia, que é bunita,
bunita
cumo uma frô,
seu
doutô!!! Não sabe lê!
E
o Juquinha, que inda tá
chêrando
mêmo a cuêro
e
já puntêia a viola,
se
intrasse lá prá uma escola,
sabia
mais que vancê!
Prá
falá de tantas lêzes,
vancê
viveu assuntando
nesta
grande bibrótéca,
mais
de quarenta janêro!
Imquanto
lá, no sertão,
o
Antonio da Caturrita
e
o Mundico Cachacêro,
garrando
o braço d’um pinhô,
saluça,
n’um desafio,
três
noite e três dia intêro!
E
inda que prú má prêgunto,
vassuncê,
que sabe munto,
diga,
sem tutubiá: —
quem
foi que ensinou o Antonio
e
o Mundico Cachacêro
tanta
coisa prá cantá?!
Eu
— digo à vossa Incerlença
que
isso é que é inteiligença: —
o
sabê, sem se estudá!!!
Preguiçoso!?
Madracêro?!
Não
sinhô, seu Conseiêro!!
Vossa
Incerlença não viu
um
cabôco istruviado,
c’um
cravinote ou garruncha,
ispantá
um bataião
d’uma
prução de sordado!
Vossa
Incerlença parece
que
não lê munto essas coisa,
ou
finge que nunca lêu!
Vancês
têm munto talento!!!!
Mas
porém pércisa tento
cum
a fôme e cum o sufrimento!...
Quem
lhe agarante sou eu!
Vancê
diga aos cumpanhêro
que
um cabra, — o Zé das Cabôca,
anda
cantando estes verso,
que,
hoje, lá, no meu sertão,
avôa
de boca um boca: —
“Eu
prantei a minha roça!
“O
tatú tudo comeu!
“Prante
roça quem quizé,
“que
tatú quero sê eu!”
Vassuncê
sabe onde tá
os
buraco adonde véve
os
tatú infomeado?
Tá
nos palaço da Côrte
dessa
prução de ricaço,
que
fez aquele palaço
cum
o sangue dos diagraçado!
Vossa
Incerlença pérciza
dizê
prôs repubricano
que
é pércizo tê cuidado!
Patrão!...
Vassuncês tem tudo!...
Vancês
tudo leva a vida
munto
bem adivértida,
passeando
lá de ôtrômóve
pula
estrada da Avinida!!
Vancês
tem rio de açude!!
Tem
os doutô da Hingiena,
que
é prá cuidá da saude!!
E
nós?! Que tem?! Arresponda!!
No
tempo das inleição,
que
o tempo das bándaêra,
nós
só tem uma cangáia,
prá
levá toda a porquêra
dos
doutô politicáia!
Sinhô
doutô Conseiêro!
De
lêzes eu não sei nada!...
Meu
Dêrêito é a minha inxada!
Meu
palaço é de sapé!
Quem
da lêzes prá famia
é
a minha bôa muié!
Eu
sou frômado oito vez,
e
sou tômbêm conseiêro,
pruqué
tenho oito fiinho!
Quem
dá lêzes prá minh’árma
é
as dez corda deste pinho!
Vancê
qué sê Perzidente!
Apois
sêje, meu patrão!...
Nós
já ficava contente,
se
vancês désse prá gente
uns
restozinho de pão!
A
nossa terra — o Brazi —
já
tem munta inteligença!!
Muntos
hôme de sabença,
que
só dá prá espertaião!!!!
O
que nós pede é a Piadáde!!
É
um tico de Caridade,
prá
nós vivê, cumo érmão!!
Leve
o diabo a falação!
Prá
sarvá o mundo intêro!
abasta
tê coração!
Prôs
hôme de inteligença
trago
cumigo esta figa!!
Esses
hôme têm cabeça,
mas
porêm o que é mais grande
do
que a cabeça, é a barriga!!
Vancé,
quando faz sermão,
fala
munto im riligião!
Apois
bem. Nosso Sinhô
que
nasceu n’um prezepinho,
falava
munto pouquinbo,
cum
clarêza e cum amô!
Ele,
o Doutô dos doutô
que
era o êxêmpro da humirdade,
escuiéu
prá seus apóstro,
entre
os rico da cidade,
doze
pobre, cumo Pedro,
que
era um pobre pescadô!
E
inté os pé desses hôme
o
Cristo um dia lavou!!!
Seu
Conseiêro, um consêio:
Dêxe
toda a bibrotéca
dos
livro, essa estupidêza,
vá
estudá o Dêrêito
das
lêzes, na Natureza,
vá
vê cumo Deos é grande
e
cumo póde ensiná
as
coisa que um hôme sabe,
sem
sê percizo estudá!
Vancê
leva nestes livro
lendo
e lendo a toda hora!
Mas
porém eu só queria
cunhecê,
seu Conseiêro,
o
que vancê inguinóra!!!
E
abasta! Já vou me embora.
Si
um dia vancê quizé
passá
uns dia de fome,
de
fome e tarvez de sêde,
e
drumi lá n’úma rêde,
n’uma
casa de sapê,
vá
passá cumigo uns tempo
nos
mato do meu sertão,
que
eu hei de li abri as porta
da
choça e do coração.
Eu
vórto prós matagá,
mas
porém, ouça prêmêro.
Vancê
pôde nos xingá,
nos
chamá de madracêro,
pruquê
nós, seu Conseiêro,
não
qué mais sê bestaião.
Imquanto
os hômé de riba
dexá
nós tudo mazômbo,
e
só cuida dos istômbo,
e
só trata de inleição,
seu
Conseiêro há de vê,
pitando
o seu cachimbão,
o
Géca-Tatú se rindo,
cuspindo,
sempe cuspindo,
óiando
ansim prá vancê,
cum
o quêxo sempe na mão.
Eu
sei que sou um animá!
Eu
não sei mêmo o que eu sou!
Mas
porém eu li agaranto
que
o que vancê já falou,
e
o que indá tem de falá,
e
o que inda tem de inscrevê...
todo,
todo o seu sabê,
e
toda a sua saranha,
não
vále unm palavrinha
daquelas
coisa bunita
que
Jesus, n’uma tardinha,
disse
im riba da montanha!
VOCABULÁRIO
Brêdo
— mato.
Fardunçage
— reunião da muitas vozes.
Cangussú
— onça.
Sanhasú
— pássaro canoro.
Lêzes
— plural de lei.
Mapiage
— algazarra.
Cancão
— pássaro comedor de frutas.
Zabelê
— pássaro, cujo canto prenuncia chuva.
Jacutinga
— ave de corpo esguio.
Urú
— pequeno galináceo cor de rapé.
Burrada
— tropa de burros.
Isturro
— rincho.
Curió
— avinhado (pássaro).
Madracêro
— negligente.
Imbonecado
— com espigão.
Acerar
— cortar o matagal nas queimadas, para
evitar
a propagação do incêndio.
Istruviado
— destemido.
Talento
— força, coragem.
Pinho
— viola.
Mazombo
— triste, necessitado.
Saranha — palavreado.