quinta-feira, 21 de março de 2013



Essa é a mais bela poesia que eu conheci, antes de tudo, a título de preâmbulo há que se lembrar do conto de Monteiro Lobato sobre o Jeca-Tatu, o culpado segundo Lobato pela miséria do país.
Num discurso no Senado o gigantesco Ruy Barbosa citou o conto e a partir daí, houve essa resposta de Catullo da Paixão Cearense, não para Monteiro Lobato, mas sim para Rui Barbosa.

Lendo esse belíssimo poema, eu não me sinto capaz de denominar o que faço de poesia, essa é a mais bela página da literatura brasileira, na minha modesta e inexpressiva opinião.

Marcos Loures



A RESPOSTA DO GÉCA-TATÚ
O caboclo Géca Tatú, tendo o mesmo nome do outro, a quem se referiu n’um dos seus
discursos uma personagem de grande vulto, ofendido, e julgando que todas aquelas
referências foram feitas a si, resolve vir à Capital para rebatê-las, segundo seu modo de
pensar. Ouçamos a defesa do violeiro nortista, perante o seu eminente ofensor, o maior
brasileiro do seu tempo.
A RESPOSTA DO GÉCA-TATÚ
A João Pernambuco, a alma dos violeiros e cantadores da minha terra.
Seu doutô!... Venho dos brêdo,
só prá móde arrespondê
toda aquela fardunçage
que vancê foi inscrêvê.
Eu não sei lê, mas porêm
o seu Padre Capelão,
que sabe lé munto bem,
lêu prá nós tudo, im três mez,
o seu bunito sermão.
Me dissérum, cá na Côrte,
que o seu doutô faz aquilo
de cabeça e sem trabáio!...
Vancê tem fôrgo de gato
e lingua de papagaio!
Não têje vancê jurgando
que eu sêje argum canguçú!
Não sou, não, seu Conseêiro!
Sou do Norte!... Eu sou violêro,
e vivo naquelas mata,
cumo véve um sanhassú.
Vassúncê já me cunhece!
Eu sou o Géca-Tatú!
Os hóme cá da cidade
me agarante que o sinhô
é o prêmêro entre os prêmêro,
é o mais grande brasilêro,
é o Dunga dos inscritô!....
Mas porém macaco véio
não mete a mão im cumbuca
vazia ansim, seu doutô!
Nós tudo já tá cansado
desta vida de rocêro,
prá dá mio a tantu galo
que só canta no polêro.
Meu patrão e os cumpanhêro
só leva a falá de lêzes,
que é uma grande trapaiada,
imquanto nós leva a vida
surrando as mão c’uma inxada.
Cum toda essa mapiáge,
vassuncê, seu senadô,
nunca um dia se alembrou
que lá, naquelas parage,
a gente morre de sêde
e de fôme.. sim sinhô!
Vassuncê só abre o bico,
prá cantá cumo um cancão,
quando qué fazê seu ninho
nos gáio d’uma inleição!
Vassuncê, que sabe tudo,
é capaz de arrespondê
quando é que se ouve nos mato
o canto dos zabelê!?
Im que hora é que o macuco
se põe mais a piá?
E quando é que a jacutinga
tá mió de se caçá?
Quando o urú, entre as foiage,
sabe mais assuviá?
Quá é de todas as árve,
a mais dêrêita e impinada?
E a que tem o páu mais duro,
e a casca mais incourada?
Vancê não sabe quá é
a madêra que é mais bôa,
prá fazê-se uma canôa!!!
Vancê, no meio da trópa
dos cavalo, seu doutô,
óiando prôs animá,
sem vê um só se movê,
não é capaz de iseuiê
um cavalo isquipadô!
Eu queria vê vancê,
no meio d’uma burrada,
somentes pulo um isturro,
dizê, im conta ajustada,
quantos ano, quantas manha,
quantos fio tem um burro!
Vancê só sabe de lêzes
que se faz cum as duas mão!...
Mas porém não sabe as lêzes
da Natureza e que Deos
fez prá nós cum o coração!
Vancê não sabe cantá
mais mió que um curió,
gemendo à bêra da estrada!
Vancê não sabe inscrevê
no papé, feito de terra,
quando a tinta é a do suó,
e quando a pena é uma inxada!
Se vancê não sabe disso,
não póde me arrespondê!...
Óia aqui, seu Conseiêro!...
Deos não fez as mãos dos hôme
somentes prá ele inscrevê!
Vassuncê é um senadô,
é um conseiêro, é um doutô!
É mais que um Imperadô!...
É o mais grande cirdadão!...
Mas porém eu lhe agaranto
que nada disso seria
naquelas mata bravia
das terra do meu sertão!!
A mizéra, seu doutô,
tombêm a gente consola!
O orguio é que mata a gente!...
Vancê qué sê Perzidente
e eu só quero sê rocêro
e tocadô de viola!
Vancê tem todo o dêrêito
de ganhá os cem prú dia,
prá mió pudê falá!!
Mas porém o que não póde
é a inguinorança insurtá!
A gente, seu Conseiêro,
tá cansada de espera!!
Vâncê diz que a gente véve
cum a mão no quêxo, assentado,
sem fazê caso das coisa
que vancê diz no Senado!
E vassuncê tem rézão!
Se nós tudo é anarfabeto,
cumo é que a gente vae lê
toda aquela falação?
Prá dizê que dois cum dois
faz quatro, seu Conseiêro,
vancê gasta seis tintêro
e fala uma noite toda
e um dia todo intêrinho!
Vossa Incerlença parece
a cumade Ginuveva,
quando intica cum os vizinho.
Preguiçoso?! Madracêro?!
Não, sinhô, seu Conseiêro!!
É pruquê vancê não sabe
o que sêje um boiadêro
criá cum tanto cuidado,
cum tanto amô e alegria,
umas cabeça de gado,
e, despois, a impidimia
carregá tudo, cum os diabo,
im mêno de quatro dia!
É pruquê vancê não sabe
o trabáio disgraçado
que um hôme tem, seu doutô,
de incoivará um roçado,
e, quando o ouro do mio,
vae ficando imbonecado,
prá gente entonce cúiê,
o mio morre de sêde,
pulo Só inturricado,
sequinho, cumo vancê.
É pruquê vancê não sabe
quanto custa um pai sofrê,
vendo o seu fio crescendo,
dizendo sempe: Papái!!
Vem me ensiná o A. B. C.!
Ói aqui, seu Senadô!
Não é só questão de nôme!!
Eu só votava prá um hôme
sê Perzidente, se o cabra
já subésse o que era fome!
Eu não queria sabê
se ele era, como vancê,
— um doutô de falação.
Abasta só que essa hôme
fosse um burro, cumo eu,
mas porém, um bom cristão!
Prá sarvá o mundo intêro
abasta tê coração!
Se eu subêsse, meu sinhô,
inscrevê, lê e contá,
entonce, sim, eu havéra
de sabê cumo assuntá!
Tarvez vancês não déxasse
os sertanejo morrendo,
pió que fosse animá!
Prú móde a politicáia,
vancê qué que um hôme sáia
do sertão prá vi votá
im Joaquim, Pedro, ou Francisco,
quando vem sê tudo iguá!?
Preguiçoso?! Madracêro?!
Não sinhô!... Seu conseiêro!
Vancê não sabe de nada!
Vancê não sabe a corage
que é percizo um hôme tê
prá corrê nas vaquejada!
Vossa Incerlença não sabe
o valô d’um sertanejo,
acerando uma Quêmada!
Vancê mente, sim, sinhô!!
O cabôco brasilêro
tem munto brio e valô!
Nós é que já tá cansado
de trabaiá prôs doutô!
A gente não faz questã
de levá um dia intêro
cum uma inxadinha na mão!
A gente péde, somentes,
prá vancês não se esquecê
que nós tudo sêmo érmão!
Vancê tem um casarão!
Tem um jardim e uma xáca!
Tem criado de casaca!
E ganha, todos os dia,
qué chôva, qué faça Só,
só prá falá, cem mir ré!
Eu trabáio o ano intêro,
somentes quando Deos qué!!
Eu vivo da minha roça,
me isfarfando, cumo um burro,
prá sustentá oito fio,
minha mãe, minha muié!
Eu drúmo im riba d’um couro,
n’uma casa de sapé!!
Vancê tem seu ôtrômóve!
Eu, prá vi no apovoádo,
ando dez legua de pé!!
Neste mez amarfadado,
prú via de não chovê,
vi a róça du feijão
à farta d’água morrê!!
O Só têve tão ardente
lá prôs lado do sertão,
que im mêno de quinze dia
perdi toda a criação!!
A minha vaca, a Férmósa,
que amava cum tanto amô,
pul’uma surucutinga
foi mordida, sim, sinhô!
Na sumana arretrazada,
o vento tanto ventou,
que a páia, que cobre a choça,
foi pulos mato!.. Avuôou!!!
Minha muié tá morrendo,
só prú farta de mêzinha,
e prú farta d’um doutô!
Minha fia, que é bunita,
bunita cumo uma frô,
seu doutô!!! Não sabe lê!
E o Juquinha, que inda tá
chêrando mêmo a cuêro
e já puntêia a viola,
se intrasse lá prá uma escola,
sabia mais que vancê!
Prá falá de tantas lêzes,
vancê viveu assuntando
nesta grande bibrótéca,
mais de quarenta janêro!
Imquanto lá, no sertão,
o Antonio da Caturrita
e o Mundico Cachacêro,
garrando o braço d’um pinhô,
saluça, n’um desafio,
três noite e três dia intêro!
E inda que prú má prêgunto,
vassuncê, que sabe munto,
diga, sem tutubiá: —
quem foi que ensinou o Antonio
e o Mundico Cachacêro
tanta coisa prá cantá?!
Eu — digo à vossa Incerlença
que isso é que é inteiligença: —
o sabê, sem se estudá!!!
Preguiçoso!? Madracêro?!
Não sinhô, seu Conseiêro!!
Vossa Incerlença não viu
um cabôco istruviado,
c’um cravinote ou garruncha,
ispantá um bataião
d’uma prução de sordado!
Vossa Incerlença parece
que não lê munto essas coisa,
ou finge que nunca lêu!
Vancês têm munto talento!!!!
Mas porém pércisa tento
cum a fôme e cum o sufrimento!...
Quem lhe agarante sou eu!
Vancê diga aos cumpanhêro
que um cabra, — o Zé das Cabôca,
anda cantando estes verso,
que, hoje, lá, no meu sertão,
avôa de boca um boca: —
“Eu prantei a minha roça!
“O tatú tudo comeu!
“Prante roça quem quizé,
“que tatú quero sê eu!”
Vassuncê sabe onde tá
os buraco adonde véve
os tatú infomeado?
Tá nos palaço da Côrte
dessa prução de ricaço,
que fez aquele palaço
cum o sangue dos diagraçado!
Vossa Incerlença pérciza
dizê prôs repubricano
que é pércizo tê cuidado!
Patrão!... Vassuncês tem tudo!...
Vancês tudo leva a vida
munto bem adivértida,
passeando lá de ôtrômóve
pula estrada da Avinida!!
Vancês tem rio de açude!!
Tem os doutô da Hingiena,
que é prá cuidá da saude!!
E nós?! Que tem?! Arresponda!!
No tempo das inleição,
que o tempo das bándaêra,
nós só tem uma cangáia,
prá levá toda a porquêra
dos doutô politicáia!
Sinhô doutô Conseiêro!
De lêzes eu não sei nada!...
Meu Dêrêito é a minha inxada!
Meu palaço é de sapé!
Quem da lêzes prá famia
é a minha bôa muié!
Eu sou frômado oito vez,
e sou tômbêm conseiêro,
pruqué tenho oito fiinho!
Quem dá lêzes prá minh’árma
é as dez corda deste pinho!
Vancê qué sê Perzidente!
Apois sêje, meu patrão!...
Nós já ficava contente,
se vancês désse prá gente
uns restozinho de pão!
A nossa terra — o Brazi —
já tem munta inteligença!!
Muntos hôme de sabença,
que só dá prá espertaião!!!!
O que nós pede é a Piadáde!!
É um tico de Caridade,
prá nós vivê, cumo érmão!!
Leve o diabo a falação!
Prá sarvá o mundo intêro!
abasta tê coração!
Prôs hôme de inteligença
trago cumigo esta figa!!
Esses hôme têm cabeça,
mas porêm o que é mais grande
do que a cabeça, é a barriga!!
Vancé, quando faz sermão,
fala munto im riligião!
Apois bem. Nosso Sinhô
que nasceu n’um prezepinho,
falava munto pouquinbo,
cum clarêza e cum amô!
Ele, o Doutô dos doutô
que era o êxêmpro da humirdade,
escuiéu prá seus apóstro,
entre os rico da cidade,
doze pobre, cumo Pedro,
que era um pobre pescadô!
E inté os pé desses hôme
o Cristo um dia lavou!!!
Seu Conseiêro, um consêio:
Dêxe toda a bibrotéca
dos livro, essa estupidêza,
vá estudá o Dêrêito
das lêzes, na Natureza,
vá vê cumo Deos é grande
e cumo póde ensiná
as coisa que um hôme sabe,
sem sê percizo estudá!
Vancê leva nestes livro
lendo e lendo a toda hora!
Mas porém eu só queria
cunhecê, seu Conseiêro,
o que vancê inguinóra!!!
E abasta! Já vou me embora.
Si um dia vancê quizé
passá uns dia de fome,
de fome e tarvez de sêde,
e drumi lá n’úma rêde,
n’uma casa de sapê,
vá passá cumigo uns tempo
nos mato do meu sertão,
que eu hei de li abri as porta
da choça e do coração.
Eu vórto prós matagá,
mas porém, ouça prêmêro.
Vancê pôde nos xingá,
nos chamá de madracêro,
pruquê nós, seu Conseiêro,
não qué mais sê bestaião.
Imquanto os hômé de riba
dexá nós tudo mazômbo,
e só cuida dos istômbo,
e só trata de inleição,
seu Conseiêro há de vê,
pitando o seu cachimbão,
o Géca-Tatú se rindo,
cuspindo, sempe cuspindo,
óiando ansim prá vancê,
cum o quêxo sempe na mão.
Eu sei que sou um animá!
Eu não sei mêmo o que eu sou!
Mas porém eu li agaranto
que o que vancê já falou,
e o que indá tem de falá,
e o que inda tem de inscrevê...
todo, todo o seu sabê,
e toda a sua saranha,
não vále unm palavrinha
daquelas coisa bunita
que Jesus, n’uma tardinha,
disse im riba da montanha!
VOCABULÁRIO
Brêdo — mato.
Fardunçage — reunião da muitas vozes.
Cangussú — onça.
Sanhasú — pássaro canoro.
Lêzes — plural de lei.
Mapiage — algazarra.
Cancão — pássaro comedor de frutas.
Zabelê — pássaro, cujo canto prenuncia chuva.
Jacutinga — ave de corpo esguio.
Urú — pequeno galináceo cor de rapé.
Burrada — tropa de burros.
Isturro — rincho.
Curió — avinhado (pássaro).
Madracêro — negligente.
Imbonecado — com espigão.
Acerar — cortar o matagal nas queimadas, para
evitar a propagação do incêndio.
Istruviado — destemido.
Talento — força, coragem.
Pinho — viola.
Mazombo — triste, necessitado.
Saranha — palavreado.

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