PARA TANTOS, PRINCIPALMENTE MARCOS GABRIEL, MARCOS DIMITRI E MARCOS VINÍCIUS. MINHA ESPERANÇA. RITA PACIÊNCIA PELA LUTA.
sábado, 9 de outubro de 2010
DEZEMBRO DE 2009
20263
No forno da menina esquentei janta,
Comida requentada não faz mal,
Quem come sua fome sempre espanta,
Que tal por um pouquinho mais de sal?
O rango bem quentinho: maravilha,
Repito o mesmo prato e não me canso,
Não me importando nunca com vasilha,
Ao ver prato gostoso, eu logo avanço,
Me chame “rapa tacho” se quiser,
Porém minha barriga vive cheia,
Eu não desprezo rango nem mulher
É sangue italiano em minha veia.
Meu avô tanto comeu que até morreu;
Se estou tão barrigudo, tem culpa eu?
20264
O olhar avermelhado denuncia
A noite mal dormida, os pesadelos.
No coração amor hemorragia.
O fogo consumindo meus cabelos.
Tocando de mansinho os belos pelos
Daquela que se foi e levaria,
Os sonhos que, somente por revê-los,
Ainda trazem traços de alegria...
A velha montaria, uma ilusão,
Atravessando vales e colinas,
Lembrança que entorpece. Desatinas.
Assim velhos retalhos de paixão,
Perseguindo minha alma, perdigueiros,
Destroem meus desejos derradeiros...
20265
Um jogo de palavras; nada além...
Um coração pacato e tão servil.
Aprende sem temores a ser vil,
Se um dia maltratado for também...
Recordo raras noites, madrigais,
Momentos tão somente... quem me dera,
Se eternizasse; amor, a primavera,
Jamais teria tardes invernais...
O frio que me ronda há tantos anos,
Colecionando apenas dissabores,
Cansado de tamanhos desenganos,
Algozes emoções por onde fores
Espalhas num temível vendaval,
Tornando esta esperança vil, banal...
20266
Cerrando as minhas portas; fim de papo.
O quanto que pesava não valia,
A gente cria tanta fantasia,
E a vida retribui com um sopapo.
A roupa que vestiste virou trapo,
Rainha que somente por um dia
Gerou no coração tal ventania
Da qual por simples sorte, agora escapo.
Amor não se liquida ou dá descontos,
Repetidas histórias, velhos contos,
Mentiras desfilando em minha frente.
Melhor a solidão. Tenho certeza,
Tolice se escondendo em tal beleza,
Ressaca vem depois de uma aguardente...
20267
Vielas mais escuras, becos, bares,
Dois bêbados caminham pela rua,
Um risco rasga o céu, pálida lua,
Procuro algum prazer nos lupanares.
As velhas conhecidas cafetinas,
A música anuncia um par perfeito,
Imaginando coxas, pernas, peito...
Estrelas refletidas nas retinas...
A dose de conhaque, a pinta falsa,
Convite para o quarto, um bom programa,
Retenho em minhas mãos sublime dama,
Qual fora no salão, última valsa.
Por um momento apenas, a noblesse...
Antes que a realidade recomece...
20268
Prenunciando um novo alvorecer,
Após a solidão da noite escura,
Não quero mais somente esta amargura,
Eu necessito urgente de prazer.
Mas não destes prazeres de balcão,
Vendidos nas esquinas e puteiros,
Eu quero ter momentos verdadeiros
Enlouquecido e tonto de paixão...
Rasgando o meu passado de uma vez,
Tomando, num segundo cada espaço,
Aliviando em paz todo o cansaço
Amor que se traduza em solidez,
E mostre a sua face sem vergonhas
Debaixo dos lençóis, por sobre as fronhas
20269
Ouvindo Summertime; fim de tarde,
Revejo cada cena que vivemos.
A vida se transforma e sem alarde,
Barqueiros vão trocando antigos remos.
Recordo das carícias escondidas,
As mãos audaciosas, lábios quentes,
Em meio às multidões, vagas, perdidas,
Dois corpos juvenis, adolescentes...
Comprei pro Festival último ingresso,
Torcer por Disparada do Vandré,
Meu pai vê na Tevê Repórter Esso,
Num sonho libertário, tenho fé...
Amigos que ficaram no caminho,
Da imensa confraria, vou sozinho..
20270
Lavrando os sentimentos, tolo sigo,
Por entre mil vestais, tua presença
É tudo o que em verdade mais persigo,
O amor não pode ser somente crença...
Torcendo que a alegria ganhe, vença.
A velha timidez – pronto: desligo
E frente à fantasia tão imensa,
Contando assim as horas, eu prossigo.
Chegar bem de mansinho aos teus ouvidos,
Falar do quanto eu quero o teu querer,
Os medos e os fantasmas já vencidos,
Num ato quase heróico declarar,
O amor que tanta vez quis esconder,
E agora não consigo segurar!
20271
Usando a poesia/canivete.
Palavras vão cortando a minha pele,
Aos becos, velhos guetos; me arremete,.
Lirismo, esta tolice vã, repele.
Vivendo sempre pela bola sete
Procuro uma ilusão na qual se atrele
Um sonho: carnaval, festa, confete
No Rio de Janeiro ou Nova Deli
Crianças mal vestidas, rotas rotas
Delícias tão distantes e remotas,
Sem rumo, traficando a própria vida,
Enquanto o tiroteio continua,
Imagem verdadeira nua e crua,
Matando por matar; bala perdida...
20272
Falar de amor é fácil, não me engano,
Ternura feita em flores, luas, sonhos...
Tocando o coração, fazendo plano...
De dias mais felizes e risonhos.
Falar do amor imenso e mentiroso,
Na farsa que maquio com destreza,
O meu soneto tolo e pegajoso,
Exponho sem pudores sobre a mesa...
Meus filhos, minha casa, esta doença
Que me corrói aos poucos, me consome.
Falar do amor que mágico, convença
E mate da ilusão, a sede e a fome...
Enquanto vou morrendo devagar,
Conjugo novamente o verbo amar...
20273
As asas decepadas, na gaiola,
Revendo a liberdade: amor eterno...
O pensamento então, solto decola,
E foge por momentos deste inferno.
Quem dera se pudesse novamente
Alçar o céu imenso do teu lado,
Porém realidade nunca mente.
E sobrevivo assim, engaiolado...
Sentindo o bafejar da doce brisa,
Os cotos vou abrindo, num segundo,
E o vento e teu perfume já me avisa
Que existe na verdade, um novo mundo,
Aonde eu possa enfim, ter liberdade,
Mas vejo no horizonte, a porta e a grade...
20274
Pudesse ser feliz tranquilamente,
Vivendo cada fase de um amor,
Que enquanto nos domina corpo e mente,
Nos mostra seu perfil de sedutor.
Às vezes tudo muda num repente,
Murchando no jardim, a rara flor,
E aquilo que julgara tão ardente,
Aos poucos vai perdendo o seu calor.
Até que no final da bela história,
O bem se transformando nos “meus bens”;
Porém no jeito manso que tu tens,
Quem sabe no final, persista a glória
Que nos amadurece a cada dia,
Trazendo uma bonança, calmaria.
20275
O risco de viver aumenta quando
Perdemos a noção da realidade,
O teto, por descuido, desabando,
A falsa sensação: seguridade,
Enganador o vento sendo brando,
Prenúncio de terrível tempestade,
A vida vai aos poucos me mostrando
Sem ter qualquer pudor, clara verdade.
Num dia fui herói, noutro inimigo,
Mas nunca destruído nem vencido,
O sonho amarelado, tão antigo
Olhando para o espelho morto o mito,
Eu agradeço a Deus nunca ter sido,
Além deste fantoche, vil, maldito...
20276
Se às vezes acredito, outras nem tanto,
Fingindo ser poeta, venho manso,
E quando o teu perfil, tocando alcanço,
Embevecido envolto em teu encanto.
Se necessário for, eu danço e canto,
Prometo a placidez de algum remanso,
E assim enamorado, me esperanço
Temendo tão somente algum quebranto...
Eu falo de mentiras, crio fatos,
Escondo na gaveta, outros retratos,
Comprando sem dinheiro um bom perfume.
Vestindo a melhor roupa que eu tiver
Que seja como Deus sempre quiser,
Ou caio da montanha ou chego ao cume...
20277
Retalhos de ilusões, falsas promessas,
Alheio aos desinformes dos jornais,
Reparo quando vens e recomeças
Eu bebo mais um gole, e peço mais...
Rabisco qualquer coisa num caderno,
Escrevendo outra carta que não mando,
Se a vida se transforma neste inferno,
Discórdia e covardia, no comando...
Que importa se eu te adoro e não me queres.
O espetáculo segue normalmente,
Levanto de manhã, vou pro batente,
Olhando sem ter fome pros talheres,
Aguardo o mesmo trem, volto pra casa.
Rotina costumeira não se atrasa...
20278
Um tolo coração envelhecido,
Sendo insuficiente ainda bate,
O amor há tanto tempo adormecido,
Sonhando com capricho no arremate,
Vestindo as fantasias pueris,
Ridícula figura, vai às ruas
Quisera finalmente ser feliz,
Porém verdades são tão duras, cruas.
Mas ouço ao derredor singela voz,
Chamando para as festas improváveis,
E o tempo, meu parceiro e meu algoz,
Permite estes momentos tão amáveis...
E o velho carcomido pela vida.
Renasce sem ter corte nem ferida...
20279
Fizesse algum soneto em que eu pudesse
Traduzir os momentos mais felizes,
Entoa o coração sublime prece,
Ouvindo calmamente o que me dizes.
Enquanto a minha mão, poemas tece,
Evito reavivar as cicatrizes,
Porém minha alma nunca me obedece,
Reflete; no presente, meus deslizes.
Palavra que escraviza e me liberta.
Criando os mais fantásticos rincões,
Lançando-me nas covas dos leões,
Ao mesmo tempo ilude e me desperta,
Seduz-me, Mefistófeles, Satã,
Fazendo da emoção, cruel afã...
20280
Por mais incongruente que pareça,
Um paradoxo ou mesmo um contra-senso,
Aquele a quem se deu amor imenso,
Talvez seja quem menos o mereça.
Destrói e consumindo cada peça
Num bombardeio estúpido que, intenso,
Devora tudo em volta. Às vezes penso
No que tal mão feroz sossegue, impeça.
Senhor entre os senhores, o poder
Que um dia lhe foi dado, sem saber
O quão enorme foi tamanho engano,
De tantas criaturas, a mais vil,
Altivo e prepotente, este imbecil
Canalha e poderoso ser humano...
20281
Alheio aos teus anseios e vontades,
Resisto ao vendaval feito em paixão.
Lutando desvairado contra as grades,
Tentando enfim fugir desta prisão...
Vou sorrateiro e fujo dos alardes,
Porém atados pés e cada mão,
- Estúpido, por mais que grites, brades,
Mais forte o nó: me dita o coração...
Um sopro de esperança invade a cela,
Minha alma libertária então se atrela
E tenta destruir este gradil...
Vislumbro bem ao longe um horizonte,
Que faço se rompida vejo a ponte
Que a mente inutilmente construiu...
20282
Esfacelando a Terra, devagar,
Matando o que virá no nascedouro,
Aquele a quem foi dado tal tesouro,
- Inteligência- nada irá deixar.
Em forma de palavras, meu lutar,
Procura inutilmente ancoradouro,
Queria um modo claro e duradouro
Onde pudesse em paz, sonhar e amar.
Apenas um poeta e nada mais,
Distante do poder, fora de foco,
Se pelo menos na alma de alguém toco;
Já bastaria; mas querer demais
Somente causaria decepção;
Tal luta sempre foi, será em vão...
20283
Carrego dentro em mim a imensa chaga
Herança dos amores do passado.
Amor com desamor tanto se paga,
Apenas o vazio segue ao lado.
Nas mãos do deus menino, a fina adaga,
E o velho coração já transpassado
A solidão, à noite vem e afaga,
Mostrando sem remendos, o meu Fado.
Uma figura apática se esgueira
Por entre galerias e vielas,
Depois de tantos sonhos, tolas celas,
O que pensei usar como bandeira,
Um trapo destroçado, na verdade,
Que não me permitiu nem ter saudade...
20284
Cantar o amor perfeito, sem enganos,
Viver desta esperança e crer na paz.
Seguir com lealdade; belos planos,
Pensar que finalmente sou capaz
De crer nas artimanhas dos ciganos,
Se imensa fantasia, a noite traz,
Sanando com ternura, cortes, danos,
Delírio que domina e satisfaz...
Um dia imaginei fosse possível,
Engodos tão comuns da mocidade,
E de repente vejo a realidade,
E o que me parecia ser plausível,
Transforma-se no imenso e vago tédio.
- Doutor há para o mal algum remédio?
20285
Avencas, samambaias na janela,
Roubando de Florbela as violetas,
Destino que ilusão atrela e sela,
Amores vêm e vão; como os cometas.
Às vezes suicida, outras nem tanto,
Poeta que é poeta é bipolar.
Tomado por tamanho desencanto,
Sorri tendo vontade de chorar...
Servir à poesia é ter nas mãos,
Em forma de palavras e de frases,
De frutos tão diversos, versos-grãos,
Mergulhando sem medo em várias fases.
Rasgar o coração, seguir ao vento,
Liberto e sem correntes; pensamento...
20286
Ao ver a minha imagem neste espelho,
Reparo cada ruga, cada traço;
Minha aparência; agora bem mais velho,
Demonstra com certeza meu cansaço.
Viver intensamente, eu te aconselho,
Não dar para a tristeza algum espaço,
Agora que com símio me assemelho
O olhar já distorcido, opaco e lasso.
Um dia tive a força de um gigante,
Vencendo qualquer luta, destemido.
O passo vacilante, o andar tremido,
A vida é com certeza uma farsante,
Vendendo as ilusões mais imbecis,
Deixando ao fim sinais toscos, senis...
20287
Ouvindo a tua voz, sentindo o cheiro,
O teu perfume invade toda a casa.
Desde o momento atroz e derradeiro,
Tua presença aqui jamais se atrasa...
Caminhas como quem voa, flutua,
Adentras o meu quarto e me acarinha
Depois a deusa exposta, bela e nua,
Se entrega nos meus braços, toda minha.
Rolando sobre a cama, nos lençóis.
Orgasmos e delírios; maravilhas
Tomada a noite escura por mil sóis,
Dourando de repente, sendas, trilhas...
Porém mal amanhece e não te vejo,
Será simples delírio ou vão desejo?
20288
Avesso aos tais ditames sociais,
Um eremita apenas; vou sem brilho
Quase não deixo marcas onde trilho
Quando eu me for, sequer simples sinais.
Meus dias transcorrendo sempre iguais,
Vou enfrentando; às vezes, empecilho,
Sonhando vez em quando até me pilho,
Quebrando, sem querer, meus rituais.
Não tenho amigos, nada me socorre,
Jamais tomei nem mesmo um simples porre
De que me serve a vida se banal;
Perguntas sem respostas, mas nem ligo,
Espero apenas ter algum abrigo,
Deixando, em paz, chegar o meu final...
20289
Seguindo atrás dos óculos, tropeço
Nos antigos degraus da escadaria,
Confiro novamente este endereço
Que há tanto desejei e não sabia.
O amor jamais passou de um adereço
Jogado sem valor e serventia,
Confesso muitas vezes sem apreço
Eu cultivara alguma fantasia...
Nem percebi a minha mocidade,
Escondido entre os livros – velha estante,
A minha companheira mais constante...
Agora, ao fim da vida, a novidade
Entrando em minha casa, um novo plano.
Alguém abriu a porta: foi engano...
20290
Cansado de lutar inutilmente.
As armas eu deponho neste chão,
E peço, se preciso, o teu perdão,
O mundo se acabando de repente;
Por mais que a fantasia seja urgente,
Mantenho uma esperança; fino grão
Que um semeado no sertão
Transforme a minha vida novamente.
As secas sucessivas, a aridez.
Levando a mais completa insensatez
Tornando o dia a dia um grande inferno.
Mas rasgo estas bandeiras, jogo fora,
Partindo sem pudor e sem demora,
Rasgando cada folha do caderno...
20291
Recebo algum sinal, um chamamento,
Delírios de um insano? Pode ser.
Ao longe, como fosse um vão lamento,
E tento, sem sucesso, responder...
Será nos meus umbrais, a voz do vento,
E tento novamente adormecer...
Tal fato não me sai do pensamento,
Estou ficando louco, podes crer...
Mas quando o sol renasce no horizonte,
Percebo do sinal, início e fonte,
O sangue se espalhando no caminho...
E vejo o corpo inerte e solitário
Espectro tão terrível, temerário,
Do que fora outrora um passarinho...
20292
Se a poesia corre em minhas veias,
Eu agradeço a ti, querido pai.
Que me ensinou tecer as várias teias
Sabendo que a palavras, às vezes trai.
Usando inspirações, minhas, alheias,
O tempo velozmente, assim se esvai.
O pensamento então desencadeia
E a máscara que usara, agora cai.
Deixando desnudada uma alma triste,
Que ainda busca o sol e sempre insiste,
Apesar do cansaço da viagem...
A morte serviria de consolo,
Ao coração soturno, opaco e tolo
Trazendo finalmente alguma aragem...
20293
Erguendo então um brinde às esperanças,
Que embora sejam frágeis; me sustentam.
Aguardo finalmente uma bonança;
Porém há sentimentos que atormentam...
Enquanto os tolos sonhos se alimentam
Da velha fantasia que inda dança
E assim, meus pés cansados inda tentam
Reavivar os tempos de criança
Aonde em liberdade percorria
Os campos tão floridos do arrebol,
E tendo uma alegria por farol
Ouvindo ainda a doce melodia
“Pardais anunciando o alvorecer”
Agora o que restou: tudo esquecer...
20294
Não quero mais saber da poesia
Que, ingrata, tantas vezes me perturba,
Andando na cidade em meio à turba
A cada novo passo, melodia...
Quem dera não soubesse assim cantar,
Talvez fosse feliz, ah quem me dera,
Tentar redescobrir a primavera,
Sentindo a minha vida se escoar.
Odeio cada verso que hoje escrevo
Rasgando meus sonetos imperfeitos,
Preciso compreender os meus defeitos
Ousar seguir além do que inda devo.
E mergulhar na fria realidade,
Matando este vazio que me invade...
20295
Seria muito bom se inda pudesse
Voar em liberdade. Imenso céu,
Mergulho neste incrível carrossel
Nem mesmo a minha mão inda obedece.
Quisera pelo menos uma prece
Falando de um amor que morre ao léu,
A vida vai cumprindo o seu papel,
Morbidez de minha alma surge e cresce.
Vestígios do que outrora imaginei,
Vagando sem paragem noutra grei
Morrendo dia a dia, ainda espero
Sentir algum perfume de jasmim,
Tomando novamente o meu jardim,
Agora abandonado, árido, fero...
20296
Percorro mil estrelas num segundo,
Vagando sem descanso no infinito,
O coração, eterno vagabundo,
Fazendo da alegria, um culto, um rito.
De essências mais suaves eu me inundo,
Beijando cada flor; no céu que fito
Mergulho em tal beleza e me aprofundo
O amor deixa de ser um vago mito.
Saber por onde andaste, o que fizeste,
A fruta que preferes, qual perfume;
Tu trazes nova vida ao solo agreste,
Sorrio e num momento me liberto,
Seguindo passo a passo o raro lume
Do encanto que me salva do deserto...
20297
Apago dos meus olhos a lembrança
Daquela em quem um dia acreditei,
Nos braços de quem tolo mergulhei,
A ponta mais aguda de uma lança.
Enquanto a noite chega e a vida avança.
As pétalas da flor eu retirei,
Quem faz da fantasia sua lei,
Jamais felicidade em vida alcança...
Assim, um caminheiro já no fim,
Depois de tantos anos se angustia,
A seca vem tomando tudo em mim,
Não deixa nem sequer uma semente,
A terra que percorro, hoje vazia,
Por mais que uma ilusão ainda tente...
20298
Prometo, vou parar de perturbar,
A minha voz eu calo neste instante,
Por mais que uma alma amarga sempre encante,
Não quero mais sofrer, vou me calar.
Se eu escrevo tentando vislumbrar
Um mundo mais bonito e radiante,
Sem ter uma esperança que agigante,
Este poeta arcaico irei matar...
Já não consigo mais falar da vida,
Se a dor que me domina faz o mote,
Esgotado, cansado desta lida
Procuro pelo menos quem me creia,
Não deixo nem a sorte como dote,
Veneno circulando em cada veia...
20299
Um pássaro cansado de voar,
Sem ter qualquer atol onde descanse,
Por mais que a fantasia, alguém alcance,
É hora desse pássaro pousar,
A vida vale pouco ou quase nada,
A poesia morre sem remédio,
Às vezes dominado pelo tédio,
Cada asa deste pássaro arrancada..
Alçando com meus versos vários mundos,
Percebo que perturbo mais que alento,
Palavra se perdendo em pleno vento,
Merece, quanto muito alguns segundos.
Adoro-te, parceira deste sonho
Que com parcas palavras eu componho.
20300
Pudesse acreditar neste cometa
Que segue sem parada, mundo a fora,
E em cada novo engano que eu cometa,
A solidão temível já se aflora,
Cupido me ferindo com a seta
Minha alma enamorada enfim te adora,
Porém minha razão firme e concreta
Ordena num momento: - Vá-se embora!
E nessa indecisão; temor e glória,
Eu tenho em minhas mãos, a minha história,
Recomeçar audaz, novo romance..
Ou deixo adormecido o sentimento,
Ou mudo num instante, o movimento
E dou ao coração a nova chance...
20301
A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombam, cedendo à ação de ignotos pesos!
E então que a vaga dos instintos presos
- Mãe de esterilidades e cansaços -
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos
Subitamente a cerebral coréia
Pára. O cosmos sintético da Idéia
Surge. Emoções extraordinárias sinto
Arranco do meu crânio as nebulosas
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!
AUGUSTO DOS ANJOS
Dominando meu cérebro: alma e instinto
Gerando os dissabores, dores várias,
Vulcão que imaginara estar extinto,
Explode em tantas lavas temerárias.
Nas emoções diversas, nebulosas,
Vagando entre terríveis contra-sensos,
Estúpidas floradas; murchas rosas,
Espaços vãos, vazios, tão imensos.
Em convulsões e espasmos, tombo ao solo,
Num frenesi que julgo interminável,
Seguindo sem domínio não controlo,
A cura parecendo inalcançável,
E a observar tranqüila, esta explosão,
Sentada sobre as pedras, a Razão!
20302
Olhando para o céu vislumbro estrelas
Que trazem para mim doce lembrança
Dos tempos de menino onde a criança
Não se cansava nunca de revê-las.
Constelações diversas, o sabê-las
Além do que este olhar cansado alcança
Trazia alguma forma de esperança
De um dia pelo menos, recolhê-las...
Não sabia sequer dos anos luzes,
Gigantesca distância que separa
O sonhador da imagem bela e cara;
Agora acostumado com as urzes,
Entendo finalmente a realidade,
Estrela a traduzir felicidade...
20303
Não te desejo só felicidades,
As crises são fermento para as almas,
Não deixe-se prender por toscas grades,
Supere, se os tiver, antigos traumas...
Não te darei presentes nem conselhos,
Somente estes meus versos que, sinceros,
Repito para os meus próprios espelhos,
Embora também saiba que são meros.
Mas traga, se possível, o teu sorriso,
Apascentado as dores de quem sofre,
Terás acesso ao dito Paraíso,
Pois tens nas mãos as chaves deste cofre.
Paz de espírito, sincero em ti prevejo,
Feliz aniversário? É meu desejo...
20304
A poesia existe em cada fato,
Lugar ou pensamento, sempre está,
Nas águas transparentes de um regato,
No dia que decerto nascerá.
Na moça que se esconde com recato,
Naquela que fascina e brilhará,
No pária desejando cada prato,
Aqui, ali, bem perto ou acolá.
Difícil, muitas vezes traduzir,
O que uma poesia já nos diz,
Mas volto, novamente a repetir,
Onipresente deusa; mãe das artes
No olhar do desgraçado, do infeliz,
Por todos os lugares, quaisquer partes...
20305
A vida reproduz na embriogênese
A evolução; sem dúvida nenhuma,
Por mais que a Bíblia insista no seu Gênese
Etapas discernidas uma a uma.
Os temas controversos não se esgotam,
Diversos os caminhos; rotas tantas,
A cada novo tempo outras se brotam,
E em tal mobilidade tu te encantas.
O cérebro domina os meus sentidos,
Também os meus quereres e vontades,
Milagres comprovados e vividos,
Gerados pelas tais diversidades.
Na luta inesgotável, a razão,
Por vezes pensa o sim e escuta o não..
20306
A perder-se por entre tantos trilhos
Estreitos em que a vida se divide;
Por vezes embaçando falsos brilhos
Nos quais o teu futuro se decide.
Os passos sem ventura de andarilhos
A quem a natureza tanto agride
Nas urzes, pedregulhos, empecilhos
Terás as soluções, jamais duvide.
Mas quando entre os mais ermos caminhares
Verás quantos percursos poderias
Levando-te a diversos bons lugares,
Porém mal percebeste os vários erros
Optastes pelas sendas néscias, frias,
Restando-te somente estes desterros...
20307
De repente ao passado, o olhar eu lanço
E vejo as brincadeiras de criança,
Revivo novamente esta lembrança
E sobre a antiga rede ora descanso...
Qual fora adolescente; vibro e danço,
Porém o tempo injusto, sempre avança,
Mantendo com a morte uma aliança,
Procuro, inutilmente algum remanso
Que possa me dizer da fantasia,
Momentos tão fugazes de alegria,
De tudo o que vivi, não sobrou nada...
Fogueiras apagadas pelo tempo,
Brinquedo preferido, passatempo;
Cadeira de balanço está quebrada...
20308
Ao arrancar a máscara me exponho
E a velha garatuja tanto assusta,
Se um mundo imaginário; aqui componho,
Palavra quando dita eu sei que injusta.
O aspecto cadavérico, medonho,
Andar impunemente muito custa
Enquanto escrevo versos, como um sonho,
Um diamantino aspecto enfim me incrusta.
Mas logo que termino algum soneto,
À fria realidade eu me arremeto
Caricatura imunda; assim me esgueiro
E adentro os meus porões, escuros, frios,
E envolto pelos ares mais sombrios,
Desnudo-me e me mostro por inteiro...
20309
Um texto num contexto bem exposto
Transmite tudo aquilo que se quer,
Porém quando; entretanto, foi mal posto
Resta sem correção, vira um qualquer.
Morena, coxas grossas, belo rosto,
Exemplo da beleza da mulher.
Faz bem ao meu olhar. Com tanto gosto
Que venha da maneira que vier...
Mas logo cai o pano, é fim de peça,
Tolice que este estúpido confessa,
Servindo de comédia ou besteirol.
Prefiro me inserir em outra história,
Que mesmo que pareça merencória
Jamais embaçará tímido sol.
20310
Exerces sobre mim tanto fascínio
Que sempre tu consegues o que queres,
Do banquete da vida, meus talheres
Permaneceram sob o seu domínio...
Embora ciclotímico, eu te adoro,
Noturnas caminhadas; traz o sonho,
Se sobre um pedestal; teu corpo eu ponho,
Desculpe, mas nos sonhos te devoro...
Já estou ficando velho, mas não ligo,
O amor fazendo estragos me renova,
E quando os lábios teus a boca prova,
Na flor da mocidade, enfim prossigo.
Outono e primavera? Tais estações
Nos trazem ou invernos ou verões,,,
20311
Apagando o seu nome da memória,
Talvez seja melhor para nós dois,
Não me importa se existe uma vitória,
Melhor deixar o assunto pra depois.
Bebemos deste vinho/embriaguês,
E gargalhamos loucos pelas ruas...
Depois que o amor em cálice se fez;
Quebramos os cristais, matamos luas.
Mas tanto faz querida, a vida segue,
Eu pego meu boné e vou embora,
Por mais que o coração tão tolo negue
Chegou sem mais desculpas, a nossa hora;
Não venha destilar sua peçonha,
Vacina neste caso é ter vergonha...
20312
Escrevo na parede do meu quarto
O nome de quem tanto e não foi nada,
Aos poucos do lirismo já me aparto
O coração é terra destroçada.
Também se deste mote eu ando farto,
Melhor ficar calado. Escravizada,
Minha alma abortando cada parto
Aguarda outra ninhada malfadada.
Por vezes passageiro; outras piloto,
Quem dera toda noite ser um boto,
Mas durmo solitário: é grande a cama
Incendiando enfim, a caixa d’água
Não quero nem rancor, fujo da mágoa
A gente se acostuma e não reclama...
20313
Levado pelo vento, pensamento,
Ultrapassando mares e oceanos,
Vivendo por viver cada momento,
Mesmo que assim cometa mil enganos.
Por vezes, ser feliz, ainda tento;
O amor inda faz parte dos meus planos,
E quando a solidão experimento,
Os sonhos se apresentam soberanos.
Crisântemos, jasmins, dálias e rosas
As plantas do jardim tão olorosas
Dominam minha casa por inteiro.
E envolto em tal perfume penso em ti,
Orquídea maviosa que inda aqui
Eu sinto o seu divino e raro cheiro...
20314
Dourada senda em meio a roseirais,
Natureza em total efervescência
Observo, bem distante em meus beirais,
Com plena calma e toda paciência
Insetos trafegando nos florais,
O que parece simples coincidência
Nestas cenas comuns e tão banais
É um ato de magia e de ciência.
O refazer da vida a cada instante,
Num ato genial e tão constante,
Eternizando assim as criaturas
Somente o ser humano, este boçal
Destrói este sublime ritual;
Entregue à mais completa das loucuras...
20315
Que faço dos antigos ideais?
Apenas velharias, nada além,
Os dias desfilando sempre iguais,
Há tempos que perdi meu rumo e trem...
No passado sectário quis bem mais
Do que simples justiça, mas aquém
Dos sonhos juvenis, ausente cais,
Um burguês igual a tantos, sou também...
Com dívidas e dúvidas, vida vã.
Meu filho desconhece esta manhã
Que flui em minhas veias; toma a mente...
Sentado em minha porta, sinto o vento,
Se o passado; já distante inda freqüento,
Futuro se vier, de mim ausente...
20316
Escravo das antigas emoções,
Qual fora um antiquário, assim prossigo,
Diversas e complexas as ações
Buscando a paz perfeita que persigo.
Cansado destas vãs alegações,
Um único desejo ainda abrigo,
Fartar-me de mentiras e ilusões,
Mesmo reconhecendo ali, perigo.
A carga de viver tanto me pesa,
A sorte aventureira já despreza
Um simples vagabundo coração.
Que morre dia a dia sem juízo,
Porém, não foi por falta de um aviso,
Seria bem mais fácil dizer não...
20317
Amigo é quem entende nossas dores,
E faz do dia a dia, mais tranqüilo,
Estende mansamente belas flores,
Critica, se preciso, nosso estilo.
Amigo não esconde nossos erros,
E sempre francamente é verdadeiro,
Por mais que sejam duros os desterros,
Mergulha ao nosso lado, por inteiro.
Amigo de verdade? São bem raros,
Se existem, valem mais do que tesouros,
Por isso é que me são sempre tão caros,
Trazendo em segurança, ancoradouros.
Ao tê-la, companheira, aqui do lado,
Eu sinto-me por Deus já laureado...
20318
Talvez seja melhor a despedida,
Não posso mais calar esta vontade
Que toma sem razão a minha vida,
Tirando-me qualquer tranqüilidade..
Por mais que a realidade venha e agrida,
Eu falo com total sinceridade
Mantendo a minha mão sempre estendida
Bem melhor é lidar com a verdade.
Não temo uma resposta negativa,
Mas saiba que a desejo tanto e tanto.
A sorte de te ter, o tempo priva,
Soçobra o meu saveiro em pleno mar.
Quem dera se secasses o meu pranto,
Dizendo: finalmente eu hei de amar...
20319
Em lúgubres sonhares, vou etéreo,
Arcaicas ilusões voltando à tona,
Simplificando a vida, sem critério,
A história cada fato desabona.
Mecânicas diversas conflitantes,
Não deixam que este sonho libertário
Resista muito além de alguns instantes,
Para a realidade não sou páreo.
Persigo o que me possa dar alento,
O colo da mulher, o abraço amigo,
Nas várias emoções que inda freqüento
Encontro tão somente o desabrigo.
São férreas as vontades de quem luta,
Porém a morte é sempre mais astuta..
20320
Caminho cabisbaixo pelas ruas,
As sendas mais escuras, eu me escondo,
Noturno passageiro; bares rondo,
Imaginando deusas sempre nuas.
As horas se apressando, o frio aumenta,
A madrugada chega e traz ninguém,
Somente o vento gélido é que vem,
Tramando a ventania ou a tormenta...
Minha alma se embebeda de ilusões,
Acendo outro cigarro e na fumaça
O fogo da esperança já se embaça,
E tolo, sigo as mesmas direções...
Quem sabe nalgum dia, uma alvorada,
Prenuncie a manhã tão desejada...
20321
A chuva desabando devagar,
O frio se aproxima, a noite cai...
O pensamento perde-se a vagar
Enquanto esta esperança enfim se esvai.
Fazendo dos meus sonhos meu altar,
Pedindo proteção ao Grande Pai,
Cansado de sofrer e tanto amar,
Até a fantasia já me trai...
As flores descoradas no canteiro,
Os ermos de minha alma, abandonados,
Pagando dia a dia meus pecados,
Se um dia, ao grande amor me dei inteiro,
Só resta a solidão por companhia,
Na noite tão chuvosa amarga e fria...
20322
Cavalgo pensamentos e me disto
Da dura realidade que ora enfrento;
Enquanto o coração não toma assento
De estrelas mais diversas eu me visto.
Resquícios do que fomos, sobrou isto,
Não resistindo enfim a qualquer vento
Por vezes me enganando ainda tento,
Fingindo simplesmente que eu existo.
As velhas tatuagens no meu peito,
Antigas cicatrizes, cruzes tantas,
E quando do teu túmulo levantas,
Chegando mansamente ao parapeito,
Eu vejo este desfile tresloucado,
Das sombras que carrego do passado...
20323
Bom dia, meu amigo, tudo bem?
Deixando a vida sempre me levar
Caminho contra o vento devagar,
Eu sei que em meu futuro existe alguém...
A morte nunca tarda e sempre vem,
Vencendo a correnteza, chego ao mar,
Depois de tanta luta, descansar,
É sempre o mesmo aperto neste trem...
Domingo, o futebol – isso é sagrado,
Sozinho ou muito bem acompanhado,
Tomando uma cerveja no capricho,
Prazeres; vou guardando na memória,
Dívidas? Deixa quieto, é outra história...
Tristezas vão direto para o lixo...
20324
Desfilas sensual pelas calçadas,
A pele bronzeada, o olhar distante.
Quisera ser amigo e ser amante,
Atravessar contigo as madrugadas...
Porém as minhas pernas tão cansadas,
O quanto destruído, delirante,
E calo minha boca ao mesmo instante,
Palavras sem sentido, mais ousadas.
Agrisalhados, vejo os meus cabelos,
As rugas no meu rosto dizem tudo,
Os corpos tão divinos, é bom vê-los
No intenso desfilar por essas ruas,
Mas sabiamente calo e não me iludo,
Verdades tão diretas, nuas, cruas...
20325
O fato é que farto das tolices
Que falo por falar e não me canso.
O coração mineiro quer remanso
Além destas sutis invencionices
Se a porta, pelo menos, tu abrisses...
Mas tão distante assim, jamais te alcanço,
O amor tem seus macetes; nunca avanço,
Seria bem melhor se ao menos visses
O pobre sonhador que em serenata,
Perturba a vizinhança em noite cheia,
Enquanto o peito ardente se incendeia
A moça do outro lado, tão ingrata,
Mantendo esta janela assim fechada,
Enquanto um tolo berra na calçada...
20326
Pecado é ser feliz e não dar bola,
A gente sofre tanto vida afora,
Mas não misture tudo, assim embola,
Melhor lado da vida, o lá de fora.
Se o carro no barreiro já se atola,
O amor que quis inteiro; não aflora,
O pensamento é tolo e até decola,
Quem sabe faz de tudo e não tem hora.
Mas mesmo não queiras meu carinho,
Eu finjo que é melhor andar sozinho,
Mas fico muito puto, isso eu não nego.
A sorte é ser a terra assim redonda,
O mar levou devolve em qualquer onda,
Melhor do que te ver é ficar cego...
20327
Sereia fez-se farsa e foi-se embora,
Apenas as escamas, me deixou,
Enquanto a criatura cantarola
O barco dos meus sonhos afundou.
Vitórias esperei, mas desde agora
Que o meu caminho já desgovernou,
Sereia Senhorita, uma senhora
Semente de ilusão que amor plantou...
Pegando a fantasia pelo rabo,
Tentando segurar, mas não dá pé,
Porém não reagindo logo acabo
E viro um marinheiro enlouquecido,
Se eu nunca vi sereia com chulé,
Também não quero mais amor bandido...
20328
Não vou ficar aqui bancando o trouxa,
O vento que te trouxe se mandou,
Mantendo sempre a corda muito frouxa
O que pensei eterno desabou.
Da caixa de Pandora sobrou nada,
Até uma esperança não me quis,
Eu sei que isso não é da minha alçada,
Mas quero, pelo menos, ser feliz...
Vivendo por um triz no imenso palco,
A moça, bela atriz, deu espetáculo
Se o mundo nestes sonhos; inda calco,
Devia ter seguido aquele oráculo
Que disse que pau torto não tem jeito,
Amar demais será o meu defeito?
20329
Perdido por um gol, eu tomo cem,
Veremos no final quem ganha o jogo,
Sabendo que pra ti eu sou ninguém,
Conheço tuas manhas, boto fogo...
Eu gosto de jogar no contra-ataque,
Ficando na retranca o tempo inteiro,
Pegando de surpresa, dou um baque,
Sou beque botinudo e bem roceiro.
Se o jogo decidir o campeonato
Não perco dividida vou com tudo
Se necessário for, bola pro mato,
Porém sei meu lugar e não me iludo...
Só não irei ficar lá na lanterna;
Tampouco a solidão será eterna...
20330
Quisera simplesmente ter comigo
Aquela a quem dedico este soneto,
Um sentimento nobre e tão antigo
Do amor que te dedico e te prometo.
Vencer sem ter pudor qualquer perigo,
Dos mais íngremes montes me arremeto,
Queria estar somente em paz contigo,
Perdoe se algum erro inda cometo.
Mas posso te dizer com alma pura,
Do quanto necessito da ternura
Com me tratas sempre; tão querida
Perceba a transparência destes versos,
Na imensidão de tantos universos,
Eu lanço nos teus braços, minha vida...
20331
Amiga, necessito o teu apoio,
Depois de tanto amar e nada ter,
A seca vai tomando todo o arroio,
Num árido caminho, a converter.
Pudesse então seguir por outro rumo,
Mas não consigo estando preso ali,
Após esta incerteza não me aprumo,
Pois tudo o queria, enfim, perdi.
Amiga, teu regaço é necessário,
Preciso do teu colo urgentemente,
Por tantas vezes tolo e temerário,
O fim já se aproxima, a alma pressente...
Somente na amizade mais sincera,
Quem sabe o renascer da primavera...
20332
Declarando em meus versos todo o encanto
Que sinto quando encontro-te querida,
Ouvindo o mais sublime e belo canto,
Mudando a direção da minha vida,
Pois saiba que eu te quero tanto, tanto,
Uma esperança tola e já perdida.
Pudesse te esquecer; mas entretanto
Preparo-me pra tua despedida...
E que não voltes mais, seguindo em frente,
O coração de um tolo sempre mente,
E o verso tão romântico; besteira.
Atravessando as pontes e as pinguelas
Obtusas fantasias que revelas
Deixadas do outro lado da porteira...
20333
Se eu peco por falar até demais,
Calado sempre estou quando te vejo,
Tomado por mil ondas de desejo,
Vontades sem limites, sensuais.
Instintos mais profanos, animais,
Desta delícia enorme que prevejo,
O gozo sem limites, e sobejo,
Deixando um gosto bom de quero mais.
Mas falta-me coragem pra dizer
O quanto que procuro teu prazer,
Vivendo eternamente um só momento.
O tempo é tão pequeno; e curta a vida,
Preciso que o futuro se decida
Findando com teus beijos, meu tormento...
20334
Trazendo como herança esta mania
De caminhar sozinho em plena areia,
A lua se derrama; bela e cheia
E explode radiante fantasia.
De todo o meu desejo, eu bem queria
Falar a quem decerto me incendeia,
Porém minha alma tola inda receia
A dura negativa; e silencia...
Houvesse algum instante pelo menos
Aonde os sentimentos mais serenos
Pudessem desnudar o fogo intenso,
Que guardo dentro em mim, mas nada falo,
Ao ver tanta beleza, então me calo,
E num futuro em paz, silente penso...
20335
Diamantina jóia, esta presença
Que traz tranqüilidade – imensa paz;
Que os tolos preconceitos; sempre vença
Aquela que diversa então se faz
Por mais que a vida esteja amarga e tensa,
A doce calmaria o amor nos traz,
Terás ao fim de tudo a recompensa,
Que em toda plenitude satisfaz.
Amiga, não se canse da batalha,
A mão de Deus demora, mas não falha,
Ele conhece bem o Seu rebanho.
O amor imensurável e o perdão,
No poder absoluto da oração,
A ovelha demonstrando o seu tamanho.
20336
Por mais que sejam simples ilusões
Sonhar é derrubar velhas correntes
A vida é toda feita em turbilhões
Momentos de prazer são infrequentes,
Tomados por imensas emoções
A faca carregando entre meus dentes
Exposto às mais diversas tentações,
Aguando da esperança vãs sementes.
Eu creio no amanhã, e disso vivo,
Alívio para as dores costumeiras,
O coração aberto, o peito altivo,
Vertendo pelos poros, farto amor,
Espinhos são parceiros das roseiras,
Mas vale, com certeza, cada flor...
20337
Pudesse confessar os meus pecados,
Eu creio: fugirias num segundo,
Segredos com certeza bem guardados,
De um torpe coração tão vagabundo.
Porém estão lançados estes dados,
Quem sabe tu verás um ser imundo,
Tomando em minhas mãos, destinos, Fados,
Na lama a cada dia me aprofundo...
A podridão de uma alma; agora nua,
Num cárcere profano continua,
Regida por demônios mais diversos.
Mas passo assim sorrindo pela rua,
Olhando calmamente para a lua,
Declamando, suave, doces versos...
20338
Distante dos teus olhos; solitário.
Seguindo contra a forte correnteza,
O mundo se tornando temerário,
A vida me condena à incerteza
Passando tão depressa, o calendário,
Apenas teu retrato sobre a mesa,
E o tempo este terrível adversário
Que faz do sentimento simples presa
Um dia fui feliz; eu reconheço,
Queria simplesmente o recomeço
Da história deste amor que se findou.
E toda noite sinto esta presença
Quem sabe enfim terei a recompensa
Tendo a meu lado quem jamais voltou...
20339
Pudesse desfrutar de cada ponto
Do corpo desta deusa magistral,
Seria mais que um sonho, quase um conto,
Navegaria livre pelo astral.
Decifrar teus anseios mais vorazes,
Beber do teu orvalho cada gota,
E dois amantes loucos, tão audazes,
Perdendo qualquer siso, rumo ou rota.
Vibrando insanamente em cada espasmo,
Numa explosão divina e assim profana,
E na emoção sem par de um louco orgasmo,
A noite sem limites, soberana.
E descobrir teu mágico tesouro,
No encanto o mais sutil ancoradouro...
20340
Descubro os teus segredos mais profundos,
Invado a tua casa, sem pedir,
Não vejo mais quem possa me impedir
De conceber teus vários, doces mundos.
E me aprofundo até chegar ao fim,
No amor que me domina totalmente,
Pudesse parar tudo de repente,
Seria tão feliz se fosse assim...
Sussurros e gemidos, noites claras,
Nas nossas aventuras, vida intensa,
Depois num mar convulso a recompensa,
No brilho divinal de perlas raras...
Sentir tuas vontades e ceder,
Os teus mistérios, todos, conceber...
20341
Desejos proibidos e profanos,
Momentos de total entrega eu quero
Entre beijos ferozes quase insanos,
Num gozo sem limites, louco e fero.
Caminhos sensuais, doces viagens,
Delírios incontidos, mil delícias,
Aos céus mais delicados, decolagens
Envolto com ternura em tais carícias.
Alçar o firmamento e num instante
Sentir-me feito um deus; e ser inteiro,
Podendo ser amigo e ser amante,
De todos os desejos teu parceiro.
E entregue sem defesas, ser teu par,
Na imensa maravilha que é te amar...
20342
Qual fora um sol intenso de verão
Chegaste sem pedir qualquer licença,
Tomado pelos raios da paixão
Simples loucura ou trágica doença?
Mudando dos meus rumos, direção,
Negando meus princípios, sonhos, crença,
Na força tão insana de um vulcão,
Jamais sentira fúria mais intensa...
Ao invadir as margens deste rio,
Enchente que, incontida tudo invade,
A lucidez ficando por um fio...
Aos poucos, tudo volta ao seu normal,
Porém lutar, vencer, não sei quem há de
Insânia que entorpece e nos faz mal...
20343
Morrer; talvez será o que me resta,
Cansado de viver inutilmente
A dor que invade o ser, domina e gesta,
Tornando-se feroz e tão freqüente.
Silenciando os sonhos, fim de festa,
A chuva vai caindo, intermitente.
A própria vida apara cada aresta,
O sonho; este infeliz, apenas mente.
Seria muito bom ter o descanso
Depois de tantas lutas e batalhas,
Chegando finalmente ao meu remanso
No tumular silêncio, eternidade...
Acertos bem mais raros do que falhas,
Na morte com certeza, a liberdade...
20344
Procuro algum motivo para a vida.
E não encontra nada, nem vestígios,
Preparo dia a dia a despedida,
Evito dissabores e litígios.
A faca nos meus dentes; arranquei,
As garras; aparei, sigo indefeso,
Aguardo o cumprimento desta lei
Com peito carregado, quase obeso.
Minha hora de partir já se aproxima,
Eu sinto o trem chegando à estação
Preparo dos meus sonhos, a obra prima,
Ditames desta insana solidão...
E o fim da longa estrada vã, sombria,
Percebo qual bonança e calmaria...
20345
Vieste novamente visitar
A quem durante tanto dominaste,
Mas puxe uma cadeira, vá sentar,
Revendo o meu passado: que contraste!
Depois de muitos anos te encontrar...
Repare no meu rosto este desgaste
Causado pelo tanto, insano amar.
Não sei se nos meus olhos reparaste...
O antigo brilho agora segue opaco,
O coração tão forte; bate fraco,
Por mais que aqui lutei, foi tudo em vão...
Um brinde aos velhos tempos; minha amiga,
Tua presença acalma e até me abriga,
Bem vinda à minha vida; solidão...
20346
A vida traz surpresas e dá voltas,
Durante muito tempo foste tudo,
As rédeas da emoção, deveras soltas,
O velho coração, calado, mudo.
Porém em meio a lutas e revoltas,
A antiga direção, silente eu mudo,
E o amor sem proteção, tolas escoltas,
Voltando à realidade, não me iludo...
Agora que partiste, novo dia,
Aonde acreditar numa alegria,
Colher felicidades; sou capaz.
Das borrascas, procelas e tempestas,
Abrindo no meu peito, algumas frestas
Por onde entrou; sublime e mansa paz...
20347
Restando esvaecida e nebulosa,
Madrugada sombria, agonizante.
A morte companheira mais constante,
Surgindo de repente, caprichosa.
Revendo meu jardim, em toda rosa
Maravilhosamente radiante,
Saudade me tomando num instante,
A vida por momentos, fabulosa...
Porém nesta aridez em que hoje vivo,
Quebrando as ilusões, restando o nada,
Sequer um sentimento mais altivo,
E quando a minha história, terminada,
De dores e de sonhos eu me privo,
Na sepultura em rosas, decorada...
20348
Parecias o sol numa alvorada
Tornando a mocidade mais festiva,
A vida maviosa e iluminada,
Diamantino sonho, a noite criva,
Depois da juventude terminada,
Uma figura estranha e tão altiva,
Do sol, triste poente, resta o nada,
Até do seu calor, a vida priva...
Maldita treva toma este cenário,
Aurora há tanto tempo foi embora,
O mundo, num instante temerário,
A negra escuridão, matando estrelas.
Minha alma de esperanças se decora
Na estúpida ilusão de poder tê-las
20349
Do fadário da vida, o principal
Momento de beleza insuperável,
Atravessando o mar, estreita nau,
Levando a sua cruz, inevitável.
Aos poucos, de um festivo carnaval,
Restando tão somente o interminável
Vazio que se torna natural,
Que às vezes chega a ser tão agradável.
Depois de certo tempo, agrisalhado,
Lembrando cada cena do passado,
Procuro alguma forma de descanso.
E vejo em minha frente a sepultura,
Meu leito de eternal paz e ternura,
Recanto derradeiro, meu remanso...
20350
Deitado no caminho, um ébrio insano
Nos lábios um sorriso em contra-senso,
O mundo em suas mãos, outrora imenso,
Apenas tão somente um desengano.
Esquece pouco a pouco cada plano,
E a vida num momento amargo e tenso,
Do outrora vigoroso sonho intenso,
Restando um mundo amaro e desumano.
Somente na aguardente alguma paz,
Um tresloucado segue pelas ruas,
Um verme simplesmente, um incapaz,
A embriaguez, constante companhia,
Dores, desilusões, são todas suas,
Carícia terminal da poesia...
20351
A morte do poeta; o sonhador,
Em meio à dura e fria realidade,
Do etéreo, este banal navegador,
Que ao fim não deixará sequer saudade...
Cultiva no seu peito, o riso e a dor,
Buscando esta ilusão; eternidade.
“Poeta, com certeza um fingidor”
Transformando utopias em verdade.
Amante das espúrias ilusões,
Um vagabundo e tolo coração,
Um náufrago sedento de emoção,
Entregue muitas vezes aos leões,
Um cínico palhaço, um menestrel,
Que mesmo em pleno inferno encontra o Céu...
20352
A arcaica poesia agonizando,
Aos poucos transformada no vazio.
E quando, por loucura, insânia, eu crio
Castelo de ilusões; vou desabando.
Não tendo mais certeza; nem sei quando
Virá o tão querido e amado estio,
E o canto deste amante tão vadio,
Em outro coração, vai ecoando...
Inspiração divina? Morte às Musas,
Perdidas vão sem rumo, tão confusas,
Gerando estes disformes caricatos.
Outrora a bela Ninfa, agora o vago,
O mundo dominado por um Mago,
Servindo sanduíche em falsos pratos.
20353
Dos presentes que a mim ofereceste
Segredos escondidos neste cofre,
Se à noite o peito amargo ainda sofre
Uma ilusão farsante, a alma reveste;
O perfume que outrora se sentia
Na casa em que vivemos loucamente,
Entrando pelo quarto, de repente,
Apascentando enfim, esta agonia...
Lampejos da memória; brilhos tantos,
Revivo docemente estes momentos
Abandonando ao léu, velhos tormentos,
Secando finalmente, tristes prantos...
Retornas soberana à minha vida,
Que um dia imaginei tosca e perdida...
20354
Há tempos procurava a paz sincera,
Que tanto necessito e me faz bem,
Enfrento a cada dia a fria fera,
Que inevitavelmente sempre vem.
Depois de tantos anos, dura espera,
Na busca interminável, eis que alguém
Trazendo nos seus olhos, primavera,
Mostrando que viver é muito além
Deste fastio imenso, solidão,
Causando uma total revolução,
Tomando em suas mãos, rosa dos ventos.
Agora encontro enfim, o ancoradouro,
Num sonho tão real e duradouro,
Cessando os pesadelos e lamentos...
20355
Vagando sem destino, o pensamento,
Sombrios e soturnos, seus caminhos.
Lembrando deste amor, que com o vento
Fugiu buscando a paz em novos ninhos.
Às vezes com os sonhos me contento,
Meus dias transcorrendo vãos, sozinhos,
Se um belo amanhecer ainda invento,
Eu avinagro assim, soberbos vinhos.
Estás sempre presente em minha vida,
Na madrugada gélida, sigo insone,
Aguardo ansiosamente o telefone
Porém outra chamada está perdida,
Queria pelo menos um abraço,
Porém o que me resta, este cansaço...
20356
Bebendo esta saudade tão amarga,
Minha única parceira, minha amiga,
O pensamento e a voz se embarga,
Enquanto a noite fria desabriga.
Falando dos amores que passaram,
Antigas ilusões que inda carrego
As luzes que decerto já brilharam,
Deixaram-me no escuro, sigo cego.
Amei demais, além do que podia,
Meus versos refletindo solidão,
Ouvindo bem distante a melodia
Que um dia se tornou nossa canção,
Revivo constelado e belo céu,
Cometa que passou, seguindo ao léu...
20357
Nas pétalas da rosa que eu te dei,
A história deste amor já se desvenda
Do tanto que te quis e desejei,
O vaso se quebrou, não tem emenda.
O mundo que, idiota, imaginei,
Felicidade plena, imensa prenda,
Se um dia, pelo menos eu fui rei,
Agora eu percebi; tolice e lenda.
Aos poucos esta flor seguiu seu rumo,
E o amor perdendo a força, sem aprumo,
Deixado em algum canto, abandonado,
Ainda tenho aqui a velha rosa,
Com seus espinhos, tola e caprichosa,
Retratando este amor, despetalado...
20358
Teus beijos sensuais, doces e ardentes,
Trazendo constelares maravilhas,
As noites do teu lado, sempre quentes,
Percorro sem cansaço as mesmas trilhas.
As línguas passeando, lábios, dentes.
Subindo devagar, tocam virilhas,
Segredos impudicos e indecentes
Qual lua soberana e intensa; brilhas
Cabelos desgrenhados, risos, gritos,
Na triunfal delícia de tais ritos,
As roupas esquecidas nalgum canto.
E sobre estes lençóis aveludados
Dois corpos sem juízo, incendiados
Tomados pela fúria deste encanto...
20359
Queria pelo menos ter um Norte,
Perdido entre nevascas e tempestas,
Aguardo a cada curva, a minha morte,
As noites se repetem, vãs, funestas;
Quem dera se pudesse inda ser forte,
O coração entregue a gozos, festas,
Porém a cada dia, um novo corte,
O frio penetrando pelas frestas.
Passando pelas ruas, tão sombrio,
Minha alma esvaecida se esfumaça.
Ridícula figura, esta que passa
Vivendo como fosse um desafio,
Amou demais- comentam com sarcasmo,
Depois da intensa fúria, eis o marasmo...
20360
Meu coração crisálida aguardando
O vôo libertário dito amor,
Nesta metamorfose não sei quando
Terei este poder libertador.
Nos céus aves migrantes formam bando
Insetos passeando flor em flor,
Meu sentimento se modificando;
Promessa de alegria imersa em dor.
Buscando alçar os céus, asas abrindo,
O mundo parecendo aqui, tão lindo,
Eu imagino a paz de algum regaço,
Aonde irei deitar no pós batalha,
Enquanto que a vagar, meu sonho espalha,
Eu deito no teu colo, o meu cansaço...
20361
Desde infância, aprendi que a liberdade,
Ainda que tardia é bem supremo,
Com ela conhecemos claridade,
Direcionando a vida, leme e remo...
Porém sua conquista é tão sangrenta,
Por sobre mil cadáveres, a flor,
Que incrível paradoxo, me apascenta
Com seu forte poder libertador.
A morte é um adubo necessário,
Imprescindível mesmo a podridão,
Nas sendas do guerreiro e do corsário
A liberdade implanta cada grão
Gerando o mais fantásticos dos dons,
Nascido em roseiral de megatons.
20362
Procuro um verso claro e emocionante
Que possa transformar, trazer a paz.
Moldando uma amizade mais constante
Mostrando quanto o amor se faz capaz.
Procuro a poesia que agigante
A força que inerente, a gente traz,
Ao mesmo tempo lúdica e galante
Que ao coração mais duro satisfaz...
Procuro algum poema libertário
Extremamente puro e solidário,
Brotando dentro da alma mais sincera;
Procuro finalmente esta palavra,
Arado com o qual o amor se lavra
Florindo numa eterna primavera...
20363
Usando esta couraça protetora
Enfrento os corriqueiros vendavais,
Na imagem mais sutil e redentora,
Sonhar com plena paz nunca é demais.
Mergulho nos abismos que criei,
Vagando entre os penhascos e penedos,
Na tétrica aridez da triste grei,
Vencendo a cada dia velhos medos.
Usando esta couraça, sigo em frente,
Deixando para trás qualquer tormento,
No amor que nos redime, eterno crente,
Nas tramas do perdão, tomando assento;
Usando esta couraça, assim resisto,
Nas palavras do Pai, que é Jesus Cristo...
20364
Nas vaporosas formas do desejo,
Nevascas e neblinas sobre o sol,
Constelação divina, amor sobejo,
Espalha-se vagando no arrebol.
Lunares paisagens, que revejo
Ao longe a fluorescência de um farol,
Efervescência plena que ora almejo,
Dolência de um eterno girassol.
Extremas emoções, raros altares;
Nas explosões supremas, estrelares,
Na conjunção de forças infinitas.
Volúpia incandescendo; fogaréu,
Diamantinas formas; chego ao Céu,
Ao lapidar com arte estas pepitas...
20365
Encontro no infinito esta deidade,
Fulgindo constelar; misteriosa.
E a par desta tamanha claridade,
Na flamejante luz, maravilhosa.
Essência da suprema liberdade,
Perfume que recende à bela rosa,
Indômito desejo que me invade,
De uma fúria sublime e fabulosa.
Nas Ânsias e delírios conjugados,
Vibrantes sensações, raros cristais,
Cenários por prazer emoldurados,
Clarões e tempestades, arrepios,
Inefáveis loucuras, sensuais,
Numa explosão unindo nossos cios...
20366
Da lama de onde vim, restos e ramos
Da lama de onde vim, restos e ramos
Os rostos macilentos, cadavéricos;
Epidemias, pestes enfrentamos.
No orgástico prazer, amores feéricos
Os olhos debulhados negam amos,
Nos nossos entrelaces, quase homéricos,
Os déspotas algozes; descartamos,
E nos amamos, fartos, como histéricos...
As lamas se misturam, neste esterco,
Do caos e do abandono se alimentam,
No mangue, em nossos corpos, eu me perco;
Ao lixo já retorno e não reclamo,
As podridões diversas me sustentam;
Somos iguais, amor... Por isso, eu te amo!
20367
Espúrios madrigais são madrepérolas.
Ouvidos infestados por espectros
Apóiam pensamentos como férulas
Tornado repugnante alguns aspectos
Que fazem surgir cânceres, as pérolas,
Sangrando estes crustáceos com infectos
Fomentos. Torpes dores nunca quero-as,
Os meus ombros seriam mais ineptos...
Nestas caricaturas, garatujas
Espalhas o teu sêmen como areia
Fecundas estas ostras, pobres, sujas...
Inoculas venenos nas entranhas
No aborto placentário de sereia
Nascemos madrigais, formas tacanhas...
20368
Sou vão, sou véu sou âmbar e marfim,
Déspota de mim mesmo, me condeno
E ganho este infinito sendo assim;
O vago que se enverga nada ameno.
Carpindo os meus velórios, cedo; enfim
E mato-me da forma que enveneno;
Parindo desta sombra o que há em mim,
Um nada que se sente quase pleno...
Perfurando teus olhos com as garras
E os cascos que afiei ao fim da tarde.
Nos óstios que me abriste vivo amarras;
Os dentes com que mordes ao sorrir.
Teu beijo viperino que sopra, arde,
Ao ver-me; os teus vermes vêm pedir...
20369
Sinto-me escória, pária, simples restolho
Daquilo que pensava ser um homem,
O látego carinho a fremir. Me encolho;
Mas nada, nem as sombras podres somem...
Carrego insensatez perfurando o olho
Desesperanças natas me consomem
E quero ser assim, tudo o que escolho
São como estas quimeras que me comem.
De ser um simples zero pela vida;
Já tenho este prazer bem arraigado,
Da sorte qual remendo em despedida
Transito por mim mesmo sem mistérios,
Fui vão, sou ermo, corpo derrocado,
Fazendo;destes restos, ministério...
20370
Um noctâmbulo andando exposto à gargalhadas
Sua alma decomposta esgueira-se nas ruas,
Sorri como se exposta a torturas mais cruas
Que o vai modificando, entranhas bem marcadas;
Um verme irá pastando as pútridas passadas
Lentamente uma crosta encobre as carnes nuas
Qual fora uma resposta às dúvidas tão suas
O vento vai cortando as costas já lanhadas.
Eu sinto que a natura irá cobrar pedágio
Por ter sobrevivido ao terrível naufrágio
E minha carnadura em plena podridão
O tempo que passei nos esgotos da vida,
Achando-me escondido em cama apodrecida,
Se tanto gargalhei, arranque o coração!
Fiz este soneto em alexandrino com rimas também na sexta sílaba poética, tentando dar um ritmo mais ágil aos versos;
espero que gostem do resultado...
20371
O riso que se escarra em minha face
Fazendo-me um palhaço sem futuro,
Tristíssimo motivo num disfarce
Abraça-me convulso, torpe e impuro.
Satânicos delírios neste esgarce
Que lambem meu sentido, opaco, escuro,
Bisonhos estandartes onde espace
O manto mais vetusto quase puro...
Num estertor agônico me entrego,
Na mão trago a fornalha que te queima,
Ao menos o diabo que eu carrego
Retesa-se num riso qual sardônico,
O meu cadáver lúbrico não teima,
Implode em um formato arquitetônico!
20372
Por vezes esmaltada uma tristeza
Nos olhos carcomidos da saudade,
O verme que se encharca da certeza
Sacia-se na pútrida verdade.
Estorvo de mim mesmo cuspo à mesa,
E mostro meu perfil de insanidade,
Vestido de vestal, roubo esta alteza
Que mente ao me mostrar sinceridade...
Eu não suporto o vômito da fera
Que me carcome um pouco a cada dia,
Abrindo no meu peito tal cratera
Que teima em ser abrigo, hipocrisia,
Depois deste tormento, nada espera,
Senão a gargalhada em ironia...
20373
Quisera ser feliz, mas não podia
Partícipe dos sonhos, personagem
Que segue sem destino esta viagem,
Até que se renove noutro dia.
O quanto do desejo é agonia,
Por mais que isto pareça uma bobagem,
Tolice é não sentir a paisagem,
E jamais conceber a poesia
Que vem dos arvoredos e montanhas,
Lançando no horizonte um sol imenso,
Belezas que desnuda são tamanhas
Inigualável mundo que adivinho
Quando em teus braços mansos penso
Inebriante como um raro vinho
20374
Poeta que de mais nada eu sabia
Sensação frustrante, melancolia
Aqueles versos que me alegraram um dia
Desapareceram no ar feito magia...
Quis saber notícias, fui a procura
Não foi por curiosidade, mais sim preocupação
Deixastes um gosto amargo de saudade
Mas o que importa é que retornas
com mais belas inpirações...
O vento amigo trouxe-te de volta
És o Mestre das palavras, poeta por vocação
Um ser muito especial
Que feliz nos deixa alma e coração!
ISABEL NOCETTI.
Um trovador se sente emocionado
Ao ler com emoção tal homenagem,
Um velho sonetista sempre à margem
Resquício de outros tempos, do passado.
Durante certo tempo adoentado,
À beira de seguir fatal viagem,
Mas graças ao Bom Deus, com nova aragem
Percorro o meu caminho antes traçado...
Poder fazer contigo este dueto,
Motivo de alegria, com certeza,
E outros que quiseres, eu prometo
Qu’os farei com imenso e grã prazer,
Tua amizade, enorme fortaleza
Dá forças pra sonhar e pra escrever...
20375
Somente um vão espectro vaga à toa,
A podre geração deste infeliz,
Na qual a Natureza se desdiz,
E a voz de Satanás, ali ecoa,
O sangue que em tais vermes, segue, escoa
Nem mesmo como esterco a Terra quis,
Na fúria de uma louca meretriz,
Atingindo o planeta em plena proa;
Orgânico fantoche repugnante
Julgando-se de todos; dominante
Destrói a própria nave que governa.
Enquanto o Deus supremo entorpecido,
Vendo nosso destino assim cumprido,
Onipresente apenas dorme, hiberna...
20376
Assisto à derrocada deste verme
Um habitante horrendo e sem valia
Espúria criatura, agora inerme,
Na esplêndida e fatídica agonia.
Errônea e fatal disparidade,
Gerando o mais estúpido animal
Retendo em suas mãos a deidade
Espalha mortandade sem igual
Caóticos insetos destrutivos,
Ao ventre que os pariu, a maldição.
Soberbos imbecis, tolos altivos,
Da natureza tosca aberração.
O que virá depois do Apocalipse
A morta humanidade em tosco eclipse...
20377
Excêntrico e disforme parasita,
Surgindo nos esgotos mal cheirosos,
Humores simplesmente biliosos,
Uma alma em pleno caos, inda palpita.
Um vírus que em cadáveres habita
Nos mórbidos demônios caprichosos,
Argutos passageiros belicosos
A podridão humana se exercita
Pairando sobre todos; a figura
Asquerosa e sarcástica: Satã
Fazendo da esperança, a força vã.
Gargalha com fatídica amargura
Erguendo dos escombros o futuro,
Previsto em Evangelhos, torpe e escuro...
20378
Floria em plena noite de luar,
Etéreo resplendor, tão vaporosa,
Imagem que sutil e caprichosa,
Por vezes sem ter asas quis galgar.
Os astros mudam sempre de lugar,
Espinhos enfeitando cada rosa,
Mulher, a criatura que formosa
Com maestria Deus soube criar.
Ao tê-la em minhas mãos deusa desnuda,
Minha alma num repente queda muda
E extasiado chego ao bem supremo.
E num instante tenho a eternidade,
Hercúleo; vou até a imensidade
E como fosse um deus, mais nada temo...
20379
Cismando com passado mais feliz,
Aonde ser querido era normal,
O amor se demonstrando magistral,
Não tinha nem sequer a cicatriz
Que tatuando a pele do aprendiz
Maltrata e nos ensina, isso é fatal,
Por mais que possa crer ser imortal,
O tempo faz conosco o que bem quis.
Olhando vagamente o meu passado,
Tomado por ternura e placidez,
A vida com terrível acidez
Transforma esta doçura e, maculado
Eu tento algum refúgio, um manso abrigo
Nos tempos em que amor foi meu amigo...
20380
Poder te amar sem medo dos caprichos
Que tantas vezes seca o ribeirão,
Amantes tresloucados feito bichos,
Num ato de prazer, farta explosão,
Os laços que nos unem; firmes nós,
Jamais serão desfeitos, com certeza,
Do imenso amor que temos; nada após,
É nossa redenção e fortaleza.
Amemos simplesmente e nada mais,
Viver sem perguntar, cada segundo.
Os sonhos mais felizes, magistrais,
Nas tramas deste encanto me aprofundo.
Eu não existiria sem te ter,
Tu és toda a razão do meu viver...
20381
Qual fora de granito, feita; a fria
Mulher que eu endeusei tão futilmente.
Imerso na completa letargia,
Sacramentando o sonho inutilmente.
Incrível que pareça, eu nada via;
O olhar apaixonado, tolo, mente.
Com gélidos sarcasmos e ironia,
Horrenda hipocrisia já latente.
Envolto em falsos gozos, agoniza
O amor que fora intenso, ora graniza
E os uivos de prazer, simples mentiras.
A lúbrica mulher, estéril, frigida,
Escultural imagem, crua e rígida,
No beijo empedernido que me atiras...
20382
Lasciva e delicada; serpenteia,
Singrando por diversos oceanos,
Espasmos furiosos e profanos,
Intenso fogaréu nos incendeia.
Conluio que incitamos sobre a areia,
Gemidos e sussurros quase humanos,
Anseio cultivado há tantos anos,
Tendo por testemunha a lua cheia...
E os seios desta diva em minhas mãos,
Desvendo seu mistério, adentro vãos
E como fossem fogos de artifício
Eclodem luzes fartas, multicores,
No gozo flamejante, sem pudores,
O amor vai perpetrando o seu ofício...
20383
Somente uma excrescência quase humana
Perdido entre os cortejos da ilusão,
Uma alma em transparência vaga insana,
Apenas entre tantas u’a visão...
A eternidade frágil nos engana,
Imerso em gigantesco turbilhão
Grotesca imagem tola da cigana
Dantesco meu futuro, escondo a mão.
No lusco fusco; toscas fluorescências,
Sonhando matinais iridescências;
As trevas permanecem na manhã;
Alquímicos delírios, emoções,
Formulam falsamente soluções,
E a vida refazendo o amargo afã...
20384
A morte num tropel torpe e medonho,
Avança e vence todas as defesas,
Das doentias chagas do tristonho,
Expondo podres vísceras nas mesas.
Homérico caminho molda o sonho,
Nas gélidas torturas das belezas,
Num cântico mais fúnebre componho
Inúteis e tão frágeis fortalezas...
Lauréis que a vida traz; falsos altares,
Arcanjos freqüentando os mesmos bares
Aonde a poesia se entorpece.
Na orgástica loucura que fascina,
A farpa penetrante e cristalina
Aos olhos dos amantes se oferece...
20385
Nos turbilhões fantasmas do passado,
Quiméricos ardores, tédio e medo;
Medonho este perfil por ti criado,
Insanas vibrações num torpe enredo.
Etéreo coração, acorrentado,
O gozo do porvir, ausente ou ledo,
Nas áureas correntezas, naufragado
O sonho que julgara ser segredo.
Vitórias e triunfos, trunfos teus,
Preparo sem alento último adeus,
Sem estremecimentos nem rancores
Findando desde já tal espetáculo,
Escapo ileso deste vão tentáculo,
Opacidade explode em fartas cores...
20386
Não quero confundir os teus sarcasmos,
Sarcófagos dos gozos da esperança
Amortalhando todos os orgasmos
Bacantes sensações de comilança;
Com as mentiras tétricas de espasmos
Forjados nas promessas de bonança
Deixando os meus sentidos todos pasmos
Legados da total intemperança...
Se pensas que sou clown e quero o clean
Apenas regozijo não me basta.
Não vejo outra saída. Estás em mim.
Estase sem ter êxtases... Estática.
O cálice que cospe enquanto casta.
Estenda tua face, então, monástica...
20387
Nos teus poros, esporos que te dei.
Não me servem as sobras dos teus gozos...
Gametas qual cometas se não sei
São sombras dos passados andrajosos...
Nas tocas, ocas, ocos, misturei
Tenebras temerosas, tenebrosas.
Farejo o que protejo day by day
Almejo o teu desejo, rimas /prosas...
Na mítica presença feminina
Ostento o que mais tento, teus pudores...
Seguro teus cabelos, loura crina,
Cavalgas, águas, algas, léguas, mágoas...
Mascaro e quero caro, cara e cores,
A lua se arreganha sobre as fráguas...
20388
Nossas carnes confusas, peles, cernes,
Misturam os humores, ares, mares...
Eu peço-te que em mim, no frio, hibernes,
Entranhe-me. Dos corpos tais altares
Que sabem que jamais, no amor, invernes
Estios, cios, talhos similares
Servis aos servos vis que em si, concernes,
Colete os meus resquícios se encontrares
E juntos untaremos corpos; colas...
Nos sumos e nos somos quase gomas,
Somamos nossos somas, ondas, olas,
Num mar transcendental, ácido céu...
E vejo-te espalhada quando tomas
Meu sangue em que lambuzas, bebes mel...
20389
As podres excrescências emanadas,
Fosforescestes fogos de artifício,
Latejam minhas pernas amputadas
No sentimento inócuo; um precipício...
As almas, com certeza, estão compradas
Pelos defeitos, ócios, aços, vícios...
Minhas veias estão inoculadas
Pelas serpes de amores mais fictícios...
Sou vértice, sou vórtice, sou frágil.
As espúrias paixões que se entornaram
Não deram-me o poder de ser mais ágil...
Se queres imbecil amante, reles,
Se as esperanças, todas, te largaram,
Convido-te ao banquete: nossas peles!
20390
Jorraste meus fantasmas pela porta
Estarrecendo o gosto prometido
Da companheira vívida que aporta
Tragando meu martírio em vil gemido.
Minha alma transparente, a dor aborta,
E corta penetrante, o decidido
Momento de sangrar, por cava, aorta,
No sonho deste amor apodrecido...
Antúrios que plantaste nos canteiros
Trocados pelos lírios roxos, tétricos,
Os túmulos do amor são corriqueiros
Em quem serpente veste; viperina...
Escarras com teus risos sempre elétricos
E ao mesmo tempo, acode e me domina...
20391
Eu visto esta mortalha em ceticismo,
Sendo o que jamais fora se soubesse
Do ápice mergulhando neste abismo
Em forma de fornalha em vestal prece.
Desisto da batalha. Despotismo
De quem se fez bem mais do que merece
Sem mítico exercício do batismo,
Deforma todo ofício que professe...
Protuberâncias túrgidas herméticas
As pétalas estúpidas histéricas,
Românticas, anêmicas, caquéticas...
Se lúdicas, são lúbricas, são tísicas.
Mas fétidas, tão pútridas, ictéricas,
Todas as nossas dores não são físicas...
20392
Tua sensualidade quase exótica,
Na nudez desavisada e transparente...
Na palidez da pele nua, gótica,
Sorriso sensual, adolescente.
Dolente sensação divina, erótica
Lambendo com prazeres de serpente
A noite sem te ter passa estrambótica
E cura-se em teu sexo, de repente...
Revisto tua entranha, adentro gruta,
Num grito gutural esvai-se em muco.
As carnes são os cernes desta luta
Que encerra-se em esplêndidos espasmos,
Bebemos gota a gota todo o suco
Extraídos dos pântanos-orgasmos...
20393
Quero sugar teus êxtases, sorvê-los,
Cegar-me em tuas lâmpadas sem nexo.
Nas brenhas tão ebúrneas, cabelos,
Emaranhar tentáculos, teu sexo...
Sinfônicos partícipes, nos velos
Desnudos; quieto, mudo, vão, complexo,
Preso em tuas melenas, teus novelos,
Penetro lentamente, vou convexo...
Tu côncava, nas curvas, belas urnas,
Vassalo sempre calo, e vou silente.
Desvendo tais mistérios, tuas furnas
E emano meus gametas, teu gameta...
O quarto se tornando bem mais quente,
Volvendo qual noctâmbulo cometa!
20394
Ao vê-la, percebera que sonhara
Em vão por muito tempo. Percebia
Que o quê julguei tratar-se jóia rara,
A bem de uma verdade nem sabia.
Olhar ermo, distante, concebera
Uma mulher mais bela que teria
Se não pudesse ser somente fera
Aquela que morrera, raie o dia.
Erguendo-se, dos sonhos, tal fantasma,
Reclamam as quimeras ressurrectas,
Eflúvio desvairado, um ectoplasma
Invade meus presságios otimistas.
As mãos que não mais lavo, estão infectas
Subterfúgios do amor, minimalistas...
20395
Sendo vésperas, somos o futuro
Sendo vésperas, somos o futuro
Escarnecido, escancarado, aberto?
Quando alopradamente salto o muro
De tantas armadilhas de um deserto
Tal qual fora uma reles escultura
Moldada num passado mais incerto
Forjada da cruel caricatura
Que somos, quando vistos mais de perto;
As faces enrugadas dos meus pântanos
Internos, fogos fátuos de esperança,
Chovendo meus retalhos mesmo em cântaros,
Unidos com teus restos, andam juntos...
Os hálitos-esgotos dão fiança
Os sonhos procelares, bens conjuntos...
20396
Se tramas lamas chamas, camas, ramas
Amamos somos gomos, tomos, comas,
Servis, se vis, civis, se visses amas
Nas armas almas lemas, gemas, somas...
Assaz capaz audaz, mordaz; inflamas
As idas, findas vidas fins se tomas
Buscas bruscas rebuscas caos e famas,
Nas aspas vespas asas das palomas
Que sentem, mentem, têm o que teria
Se ria quem seria séria em cio.
Ocioso riso e gozo; manteria
Mas sabe que não sabe quem cabia,
Na ria de Maria me vicio,
Seria quem seria se seria...
20397
Sou pasmo, vou espasmo, estou cansaço...
Sou mesmo, menosprezo, mas me prezo.
Na ação que reação rechaça o aço
As frisas e os frissons eu frito e freso.
Nas câimbras e cambraias, baias, braço,
Sou liso, vou revés, revisto ileso.
Me corto, aborto mato e já renasço
Meu arco, parco barco marco e peso.
Útil é ser sutil cantil vazio
Que cede quando a sede faz assédio
Repique de pileque; eu me vicio
Do signo do diabo acabo sendo
Não me encha o saco; estou morto de tédio
Remédio pra gozar é ir morrendo.
20398
Em cataclismo enorme, até titânico,
Em busca de frementes espetáculos.
Amor que sempre fora tão tirânico,
Se mostra mais sutil, como em oráculos
Onde premissas: sorte, morte, pânico;
Freqüentam infernais, iguais cenáculos.
Carícias e desejos, conceptáculos...
Sentimento carnal, quase mecânico!
Inebriantes flâmulas, histéricas.
Sacrofagicamente canibal.
Buscando as epopéias quase homéricas,
Transfunde colossais pressentimentos,
Ungindo-se em torpor, qual animal,
Perpassa meus vadios pensamentos.
20399
Nasci como se fosse nada além
Do quem que já bastarda quem o fez.
Deste pó que impregnado vive aquém
Do resto do que fora insana tez.
Qual salitre insolúvel; sou o quem
Do qual só obterás insensatez.
Do que não fora sido mau refém,
Quem era ter nascido morre a vez.
Estramboticamente mente um ente
Que farsa as intenções em sobre tons
Não aspergindo mais serei ser pente
Cujo néctar se infecta e se compacta;
Espalho em assembléias mil jetons,
Palavra do Senhor também impacta?
20400
Bebes sangue da Besta que tu vendes
Em nome da moral e bons costumes.
Desejos de vinganças sempre acendes
Naqueles que cheirarem teus perfumes.
É fato que sem Besta não mais rendes
Nem pagas as vergonhas, falsos lumes,
Aos pântanos celestes quando ascendes
Encharcas tantas lamas, nos teus gumes...
O mártir que espancaste a cada esquina
Sofrendo emoldurado numa cruz
Sabe que em tua fúria se extermina
Tudo o que falara em sacrifício.
Na mão direita trazes um obus
Mirando quem não segue o teu ofício...
20401
Escarras no mendigo dentro em ti,
Escarras no mendigo dentro em ti,
Culpado pelos erros que cometes.
O manto tão sagrado que pedi
Asperges com vermífugo em pets;
Na carne exposta o gozo já se ri
E varres os escárnios que repetes.
Se empunhas tantos pulhas, bem te vi
Jogando nos ladrões os teus confetes...
Depois caminhas; livre e sorridente
Como se fosse um nada, o quase ser
Que mostra como um cão meio sem dente
A face que tu teimas em negar.
Talvez seja melhor não se esconder
E em todos os famintos vomitar...
20402
Meu verso traz o corte da navalha,
As garras afiadas vão expostas.
Se a dura realidade fere e talha
As almas se desnudam decompostas...
Desculpe se recendo a uma mortalha
Que serve p’ra ocultar as minhas costas
Na boca desdentada, qualquer falha
Se mostra mais ferina, presas postas.
Um aço que penetra bem mais fundo
Talvez seja uma forma de carinho,
São tantas as “verdades” deste mundo
Jogadas como merda solta ao vento.
Prefiro então ladrar, mesmo sozinho,
Do que prostituir meu pensamento...
20403
Eu sou o resto podre da maçã
Que foi abandonado em praça pública.
Um quase sem ter nexos, amanhã
Jogado nem sou bola nem sou búlica.
Apenas vago o mundo, vida cã,
Nesta quaresma a esmo, perco a túnica
Despido do que fosse uma manhã
Nos trâmites, trambiques da república.
Sedado se fui dado ou se fugido
Não vivo mais em buscas estrambóticas.
Exóticas verdades tenho tido,
Há sido o que bem ácido, contei.
As ilusões que tenho são as de óticas.
Perdido no que fui nem quem sou sei...
20404
Eterna companheira, uma saudade
Há tempos não me larga; pois fiel,
Destila toda noite amargo fel,
E às vezes traz doçura e claridade...
Um dia conheci felicidade,
O amor ao descobrir seu alvo véu
Mostrando a sua face mais cruel,
Matando o que restou: tranqüilidade...
Agora a nostalgia me escraviza,
A Dor velha parceira, anda comigo,
Nem mesmo uma esperança suaviza
O quanto trago em mim, tanta amargura,
Porém se na saudade tenho abrigo,
Cada lembrança é um toque de ternura...
20405
Falando de saudade, velha amiga,
Que tantas vezes dorme do meu lado,
Enquanto a minha vida desabriga,
Com ela sempre estou acompanhado.
Imagem juvenil, de tão antiga
Retrato pelo tempo amarelado,
Por mais que o dia a dia inda prossiga
Recende a qualquer ponto do passado,
Saudades do que tanto desejei,
Jogado nalgum canto de minha alma,
Saber que fui feliz, decerto acalma,
Contando cada história que passei,
Eu vivo tão somente porque existe,
Embora amargurado, às vezes triste...
20406
Pudesse pelo menos ter um sonho,
Talvez a vida fosse diferente,
Por mais que a fantasia me freqüente,
Caminho cabisbaixo e sou tristonho,
Nos falsos paraísos que componho,
O mundo passa a ser tão diferente,
Porém minha alma tola sempre mente,
Rotina sempre a mesma, isto é bisonho...
Brincando com palavras, fingimentos...
Usando das imagens mais felizes,
Mudando totalmente estes matizes,
Viajo em liberdade como os ventos...
Mas logo a realidade vem à tona,
E a fantasia tola me abandona...
20407
Talvez se eu navegasse em mar tranqüilo,
Seguindo esta corrente que me leva
Distante do que fosse amargo ou treva,
Teria em minhas mãos um novo estilo,
Falando da alegria de quem ama,
E sabe ser amado por alguém,
Mas quando a realidade chega, vem,
Eu modifico assim, toda esta trama...
Um verso que me acalme e que desfaça
Os nós nos quais enredo a minha vida,
Levando a solidão já de vencida,
Enquanto a vida plácida, enfim, passa...
Mas sinto que a amargura me fascina,
E dela faço fonte, ponte e mina...
20408
O amor que um Dia; tolo, imaginei,
Mergulhos num prazer ilimitado,
Agora este retrato já rasgado,
Domina todo o quadro que pintei.
Errático satélite criei,
Um céu eternamente iluminado,
Vivendo a poesia do teu lado,
E nesta fantasia eu mergulhei...
Somente alguns momentos de ilusão,
A vida me repete o mesmo não,
E sigo, mesmo assim, esperançoso.
Quem sabe noutro dia ou noutra vida,
Exista um pouco mais que a despedida,
E um mundo feito em paz, maravilhoso...
20409
Há tanto que não sei o que é amar,
Apenas uma simples fantasia,
Se houvesse pelo menos a alegria,
Eu poderia enfim, me apaixonar...
Seguir a direção que leva ao mar,
Tocado pela doce melodia,
E um dia aprenderia a navegar,
Vivendo numa eterna calmaria...
As turbas e tormentas? Delas sei,
Dominam desde sempre a minha grei,
Fazendo do meu mundo este vazio
Que trago em cada verso que componho,
Quem dera se pudesse... Um belo sonho;
Um tempo mais feliz que tolo, crio...
20410
Há coisas que não devo confessar,
Vontades bem guardadas neste cofre,
Olhando calmamente pro luar,
Um coração de um tolo sempre sofre...
Queria pelo menos te dizer
Que todos os caminhos desta vida
Levando aos teus braços dão prazer,
Embora a estrada esteja já perdida.
Metade dos meus dias; são vazios,
Quebrando o pote, o doce foi embora,
Quem sonha simplesmente com estios,
Ao chegar seu inverno; cala e chora.
Mas nada do que eu digo é verdadeiro,
Jamais me mostrarei assim inteiro...
20411
Cansado de ser quase, dou o fora
Quem sabe desse jeito, as coisas mudem,
Partindo o coração, vou logo embora,
Só peço, por favor que não me ajudem...
Eu aprendi a me virar sozinho,
Vencendo e até perdendo, sempre encaro.
No amor e na batalha, de mansinho,
Se não tiver mais jeito, então eu paro.
Cantando sempre a mesma melodia,
Bebendo nesta taça, solidão,
Quem sabe no final venha a alegria,
Também se não vier, não sofro não.
Levando a minha vida de gaiato,
Não vou ficar aqui pagando o pato...
20412
Se eu peco por tentar felicidade,
Vacilo quando encontro o grande amor,
Não quero mais perder tranqüilidade,
Por isso caia fora; por favor.
O sol jamais sonega claridade,
Assim eu vou pegando alguma cor,
Na roça, na palhoça ou na cidade,
Não tenho quase nada a te propor
Senão um velho carro, uma Brasília,
Um resto de fogão, pouca mobília,
Escudo do Fogão na geladeira.
Estrado está quebrado, tem colchão,
A gente dorme junto então no chão,
É só tomar cuidado com goteira...
20413
Num beco sem saída me deixaste,
Se eu fico ou vou embora, nada muda.
Dor de separação é sempre aguda,
O amor jamais resiste a tal desgaste;
Mas nem que venha armada com guindaste,
Eu quero e necessito de uma ajuda,
Cansado deste tal deus nos acuda
Já não suporto mais, tu és um traste.
Resisto aos temporais e às tempestades,
Se for preciso encaro um furacão,
Arrebentando assim as velhas grades,
Ninguém segura um coração mineiro,
Marcado pelas garras da paixão,
Desconfiado, nunca vou inteiro...
20414
É fim de papo e chega de conversa,
O nosso casamento está no fim.
Tu tens andado assim, vaga e dispersa,
Deu praga e destruiu nosso jardim.
A fantasia agora é tão diversa,
Estás sempre distante; até que enfim,
Cansei desta mulher burra e perversa,
Não tenho vocação pra querubim...
Chegando de manhã embriagada,
Falando que estudou a noite inteira,
Depois inventa uma outra baboseira
E finge que jamais andou errada.
Não vou ficar chorando; dê o fora,
Não fique aqui torrando, vá embora!
20415
Metade do que eu tenho agora é dela,
Também quem te mandou quebrar a cara?
A moça foi fingir que era donzela...
Separação é coisa muito cara...
Merece que se acenda alguma vela,
Eu já não suportava tanta tara,
Eu sei que no começo ela era bela,
Até chamei a moça: jóia rara...
Tomamos um chopinho em Ipanema,
Depois uma esticada no cinema,
E terminamos juntos num Motel.
Até que foi gostoso, isso eu garanto,
Olhando com cuidado era um encanto...
Mas vacilei quando assinei papel...
20416
Não quero mais falar de poesia,
Cansado de lutar sem ter sucesso.
Às vezes dá saudade e recomeço,
Porém sem ter sequer uma alegria...
Palhaço sente falta de folia,
Eu ando até fazendo algum progresso,
Já não suporto mais qualquer congresso,
Falou de compromisso me arrepia...
Negando a minha sorte, sigo em frente,
O amor quando demais deixa doente
Batuca o coração fora do tom.
Bebendo a fantasia estou de porre,
Nem mesmo a realidade me socorre,
No fundo não restou nada de bom...
20417
Tentando algum motivo pra viver,
Eu finjo ser poeta e sonetista,
No fundo, minha amiga estou na pista,
Buscando finalmente algum prazer;
Não quero na verdade nem saber,
Por mais que a teimosia ainda insista,
É dura a triste vida de um artista,
Vontade de gritar: vá se fuder!
Porém bem educado, nada falo,
Só peço que não pises no meu calo,
Aí saio do sério, companheiro.
Não tenho nem sequer algum talento,
O pouco que inda falo, minto e invento,
Vontade de ir mais cedo pro chuveiro...
20418
Eu quis da poesia algum alento,
Atormentado, amigo, pela vida.
Por tanto que tentei já não agüento,
Parada há muito tempo está perdida...
Palavra se perdendo, leva o vento,
Preparo a cada dia a despedida,
Fazendo do meu verso este lamento,
Não tendo na verdade outra saída...
Bebi desta aguardente que vicia,
Esta maldita puta, a poesia,
Domina os meus sentidos e embriaga.
Escravo das palavras; quebro a algema,
Mas logo a mente busca um novo tema
E volto a escrever, terrível praga!
20419
Vontade de rasgar cada besteira
Que escrevo no papel ou no teclado,
Sem nunca me sentir tão saciado
Não largo minha bunda da cadeira.
Assim já não suporto a brincadeira,
Vem logo este sorriso mais safado
E a tentação virando outro pecado,
Da forma mais comum e corriqueira...
Os trapos que hoje visto não me bastam,
Enquanto os velhos sonhos não abastam,
Vazio estou por dentro e caio fora
Lograsse alguma sorte, eu me mandava,
Errando sempre o tom por uma oitava
Quem sabe faz direito e faz agora...
20420
Moleque catarrento, dei no pé,
Chamando de meu louro este urubu,
Menina vem fazer um cafuné,
Eu vou acabar fincando nu...
Pisando nesta bola quis Pelé,
Quem come mais depressa engole cru,
Polvilho não resolve pro chulé
Mineiro come queijo com angu.
A rapa da panela é mais gostosa,
Quem nunca sai de cima nunca goza,
Jogando esta conversa toda fora,
Metade do que quero é só besteira,
O resto vira tudo baboseira,
O bom ator seu texto, não decora...
20421
Joguei na loteria e me dei mal,
A sorte nunca esteve aqui comigo,
Agora vou fazer meu carnaval,
O mundo num segundo eu já desligo,
Morena desfilando é um festival,
Porém tirou a roupa é um perigo.
Meu verso na verdade é tão banal,
Arcaica poesia, um mau artigo...
Vendido numa feira, no domingo,
Prefiro me mandar, jogar no bingo,
Assim quem sabe ganho algum trocado.
Fazendo poesia, passo fome,
Quem não acorda cedo nunca come,
Almoço de domingo é frango assado...
20422
Jorrando sem limites da cabeça,
Pior do que se fosse um chafariz,
Quem não tomar cuidado já tropeça
Quebrando logo a cara e seu nariz...
Levando a minha vida por um triz,
Não tendo quem conheça ou reconheça,
Apago este poema feito em giz,
E logo vou pedindo que me esqueça.
Nas esquinas as putas e os travecos
Bebendo uma cachaça nos botecos,
A noite é uma criança sem juízo...
Ganhar algum dinheiro por aí,
Vendendo o que com jeito eu escrevi,
Certeza que terei mais prejuízo...
20423
Cutuco devagar senão eu caio,
Faço malabarismo pra viver,
Feijoada que presta leva paio,
Meu time entrou em campo? Vai perder...
Falasse japonês, turco ou malaio,
Talvez valesse a pena eu escrever,
Juntando todo mundo num balaio,
Vontade de sair e me esquecer...
Se eu logo vou embora e apago a luz,
Um idiota diz: é tua a cruz,
Mas Quem mandou saber fazer soneto?
Sujeito avacalhando gozador,
Morrendo de saudade diz amor,
O resto vem depois, isso eu prometo...
20424
Quem mede necessita de uma régua,
Usando este compasso, faço roda,
Sonhando com você, lavei a égua,
Embora eu ande assim fora de moda.
Bebendo a cachacinha costumeira,
Fumando o meu cigarro que é de palha,
Não posso mais falar, é dar bandeira,
Senão a poesia me avacalha.
Depois de ter me dado muito mal,
Eu quase que bati as minhas botas,
Ficar catorze dias no hospital,
Tomando estes remédios idiotas
Eu volto a cutucar com curta vara,
Quem acha que conhece e mete a cara...
20425
Mereço alguma chance pelo menos?
Não creio na cultura nacional.
Se os ventos se tornaram mais amenos
Já não suporto mais qualquer boçal.
Berrando com pulmões cheios e plenos,
Eu faço desta vida algo anormal,
Bebendo todo dia tais venenos,
Que passam na Tevê cara de pau.
Mas viva a inteligência coletiva,
Que come qualquer bosta que se empurre.
Até que desta merda se empaturre,
Mantendo esta memória sempre viva,
Hebe Camargo, Xuxa e o Aragão,
Também tem o Gugu, fora o Faustão...
20426
Eu vou virar funkeiro sim senhor,
E dane-se este mundo sem juízo...
Aí quem sabe eu tenha algum valor,
E mudo até meu nome se preciso.
Qualquer besteira serve de artifício,
Falar um palavrão cai muito bem,
Errado com certeza desde o início,
Quem sabe até melhore ano que vem.
Juntar umas cachorras bem bundudas,
Vestindo algum shortinho, requebrando,
Das rádios com jabás pedir ajudas,
Aí em poucos dias ‘tá tocando...
Mexendo devagar até o chão,
A moça vai mostrando o seu bundão...
20427
Se dentro de minha alma sonhadora
Encaixe-se a ternura dita amor,
Podemos num instante recompor
A vida que eu julgara perdedora.
Uma alma sem parada e sofredora,
Fazendo da esperança o seu louvor,
Não tendo quase nada a te propor,
Mulher que dentre tantas, redentora;
Assim, seguindo a vida sem ter medo,
Vivendo com prazer o nosso enredo,
Juntinhos nós seremos mais felizes.
Cantar cada emoção que nos assola,
Enquanto uma alma livre assim decola,
Seremos dois eternos aprendizes...
20428
Venha logo pros braços de quem amas,
Meu corpo angustiado busca o teu,
Acendem o pavio, espalham chamas,
Meu fogo no teu gozo se acendeu.
Valetes procurando suas damas,
No mundo desde sempre aconteceu,
Por isso é que fizeram grandes camas,
Um gênio quem tal fato concebeu.
Rolando a noite inteira sem descanso,
Não vejo outra saída senão esta,
O amor quando redunda em grande festa
É tudo o que eu procuro, e quando alcanço,
Balança esta roseira, quebra o pau,
O amor que a gente faz: sensacional!
20429
Quem tem por companhia a poesia
Jamais anda sozinho pela vida,
Por uma esperança vá perdida,
Há sempre o renascer de um novo dia.
Amiga, tantas vezes eu queria
Falar mesmo com a alma dolorida,
Que és a companheira tão querida
Sinônimo de paz e de alegria.
Cantando o amor, a dor, a solidão,
Poeta traz o mundo ao seu rincão,
E finge, como ator, mesmo o que sente.
Pessoa já dizia muito bem,
Enquanto; minha amiga, a vida vem,
Mesmo sofrendo irei estar contente...
20430
O amor, esta sublime maravilha,
Que uniu este casal, num doce enlace,
Uns crêem que o destino, a vida trace,
Quando os dois encontraram mesma trilha,
Que a vida seja feita de alegrias,
E mesmos nas tristezas, união,
Assim vencendo o imenso furacão,
Serão tenho a certeza, os belos dias
A fonte inesgotável de um amor
É feita no real companheirismo,
Além de certa dose de lirismo,
Das esperanças, hábil provedor.
E neste dia raro e verdadeiro
Que o amor seja infinito companheiro...
20431
Palavra, este tijolo maleável,
Do qual se faz tortura e poesia,
Às vezes tão terrível e agradável,
Constrói ou gera a guerra ou harmonia.
Presente em cada frase, solo arável,
Ilude enquanto gera a fantasia,
Criando um novo mundo suportável
Ou mata provocando uma sangria,
Mergulho em seus mistérios, sou poeta,
A linha que decifro nunca é reta,
A meta de quem canta é ser ouvido.
As marcas que carrego dentro em mim,
Florada prometida em meu jardim,
São coisas que imagino e até duvido...
20432
Somando e descontando as emoções,
A dívida é cruel, tenho certeza,
Por vezes se eu criei revoluções,
Foi frágil, minha inútil fortaleza.
Enfrento sem temor vários leões,
E bebo cada gota da beleza,
Usando a fantasia dos bufões,
Depois de cada festa, uma tristeza...
Saber que nada sou e não serei,
Não haverá ninguém que lembrará,
Por isso é que procuro desde já
Fingir ter um castelo e ser teu rei.
Atrás do trio elétrico; não vou,
Meu mundo num segundo desabou...
20433
Durante tantos anos te esperei,
Fingindo nem sentir tua presença,
Em mares tão diversos naveguei,
Além destas fronteiras que alguém pensa.
Vencendo cordilheiras mergulhei,
Por ti criei comigo, desavença
Pensei largar o mundo, virar frei,
Saudade que sentia, tensa e imensa.
Bebendo nos botecos da cidade,
Embriagante e rara, deusa lua
Enquanto a minha sina continua
Na busca da real felicidade,
Canários vão cantando no quintal,
Cigarras preparando um recital...
20434
Não posso reclamar do meu passado,
As coisas que eu tentei, eu consegui.
Às vezes me espalhando aqui/ali,
Ferido até sangrando e maltratado,
Mandando vez em quando algum recado,
A moça vai fingindo – nem te vi,
Porém pra sutil e delicado,
O nome da donzela eu esqueci.
Só sei que andou fazendo algum programa,
Custava pouco além de mil cruzeiros,
Colecionando sempre os tais cinzeiros
Com nome de Motel, fazendo drama.
Bancando a moça virgem boazinha,
A sorte é que jamais entrou na minha...
20435
Quem dera se eu pudesse... Eu não faria.
A gente finge ser mais do que pode,
O mundo sendo grande porcaria,
Depois dá confusão, tremendo bode...
Tentei por algum tempo, a poesia,
Porém quem já não pode nem sacode,
Que vá cantar numa outra freguesia,
Não tenho nem talento que me açode.
Recordo a serenata, pobre ouvido,
Que toda a vizinhança reclamou,
Do amor que ela diz ter jamais duvido,
É necessário ter muita coragem,
Para enfrentar o que ela já encarou;
Se ainda duvida, leia esta bobagem...
20436
Jogando as minhas cartas sobre a mesa,
Não vejo outro caminho senão este,
A vida nos prepara uma surpresa
Além deste brilhante que me deste,
Se ele é falsificado, com certeza,
Imensa poesia é o que o reveste
Queria ter em versos tal destreza
Porém meu português; anda uma peste...
Preciso urgentemente me cuidar,
O médio me disse esta semana,
Vontade de explodir e me danar
Cansado de ficar sentindo fome,
Se de cigarros nem uma bagana,
Este desejo todo me consome...
20437
Urubuzada: aqui meus parabéns
Em forma de soneto. É sacanagem...
Botafoguense faz esta homenagem
A culpa na verdade é dos meus gens.
Por mais que o coração inda resista,
Verdade há de ser dita, não é vã,
Se a minha mãe, meu filho e minha irmã,
Esta cambada toda é flamenguista...
Eu juro que torci, comemorei,
Embora muito doa isto dizer,
Para um time tão feio assim torcer,
É coisa que jamais esquecerei...
Merece o flamenguista, o belo prêmio,
Mas deve dividi-lo com o Grêmio...
20438
Levando a minha vida na esportiva,
Eu faço do limão, a limonada,
Se a vista na verdade anda cansada,
Pelo menos, memória anda bem viva.
O barco que comando anda à deriva,
Entrei mais uma vez noutra roubada,
Eu sei que é meu costume dar mancada,
Disfarço com a cara sempre altiva...
Cabeça de sardinha, com certeza,
Melhor do que rabão de tubarão,
Quem quer viver somente na moleza.
Melhor ter sogro rico e adoentado,
Se esta sorte jamais eu tive não,
No trampo é que vou dando o meu recado...
20439
Pelejo todo dia contra a raiva
De ter nascido pobre e brasileiro,
Metade do meu sangue sendo Paiva
Esperança palpita por inteiro.
Nas ondas deste mar que me carrega,
Quem dera timoneiro, sou grumete,
Eu sei que a poesia é mesmo cega
Nos erros tão iguais que se comete.
Jorrando feito fonte em chafariz,
Palavras vão surgindo a minha frente,
Quebrando sempre a cara e o meu nariz,
O que fazer? Fingir que estou contente...
Enquanto uma lacraia faz sucesso,
O ser humano encontra o seu progresso...
20440
Tremendo piripaque na modelo
Que chegou toda prosa à passarela.
O vento bagunçando o seu cabelo,
Um estilista tolo sempre apela...
Mais cara do que a roupa, o dito selo,
Nossa sociedade, que é banguela,
Engole sem sequer poder sabê-lo,
Assim o tempo passa e me atropela...
O sonho da menina? Manequim,
Seja em Paris, Milão, seja em Pequim,
Desfilando a ossatura; tal magreza
Fascinando decerto o mulherio,
Tal mundo diferente, seco e frio,
Inventa outro modelo de beleza...
20441
Na roça a moça quando é bem jeitosa,
O pessoal depressa fica de olho,
Sujeito falador, velhaco e prosa,
Grudando na mocinha igual piolho.
Andando no capricho e bem cheirosa,
Eu boto as minhas barbas já de molho,
Espinho é tão comum em qualquer rosa,
Começo devagar; logo recolho...
A fruta quando é muito cobiçada,
O preço vai subindo no mercado,
Beleza demais deixa preocupado,
Feiúra se é demais, fica assustada
Melhor; diz o chinês, andar no meio,
Do bolo, o mais gostoso é o recheio...
20442
Morava na Tijuca; na Aguiar,
Esquina com a Conde de Bonfim,
A moça desfilando devagar,
É claro que fiquei; depressa a fim.
Será que um cineminha irá topar?
Mineiro vai chegando manso assim,
Sorriu? É bom sinal, não vou negar,
Eu acho: vai sobrar algo pra mim...
Foi lá no Comodoro que eu beijei
A boca mais gostosa que provei,
Depois uma esticada num motel...
Às quatro da manhã chegando em casa,
Comum levar esporro quem se atrasa:
Estava com a Lua em pleno Céu...
20443
Jamais eu jogarei palavra fora,
Senão aquelas mesmas que eu repito,
Se o amor que nunca tive é infinito,
Melhor ficar calado: vou embora...
Quem sabe depois disso, ela me implora...
A consciência logo dá um pito,
Se ainda fosse, pelo menos mais bonito,
Porém a minha cara já apavora...
Tomando qualquer drinque num boteco,
Quem sabe uma cerveja bem gelada,
Espero que isso tenha repeteco,
Ou mesmo algum chamego, de repente...
Porém passou o tempo, deu em nada,
Ela mandou fazer a nova lente...
20444
Eu gosto de ficar pensando em ti,
Motivo de alegria, com certeza,
Um charme igual ao teu; eu nunca vi,
Rainha do molejo e da beleza.
Lá do Oiapoque até o tal Chuí,
O amor nos preparando esta surpresa,
Gaúcha, por favor, olha pra aqui,
Ô fera! Eu quero ser a tua presa...
Ficar o tempo todo bem juntinho,
Fazendo cafuné, quero carinho,
Brincando sobre a rede... Maravilha!
Não posso reclamar da minha sorte,
Busquei o meu amor, do sul ao norte,
Agora sossegou alma andarilha...
20445
Jogado nalgum canto, num bueiro,
Sarjetas eu conheço já de cor,
O resto que sobrou do teu cinzeiro,
Eu, na verdade sei que sou pior.
Nascido no Brasil; já dei azar,
Pudesse pelo menos por capricho,
O Pai Divino me depositar
Noutro lugar que não fosse esse lixo.
Teimoso como todo cidadão
Um terceiro mundista não se cansa,
Quem cala não diz sim e nem diz não
Andando devagar nada se alcança.
Mas vou metendo assim, o meu focinho,
Sabendo: no final morro sozinho...
20446
A lua dominando o imenso céu,
Espalha a sua prata sobre nós.
Do amor, antes cruel, duro e feroz,
A vida refazendo o seu papel...
Vagante coração, andando ao léu,
Num sonho delicado, estreitos nós,
Ouvindo da esperança a mansa voz,
E busca a fantasia mais fiel...
Singrando novos mundos, infinitos,
Amando muito além do que devia,
Quebrando a frialdade dos granitos,
Eu vejo-te parceira da ilusão,
Que em meio a tantas cores, novas cria,
Entorpecendo assim, meu coração...
20447
Viver a hipocrisia do Congresso,
Desnudando o país que nós criamos,
E quando podaremos podres ramos,
Sabendo conhecer Ordem, Progresso.
Às vezes eu me iludo e até confesso,
Castelos que criei, já desabamos,
Um povo sem senhores, donos, amos...
E a velha fantasia recomeço.
Mas tudo tem seu preço e com apreço,
Eu penso num futuro bem melhor,
Também é impossível ser pior...
Levantando a cabeça após tropeço,
Erguendo a nossa fronte varonil,
Mandando toda corja à que pariu!
20448
Pecado é não saber fazer direito,
O quanto nos foi dado por prazer
Se amar fosse decerto algum defeito,
Defeitos sem iguais, eu quero ter...
Olhando pra morena, coxa e peito,
Vontade me assanhando. O que fazer?
Não tenho na verdade muito jeito,
Remédio é me calar e me conter.
Estrelas salpicadas nesta rua
A sombra de uma deusa que flutua,
Acossa meu desejo mais primário...
Porém a timidez logo me cala,
Saindo devagar para outra sala,
Me escondo em qualquer canto, até no armário...
20449
Expondo uma ossatura, esta carcaça,
Há tanto carcomida emaciada,
Minha alma sem consolos, esfaimada,
As linhas do destino – podres – traça.
Enquanto uma esperança se esfumaça,
A raiva mal contida, extravasada,
O ser humano segue a torpe estrada,
E a vida, sem remédios, corre, passa...
Meu corpo se apodrece a cada instante,
Seguindo entre os cadáveres dos sonhos,
Horripilantes vozes, sons medonhos,
A dura solidão é meu calmante...
Usando esta mortalha- hipocrisia,
Meu verso invade as sendas da utopia...
20450
Perdoe; não suporto o Deus vendido,
Tampouco o crucifixo que é dourado,
Um Cristo sendo assim, falsificado,
Morrendo sem proveito, ou esquecido.
Enquanto a terra toda se incendeia,
E o homem devorando os seres frágeis,
As mãos torpes, calhordas, porém ágeis,
Vendendo na tevê restos de areia.
Cuspindo em Tua cruz, pobre judeu,
Que por amar demais se fez cordeiro,
Pastor ao ver nas mãos tanto dinheiro,
O que significaste? Se esqueceu.
Bem vindos vendilhões da atualidade,
Retratos mais fiéis da humanidade...
20451
E viva a sacanagem nacional,
Morenas pelas praias desfilando,
Motéis sempre lotados? É normal,
Agora as prostitutas vêm em bando.
Quem não sonhou fazer um bacanal?
Virou banalidade desde quando
A bunda que tem fama mundial,
Na areia de Ipanema, bronzeando...
Assim esse país vai dando. É certo?
Só sei que este turismo tem futuro...
De noite no matinho, lá no escuro,
Caminho sem porteira, sempre aberto.
Enquanto esta funkeira mostra a bunda,
Imagem do Brasil, lá fora, afunda...
20452
O sonho da menina virou sapo,
Que pinta suas unhas, raspa o peito,
Não tendo nem sequer mantendo um papo,
Batráquio já vem cheio de defeito...
Ou vive dando soco até sopapo
Na academia, como um burro feito
De massa muscular, cérebro-trapo,
Já não tem solução, nem tem mais jeito...
E viva a saparia oficial,
Um metrossexual faz mais sucesso,
A prova mais sutil, e até cabal
É vê-los desfilando em plena praia.
E a sunga apertadinha, eu te confesso,
Vontade de tampar logo com saia...
20453
A tal Branca de Neve mal sabia
Que o príncipe gostava de um croquete
E quando a noite estava muito fria,
Com o mudo do Dunga pinta o sete...
Madrasta, com ciúme da folia,
Mandou seu caçador, velho gilete,
Que vendo toda aquela putaria,
Mudou seu codinome pra Claudete...
Agora no castelo da princesa,
É tudo liberado, uma beleza,
A fada com varinha de condão,
Achando esta festança tão normal,
Ao democratizar o bacanal,
Pôs ordem em tamanha confusão...
20454
Se acaso algum ocaso acontecer
Não deixe a madrugada te domar,
Por mais que não consiga adormecer,
Repare nos nuances do luar.
O verso que aprendi logo a tecer,
Deseja o teu divino desejar,
Melhor que solidão, talvez morrer,
Nos braços de quem tanto quis amar...
Fumando outro cigarro, na fumaça
Que entontecendo a vista, tudo embaça,
Eu vejo teu retrato em espirais.
No quanto que te quero e não me queres,
Banquete sem a prata dos talheres,
Do amor que tu me tinhas, quero mais...
20455
Sentar no botequim, tomando algumas,
Jogando uma conversa sempre fora,
Enquanto a lua cheia nos decora,
Por mundos mais diversos sei que rumas.
E quando, lá pras tantas, tu te aprumas,
O brilho nos teus olhos raro; aflora
O tempo de viver, aqui e agora,
Sem medo de neblinas, trevas, brumas...
E bêbado de sonhos, sou teu par,
Mesmo que no amanhã tudo se acabe,
O coração poeta já não cabe
E teima nos teus mares, mergulhar;
Mentiras que sinceras falam tudo,
E mesmo vendo o nada, eu já me iludo...
20456
Levasse mais um tempo e eu mostraria
Que todas as verdades não são nada.
O quanto do viver pura utopia,
Minha alma pela sua, destroçada.
Buscando no luar a montaria,
A noite que pensei enluarada,
Agora se demonstra negra e fria,
Tampouco desnudando-se estrelada.
Foi bom te conhecer, tenha a certeza,
Mesmo que nada reste de nós dois,
Não deixo minha vida pra depois,
Porém entendo sim, sua incerteza.
Morrer de tanto amor; num só momento,
Liberto e sem fronteira o pensamento...
20457
Calcando a minha vida em ilusões,
Eu fiz tanta besteira, nunca minto,
Nos céus que em mil matizes, tolo pinto,
As aquarelas ditam emoções,
Não aceitei sequer opiniões,
Bebendo em tua boca um bom absinto,
Falando do futuro que pressinto,
Não sinto nem pretendo soluções...
Seguir contra as marés, dane-se o mundo,
Se o velho coração é vagabundo,
O cérebro imbecil é timoneiro.
O vento que te trouxe, doce brisa,
Virando ventania agora avisa,
Melhor é atracar o teu saveiro...
20458
Se eu bebo ou se não bebo, que se dane,
Aposto que o dinheiro é sempre meu.
Um tolo sentimento vive em pane,
Desde que esta ilusão, tosca, morreu,
Sonhara com mil brindes, no himeneu,
Com doce criatura que me abane,
Agora a realidade convenceu,
Não há pior caminho que o que engane.
Chamando de querida; me dei mal,
Querência sem querências é fatal
Jogando minhas cartas, não blefei.
A dama procurou outro valete,
Agora se vestiu de piriguete,
Literalmente, amiga, então dancei...
20459
Há pouco que escapei de uma armadilha,
Porém não vou ficar por muito tempo,
O fato de escrever me bota pilha,
É na verdade apenas passatempo.
Morrer no outono é triste, mas que faço?
Não posso mais comer nem feijoada,
Cigarros? Esquecidos nalgum maço,
Porém a boca não fica calada...
Cismando por aí, noites vazias,
Olhando bem de perto as silhuetas,
Mulheres umas santas ou vadias,
Passando em minha frente quais cometas...
Chegar de manhã cedo, neste porre.
Apenas a saudade me socorre!
20460
Chegaste muito tarde à minha vida,
Aos poucos vou perdendo as ilusões...
A cada nova curva outra descida,
Há muito capotaram emoções.
A sina de um poeta assim cumprida,
Morrer em pleno outono ou nos verões,
Mas saiba que te quero, és tão querida,
Do mundo vão rompendo os meus grilhões.
Embora dolorosa liberdade,
A morte se promete companheira,
Carrego tão somente uma saudade
Guardada em algum canto do meu peito,
Aguarde a poesia derradeira,
Escrita dos escombros, no meu leito...
20461
Eu sei que meu caminho está no fim,
Por isso é que despejo este soneto
São versos que ao vazio, eu arremeto,
Tentando alguma flor; pobre jardim.
A morte me rondando, diz que sim,
Os erros tão freqüentes que cometo,
No fundo, estou sem tempo, mas prometo,
Em pouco tempo acaba tudo, enfim...
Houvesse alguma chance de sonhar,
Vagar por mil estrelas; nebulosas,
As horas tão sutis e melindrosas,
Numa esperança sólida embarcar...
Mas sei que no final não serei nada,
A carne apodrecida e destroçada...
20462
Tentado tantas vezes por Satã,
Às vezes resistindo, outras nem tanto,
Jamais pensei ser casto, puro ou santo,
Mas sei que qualquer luta nunca é vã.
Olhando o pouco tempo, no amanhã
No rosto se estampando o desencanto,
Eu não merecerei sequer teu pranto,
Opaco e sem sentidos meu afã.
Prefiro a solidão de uma montanha,
As luzes no horizonte me inebriam,
Fantasmas e delírios, sonhos criam,
A sorte de viver; sei que é tamanha,
Mas rasgo o coração e assim exposto,
Aos poucos, pela vida decomposto...
20463
Perdoe se não trago algum sorriso,
Tampouco uma alegria, mesmo falsa,
Minha alma tantas vezes vai descalça
Num passo cada vez mais impreciso.
Se em cores tão diversas me matizo,
O olhar outros caminhos já não alça,
Quebrei a velha ponte e sem ter balsa,
Jamais novo horizonte, sei e piso.
Naufrago a cada dia mais um pouco,
Desfilo pelas ruas feito louco,
Expondo estas feridas, velhas chagas...
Não quero o teu alento nem consolo,
Se há tanto reconheço quão sou tolo,
Enfrentarei tais mares, duras vagas...
20464
Arrancando os meus olhos, sigo em frente,
Decifro os teus recados, rapineiros,
Os dias que virão; meus derradeiros
Encontrarão um homem mais contente.
Falando uma verdade, mansamente,
Os restos que compus; tolos herdeiros,
Durante o que vivi; meus companheiros,
Alento para uma alma tão demente...
Descrente desta torpe humanidade,
Que mata um novo Cristo a cada dia,
Não levarei da vida, uma saudade,
Apenas deixarei na cova escura,
A imagem decomposta e arredia,
E os restos de uma frágil ossatura...
20465
Sou tantos e nenhum; nada me guia,
Segredos? Não os tenho nem os quero,
Se a minha vida em sonhos eu tempero,
Que dane-se afinal, a fantasia.
A boca que me escarra; a que eu queria,
Num beijo mais atroz, audaz e fero,
Os erros que cometo; outros que gero,
Deixando para além esta utopia...
Vestindo constelares baboseiras,
Arranco do jardim velhas roseiras
E deixo tão somente abrolhos e urzes
Percorro estas montanhas que passaste,
E vendo meu senhor, quanto desgaste,
Pergunto se valeram tuas cruzes...
20466
Belisco a bela bunda da morena.
E saio gargalhando pelas ruas
De longe, mal criada, ainda acena
Palavras tão gentis; sonoras, cruas...
Não adianta mesmo te dizer
Da morte que virá depois da tarde,
Bem antes do que a vida anoitecer
Mesmo que ainda um pouco, ela retarde...
Mesclando hipocrisia com vontade,
Levando tudo aqui na sacanagem,
Não posso sonegar a realidade,
Apenas, meu amor, uma homenagem...
Na vida tão vazia que passei,
Ao menos tua bunda eu belisquei!
20467
Sem jogo de cintura; vou tentando.
A vida vou driblando, devagar.
Não quero nem saber aonde ou quando,
Só sei que num momento irei parar.
Os mares mais distantes enfrentando,
Sem aprender sequer como nadar,
E quando estas tristezas vêm em bando,
Eu mando tudo pra qualquer lugar.
Vou empinando o peito e num disfarce,
Nem foi comigo, finjo muito bem;
Por mais que a fantasia já se esgarce,
Eu tenho uma memória de elefante,
Se a moça que responde quer também,
Resolvo esta parada noutro instante...
20468
E viva a juventude alienada
Que assiste toda tarde a Malhação.
Saindo - minissaia- na balada,
O filme só é bom quando de ação.
Eu digo essa verdade e não discuto,
Se eu fiquei velho a culpa é toda minha,
Usando sempre o preto, eterno luto,
Me enterrem, por favor, lá na Lapinha.
Jogar conversa fora, botequim,
Salvar a humanidade; ser herói.
Usando ultrapassado manequim,
Falar do meu passado sempre dói.
E viva a juventude; mesmo alheia,
Que toda noite o mundo ela incendeia...
20469
Lembrando dos bons tempos que vivemos,
Saindo pelas noites, madrugadas,
As horas esquecidas nas baladas,
Mas depois somos nós que isto; esquecemos.
Tomar uma biritas por aí,
A noite é uma criança e o GATO É PARDO,
Num pub; Lorde Jim, jogando um dardo,
Que torta de maçã que ali comi!
Caindo num chorinho, regional,
Chegando de mansinho até o céu,
Passando pela Vila de Noel,
No Sovaco de Cobra: genial...
E ver o sol nascendo em Ipanema,
Eu juro: não é coisa de Cinema...
20470
Pecado é não falar da poesia
Que move os corações apaixonados,
E quando renascer o novo dia,
Os raios deste sol claros, dourados,
Tomando a terra toda em tal magia,
Nos caminhos pelo astro iluminados,
A força que se emana e se irradia,
Desejos com certeza realizados...
Na Barra, no Leblon, em Ipanema,
Antiga Montenegro, no Garota,
O amor e a fantasia sendo o tema,
Unindo ali Vinicius com Jobim,
O Rio extrapolava qualquer cota,
Porém o sonho bom chegou ao fim...
20471
Perseguido por tantos pesadelos,
Milhares de chacais, frias hienas,
A cada nova noite revivê-los,
Enquanto os meus caminhos; envenenas...
Envolto totalmente em tais novelos,
Titânicas vontades, duras penas;
Deserto sem saídas ou camelos,
A morte que me resta; assim acenas.
Vestido desta hipócrita ilusão,
Procuro a redentora solidão
E encontro tão somente este retrato
Que o tempo amarelou e destruiu,
O mundo que criei; tolo, ruiu,
E o nó; tão apertado, não desato...
20472
Não devo confessar nenhum pecado,
Os erros são humanos, sei bem disso,
A vida vai roubando, aos poucos viço,
No fim o que restar; abandonado...
Não quero tuas lágrimas, meu Fado
É ter com solidão tal compromisso,
Amor um velho otário, que ainda atiço,
Morreu e nunca foi bem enterrado.
Relendo os meus cadernos, poesias,
Velhas anotações, lembretes vagos,
Quisera a mansidão de calmos lagos,
Sem chuvas, temporais ou ventanias...
Um ancião procura algum alento,
E encontra sempre vivo, um vão tormento...
20473
Beirando os precipícios da ilusão,
Abismos que cavei com os meus pés...
O barco naufragando sem convés,
O tempo repetindo diz que não.
Procuro alguma nova embarcação,
O vento me pegando de viés,
Se zombo das crendices, tolas fés,
Eu sei que não terei mais salvação.
Pretendo misturar com amoníaco,
Meu sonho quase sempre demoníaco,
Maníaco por ritos tão sombrios.
Macabras sensações; dizendo amor,
Perdendo o que restasse de pudor,
Os olhos seguem pálidos e frios...
20474
Há tanto desejei algum escape,
Fumei, bebi, traguei as fantasias,
Que embora tão comuns, seguem vazias,
Armadas pelo arcaico e vão tacape...
Lançados sobre mesa, os velhos dados,
A sorte abandonando de primeira,
O amor quando demais, vira besteira,
Os dias passam ser mais infundados.
Arando cada parte deste chão,
Eu vivo do que nunca mais cevei,
Nas vezes em que, tolo acreditei,
Somente o que sobrou: destruição...
Agora sem amor e sem carinho,
Encontro finalmente o meu caminho...
20475
Eu não serei funesto, nem pretendo
Falar do amor que tive e se perdeu,
O quanto da ternura se mantendo,
Reflete este caminho, meu e teu.
Mistérios envolvendo a nossa vida,
Momentos que se vão pra nunca mais.
E quando nossa história está perdida,
Procuro ancoradouro noutro cais.
Poeta mata o sonho e se alimenta
Dos restos da ilusão que um dia quis,
Pensando na borrasca violenta,
Não quero e nem consigo ser feliz...
Matei os meus resquícios de alegria,
Rasgando eternamente a fantasia...
20476
Penumbras me atraíram; disso eu sei,
Por entre as avenidas mais sombrias,
Eu mergulhei nas minhas poesias,
E os sonhos que restavam, enterrei.
No féretro dos sonhos, me esbaldei,
Irrompem as distantes melodias,
E quanto amor tu me darias,
Decerto mal sabias; te odiei...
Eu quero esta amargura que me inspira.
Já não suporto mais o amor perfeito,
Se em meio a tais sangrias me deleito,
Acendo dos meus túmulos, a pira.
E quanto mais distante do desejo
Maior a placidez que ao longe vejo...
20477
Horrenda garatuja, um ser disforme,
Que vaga pelas noites mais escuras,
Sem ter quem o deseje nem conforme,
Carrega no embornal, mil amarguras...
Enquanto a multidão descansa e dorme,
Desfilo impunemente tais agruras,
Vergonha de existir, se torna enorme
As luzes e os espelhos, vis torturas...
Mas nada do que trago me entorpece,
Enquanto a tarde morre e a noite desce,
Nas sombras e nos ermos, meus caminhos...
A lua, deusa bela e soberana,
Sobre o planeta inteiro, dança e plana,
E este fantoche encharca de carinhos...
20478
Medonha criatura, um ser estranho
Que entrega-se aos poemas feito insano,
Olhando a realidade como antanho,
A cada novo verso o mesmo engano.
Nas águas poluídas que me banho,
Um vândalo fantasma, ser humano,
Criando fantasias que eu apanho,
Com ar superior e soberano...
Sou reles pária e sinto-me feliz,
Por ter entre os meus dedos liberdade.
À noite os luminosos da cidade,
O corpo seminu da meretriz,
E o vento que me beija e acaricia,
Estrela sem paragem, minha guia...
20479
Uma alma tão sensível? Não mais quero.
Prefiro ser um gélido granito...
Esquecer da ilusão, terrível rito,
Mantendo o coração, voraz e fero...
E quando em poesia me tempero,
Rasgando assim meu peito; imenso grito,
Alçando num momento este infinito,
Distante do que vejo; mas venero...
Não quero ter a dor que me inebria,
Nem mesmo ver as cores de uma aurora,
Calando o frio algoz, a poesia
O homem atrás dos óculos, sensato...
Aborto o sentimento que se aflora,
E o verso que me doma; esqueço e mato...
20480
Num misto de terror e de alegria,
Percebo o fim da história; pobre vida.
Enfrento labirintos sem saída,
Tentando ver ao menos novo dia.
A madrugada escura, amarga e fria,
A carne mesmo viva, apodrecida,
Uma esperança morta e esvaecida,
No peito esta fatal hemorragia...
Selando o meu destino; eis o momento,
Aonde a morte serve como alento,
Silenciando o inútil cantador...
Meus versos, esquecidos nalgum canto,
Não quero nem suporto um falso pranto,
Nem mesmo um vão sorriso em meu louvor.
20481
Por vezes silencio, quedo mudo,
Não tenho o que falar; apenas ouço.
É quando um ser estúpido, eu me iludo,
Mergulho neste imenso calabouço.
Arranco a minha pele e assim me expondo,
Assusto-te deveras, companheira.
E quando à madrugada; sonhos rondo,
Minha alma se mostrando verdadeira,
Carcaça mal cheirosa que carrego,
Usando como fosse uma armadura,
Insânia me tomando, e já me entrego,
Imerso na mais trágica amargura...
E quando estou calado, me liberto,
Reflete em meu olhar um vão deserto...
20482
Nas vezes que me pegas de surpresa,
Tentando redimir erros de outrora,
A amarga sensação retorna e aflora,
Eu sei que do passado inda sou presa.
Minha alma acorrentada, ainda presa
Procura a liberdade sem demora,
Mas vendo a negra nuvem que decora
O sol que me deixaste em sobremesa,
Vontade de fugir e não voltar,
Atiro-me das vastas cordilheiras,
Depois vêm as promessas costumeiras,
E tudo vai voltando ao seu lugar.
Pudesse te matar, eu mataria,
Ou quem sabe nas ruas venderia...
20483
Chamaste de amargura o que ora sinto,
Perdoe, não cultuo a hipocrisia.
Enquanto o meu castelo construía,
O vento me mostrava quão finito,
O sentimento outrora tão bonito
Que a tua falsidade me vendia,
E desde aquele torpe e tosco dia,
A sordidez dos sonhos é meu grito.
Nostálgicas palavras de carinho,
Mentiras bem contadas, falsos brilhos,
Seguindo por diversos, rumos, trilhos,
Melhor seria andar sempre sozinho,
Porém este prazer mórbido alcança
O gosto delicado da vingança...
20484
Jogaste num abismo os nossos sonhos,
Mergulho atrás das marcas e pegadas,
As horas já perdidas; emboscadas,
Em meio a confusão, seres medonhos.
Os dias vão vazios e tristonhos,
Supero as mais incríveis paliçadas,
E busco nas entranhas, nas estradas,
Momentos que já foram mais risonhos...
Escuto a tua voz? Alarme falso,
Adentro maltrapilho um cadafalso,
Masmorras de minha alma carcomida...
Quem sabe te encontrar renovaria,
E após a tempestade e a ventania,
Traria novamente à tona, a vida...
20485
O fardo de viver pesa nas costas,
Cortando a minha carne, expondo os ossos,
Os dias que pensara serem nossos,
Desnudam falsas luzes, decompostas...
Avessa aos meus poemas; segue em frente,
Orgásticas ternuras; vis agruras
As nossas emoções, por vezes puras,
São tolas previsões da alma demente...
Atravessando os mares e as montanhas;
Percebo no horizonte um novo sol,
Hipnotizado então, qual girassol,
Imerso em teus delírios, tuas manhas,
Avento a calmaria que não veio,
Prossigo vastidões no amor alheio...
20486
No dia em que eu parar de versejar
Talvez inda consiga ser feliz.
O quanto de verdade o verso diz,
Por mais que tente enfim, falsificar.
Poeta que é poeta diz luar,
Mas gosto de falar da meretriz,
Da dama que desnuda a rara atriz,
A deusa que floreia um lupanar.
Sou métrica, sou rima, sou vazio...
Impérios que entre sonhos vários crio,
Desmancho com borracha e os refaço.
Deleto estas verdades passageiras,
As hordas invasoras, forasteiras,
Seguindo cada marca do compasso...
20487
Perdoem-me as Musas se não faço
Poemas com imagens tão bonitas,
Errante passageiro borra o traço,
Em meio a tantas vozes mais aflitas.
Por mais que as tais verdades tu reflitas,
Eu abro com meus versos outro espaço,
As horas que passamos, são benditas,
Porém já não restou sequer o abraço...
Fluíste normalmente noutras bandas,
E quando em realidade tu desandas,
Eu sigo, caminheiro experiente,
Olhando pro horizonte sem estrelas,
Pudesse novamente, enfim, revê-las...
Mas mesmo tão distante estou contente.
20488
Promessas de boteco são falácias,
Estúpidas palavras sem sentido,
A vida se renova quais hemácias,
Nem lembro mais da cor de teu vestido...
Só sei que tanto amei; falso brilhante,
Efeito do conhaque e da aguardente,
Maravilhosamente radiante,
O amor se fez total, louco e premente...
Depois vem a ressaca – é natural-
A puta cefaléia; a vida segue...
Eu sei que na verdade é natural,
Amor morre depressa e não prossegue...
Mas vale cada instante que vivemos,
Mesmo que logo após, nos esquecemos...
20489
Descrevo o que minha alma transparece
Num átimo sou átomo ou gigante,
Fazer de cada verso reza e prece,
Não é uma atitude mais galante.
Fazendo no meu peito, um falso implante,
Ao novo ser vindouro se obedece,
Enquanto o velho morre, este farsante,
Um claro amanhecer, o jovem tece...
Já não suporto mais maturidade,
Sinônimo cruel do envelhecer,
Faltando pouco tempo pra morrer,
O que interessa agora, a atualidade.
Quem dera ser perene. Uma tolice...
O amor já não seria babaquice...
20490
Não posso mais mentir, é muito feio,
Velhice se apresenta no meu rosto,
E estando sem disfarce assim exposto,
Cabelo, na verdade, não penteio...
Usando com capricho e até asseio,
O terno aposentado por desgosto,
Livrando-me depressa deste encosto,
Procuro algum caminho, resta o meio...
Amigos? Não conheço mais nenhum.
A vida me afastou de antigos eixos,
Rolando pelos rios, pedras, seixos...
A sorte se afastando, busco um zoom,
Zumbindo em meu ouvido esta cigarra,
Quero voar, a vida então me amarra...
20491
O cheque que me deste; era sem fundo,
Tal qual o diamante que eu te dei,
Se em teus mistérios tantos me aprofundo,
Mentira toma a forma assim de lei.
Eu tenho um coração corrupto e imundo,
Por pouco muitas vezes escapei,
Vagando pelo mundo, um vagabundo,
Às vezes sou vassalo, outras sou rei...
Depende da freguesa... Embora tonto,
Não minto, deu bobeira e logo apronto,
Engano até corisco e Satanás
Porém sei que também não vales nada,
Nascemos afinal desta ninhada,
De todos os engodos sou capaz...
20492
Vestido de palhaço ou de arlequim,
Ou mesmo um pierrô apaixonado,
Desenho sobre telas ou nanquim,
O antigo carnaval aposentado...
Agora num batuque sem ter fim,
O mundo amanheceu abaianado,
Não falo se isto é bom ou se é ruim,
Porém ainda vivo do passado...
Tristeza foi embora, no arerê,
Máscara negra vira batuquê
Nos blocos, na avenida, quero mais...
Mas tudo o que me resta; tudo ou nada,
Apenas Olodum ou Timbalada,
Matando os tão charmosos carnavais...
20493
Saudades desta Igreja que engajada
Nas lutas por justiça social.
Agora não sobrando quase nada,
Senão bundalelê, num festival.
Calaram suas vozes; Leonardos,
Lançaram na gandaia o carpinteiro,
Os gatos que vieram tolos, pardos,
Só pensam no sucesso e no dinheiro.
Jamais imaginei-te assim, vendida,
Igreja na Som Livre; em plena Globo,
Só falta desfilar numa avenida,
Cordeiro sendo entregue ao feroz lobo...
Saudades de Dom Hélder e das CEBs
Diversos destas águas que ora bebes...
20494
Padrecos nas paradas de sucesso!
Só faltam desfilar no carnaval.
Será que na verdade isto é progresso?
Jesus: produto bem comercial...
Louvores em boates; discotecas,
Bilheteira sempre garantida,
O padre vende cruzes e bonecas,
Imagem do Senhor, prostituída...
Não posso suportar, sendo cristão
Tamanho desrespeito com Meu Pai,
Bastasse só falar de Amor, Perdão,
A máscara do Demo, aos poucos cai...
Odeio esta fornada de canalhas,
Que assim comercializa podres tralhas...
20495
Um dia fui católico apostólico,
E postulava um Deus que fosse amigo,
Cordeiro muito mais do que simbólico,
Nos dando a garantia de um abrigo...
Depois ao ver o mundo tão caótico,
Tentei ver Jesus Cristo de outra forma,
Abrindo o coração a um novo pórtico,
Eu abracei sem medos a Reforma...
Não quero os Teus milagres, Meu Senhor,
Apenas a palavra que me ensina
A ter em minhas mãos o pleno amor,
A morte e mesmo a dor, é minha sina...
Vencer os disparates dos humanos,
Saber qual a verdade dos Teus Planos...
20496
Buscando com palavras, uma forma
Suave de falar quanto eu te quero,
Por vezes não pareço ser sincero,
Tampouco obedecendo qualquer norma,
O amor que faz na gente esta reforma,
E abranda um coração terrível, fero,
Trazendo as esperanças em que gero
Um mundo que co’o tempo se deforma...
Menosprezando a vida; este animal,
Que pensa ter o mundo em suas mãos,
Estorvando os caminhos; criam vãos
Cavando a sua imagem sepulcral,
Cadáver macilento da esperança,
Esmaga a própria espécie e não descansa...
20497
O fim se aproximando a cada dia,
A raça humana esgota as esperanças.
Nas mãos destruidoras, fartas lanças,
Nos olhos nem sequer melancolia.
Já não existe paz nem poesia,
Mataram as suaves temperanças,
As amizades morrem sem lembranças,
Robótica ilusão, hoje se cria...
Reverso da medalha; o nada resta,
Enquanto a podridão, tal mundo gesta,
Parindo um ser disforme e sem sentido;
Sequer ouço um lamento ou mesmo aviso,
Arcando com tamanho prejuízo,
Aborto desde sempre apodrecido...
20498
É fácil desenhar o amor perfeito,
Falar destes jardins que cultivamos,
Durante tanto tempo nos amamos,
A vida é bem melhor se desse jeito...
Enquanto os teus engodos eu aceito,
Do quanto sou feliz, logo lembramos,
E cada novo verso que traçamos,
Um mundo mais bonito; sendo feito...
Porém são falsos brilhos, cristalinos,
Errantes caminheiros, peregrinos,
Um dia encontraremos o descanso,
Oásis num deserto gigantesco,
O mundo desnudado, tão dantesco,
Aguarda após a curva algum remanso...
20499
Eu sei o quanto odeias quando eu toco
Sem medo nas feridas, velhas chagas,
Enquanto a fantasia; sei que afagas,
Eu vejo a realidade assim in loco.
Não tendo outra visão nem novo foco,
Maldigo as mais antigas, duras pragas,
Vagando sem destino noutras plagas,
Meu mundo em tuas mãos, não vês, coloco...
Mereço cada firme chibatada
Açoitando o meu corpo sem parada,
Não pude terminar este soneto
Sem te falar do quanto és importante,
Meu coração por ser beligerante
Extrapolando os erros que cometo...
20500
O sol, estrela guia ao te encontrar
E ver tanta beleza sucumbiu,
O brilho de teus olhos quis roubar,
Imagem tão sublime, ele esculpiu.
Num ato mais audaz e mais preciso,
A claridade imensa que hoje traz,
Bebeu em plenitude do sorriso
Que emanas quando a vida satisfaz...
Mudando toda a história do universo,
A lua enciumada quis também,
Provar do diamante tão diverso
Daquele que sabia muito bem
Reflete também ela esta beleza
Que é tua; toda tua, com certeza...
20501
Herege; me chamaste, eu agradeço.
Percorro os mais diversos endereços,
Avesso aos vendavais; sei que mereço
Em plena caminhada tais tropeços.
Usando a poesia, este adereço,
Aos sociais contatos e seus preços,
Prossigo sendo assim e vou avesso,
Imóvel atrelado a fartos gessos...
Mercadoria fácil de encontrar,
O sexo não traduz a liberdade,
Tampouco me levando à saciedade,
É tudo o que busquei; cedo almejar,
Usando a poesia como infausto,
Se eu sou teu Mefistófeles, és Fausto...
20502
Não pude prosseguir minha missão,
Um velho mensageiro perde o trem.
Também já não aceito esta omissão
Que em forma de mentiras, cedo vem.
Não quero nem tampouco o teu perdão,
Pastor desencaminha e esconde o bem,
Direto com Senhor, minha oração,
Pedindo pela paz que o amor contém.
Alvissareiros dias? Mortos já,
O sol que desenhei não brilhará,
Contemporaneidade; falsa luz...
Já não bastou a Ti; pobre cordeiro
O peso tão cruel e verdadeiro
Coroa dolorosa; imensa cruz...
20503
Jamais cometeria tal pecado,
Deixá-la então sozinha neste bar,
A noite se promete ser sem par,
Quem sabe faz; não manda algum recado...
Cadáver da ilusão, abandonado,
Apodrecendo aos poucos, devagar,
Os vermes companheiros, lado a lado,
Começam os meus sonhos, devorar...
E quando terminar a minha senda,
Nos ossos que sobrarem se desvenda
O quanto foi tão fútil minha vida...
A boca que beijaste e que cuspiste,
O olhar sempre distante, amargo e triste,
Minha alma, uma carcaça carcomida...
20504
Apraz-me receber a bela flor
Que um dia cultivaste em teu jardim,
Simbolizando todo nosso amor,
Guardada especialmente para mim.
Incalculável é o seu valor,
A vida está completa em tal jasmim,
Um mundo muitas vezes traidor
Retrato do universo de onde eu vim,
Agora apascentado pelas cores
Diversas e perfumes mais sutis,
Envolto pelas chamas dos amores,
Entregue às emoções, vou radiante,
E posso até dizer que sou feliz,
Mudaste o meu destino num instante...
20505
Abrindo o coração, rasgando o peito,
Não temo as tempestades nem os ventos,
Maiores com certeza sofrimentos,
A vida se demonstra em cada pleito.
O que virá; sem dúvidas, aceito,
Libertos sem fronteira os pensamentos,
Após os dias negros e os tormentos,
O amor ao corrigir velhos defeitos
Estampa este sorriso em minha face,
Preparo com a sorte tal enlace
Que possa perdurar por muitos anos...
Deixando para trás erros banais,
Meus dias que virão; fenomenais,
Sanando os mais temíveis desenganos...
20506
Perceba em cada verso que te faço,
Toda a pureza expressa em cada frase,
Quem tem a fantasia como base,
Estreita com os sonhos, firme laço.
O velho caminhar que agora traço,
No intenso fogaréu, sempre se abrase,
Mantendo a plenitude em cada fase,
Na mansa placidez de um doce abraço...
Ser teu e não fugir um só segundo,
Sossega um coração tão vagabundo,
Que outrora qual cometa, desfilava...
Usando de total simplicidade,
O amor que agora trago, de verdade,
Há tanto em minha vida eu desejava...
20507
As cores deste amargo entardecer,
Confundem minha mente, aonde estás?
Distante de teus olhos; cadê paz?
Vontade de fugir e de morrer...
Notícias não me mandas; vou atrás,
Estrelas já cansei de percorrer,
Por mares tão distantes, sem saber;
Tampouco uma esperança satisfaz...
Jamais me diga adeus, isto eu te imploro,
Pois saibas, sem defesas, que te adoro,
E vivo tão somente por que existes...
Não deixe-me sofrer. A solidão,
Tomando já de assalto o coração,
Tornando os versos meus, amargos, tristes...
20508
Eu não suporto tanta hipocrisia
E nem sequer agüento tanta empáfia,
Assim como na vida, a poesia,
Contem na sua base, imensa máfia...
Talento sem apoio; não diz nada,
Apoio sem talento; traz sucesso,
Eu reconheço a minha derrocada,
Há tempos que não faço algum progresso.
Não minto, nem omito, sou sincero,
Aplaudo o que me agrada, ou nada falo,
Se reconhecimento; já não quero,
Não pise sem pudores no meu calo!
Não represento a ti, uma ameaça,
Meu verso simplesmente vai e passa...
20509
Não tenho nem padrinhos nem amigos,
Eu falo o que quiser; nada me tolhe,
Minha alma é um pedregulho que recolhe
Sem falsificação, frágeis artigos.
Em meio a tempestades e perigos,
Apenas o que presta se recolhe,
A roupa sem valor, decerto encolhe,
Preparem, por favor; velhos jazigos
E enterrem os sonetos, sem piedade,
No caminhar da tola humanidade,
Rasgamos o passado a cada dia.
E o que fora beleza noutras eras,
Após o renovar das primaveras,
Tornou-se tão somente velharia...
20510
E viva o modernismo pós moderno,
Já que o de vinte e dois virou vovô,
Rasguei meu paletó queimei meu terno,
No bidê dadaísta fiz cocô.
Agora o recomeço é retrocesso,
O fato é que nem sei contemporâneo,
O quadro mal pintado faz sucesso,
Mesmo que isto seja momentâneo.
Cinco minutos; dura a sua fama?
Pois faça bom proveito e então se dane,
Sarcástico poeta não faz drama
Se a mente desse povo entrou em pane.
E salve a bela bunda da mulata,
Cultura mundial; ela retrata...
20511
Estás sempre presente nos meus dias,
Durante os mais difíceis ou suaves,
Supero junto a ti, tantos entraves,
E enfrento sem temor, as ventanias...
Meu barco superando as avarias
Alçando a liberdade, como as aves,
Os sonhos, do infinito, livres naves,
Servindo ao coração de montaria...
Estás nos pensamentos mais felizes,
E mesmo quando enfrento algumas crises,
Contigo contarei, tenho a certeza...
Tu és a minha amante e companheira,
De todas as venturas, a parceira.
Que traz ao meu viver; paz e leveza...
20512
Libertário é meu canto de justiça.
Libertário é saber que existe um Deus,
Distante da discórdia e da cobiça,
Que diz sempre : até logo e nunca adeus...
Libertário é o perdão que nos enleva
Libertário é o amor sem ter medidas,
Distante desta senda feita em treva
Que tanto prejudica nossas vidas...
Libertário não é somente o sexo,
Libertário não são as tolas drogas,
O côncavo se encaixa no convexo,
Quando por liberdade, amigo; rogas
Encontra-a tão somente na palavra
Que o pobre carpinteiro, a todos, lavra...
20513
Enquanto houver miséria sobre a Terra,
E um povo sem apoio e desvalido,
O mal que dentre todos já se encerra
Trará o nosso Pai, frágil, vencido...
Enquanto houver tamanhas injustiças,
E a fome campear pelos países,
Os homens sendo escravos das cobiças,
As almas serão simples meretrizes...
Enquanto houver discórdias imbecis,
E as armas não calarem suas vozes,
As rapineiras aves, seres vis,
Persistirão em ritos mais atrozes...
Enquanto não houver a liberdade,
Não merecerá Cristo, a humanidade...
20514
São raros os amigos que inda tenho,
Depois dos meus quarenta e tantos anos.
Envolto pelos vários desenganos,
Cerrando com firmeza, o velho cenho.
Das terras tão distantes de onde venho,
Percebo são iguais, seres humanos.
Provocam na verdade tantos danos,
Usando a velha crença como empenho...
O mundo não foi feito pra que o homem
O transforme num parque de folguedos,
Tampouco são enfeites, arvoredos,
Enquanto os animais e plantas somem,
Esvaziamos toda uma esperança,
Abortando sem dó toda criança...
20515
Mal pude perceber tua presença,
Vieste sorrateira em noite mansa.
Enquanto a fantasia não te alcança
A vida vai passando amarga e tensa...
Aonde imaginara a paz imensa,
A dor com a tristeza em aliança,
Destroça qualquer forma de esperança;
Não há ninguém no mundo que convença
E a morte se aproxima, velozmente;
E num rompante toma este cenário.
O quanto o meu viver é temerário
Jamais abandonando a minha mente,
Permite-me falar do adeus que vem,
Aguardo outra estação, um novo trem...
20516
Na lauta refeição que ofereceste
Divinas iguarias sobre a mesa.
Não sei se reparaste na surpresa
Que uma alma antes simplória ora reveste.
A doce criatura? Carolina...
Agora com divina transparência,
Mudando num segundo de aparência,
Tomando toda a cena, hoje fascina...
E o pobre trovador, olhar perdido,
Buscando uma donzela do passado,
Encontra num vestido prateado,
O sonho que mantinha; enternecido...
E a moça, esta tigresa em pleno cio,
Deixou o seu lirismo no vazio...
20517
Pedaços do que fui vão pelas ruas,
Jogados nas calçadas, nas cidades.
Vontades que em verdade foram tuas,
Apenas tão somente veleidades...
Mulheres e motéis, as deusas nuas,
Misturam fantasias; realidades,
Quem dera muitas luas, dez ou duas,
Esbaldariam vastas claridades...
Mas morro no silêncio das montanhas,
Enquanto perco o sonho, tu me ganhas,
E jogas logo fora, gargalhando...
O amor compartilhado; leda história,
Ao menos ter o gosto da vitória,
Vivendo sem ter jeito; me enganando...
20518
Jamais me arvoraria a ser poeta,
Apenas repentista e nada além.
A vida sem amor, sendo incompleta,
Anunciando a noite que ora vem.
Errantes andarilhos, velha seta,
Errante caminheiro sou também,
Quem tem felicidade como meta,
Espera na estação que perde o trem...
Mineiro desconfia até do Santo,
Não acredito em bruxas nem encanto,
E quando canto, faço bem baixinho...
Nas asas da andorinha, tanta história,
Poder sonhar contigo é uma glória,
Quem dera se eu tivesse o meu cantinho...
20519
Menina disfarçada de princesa,
Brincando de boneca; isto faz tempo,
Outrora qualquer simples passatempo
Jamais nos causaria uma surpresa...
Coloca seu baton e a microssaia,
Desfila pelos shoppings, a pivete,
Querendo ser chamada piriguete,
Caiando na balada ou na gandaia...
O cérebro, entretanto se atrofia,
Cabeça de melão, bunda arriada,
Porém na academia, bem malhada,
Se não der certo; tem a cirurgia...
Coloca silicone em cada seio,
A vaca preparada pro rodeio...
20520
Menina disfarçada de princesa,
Brincando de boneca; isto faz tempo,
Outrora qualquer simples passatempo
Jamais nos causaria uma surpresa...
Coloca seu baton e a microssaia,
Desfila pelos shoppings, a pivete,
Querendo ser chamada piriguete,
Caiando na balada ou na gandaia...
O cérebro, entretanto se atrofia,
Cabeça de melão, bunda arriada,
Porém na academia, bem malhada,
Se não der certo; tem a cirurgia...
Coloca silicone em cada seio,
A vaca preparada pro rodeio...
20521
Não quero te ofender, mas minha amiga
A vida não repete velhas cenas,
Do quanto desejei restou apenas
A imagem descorada e tão antiga.
Não quero ter contato com urtiga,
Do jeito que me beijas, envenenas,
Mulheres perigosas, as pequenas,
Do antigo milharal, alguma espiga.
Também por teimosia ou persistência,
Jamais acreditei em coincidência,
A minha paciência beira a Jó...
Chegaste bem no meu entardecer
Somente então, eu pude perceber
Que o homem não foi feito pra ser só...
20522
Morrer de tanto amor, ah quem me dera,
Mas nada disso importa mais agora,
Se eu tenho em minhas mãos, a primavera,
A flor de uma esperança me decora.
E a cada novo tempo regenera,
No eterno turbilhão, a vida arvora,
E quando a solidão chega e tempera,
O amor ressuscitando vem nesta hora
E lanço um grito solto pelo espaço,
Na areia novamente um nome traço,
O mar apaga logo, isto é costume...
Nas trevas eu andei por tantos dias,
Envolto por palavras mais sombrias,
Até chegar a ti; salvador lume...
20523
Pacato cidadão que simplesmente
Caminha pelas ruas, ninguém vê,
Sem ter sequer ao menos um por que,
Figura quase nula, transparente...
Olhando de soslaio, de repente,
Quem sente tal presença nunca crê
Que sonho toda noite com você
Um sonho tanto belo quão frequente
Uma imagem fixada na retina,
Mulher com o sorriso de menina,
E o corpo que enlouquece qualquer ser...
Mantendo-me distante desse encanto,
Silenciosamente, eu amo tanto...
Segredo que comigo irá morrer...
20524
Um vendedor de tolas ilusões,
Escombro do que fora poesia,
Agora mergulhando noutro dia,
Procura sem sucesso, embarcações,
Que leve por diversas direções,
Vencendo temporal ou calmaria,
Quem sabe noutro tempo, existiria
Alguém em quem tocasse as emoções...
Eu sei, sou insistente, meu amigo,
O mundo que carrego aqui, comigo
Há muito não existe, já morreu...
Antiga violeta flor tão bela,
Morrendo sem florir nesta janela,
Retrata bem no fundo o que sou eu...
20525
Espero alguma chance no futuro,
Quem sabe poderei ser mais feliz.
O chão que ora lavrei, deveras duro,
Jamais produzirá o que eu mais quis.
Tentando assim viver com tanto apuro,
Apago os meus caminhos na raiz,
E mesmo que isso doa, inda perduro
Das esperanças, sempre um aprendiz...
O Deus que me protege a cada passo,
Decerto está comigo neste instante,
A morte, companheira mais constante,
Aos poucos ocupando seu espaço
Até que nada sobre, nem lembranças...
E as águas descerão; suaves, mansas...
20526
Viver longe de ti, como é possível?
Sem ter os teus carinhos, nada resta,
Outrora neste amor, eterna festa,
Agora a dor que toca; amarga, incrível...
Um pesadelo assim, cruel, terrível,
O vento penetrando em cada fresta,
A vida traiçoeira e desonesta,
Felicidade, um sonho perecível...
Não posso imaginar como seria,
A ausência dominando a poesia,
Silenciando a voz de um trovador...
Por isso é que te imploro: não se vá,
O mundo sem te ter, o que será?
Um pântano medonho, sem calor...
20527
Ecoa do passado, dentro em mim
Ainda a voz sublime de um desejo,
E quanto mais distante, ao longe, vejo,
Percebo que este encanto teve fim...
Atrelo o pensamento e sigo assim;
Por mares navegando, ainda almejo,
Um manso ancoradouro onde prevejo
A doce placidez de um querubim...
Porém, pura ilusão; não voltarás,
Jamais descansarei em plena paz,
A vida é um turbilhão interminável...
Olhando as tuas fotos, percebi
O quanto necessito; amor de ti...
Além do que julgara ponderável...
20528
Não tenho tal poder de decisão,
Apenas sou escravo da vontade
De ter sempre a meu lado a claridade
Que emanas, fogaréu em profusão.
Erguendo o meu olhar vejo a amplidão
E nela a tua imagem, santidade,
Traduzes para mim, felicidade,
Tocando bem mais fundo o coração...
Tu sabes que partiste e me deixaste,
A vida sem amparo, sem ter haste,
Fragilizado estou desde a partida...
Querências muito além do que eu pensara,
Se o mundo em tuas mãos, ele se ampara,
Que eu faço sem te ter em minha vida?
20529
Eu simplesmente canto as ilusões,
Que embora não pertençam ao poeta,
Formando esta cantiga predileta,
Adentram sem defesa as emoções.
Sabendo dos estorvos e trovões
Que tomam nossa vida. A alma discreta
Buscando a placidez, muda de meta,
E segue com prazer as multidões...
Não posso mais falar da dor que trago,
Desejo da alegria algum afago,
Que mesmo sendo enfim, tolo e ilusório.
Acalme a tempestade que me toma,
Ao ver que se aproxima esta redoma,
Que enfim redundará no meu velório...
20530
Eu vejo a minha sombra se afastando,
Distanciando sempre de teus passos.
Não deixa nem ao menos simples traços,
Quisera um mundo calmo, manso e brando...
Mas mesmo tão ausente, sigo andando,
Buscando – quem me dera- meus espaços,
Os dias transcorrendo, vagos, lassos,
Morrendo pouco a pouco; me entregando...
Ao fim da tarde, a noite derradeira,
Sem lua, sem estrelas, brilho ou sorte,
Sem ter sequer alguém que inda me queira,
Preparo esta saída, aqui, silente,
No doce bafejar da amiga morte,
O riso escancarado da serpente.
20531
Quem me conhece sabe da amargura
Amiga tão freqüente nos meus dias,
Ausência de meiguice e de ternura,
As noites solitárias e sombrias...
Se tento mascarar com a doçura
Que emana-se das minhas melodias,
A dura realidade me tortura,
Então me refugio em fantasias...
Herdeiro do vazio; nada quero,
Sequer algum sorriso mais austero,
Um verso que traduza perfeição...
Melancolia adorna os meus sonhares,
E bebo inutilmente estes luares
Da vida simplesmente, sou bufão...
20532
A véspera do riso lacrimeja
E desce pelo rosto do palhaço,
Manchando a maquiagem, cada traço,
Demonstra uma batalha, uma peleja...
Por mais que a fantasia; alegre, seja
Vou trôpego, seguindo cada passo,
E em cada novo verso que ora faço,
A realidade atroz; queima e lateja...
Pudesse descansar quem sabe, um pouco,
Distante deste mundo intenso e louco,
Vagando os infinitos que imagino...
Voltando num momento a ter um sonho,
Que em meio a tempestades eu componho,
Nos olhos mais sensíveis de um menino...
20533
A voz que agora escutas, embargada,
Traduz o sentimento que me toca,
Por mais que a fantasia anunciada
A fria maquiagem não retoca,
Do quanto desejei e restou nada,
Minha alma latejando, ainda aloca
Uma esperança tola. A madrugada,
Aos poucos cada sonho, se desloca...
Sobrando tão somente esta neblina,
Que o frio matinal já prenuncia,
Matando desde cedo esta alegria,
Que um dia se fez moça, e que fascina
O tolo coração de um velho amargo,
Por isso quando falo; a voz embargo...
20534
Dois corpos nesta dança sensual,
Desejos emanando à flor da pele,
E enquanto aos desvarios nos compele
O encanto passa a ser consensual.
Não tive em minha vida nada igual,
Destino que o prazer sem medos sele,
Na força da loucura em que se apele,
Fazendo do delírio um ritual...
Arfando numa intensa tempestade,
Até que o dia trague a claridade,
Sobejas maravilhas desvendadas...
Mergulho sem temores nos teus mares,
Tentáculos diversos, calabares,
Vontades satisfeitas, saciadas...
20535
Por mais que isto pareça uma desculpa,
Não pude imaginar o sofrimento,
Andei te procurando; usei ‘té lupa
O amor não foi somente fingimento.
Aguardo uma resposta. O telefone
Parece que estragou, só fica mudo,
Em meio à tempestade, algum ciclone
Deixando o tempo meio carrancudo...
Depois espero ao menos a bonança,
Que venha em forma intensa e carinhosa,
Quem sabe e sempre espera tudo alcança.
Espinho justifica qualquer rosa.
Porém se depois disso; não voltares
Irei em liberdade pr’outros ares...
20536
Remendo os meus sonetos com retalhos,
Usando as velhas colchas como molde,
Sem ter este talento em atos falhos,
Encontro um soldador que versos solde...
Apago os tais enganos cometidos,
Tentando uma borracha mais potente,
O vento sacudindo os meus ouvidos,
Vontade de sonhar, isso é latente...
O velho pescador sonha cardumes,
Estrelas pipocando neste céu,
Falenas procurando pelos lumes,
Morena rebolando adora o Créu.
E toco minha vida deste jeito,
O que vier engulo e até aceito...
20537
Recordo-me de ti a cada inverno,
Distante do calor de teus carinhos
Amor que por momentos foi eterno,
Agora segue em busca de outros ninhos...
Falando de teu nome, manso e terno,
Inebriantes, raros belos vinhos,
Aos poucos sentimentos eu interno,
Um alquimista usando os seus cadinhos
Fomento as mais incríveis sensações,
Lembrando deste amor que um dia veio,
A vida nos perdendo, num receio
Causando no meu peito ebulições.
E vejo tuas fotos com saudades,
Amores que diziam; só verdades...
20538
Tão longe, amor, estou da tua face
Saudade me aprisiona, silencia...
E se eu voltasse, amor? ah, se eu voltasse...
Me diga, por favor, como seria?
ElischaDewes
A plena redenção de uma alma morta
Nas valas, nas sarjetas e nos bares,
Fazendo do teu corpo meus altares,
Enquanto o frio açoita e já nos corta
Abrindo novamente a minha porta,
Na espera de viver antigos lares,
Mesmo nas intempéries, bravos mares,
Saveiro da emoção, no cais aporta...
E traz dentro de si, a força imensa,
Do amor que tendo a glória e a recompensa
De ser também amado e desejado,
Quem dera estar contigo, companheira,
Usufruindo em paz a vida inteira
Sabendo que estarei sempre ao teu lado...
20539
Mesclando poesia com cachaça,
Um novo brinde erguendo ao grande amor,
Usando a fantasia sem pudor,
Dançando de alegria em plena praça...
O tempo, infelizmente, logo passa,
Não deixa nem vestígios, qual trator,
Enquanto o sonho vaga e se esfumaça
Só resta uma lembrança ao cantador.
De um dia ter vivido sem temores,
Usando no céu diversas cores,
Fazendo do infinito uma aquarela.
Estrela que se foi e não voltou,
O céu antes tão claro se nublou,
Saudade da morena; amável, bela...
20540
Teu corpo sedutor tanto incendeia
Ateia ao coração um fogaréu,
Seguindo cada rastro chego ao céu,
Estrela que meu rumo assim clareia...
Tecendo tão sutil imensa teia,
O amor aos poucos cumpre seu papel,
Um navegante outrora tolo, ao léu
Nas trilhas que tu deixas já vagueia
E encontra finalmente o seu destino,
Fascínio toma conta de meus dias,
Envolto por divinas fantasias,
Adentro um novo templo, cristalino,
Altar que erguido em nome de um amor,
Expressa o seu caráter redentor...
20541
Chegaste de manhã sem avisar,
Trazendo em suas mãos uma aguardente;
Vontade de partir e te deixar,
Porém o amor se fez bem mais urgente...
Há tanto que procuro te encontrar,
Vivendo sem te ter, parvo demente,
Buscando em cada raio do luar,
O trilho que deixaste. Inutilmente...
Mas quando te senti bem junto a mim,
O brilho nos meus olhos, retornando,
As flores renascendo em meu jardim,
Felicidade enfim, batendo a porta...
Tristezas já partindo feito um bando,
Angústia sem sentido; agora morta...
20542
Querida, sou um simples sonetista
Que usando da palavra aqui me exponho,
E toda poesia que componho,
Farsante; escondo assim, pegada e pista.
Minha alma te percebe e já despista,
Não quero que me vejas tão medonho.
Sequer posso falar do que inda sonho,
Por mais que quem me escuta ainda insista...
Um velho ultrapassado e tão capenga,
Não pode suportar qualquer arenga
E fica então calado; é bem melhor...
Meu mundo é bem arcaico, reconheço,
Por isso a cada passo outro tropeço,
Antigos xingamentos; sei de cor...
20543
Eu tive alguns motivos pra sonhar,
Jogado contra os velhos paredões,
Buscando tão somente os teus perdões,
Lições para aprender ou ensinar...
O velho sertanejo sem ter mar,
Enfrenta os mais terríveis furacões,
Usando esta espingarda, estes facões,
Procura as duras feras enfrentar...
Não quero mais saber da lua cheia,
Tampouco do sertão, sequer agreste,
Minha alma abandonada no Nordeste,
Aos poucos, sem defesas, se incendeia...
Olhando para a areia, Fortaleza,
A vida trouxe apenas incerteza...
20544
Não quero mais meus restos sem destino,
As vagas enfrentando, vis procelas,
Por tanto que te quero – desatino,
Esboços de esperança; então revelas...
Pois quem me fortalece, o Deus menino,
Liberta a minha mente, e rompe as celas.
E quando em tal beleza eu me fascino,
O mundo se decifra em raras telas...
Suporto os temporais; seguindo em frente,
No amor e no perdão; deveras crente,
Alívio para as dores e injustiças.
A podre realidade não me importa,
Abri com minha fé, a enorme porta,
Deixando aos urubus, sobras, carniças...
20545
É fácil poder crer em fantasias,
A liberdade é mais que simples vôo.
Está nos falsos ritos que perdôo
Mesmo que me provoquem as sangrias...
Passando com um bólido, meus dias,
Os hinos de louvor que agora entôo,
O bem que me ensinaste e em vão ecôo
Farrapos de minha alma, cega orgia...
Navego em águas calmas e seguras,
Porém venço as tempestas e as agruras,
Mantendo inabalável, minha fé
Amar sem ter medidas nem perguntas,
Enquanto na distância nos ajuntas,
Caminho ao infinito e sigo a pé...
20546
Lançando nos espaços o louvor
No qual peço perdão pelos enganos,
Viver a imensidade de um amor,
Que mude a direção de antigos planos...
Os vermes que criaste num torpor,
Se dizem bem mais fortes, pois humanos,
Num cofre assim repleto de rancor,
Provocam tão somente perdas, danos...
Livrai-nos desta raça de infelizes,
Tornai estas feridas, cicatrizes,
Já não bastou teu grande sacrifício.
Envie-os para as lavas infernais,
Destrua, por favor, tais animais,
Jogando-os deste enorme precipício...
20547
Tua imagem, satânica e covarde,
Retrata muito bem o que nós fomos...
Apodrecendo em vida, tantos gomos,
A morte se aproxima sem alarde.
Não tendo fantasia que a retarde,
Terminam desde já; todos os tomos,
Carcaça do que outrora ainda somos
Nos olhos de quem vê; penetrando arde...
Titânicos e hercúleos, meus embates,
Somente esta derrota por medalha.
Perdendo sem pudor cada batalha,
Não quero salvação sequer resgates.
Apenas prosseguir a minha sina,
Na boca que me beija e me assassina...
20548
Arcar com meus pecados; meus engodos,
Saber que sou humano, um ser tão frágil,
O pensamento alçando vôos; vai ágil,
Porém o meu destino: charcos, lodos...
Postado de joelhos frente a Ti,
Desnudo totalmente; sem defesa,
As cartas colocadas sobre a mesa,
Relembro cada fato que vivi...
Injusto, tantas vezes, com ganância
Ladrão das emoções, um assassino
Que embora com fineza ou elegância,
Quem surge em meus caminhos, elimino.
Distante do ideal que me ensinaste,
No fundo tão somente, um podre traste...
20549
Quem dera se eu tivesse ainda a chance
De olhar para as estrelas e senti-las,
Enquanto mil neons; louca, desfilas,
Liberdade fugiu de meu alcance...
Reparo muito bem cada nuance
Que torpe, tantas vezes tu destilas,
Multidão esfaimada, longas filas,
Sem ter algum futuro que afiance
Pergunto-me sem ter qualquer resposta,
De que me vale a imagem decomposta,
Vendida nos bordéis e nas esquinas.
Eu creio tão somente em ti, Senhor,
E faço do meu verso, este louvor,
Somente por palavras me fascinas...
20550
Por não seguir pastores ou Igrejas,
O amor que tenho a ti, não tem medidas,
As almas sem paragens; vão andejas,
No fundo sem ter rumo, estão perdidas.
Servidas num banquete em tais bandejas,
Histórias tantas vezes destruídas,
Batalhas infiéis, duras pelejas.
Palavras de Jesus são esquecidas...
Já não suporto ouvir tolices tantas,
Num turbilhão fantástico estas santas
Usadas friamente para vendas...
Milagres a granel, podres figuras,
Que enganam idiotas com tais curas,
Fazendo de uma crença torpes vendas...
20551
Não quero carregar nas minhas costas
O peso dos pecados ancestrais,
As falsas liberdades tão banais,
Escravos são perdidos em apostas...
O sexo como eu gosto, sei que gostas,
Desejos na verdade, essenciais,
Não importando quão menos ou mais,
As cadelas no cio vão expostas
E nem por isso sabem liberdade,
É muito além de simples vaidade,
Nas drogas, só conheço escravidão...
Nos cérebros boçais da mocidade,
Baboseira qualquer, vira verdade;
Distantes da real libertação...
20552
Massificaram tanto a juventude
Que agora não tem jeito; está perdido,
A mesma reação, mesma atitude,
Um bando de idiotas travestido.
Fazendo com meu verso mais que pude,
Eu tento ainda ver algum sentido;
Porém não tenho saco e nem saúde,
Pra mim, este problema: resolvido...
A multidão seguindo feito gado,
Sem perguntar se é certo ou se é errado,
Hipnotizada pelos poderosos,
Um estúpido, se esperto vira Mago,
Mas na verdade, amigo eu ando e cago
Para estes imbecis maliciosos...
20553
A primavera traz fecundidade
Aos sonhos e desejos de uma flor,
Orquídeas, lírios, dálias: beija-flor
Formando colorida variedade...
Também tanta beleza assim, me invade,
Causando este delírio, tal torpor,
No belo amanhecer ou no sol-pôr,
Suprema sensação de liberdade...
Polinizando assim, todos os campos,
À noite a procissão de pirilampos,
Estrelas e cometas; vida plena...
Enquanto me inebrio em tal cenário,
O canto tão suave de um canário
Ao longe para a vida, em paz, acena...
20554
Quem dera acreditasse no Natal;
Que a podre humanidade desvirtua,
Crianças dominando cada rua,
E o Cristo abandonado num jogral.
Comércio gargalhando, triunfal,
E a torpe humanidade continua
Expondo a pior face, nua e crua,
Festejo tão ridículo e banal...
Quem dera acreditasse que o Senhor,
Nascido em manjedoura; pobre rei,
Que por herança trouxe o puro amor,
Agora este garoto propaganda,
Ao qual; meu triste verso, eu dediquei,
Nas mãos destes facínoras, desanda...
20555
Mal pude perceber tua chegada
Subindo estes degraus- moro no sótão.
Há tanto minha vida virou nada;
Ausência de esperança; indecisão...
Até que no princípio uma lufada
Prenunciava em sonhos, furacão.
Depois a minha vista já cansada;
Olhava tão somente para o chão...
Um velho paletó já tão puído,
Apenas de alguns ratos, o ruído
Quebrando este silêncio tumular...
Mas quando percebi, Ah! Quanta sorte,
Logo reconheci; teu rosto, morte...
Vieste finalmente me levar...
20556
São tantos os percalços. Me acostumo...
Tropeços são as vésperas do altar;
Lembrando-me de quando vi o mar,
Perdi frente à beleza rota e rumo.
Se após as tempestades eu me aprumo,
Eu aprendi o quanto é belo o amar,
Vestindo argêntea luz deste luar,
Bebendo até fartar, extraio o sumo.
Nas várias peripécias do viver,
Mal pude me enganar, e posso crer
Que a vida nos ensina, dia a dia...
E Deus nos deu as armas para a luta,
A alguns a perspicácia e a força bruta,
Restando-me somente a poesia...
20557
O fruto da videira avariado
Não mais nos propicia doce vinho
O coração do mundo envenenado
Já destruiu o céu ao espezinho...
Urtiga cobre todo o universo
E o verso no reverso segue amargo
Aonde a fortaleza? Olhar disperso
Deserto a dominar o tudo ao largo...
Vem cá amigo, toma um cafezinho
E deixa que o covil siga seu tino
Matando todo sonho de um menino
Que quis trazer ao mundo, luz verdade
Mas foi tão rejeitado e na maldade
Roubado sem perdão ao seu destino.
20558
Escrevo como válvula de escape,
Sem ter a poesia, morreria...
Às vezes com carinho ou com tacape,
Ainda penso crer numa utopia...
Recordo quando ouvia Taiguara,
“Não quero a juventude, assim perdida”
Mas tanto dei à tapa a minha cara,
Que se dane esta turba enlouquecida...
Talvez se houver juízo, no final,
O trigo prevaleça: Deus o queira,
Senão eu esvazio o meu bornal,
E vou fazer a xepa noutra feira...
O tempo prometendo tempestade,
Aonde irá parar a humanidade?
20559
Não posso acreditar que inda é possível
A salvação de espécie tão atroz,
A besta mais audaz e mais feroz,
Não é capaz de ser tão infalível.
Um ser que se mostrando corruptível
Se vende por trocados; dá seus nós,
Não crendo que inda exista um mundo após,
Transforma o nosso mundo, isto é implausível.
Destrói a própria raça, sem motivos
Que possam ser cabíveis, aceitáveis,
E aqueles que inda restam semi-vivos
Nos guetos, nos escombros, nas favelas,
A multidão de seres miseráveis
Marcando em suas costas, lanhos, selas...
20560
Perdida como um cego na batalha,
Vagando sem destino, a humanidade,
Andando sobre o fio da navalha,
Distante do caminho da verdade...
E quanto mais percebe; maior falha,
A bomba de hidrogênio; a mortandade,
O amor sendo vendido como tralha,
Mais fácil, entre os lobos, lealdade...
Cadáveres sem mente; seguem soltos,
Na multidão vazia e sem sentido,
Apenas parvos, loucos, os revoltos,
A velha escadaria não agüenta,
O mundo derrubado e destruído,
Gargalha a mocidade e nada tenta.
20561
Agora irei falar do amor sincero,
Que toma os meus sentidos, que me doma,
Amor que multiplica mais que soma,
Aquele a quem desejo, e até venero...
O amor sem preconceitos, como eu quero,
Que faz todo caminho ir para Roma,
Espécie de torpor num quase coma,
Ao mesmo tempo pródigo ou austero...
Amar e poder ter a liberdade
De ser do teu amor, sempre cativo,
Por esse grande sonho, é que inda vivo,
E dele roubo toda a claridade,
Tornando ensolarado o amanhecer,
E dando mil razões para viver...
20562
Sedento de teus lábios, loucos beijos...
Ardendo na vontade de poder
Sentir o saciar dos teus desejos,
Num ato tão gostoso de viver...
Anseio por carinhos mais sobejos,
Invade esta ansiedade e toma o ser,
Aproveitando assim tantos ensejos
Não pude e nem consigo te esquecer...
És como a primavera de uma vida,
Cansada dos invernos costumeiros.
Em pleno labirinto; és a saída
A plena redenção de um existir
Domina o alvorecer, raios primeiros,
Mostrando a maravilha que há de vir...
20563
Há dias em que as nuvens tampam sol,
E a imensa escuridão; então me abraça,
O frio me convida a uma cachaça
No horizonte sequer algum farol,
A neblina descendo no arrebol,
A sombra de um alguém, ao longe passa,
A vida vai perdendo toda a graça,
Me sinto solitário feito atol...
E quando o desespero toma conta,
Por entre tantas trevas já desponta
O olhar quase felino e me inebrio...
Tu chegas mansamente e toma a cena
A noite que prevejo então amena,
E o solo antes agreste, está macio...
20564
Não quero mais bancar o tolo ou santo,
Apesar dos pesares, sigo adiante,
Mudando o meu caminho a todo instante
Jamais conquistarei o teu encanto.
E quanto mais distante, mais eu canto,
Seguindo pelas ruas, elegante,
Mergulho no vazio tão constante
Que encontro num boteco em cada canto.
Quem sabe uma morena ao fim da noite?
Um corpo delicado que me acoite
E me faça feliz, mesmo mentindo...
Aí eu poderei sorrir pra vida,
Guardando a falsa imagem, mas querida,
E o dia nascerá mais calmo e lindo...
20565
Se quase tropecei nas próprias pernas,
Tentando pelo menos escapar,
Por mais que as noites sejam todas ternas,
Não quero mais saber deste luar.
E quando, na distância sei que hibernas,
Procuro noutros mares navegar,
Mergulhos nos abismos e cisternas,
Aprendo contra as ondas, a nadar.
Serpentes no cardápio, a vida passa.
Sem isso não teria a menor graça,
Nas teias da mulher uma aracnídea
Que preparando o bote; me hipnotiza,
Na Mágica poção que aromatiza,
Delicadeza extrema de uma orquídea...
20566
Dos restos que me dás; podres migalhas,
Extraio uma alegria inusitada,
Durante a minha vida, sempre o nada,
Escombros como herança, ledas tralhas...
Nas mãos os canivetes e navalhas,
A pele por escaras tatuada,
A sorte há tanto tempo abandonada,
Devoro estas carcaças que amealhas...
Num átimo, sou forte, um semideus,
E as festas, gozos, risos, todos meus,
E penso na impossível liberdade...
Ser feliz, num momento até consigo,
Um cão que valoriza cada amigo,
Depois retorno à crua realidade...
20567
Lamento se não pude ser pra ti
Aquele que sonhavas no passado,
Se aos olhos de quem amo já morri,
Cadáver da ilusão será velado.
O quase ser feliz foi por ali,
Meu rumo; há tantos anos, degradado
Dizendo a cada instante que eu perdi,
Quem sempre deveria ter amado...
Errante criatura, vago só,
Retorno novamente ao velho pó
Refaço a minha história e me arrependo...
Porém seguindo à risca a minha sina,
Na imagem deslumbrante que fascina
Enigmas que jamais soube ou desvendo...
20568
Expondo minha imagem já desnuda,
Sem ter as maquiagens nem defesas,
As toscas ambições são simples presas,
Minha alma necessita tanta ajuda...
Apenas a ilusão inda me escuda,
Não posso mais conter as correntezas,
Matei os meus castelos e princesas,
A vida se tornando tão miúda...
Chegando do trabalho, a mesma cena,
Anseios se transformam em vazios.
Os filhos já crescidos; noite amena,
A morte numa espreita, de tocaia,
Retiro da camisa velhos fios,
Puída; a mesma roupa de cambraia...
20569
Qual serpe que rasteja entre as folhagens,
Preparando o seu bote em sua caça,
Assim o tempo avança e a vida passa,
Em meio a fantasias e miragens.
Escrevo; com certeza mil bobagens,
Enquanto o meu futuro, a vida traça,
Minha esperança aos poucos se esfumaça,
Vislumbro as mais terríveis paisagens...
Quem fora passageiro da ilusão,
Agora simplesmente, um ermo vão.
Percorro cada ponto desta senda
Que a fria realidade já desnuda,
Da vida tão sofrível e miúda
E esta rotina amarga enfim desvenda...
20570
Há tempos programei uma saída
Que possa me livrar do labirinto
No qual já transformada a minha vida,
Com cores tão diversas das que eu pinto.
Quisera como fuga, alguma ermida,
Aonde desnudasse o que ora sinto,
Porém preparo a minha despedida,
Num gole de aguardente ou num absinto.
Se às vezes, da batalha eu já me abstenho,
Temendo novamente outro fracasso,
É que ando ultimamente amargo e lasso,
Somente antigas dores, eu retenho.
E vejo que não tendo solução,
Mergulho sem defesas no alçapão...
20571
Não posso discernir mais qual caminho
Seguir após as duras tempestades,
Vagando sem destino por cidades,
Cansado de esperar, sigo sozinho...
E quando em outro corpo enfim me aninho,
Tentando descobrir felicidades,
Encontro novamente, falsidades,
E faço do vazio, lar e ninho.
Levado pelas mãos de um mero sonho,
Um mundo mais feliz; teimo e componho,
Revendo os meus conceitos tão arcaicos.
No cinza que domina os meus cabelos,
Os dias mais nublados; posso vê-los.
Tornando os meus enredos mais prosaicos...
20572
Um dia imaginei que ser poeta
Trouxesse algum alento; pelo menos.
Nos dias mais pacatos e serenos
A vida prosseguindo em linha reta.
Quem tem a liberdade como meta,
Superando serpentes e venenos
Buscando novos climas mais amenos,
Na paz de um bom remanso se completa.
Mas nada do que um dia imaginei
Eu percebi cantando a fantasia,
A história se repete dia a dia,
“Só sei que na verdade, nada sei”
Criando um mundo à parte, um Eldorado.
Fantástico, porém falsificado...
20573
Meu último soneto que hoje faço,
O derradeiro canto de minha alma,
Seguindo passo a passo, o velho traço,
Somente a poesia inda me acalma...
Quem viu a morte assim, face com face,
Esquecendo das dores e dos medos,
Tentando com a vida um firme enlace,
Prevê para o futuro outros enredos...
Não posso me calar frente às mentiras,
Nem tampouco aceitar as injustiças,
Pois podes recortar a carne em tiras,
Repasto delicado, tais carniças...
Que ainda restará o meu soneto,
E a luta interminável que prometo...
20574
Reflexos neste espelho que ora miro,
Tempestuosos ritos, morte avisto,
E por talvez pensar que ainda existo,
Quebrando o frágil vidro, então me firo.
Das vastas cordilheiras, eu me atiro,
E incrível que pareça; inda resisto.
Olhando bem a cruz, lembro de Cristo,
E em passos vacilantes, me retiro...
Arcar com meus pecados; pago o preço,
Bem sei que este castigo, até mereço,
Mas peço por clemência ao Deus Perfeito...
Nos cacos espalhados pelo chão,
Mosaicos demonstrando que o perdão,
Num arrependimento é sempre aceito...
20575
Arquitetando sonhos libertários,
Eu adormeço em paz; bela visagem,
A plenitude invade esta paisagem,
Recantos encantados, tantos, vários...
No canto tão singelo de canários,
O pensamento voa e em tal viagem,
Felicidade é mais que uma miragem,
Já não existem guerras, adversários...
Apenas uma raça: humanidade,
Reinando sobre nós fraternidade,
Na eternidade terna de um segundo.
A cada novo olhar, outro mirante;
A Terra feito um raro diamante,
O amor e a paz reinando sobre o mundo...
20576
Vencer os meus temores, ir em frente,
Depois de tantos lanhos e feridas,
Um arquejante ser, quase um demente,
Prepara; feramente, as despedidas...
No esgoto feito em alma, um ser doente,
As chagas pelos membros repartidas,
Da sorte de um amor, sigo descrente,
Estrelas ilusórias, repelidas...
Assim feito um cadáver que respira,
O meu olhar impávido se atira
Por sobre os belos seios desta diva...
A sílfide assustada; grita e corre,
Nem mesmo alguma lágrima socorre,
E a vida da esperança, assim me priva...
20577
Talvez inda pudesse respirar,
Quem sabe no futuro, o novo dia.
Aonde se execute a melodia
Que eleve o pensamento, ganhe o mar...
São tantas armadilhas de um amar,
Tropeço repentino me escoria,
A senda de uma tola alegoria,
Que há tempos desejara demonstrar
Desnudando minha alma, a transparência
Mudando totalmente de aparência,
Espanta qualquer ser que vê de perto.
Um verme tão somente e nada mais,
Olhando pelos vãos dos meus umbrais,
Espectro de mim mesmo que eu desperto...
20578
Nas ondas destes sonhos, vales, montes,
Resisto aos temporais, volto a sonhar.
Bebendo água tão pura destas fontes,
Encontro quem jamais quis encontrar...
As nuvens vão tomando os horizontes,
Distante de meus olhos, rio e mar,
Se eu tento construir algumas pontes,
Somente o que consigo; naufragar...
Um dia quis além de um simples beijo,
No tímido pedido, o meu desejo
Negado, ironizado com sarcasmo.
Saltando deste abismo tão profundo,
Dos velhos preconceitos eu me inundo
E morro novamente a cada espasmo...
20579
Não tenho estas respostas que procuras,
Apenas outras dúvidas me assolam,
Enquanto os pensamentos já decolam,
Mantenho minhas noites tão escuras.
As solitárias horas; frias, duras,
Os olhos do futuro não descolam,
Cordeiros, sacrifícios que se imolam,
Assaltam nossos sonhos, amarguras.
Pudesse ver o fim da longa história,
A lua desmanchando merencória,
Minha alma, triste escória, sempre o nada...
Ouvindo bem distante a tua voz,
Atando ou desatando velhos nós,
Espero o renascer de uma alvorada...
20580
Já nem me arrisco mais a ser arisco,
Um risco vale mais do que uma frase,
E quando alguma sorte ainda petisco,
O mundo vai caindo, cadê base?
Não resta do que fomos nenhum cisco,
Por mais que esta comida não atrase,
Irei regar com fé o meu hibisco,
Tampouco não terei quem quer que case.
Arranco os meus pedaços; mas não dói,
Pelo contrário, sinto-me mais leve,
O mesmo pesadelo que destrói
Fomenta a solução que ainda busco,
Termino o meu soneto sendo breve,
Eu não me ofuscarei e nem te ofusco...
20581
Se eu pego essa morena assim de jeito...
Eu juro que nem sei o que farei,
O amor que desejei, sendo perfeito,
Aos poucos com o tempo, maculei...
Eu sei que ser feliz é meu direito,
E faço da esperança a minha lei.
Mas quando vou sozinho para o leito,
Procuro descobrir aonde errei.
Somando os meus defeitos/qualidades,
Não resta quase nada, sigo torto,
Pensando; na verdade eu estou morto,
Somente simples sombra nas cidades,
Que na penumbra, tolo inda vagueia,
Buscando cada lua nova ou cheia...
20582
As águas beijam praias; clara areia
Do sal de tantas lágrimas passadas,
No canto sedutor de uma sereia,
As almas pelos deuses são tocadas...
Netuno doma as ondas e as procelas,
Nas límpidas baías eu me aporto,
Em meio a mil saveiros, caravelas,
As dores das saudades, eu suporto...
Eu sei quanto é preciso navegar,
Vencer os nossos medos, ir em frente.
Adentro destemido o imenso mar,
Enfrento em alto mar cada serpente...
Buscando esta Penélope moderna,
Jamais meu barco tomba nem aderna...
20583
Não vou ficar aqui me lamentando,
O tempo que se perde jamais volta,
E enquanto o coração já se revolta,
O dia nascerá mais calmo e brando...
Às vezes eu me pego perguntando,
Se tenho do Bom Pai, alguma escolta,
Mas sei que Sua mão jamais me solta,
A cada passo segue me amparando...
Não vou ficar pensando no passado,
Jogando o meu futuro assim no lixo,
Jamais me escravizou algum capricho,
Prossigo o meu caminho abençoado,
Sem medo do até logo, nem do adeus,
Entregue o coração nas mãos de Deus...
20584
Momentos solitários e doridos,
Aguardo alguma chance pra sonhar,
Me empaturrando então de comprimidos,
Tentando dos fantasmas, escapar...
Os dias demorados e compridos,
O amanhecer custando pra chegar,
No rol dos infelizes preteridos,
Vontade de poder, enfim, amar...
Porém já não consigo me iludir,
Tampouco as tempestades impedir,
Somando os belos dias, deu em nada...
No lusco fusco eterno de uma vida,
A cor de uma esperança adormecida,
É sempre, dia e noite agrisalhada...
20585
Porque não crês no amor que te dedico
Confesso já não sei o que fazer
Eu já pensei em ir, mas sempre fico
Amor é que me doma a bel prazer.
Por Deus, não me acuse mais, meu bem
Se sabes que o amor é meu veneno
E sempre me maltrata o teu desdém
Se finges, nem aí, fico ao sereno...
Não deixe pra depois deite em meu colo
Me toma e me faz tua em louco apelo
Me ama, me aprisiona em teu abraço
Juntadas, nossas pernas, bocas, sexo
Rolando nos lençóis, perda do nexo
Depois deixa eu velar o teu cansaço...
20586
Envolto pelas Musas, sentimento,
Tomado por constante turbilhão,
Fazendo uma sublime evocação,
Escuto qual resposta, um manso alento.
Quem ceva; a vida toda, o sofrimento,
Sendo jogado no olho do tufão,
Explode tolamente num lamento,
Imerso dentro em si, adentra o chão.
Porém quando das ninfas, escolhido,
A angústia se perdendo em vago olvido,
Rocios amaciam seu caminho.
Iridescente mundo se apresenta,
E enquanto a turba insana, os gozos, tenta,
Degusta um mavioso e tenro vinho...
20587
Sentir o som macio destas frases
Que dizes mansamente em meus ouvidos,
Dos sonhos mais audazes, firmes bases,
Tornando assim meus passos decididos...
Palavras que me encantam e apascentam,
Sussurras carinhosa, docemente,
Ternuras tão suaves sempre alentam,
Tomando minha vida totalmente...
Qual fora um raro beijo que se dá,
No ser enamorado, na conquista,
Eu quero ouvir-te agora e desde já,
No zênite a esperança enfim se avista.
Poder ouvir a voz desta sirena,
Maravilhosamente doce e amena...
20588
Exijo solução para o problema
Terrível que me aflige todo dia,
Ouvindo da vizinha a cantoria,
É sempre o mesmo tom, único tema.
A voz dela me lembra a seriema
Estranha e destoada sinfonia,
Mereço, ó Pai divino, esta agonia?
Se eu faço do sossego e paz meu lema.
Quem sabe uma espingarda dê seu jeito,
É falta de juízo ou de respeito?
Só sei que eu ando assim de saco cheio.
Fugindo a inspiração, cadê poeta?
Nem mesmo uma trovinha se completa,
E quando chega ao fim falta o recheio...
20589
Maldita escabiose que me ataca,
Não me deixa dormir nenhum segundo,
Não quero simbiose; vê se saca
E pula proutro corpo, mais fecundo.
Durante toda noite, este prurido,
É coisa do demônio, eu te garanto,
Se tem coisa pior, ah! Eu duvido,
O bicho faz zoeira em qualquer canto.
Eu preferia até ter uma tinha,
Apesar de também pruriginosa,
Não vive me atacando de noitinha
Quando eu preciso paz e algum descanso,
A praga não tem jeito, é belicosa,
Porém uma vitória – espero – alcanço...
20590
O amor que nos ensina, dói demais.
Arranha depois deixa a cicatriz.
Estranho como o amor se contradiz
Em atos tão simplórios e banais...
Um simples devaneio estoura o cais,
Qualquer bobagem torna mais feliz,
Das suas armadilhas; aprendiz,
Os mínimos anseios são vitais...
Neste caleidoscópio de emoções,
Mosaico poliforme e multicor,
Assim nas entrelinhas de um amor,
Diversas são as suas direções...
Constrói belos castelos; mas de areia,
Enfrentando oceanos, incendeia...
20591
Pergunto sem respostas se inda vens.
Distante de teus olhos, sem bonança,
Perdendo o que restou de uma esperança,
Ausente do que outrora quis meus bens.
O amor segue entranhado nos meus gens,
E por diversas sendas vai, avança,
Na curiosidade da criança
Que ao longe ouve os apitos destes trens,
Revendo os meus conceitos; calmaria
Que nunca imaginei pudesse ter,
Tomando num instante todo o ser,
Encharca o meu olhar de poesia,
E quando te percebo bela e nua,
Minha alma no infinito, vai, flutua...
20592
No entardecer da vida, o sofrimento
Batendo em minha porta novamente.
O sol que imaginara num momento
Tomando o meu caminho, forte, ardente,
Aos poucos se transforma em desalento,
E a deusa do meu sonho, enlanguescente
Levada há tantos anos pelo vento,
Retorna em loucos sonhos, turva a mente...
Não pude ser feliz. A vida é fera
Devora os sonhadores; num segundo,
E quando nos teus braços, me aprofundo,
Teimando no florir da primavera,
Imagem se esvaece e se esfumaça,
Espectro da esperança; foge, passa...
20593
O amor tem destas coisas, fere e cura.
Por tantas vezes teimo em tê-lo aqui.
Tomado pelas ânsias da loucura,
Eu bebo desta angústia e chego a ti.
Caminho quando errático, tortura,
Vasculho, procurando o que perdi,
E vejo com clareza que a procura
Desnuda o que; nos sonhos, cedo vi.
Ouvindo então a rara sinfonia
Que só quem ama capta e a concebe,
Eximia instrumentista, a poesia,
Eclode em ressonante perfeição,
E quem tal privilégio, em paz recebe,
Percorre os belos ermos da amplidão...
20594
Por tantas vezes tive esta impressão
De passos nos degraus da velha escada,
A casa há tanto tempo abandonada,
Habito tão somente o seu porão.
Fantasma? Fantasia? Aparição?
Procuro em todo canto, não há nada,
Adentro então, insone, a madrugada
Insânia; simplesmente... solidão.
Revejo minha história num momento,
O adolescente quieto, o jovem triste.
Sem explosão voraz de um sentimento,
Sobrevivendo apenas, nada mais...
Porém esse ruído ainda insiste;
E não me deixará em paz, jamais...
20595
Não tenho mais vergonha dos enganos,
São tão comuns, decerto todos têm,
Por vezes são errôneos os meus planos,
Depois de certo tempo, nada vem...
Engodos, com certeza são humanos,
Pois não escapará; deles, ninguém,
Restando muitas vezes, grandes danos,
Que a vida por si mesma já contém.
Fumando o meu cigarro, na fumaça
Eu vejo se perder minha saúde,
Fiz tudo pela sorte, mais que pude,
Porém quis predador e virei caça.
À beira de um terrível precipício,
Afago mansamente cada vício...
20596
Tocaste na ferida quase exposta,
Falaste em compulsão, pois estás certa,
A vida sem poesia me deserta
O sonho vai criando extensa crosta.
Minha alma; masoquista, disto gosta,
E a dor que a cada corte nos alerta,
Mantendo esta porteira sempre aberta,
Um barco navegando rumo à costa.
Assim também me sinto quando escrevo,
Um servo escravizado, tão somente,
Até cantar o amor, eu já me atrevo
Fazendo do meu verso, inferno e céu;
Quem sabe granará uma semente,
Das tantas que espalhei no vento, ao léu...
20597
Um barco que se perde em alto mar,
Depois de temporais, a calmaria...
Quem sabe no final não restaria
Algum ancoradouro onde aportar...
O amor que tantas vezes faz sonhar,
Enquanto no princípio, ele irradia,
Espalha sobre nós tanta alegria,
Depois vai naufragando, devagar...
Assim também passamos nossa vida,
Jogamos tudo fora, numa esquina,
Apenas o silêncio me fascina,
Jamais cicatrizada esta ferida
Que aflige quem pensou ser tão feliz...
E a história, sem perdão, logo desdiz...
20598
São tantas heresias que cometo,
Regando com as lágrimas, meu mundo,
E quanto mais nos sonhos me aprofundo,
A morte se aproxima; um bom dueto...
Escondo-me nos becos, neste gueto,
O lar que eu encontrei que mesmo imundo,
Acolhe um coração tão vagabundo,
Mas isso será breve; eu me prometo.
Não quero mais saber do riso ou festa,
Do vento assobiando em cada fresta
Dos olhos tão serenos de quem ama...
Usando esta mortalha, um agasalho,
O que restou de mim; ao vento espalho,
Aos poucos chega ao fim inútil drama...
20599
Um mero passageiro; nada além,
Seguindo os velhos trilhos desta estrada,
Bem sei que no final não dá em nada,
Enquanto o tempo passa, sem ninguém...
E quando a noite chega e o sonho vem,
Trazendo algum sorriso na alvorada,
Na falsa primavera uma florada
Que apenas ilusões; tolas, contém...
Um dia quis ser forte, inabalável,
Mantendo os pés no chão; com firmes passos,
Os erros que cometo; torpes, grassos,
Demonstram quanto o amor é improvável,
E torno-me recluso, um eremita,
Arrastando esta vida, vã, maldita...
20600
Houvera nalgum canto, não sei onde
Alguém que foi feliz. Será verdade?
Ao desnudar inteira a realidade,
A glória de viver já perde o bonde,
Por mais que outro caminho ainda sonde
Encontro tão somente a falsidade,
Jamais pude saber sinceridade
Nem mesmo em que planeta ela se esconde...
Recebo esta notícia com surpresa,
Das artimanhas todas, mera presa,
Ainda tenho um resto de esperança,
De um dia poder ter esta alegria,
Que como um sol gigante se irradia,
Espalhando entre nós a temperança...
20601
O quanto eu te desejo já não cabe
Somente numa frase ou num poema,
Usando novamente o antigo tema,
Poesia perdoa; se ela sabe
Não espero que a minha vida acabe
Bem antes de encerrar este dilema,
Por mais que a negativa; sempre tema,
E o mundo sem amor cedo desabe,
Eu peço pelo menos a atenção
Pros versos que te faço e te prometo,
Embora apenas seja outro soneto,
Nascido no bater de um coração,
Que pulsa simplesmente por saber
Que existe neste mundo, o bem querer...
20602
Não fosse a poesia, o que seria
Da vida de quem sonha e até delira,
Imagem de um poeta e sua lira,
Espalha pelo mundo a fantasia...
Não posso imaginar sequer um dia,
Sabendo que o planeta sempre gira,
Aonde algum fuzil com rara mira,
Seja mais importante que alegria...
Perdoe se em verdade eu não consigo
Livrar-me das antigas emoções,
O amor que ainda carrego aqui, comigo,
Enfrenta os mais diversos desafios,
Procelas, tempestades, furacões,
Sonhando num inverno com estios...
20603
Vagando sobre a Terra e destruindo
Aquilo que foi feito com amor,
Deste planeta outrora rico e lindo,
Não sobrará sequer o fruto, a flor.
Percebo que o final está surgindo
Nas mãos de um ser ingrato e sem pudor.
Enquanto a tempestade; eu vejo vindo
Planeta se consome em farta dor...
Partícipe da orgia sem final,
O ser que parecia racional
Não deixa sobrar pedra sobre pedra,
E uma alma que perceba tal loucura,
Imersa nas entranhas da amargura,
Ao ver tal heresia, sofre, medra...
20604
Quisera ser feliz, sorrir, cantar
Andar de peito aberto, destemido.
Bebendo cada gole devagar,
No brinde à minha sorte sendo erguido.
Deveras não cansei de imaginar,
Porém isto morreu no triste olvido,
Recolho cada gota do luar,
E forjo um arabesco colorido.
São simples iguarias da ilusão,
Fatídica e terrível companheira.
E cada vez que a vida me diz não,
Eu teimo em resistir, um tresloucado...
O verde que estampou minha bandeira,
Aos poucos vai ficando descorado...
20605
Erguendo um brinde à sorte que não veio,
Nas taças de cristal, falsos reflexos,
Os dias que se passam, mais complexos,
Apenas aumentando o meu receio...
Olhando de soslaio o mundo alheio,
Procuro pelo menos, causas, nexos,
Tormentos costumeiros, meus anexos,
E as margens de teus rios, eu rodeio...
Queria pelo menos, algo a mais,
Que a dor que não me larga ou abandona,
E quando a poesia vem à tona,
Em desespero; sonho com um cais
Aonde possa enfim ter o descanso,
Que tantas vezes busco nunca alcanço...
20606
Quem dera se sentisses como eu sinto
A dor de uma saudade tão cruel,
A vida se tornando puro fel,
Em cores tão escuras eu pressinto
Que o céu jamais trará de novo o sol,
Nublando uma existência sem valia.
Dos olhos de quem amo; um girassol,
Mostrando que eu também sonhei um dia,
Agora, quando eu olho neste espelho
E vejo-te detrás do meu olhar,
Incrível como a ti já me assemelho
De tanto, inutilmente procurar.
A sorte simplesmente um arremedo,
Às tramas da saudade, sempre cedo...
20607
Encontro no teu corpo esta resposta
Há tanto perseguida e nunca dada.
Nesta nudez fantástica que é posta
Avanço sem pudor, a madrugada.
Eu sei que no final a gente gosta,
Da forma mais jeitosa e mais safada,
Menina; vais perder aquela aposta,
Que em verdade nos toca e nos agrada...
Chegando de mansinho em teus ouvidos,
Acesos os desejos e as libidos,
Ascendendo ao planeta maravilha...
Abrindo estes botões, descubro os seios,
E avanço destemido e sem receios,
Caindo de cabeça na armadilha...
20608
E viva a mocidade liberada
Usando as velhas fórmulas de outrora,
Sexo e droga; dominam a balada,
É velho o porto aonde o barco ancora.
“Ficante”, namorado ou “compromisso”,
No fundo a mesma antiga babaquice,
Enquanto tiro um sarro ou tiro um piço
Reparo muito bem esta mesmice...
Porém vejo de perto a diferença:
O povaréu de agora nada pensa,
Somente vai seguindo algum babaca.
Pra onde se encaminha este rebanho?
Não importa sequer o seu tamanho,
Só sei que sem ter cérebros; empaca...
20609
Não sou quem tu querias; o que fazer?
Se nada do que fiz teve futuro.
Às voltas com revoltas pude ver
O quanto o meu viver se fez escuro.
Agora vivo em busca do prazer,
Remendo o coração já tão maduro,
Preciso outros planetas conhecer,
Eu tento e não consigo, é alto o muro.
Vestindo com apuro e sem desleixo,
De tudo o que acontece não me queixo,
E deixo o meu caminho sempre aberto.
Mas logo caio em mim e vendo claro,
O quanto estou puído e me declaro
No meio da floresta um vão deserto.
20610
Atrás do trio elétrico... ou da banda,
A gente faz a mesma romaria,
Enquanto a inteligência se debanda,
A bunda se transforma em iguaria...
O povo depois disso, já desanda,
E viva o Carnaval, viva a Bahia.
Nem mesmo uma esperança nos abranda,
O reino feminino: melancia!
Ou temos a famosa Furacão,
Rebola, rebolando até o chão,
Mexendo o seu bundão, treme os quadris...
Assim a juventude na balada,
Vai cheirando ou fumando; baseada
Apenas num momento mais feliz...
20611
Planeta capotado, terra exposta.
Assim a natureza morre à míngua,
Matéria acumulada decomposta,
E o rico ri de tudo e mostra a língua.
Apagando do mapa algumas ilhas,
As praias transformadas em piscinas.
Aonde se encontravam maravilhas,
Agora, poluídas; são latrinas...
Depois do fim da tarde, o que virá?
Eu fujo pra montanha e me dou bem,
Ou muda este planeta desde já
Cuidado: o ser humano prá cá vem...
E Deus se arrependendo, silencia,
Enquanto a vida morre a cada dia...
20612
Amor enche barriga? Mas esvazia
E quando isso acontece, outro guri,
Ou pode ser também uma guria,
É lá no Ceará ou bem aqui.
A fome vem chegando pela porta,
Amor pula depressa uma janela,
Quem disse que com isso não se importa,
Um belo mentiroso se revela...
Amor numa casinha de sapê,
Na beira do riacho... isto é poético
Mas quando o trem aperta, ninguém crê
Que ainda exista algum espírito ético.
Mas deixa de conversa e venha logo,
Nas águas deste amor, quero e me afogo.
20613
O coração moleque e serelepe
O coração moleque e serelepe
Batendo sem juízo – isso me mata...
Mas antes que ao final eu já me estrepe
Eu quero uma palavra mais sensata.
Se às vezes a mulher se mostra ingrata,
Não vou fugir savana nem estepe,
Apenas no final do tomo: errata,
Escondo esta passagem, uso crepe.
Se acaso tu vieres e me vires,
Em outra direção, te peço, mires,
Sou quase o que teria já não sido,
Se houvesse alguma chance, mas não veio,
E se ando pelas ruas sem receio,
Talvez fosse melhor nem ter nascido...
20614
Tocando a tua pele, um arrepio,
Qual fosse algum carinho desta brisa,
O amor completamente entregue ao cio,
Vontade se completa sem divisa.
Enquanto me dominas, propicio
O gozo que adivinhas, mais concisa,
E o coração atroz, feroz, vadio,
Na entranha dos desejos se enraíza...
Assim somos errantes párias, bichos,
Fazemos dos recantos nossos nichos,
Amando ferozmente; insanidade...
Num êxtase profundo e algo profano,
Um grito rasgando o ar, quase que humano,
Orgástica loucura, inunda, invade...
20615
Erráticos cometas: colisão,
Formando este satélite perfeito,
E quando te percebo no meu leito,
Estrela irá virar constelação...
Na fúria delicada de um vulcão,
Apaixonados corpos, louco pleito,
E tudo o que quiseres; eu aceito,
Unidos neste igual diapasão...
Ascendo ao infinito nos teus braços,
Reflito cada brilho deste olhar,
Meus olhos, no passado, tristes, baços,
Irradiando sóis gerando estios;
Assim, com tal potência é nosso amar,
Que nunca mais os dias serão frios...
20616
Dulcíssima presença que inebria,
Fartura de prazeres; noites belas,
Enquanto na nudez que me revelas
Espetáculo, a sorte, propicia...
Te gosto meio santa e uma vadia,
Mistura de matizes, aquarelas,
Caleidoscópios vários, loucas telas,
À deusa a meretriz logo se alia.
E rasgamos as roupas e os pudores,
Na intensa maravilha dos amores,
Eróticos momentos, cenográficos...
Sejamos deste jeito a vida inteira,
Durante o dia, amiga e companheira,
Depois dois anjos loucos, pornográficos...
20617
Minha alma se encarrega de alegrar-se
A cada novo dia em que te vê,
O amor quando demais e sem disfarce,
Não tem e nem pergunta mais por que,
Saber de cada curva do caminho,
Vencer os temporais, seguir em frente,
Contigo, meu amor, jamais sozinho,
Erguendo a minha fronte, estou contente...
Nas águas deste rio em que me banho,
A doce tepidez de uma emoção,
O sentimento aumenta de tamanho,
E toma totalmente o coração...
Amar e ser amado, sem perguntas,
Duas almas caminham sempre juntas...
20618
Chegando bem mais tarde do plantão,
Rasgados o jaleco e as esperanças.
Aguardo há tantos anos por mudanças,
Resposta repetida: é sempre não.
Mergulho na completa solidão,
E sonho com desejos e festanças,
As pedras que carregas e me lanças,
Errando vez em quando a direção...
Eu sei que na verdade a culpa é minha,
Não fujo nem pretendo mais mentiras,
Porém nos pedregulhos que me atiras,
A sorte com certeza é tão daninha.
Amor vai do “meu bem” para os “meus bens”;
Nós somos simplesmente seus reféns...
20619
Prometo que amanhã chego mais cedo,
Este engarrafamento dos diabos!
Macacos escondendo os grandes rabos,
Debaixo do tapete, este segredo.
Relendo as velhas cartas; mesmo tom,
Amores e mentiras bem guardados,
Senhoras e senhores ilibados,
Fingindo sempre o sem, mas sempre com.
Assim a figurinha repetida,
Que um dia quis trocar e ninguém quis,
Sei onde estou metendo o meu nariz,
Amor quer refeição bem garantida...
Senão vai dando o fora de fininho...
Otário quem deseja só carinho...
20620
Percorro o já sabido mar dos sonhos,
Na busca de algum porto mais suave.
Adentro esta baía e neste enclave,
Momentos que eu aguardo, são risonhos.
Nas velhas arapucas de uma história,
Repito os mesmos erros tolamente.
E a vida num repente, volta e mente
E apaga cicatrizes da memória...
Escoriando aos poucos, minha pele,
Escaras prometidas pro futuro,
Ao ato suicida, amor compele,
Por mais que o coração seja maduro...
E quando me percebo: cupidez,
Sinônimo perfeito: estupidez...
20621
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- ASSIM É O AMOR
Andasse sobre pedras; pés descalços,
Sentindo a dor que entranha lentamente,
Os raros diamantes; sei que falsos,
Inútil então lavrar podre semente.
Arrasto-me entre as folhas; armo o bote,
De nada; a minha vítima suspeita,
Até que a imensa fome enfim se esgote,
Minha alma de teu sangue se deleita...
Há mais de mil milênios é assim,
A presa sob o olhar do predador.
Serpente ainda habita o meu jardim,
E vive dentro em mim, sem ter pudor...
Este ato eternamente se renova,
Quando a alma, novo amor, espreita e prova...
20622
Heréticos delírios de um farsante;
Apenas o que entrego como brinde,
Pretendo que este amor cedo deslinde,
Num gesto sendo audaz e inebriante...
Verdugo de mim mesmo; um hedonista,
Perdido entre fantasmas que criou;
O tempo quase nada me deixou;
Nem mesmo um horizonte toma a vista.
Resíduos de um amor que não devia,
Percorrem o meu sangue feramente,
E sinto quando a morte é mais premente,
Causando, sem piedade, sepsemia...
Adoro-te; talvez isso apascente,
Revigorando o córrego, a nascente...
20623
Espalho as minhas cinzas na cidade,
Multiplicando imagens, simples farsas,
Unindo estas facetas tão esparsas
Eu chego a mais total complexidade...
Por mais que te pareçam veleidades,
Puídos os meus sonhos, mais esgarças;
Quem dera refletisse destas garças
O sentido real da liberdade...
Passeio entre os espinhos e penedos,
Meus credos, minhas manhas e segredos,
Fertilizando a terra com meus restos...
Pudesse renovar o duro solo,
Não tendo mais malícia, cessa o dolo,
Inúteis os meus dias, tolos gestos...
20624
Não pude decifrar os teus quereres,
Alhures ou aqui, modos diversos,
Se eu faço alguns poemas, frágeis versos,
Não mudam o caminho de outros seres...
Pudera ser etéreo, sideral,
Apodrecer em vida, vermes santos,
Brincando com libidos, seus encantos,
Ou simples trovador num madrigal...
Mas na verdade, sigo qual bufão,
Falando dos amores que não creio,
E quando a fantasia pega o veio,
Tolo lirismo sai pelo ladrão.
Achando de bom tom voar sem asas,
Quisera andar descalço sobre brasas...
20625
Cadenciando os passos, vou ao longe,
Distâncias não impedem que meu Fado,
Por vezes tão pudico ou mais safado,
Um falastrão, moleque ou mesmo monge...
Encontro nas vielas, velhas casas,
Mulheres nas janelas; nos quintais
Crianças entre flores e animais,
Criando ou destruindo toscas asas...
Quisera pelo menos ter a audácia,
Além desta venal, tola falácia
E ter qualquer noção de um amor mais puro.
Sabendo dos meus erros, minhas falhas,
Na força do buril com que me entalhas,
A cada amanhecer, eu me depuro...
20626
Pudesse finalmente ter nas mãos,
Poder de decidir o meu futuro,
Talvez eu encontrasse o que procuro
E os dias não seriam todos vãos...
Quem dera se tivesse todos sãos
Os pensamentos toscos, em chão duro
Cevar com mais sucesso tantos grãos,
Seria mais feliz, eu te asseguro...
Porquanto caminheiro sem destino,
Andando sobre espinhos e penedos,
Guardando dentro da alma vis segredos,
Porém o coração, tolo menino,
Bebendo do horizonte este sol-pôr
Ainda sonha ter um grande amor...
20627
De leve, louro e enlanguescido helianto
Tens a flórea dolência contristada...
Há no teu riso amargo um certo encanto
De antiga formosura destronada.
No corpo, de um letárgico quebranto,
Corpo de essência fina, delicada,
Sente-se ainda o harmonioso canto
Da carne virginal, clara e rosada.
Sente-se o canto errante, as harmonias
Quase apagadas, vagas, fugidias
E uns restos de clarão de Estrela acesa...
Como que ainda os derradeiros haustos
De opulências, de pompas e de faustos,
As relíquias saudosas da beleza.
Cruz e Souza
Tu tens a etérea forma fugidia
Das nuvens sobre um pano, o firmamento,
Na tua arquitetura esta alquimia
Efêmera ternura de um momento,
A sílfide com forma tão esguia,
Ao mesmo tempo, um colo que opulento,
Num átimo eclodindo a fantasia,
Na qual; farto delírio, eu me atormento.
Singrar por nebulosas, nos quasares,
Pulsátil sensação me leva a Antares,
E feito um girassol, hipnotizado
Em áureas esculturas, burilada,
Na noite mais brilhante, constelada,
Um insondável sonho, eternizado...
20628
Lindo e sutil trançado, que ficaste
em penhor do remédio que mereço,
se só contigo, vendo te, endoudeço,
que fora cos cabelos que apertaste?
Aquelas tranças d'ouro, que ligaste,
que os raios do Sol têm em pouco preço,
não sei se para engano do que peço
se para me atar, os desataste.
Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
e por satisfação de minhas dores
como quem não tem outra, hei de tomar te.
E se não for contente meu desejo,
dir lhe hei que, nesta regra dos amores,
pelo todo também se toma a parte.
Luis de Camões
Ao ver os teus cabelos enfeitados
Com conchas que encontraste em alva areia,
Qual fora simplesmente uma sereia,
Meus dias desde então enfeitiçados.
Desejo de poder tê-los tocados,
Na insânia que domina e me incendeia,
E imenso fogaréu do amor se ateia,
Ao crê-los tão macios, perfumados...
Somente por poder vê-los por perto,
No sentimento imenso que desperto,
Levando o meu amor sempre adiante,
Ao conhecer apenas o adereço,
A plena maravilha; reconheço,
Do dedo se adivinha o que é gigante..
20629
Passiveis de delírios, os poetas,
Imersos nas loucuras mais atrozes,
Espalham pelos cantos suas vozes,
Nem sempre caminhando em linhas retas...
Alguns possivelmente são ascetas,
Porém quando no amor, seguem velozes,
E mesmo se verdugos ou algozes,
Cupido desferindo suas setas...
Vender as fantasias como nossas,
Podendo aliviar a dor humana,
Na terra bem mais fértil que ora roças
Terás sempre um bom fruto, eu te garanto,
Por mais que a natureza surja insana,
O rito sensual tem seu encanto...
20630
O Deus-Verme
Factor universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme - é o seu nome obscuro de batismo.
Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.
Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão...
Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!
Augusto dos Anjos
Transformadores vermes e bactérias,
Renovam sempre a vida, após a morte,
Na decomposição, seu grande aporte,
Mudando a natureza das matérias...
Herdeiros destas formas deletérias
Os trôpegos humanos têm seu Norte,
Surgido das feridas, farpas, cortes,
No sangue que circula nas artérias...
Da podridão refaz-se a perfeição,
Num ciclo de extremada precisão,
Das carnes decompostas, nitrogênio...
Decerto na alternância destes fatos,
Que ocorrem simultâneos; tão exatos,
Os dedos magistrais de um grande gênio...
20631
Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim Ave-Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza...
O vento desgrenhado chora e reza
Por alma dos que estão nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza...
Chuva...tenho tristeza! Mas porquê?!
Vento...tenho saudades! Mas de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!
Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso !!...
Florbela Espanca
Minha alma entristecida segue vaga,
As tempestades fazem seus estragos
Quem quis a placidez dos mansos lagos,
Apenas a amargura ainda afaga...
O amor segue distante e ausente plaga,
Delírios e desejos, doces magos,
Os erros que cometo; sendo pagos,
Nas mãos de quem me abraça, a fina adaga...
O vento desgrenhando os meus cabelos,
Venenos tão doridos de sabê-los,
Adentrando os castelos da tristeza...
A chuva continua já não cessa,
O amor que um dia teve tanta pressa,
Espelha tão somente esta incerteza...
20632
Desvendo os teus sinais e teus anseios,
E delicadamente te penetro,
Mordisco os teus mamilos, fartos seios,
Um rei conquista assim poder e cetro.
Reentrâncias entre coxas, belas pernas,
Delícias que usufruo sem ter pressa,
Palavras proferidas, loucas, ternas,
Desejo que num gozo se confessa...
Invado tuas sendas orvalhadas,
Por furnas encantadas, meu idílio,
Estremecidos risos, gargalhadas,
Perpetuando em ti, divino exílio...
E o teu perfume espalhas pelo quarto,
Deixando este guerreiro, morto e farto...
20633
Recebo com carinho tanto afeto,
Um beijo delicado ou um sorriso,
O doce que mais gosto, o predileto,
O toque sensual, firme e preciso.
E quando estou contigo me completo,
E perco vez em quando o meu juízo.
O fato na verdade mais concreto
O amor quando demais não manda aviso...
Arromba uma porteira, invade tudo,
Ensandecido amor, deixando mudo,
Tomando minha vida já de assalto.
Não posso te negar que eu quero tanto,
Beber da pura fonte em seu encanto,
Banquete que promete farto e lauto...
20634
Vagando um vão espectro pela rua,
Procuro algum lugar onde dormir,
Há muito abandonado pela lua,
Não sei mais quem será que possa vir,
A senda do andarilho continua,
Sem nexo, sem descanso e sem porvir,
A mística noturna inda atua,
Soturna madrugada; o quê impedir?
Se eu vivo pelos becos me escondendo,
Das luzes que me ofuscam, inimigo,
Sombrio casarão serve de abrigo,
Enquanto imerso em trevas, vou vivendo,
Aguardo pelo fim de uma existência,
Que aos poucos me conduz à vã demência...
20635
O homem ao destruir seu semelhante,
O homem ao destruir seu semelhante,
Se torna a mais boçal das criaturas,
Gerando assim misérias e amarguras,
E a cada novo tempo, mais possante.
Lutando pela paz; seguindo adiante,
Adentrando vielas mais escuras,
As almas infantis, sinceras, puras,
Depois; na juventude um ser mutante...
No olhar de quem implora por clemência
O medo se estampando me angustia,
Enquanto a humanidade nada cria,
Semente que se lavra, violência...
Perdoe-nos Senhor por ter nos dado,
Poder de discernir certo ou errado...
20636
Qual fora algum corsário em mar imenso,
Perdido feito náufrago sem rumo.
No amor que tantas vezes, teimo e penso,
Sem nexo, desvairado; perco o prumo...
Pudesse pelo menos, mas intenso
Enorme bombardeio; louco, assumo.
Vivendo cada dia bem mais tenso,
A sorte se esvaindo como fumo.
Alçando um alto brado, ninguém ouve;
De tudo o que eu sonhara; o que mais houve
Senão este vazio que me cabe.
A tempo de tentar escapatória,
Eu tento reverter a minha história,
Bem antes que o capítulo se acabe...
20637
Arranco cada página da vida,
Jogada nas gavetas da memória,
De nada valeria a minha história,
Sem ter a tua breve despedida...
A morte, com certeza bem servida,
Bebendo todo o sangue, rara glória,
E a estrada que cortara; merencória,
Agora entre afluentes; dividida...
Incrível que pareça, a mesma foz,
Ensandecida mente, nada após,
Arrasto estas correntes que me atastes.
E volto novamente ao teu regaço,
Enquanto me deleito, eu me desgraço,
E como cada corpo que mataste...
20638
Serpenteando solta pela casa
As marcas da pantera em cada espaço.
E quando o bote certo; teimo e traço,
Realça com detalhes finos a asa.
Virá, mas pelo menos já se atrasa,
Desafia; sarcástica o cansaço,
E enquanto preparava o nó e o laço,
Escassa lenha vira pouca brasa.
Arfando, percorrendo a casa inteira,
Armando em cada canto a ratoeira,
Após a tempestade, o fim de tudo.
Mas tolo, inda resisto ao seu chamado,
Olhando de soslaio para o lado,
Qual fora um mentecapto inda me iludo...
20639
Fizesse alguma coisa pelo menos,
Lutasse contra tantas desventuras,
Encontras dentro em pouco o que procuras,
Momentos terminais serão amenos...
Empenho a minha sorte em falsos brilhos,
Permito que me arranhe e que me corte,
A vida preparando os empecilhos,
Secando dos meus rios cada aporte.
Assim no árido chão que tu me deste,
Resisto bravamente, mas me entrego,
O amor que nunca tinhas; franca peste,
O olhar vaga sem rumo; opaco e cego.
Apenas um segundo e nada mais,
Que faço se não vejo porto ou cais?
20640
Não pude perceber sua chegada,
Não pude perceber sua chegada,
Durante a noite inteira eu esperei,
Apenas adentrando a madrugada,
Nos braços deste embuste mergulhei...
Tão sorrateiramente na calada,
Sem ter o que dizer eu me calei,
Estava preparada esta cilada,
No tempo de lutar, jamais lutei...
Agora não há jeito, é fim de linha,
A história se repete, finalmente,
Enquanto a morte célere já vinha,
Não pude nem sequer dizer adeus,
Olhando para mim, profundamente,
Devora o que restou dos sonhos meus...
20641
Um verme que disforme te devora,
Audaz e perspicaz, faminto ser.
Assim a fantasia te decora,
Prepara este banquete, irá comer.
E enquanto uma alma tosca, ainda implora,
Eu sinto o meu destino a se perder,
Queria desde sempre, já e agora,
Porém não consegui me socorrer...
Esboços do que um dia fora um homem,
Aos poucos entre as pedras, rolam, somem,
E o cheiro nauseabundo da carcaça
Invadindo o meu quarto, toma a sala,
Os restos de ilusão; logo avassala
E fátua, uma alegria se esfumaça.
20642
Pertenço aos vários bandos de idiotas
Que teimam contra a sorte; desengano.
Após o fim da peça, desce o pano,
As lágrimas motivam as chacotas.
Houvera algum sentido nestas rotas,
Porém andando ao léu, vago cigano,
A cada nova queda, aumenta o dano,
O aspecto de imbecil, tu logo notas;
E foges sem olhar sequer pra trás,
A morte rapineira e tão voraz
Arranca-me pedaços de esperança...
Alheio a tão cruel caricatura,
A velha garatuja me esconjura
E a valsa terminal, minha alma dança.
20643
Não tendo mais desculpas, me despeço.
Ausente deste embate vida/morte,
Perdendo desde então sentido e Norte,
Os erros cometidos: os confesso...
Mas saiba que tão pouco inda te peço,
Talvez algum apoio, algum suporte,
Ou mesmo uma ilusão que; cedo aborte,
A vida; ao mesmo instante, recomeço.
Alhures encontrara um bom motivo,
Mantendo o meu olhar assaz altivo,
Soberbas fantasias de imbecil.
Servindo de chacota; um rufião,
Seguindo o seu caminho tosco e vão,
Um verme, um vagabundo, um ser tão vil...
20644
Atravessando o cerco, a barricada,
Que a vida preparou para quem sonha,
Não vejo, realmente quase nada,
Apenas a figura assaz medonha
De uma emoção deveras maltratada,
Na face tão ridícula e bisonha,
A carta do futuro está marcada,
Minha alma sem resposta que proponha...
Arranco dentro em mim, podre esperança,
Vomito sobre os restos da ilusão.
Enquanto a tarde foge e a noite avança,
As trevas vão tomando toda cena,
Aonde quis um dia, uma explosão,
Restou a despedida mais serena...
20645
Amigo, eu me recordo muito bem
Das noites entre taças e sorrisos,
E quando esta saudade ao longe vem,
Refaço os meus antigos paraísos...
Um dia fui feliz, mas hoje aquém
De tudo o que mais quero e mais preciso,
Olhando assim em volta, vejo alguém,
Chegando mansamente, mas conciso...
Puxe a cadeira e sente, por favor,
Um vinho ou quem sabe uma cerveja,
Felicidade é tudo o que deseja
Quem tanto se entregou ao louco amor.
Amigo, como é bom poder falar
E ter outra pessoa pra escutar...
20646
Amor com seu poder transformador,
Invade de repente a nossa vida,
Buscando algum conforto, num torpor,
Encontro bem mais forças na subida,
De todo sentimento, o sedutor,
Ajudando a enfrentar a dura lida,
Nas lutas sem derrota ou vencedor,
Demonstra muitas vezes, a saída.
Meu saldo, com certeza positivo,
Permite-me um sorriso que me alente,
Se às vezes da ilusão, eu já me privo,
Temendo amanhecer tão solitário,
O amor com seu perfil mais envolvente,
Demonstra-se deveras solidário...
20647
Perdoe se trai teu coração,
Errar é sempre humano, mas te digo,
Que quando em outros braços eu me abrigo,
Eu penso te pedir, sempre perdão...
Mas quando estou distante, tudo em vão...
Eu tento controlar, mas não consigo,
O caso é na verdade muito antigo,
E não vejo sequer a solução.
Eu te amo e com certeza te amarei,
Viver tal dualidade tanto dói,
O amor que pouco a pouco se destrói,
É tudo que em verdade imaginei,
Porém sem ter razão; perdendo o nexo,
Confundo então amor com puro sexo...
20648
Sorvendo cada gota de suor,
Bebendo em tua boca este licor,
O mundo do teu lado é bem melhor,
E nele uma alegria, é meu louvor.
Teu corpo; reconheço e sei de cor,
Desfruto cada parte, louco amor,
De todos os delírios o maior,
Viver cada momento com ardor...
Servir ao grande sonho de te ter,
E nisso resumir todo o poder,
Sabendo ser feliz, completamente.
Não quero outro destino senão este,
Do quanto de prazer que me deste,
Na tenra placidez que sempre alente...
20649
Andando nos bueiros da cidade,
Escondo-me da luz, fujo do sol,
Ausência de calor e claridade,
Escombros dominando este arrebol.
Outrora da esperança um helianto,
Agora um ser estranho, vagabundo,
Tomado por completo desengano,
Vagando sem destino pelo mundo,
Arisco feito um rato; o esconderijo
Guardando seus mistérios e segredos,
Apenas o vazio que eu exijo
Protege o coração de toscos medos.
Quem sabe se eu morresse, enfim teria
A paz com quem eu sonho, todo dia...
20650
O mar lambendo a praia, na alva areia,
Trazendo aos meus ouvidos seu marulho,
No canto tão suave da sereia,
O amor convida sempre ao bom mergulho.
Na limpidez das águas, tentações,
Delírios que convidam navegantes,
Mistérios entre nuvens, turbilhões,
Assim também se tocam dois amantes,
Que sonham com tesouros, maravilhas,
Felicidade plena, ancoradouro,
E encontram nos seus sonhos belas ilhas,
E o amor tanto infinito e duradouro,
Que mostre a transparência destas águas,
Sem medos, ferimentos, duras mágoas...
20651
Fazendo do meu verso a minha voz,
Não posso me calar frente à loucura,
Trazendo em suas mãos, dor e tortura,
O ser humano é vil, um podre algoz.
Sem ter quem nos ajude, velhos nós
Atados com firmeza, e sem ternura,
O pouco que me resta, esta amargura,
E o medo de não ter mais nada após...
O que me sobra e serve de consolo,
Embora isto pareça ser tão tolo
É crer que ainda tenha solução.
Um ser tão miserável que rasteja,
Apenas tão somente ele deseja
Que alguém o trate como fosse irmão...
20652
Quem fora tão somente lixo e estrume
Pudesse ter ao menos um sorriso.
Enquanto a morte chega sem aviso,
Aos poucos apagando o frágil lume...
Minha alma como sempre, de costume,
Inventa num segundo um Paraíso,
Quem dera resistisse algum juízo,
Talvez até quem sabe; um bom perfume...
Mas são meras mentiras, invenções,
Os ermos são as minhas direções,
Apego-me aos fantasmas que hoje crio.
E durmo tão somente por saber,
Que o sonho, mesmo tolo, irá trazer
Algum sustento além do eterno frio...
20653
Por onde começar a confissão?
Masmorras, calabouços, frias celas,
E quando a realidade enfim revelas,
Preparo uma saída, solução.
Aborto qualquer forma de emoção,
Abrindo dos meus sonhos, suas velas,
Navego por bueiros e vielas,
Rastejo sobre a terra, beijo o chão.
A morte preparada a cada esquina,
Na ponta do punhal, do canivete,
Nas mãos tão inseguras de um pivete,
A boca que me escarra me domina,
E sigo assim armado até os dentes,
Na súcia, pares párias e dementes.
20654
Enquanto a noite avança e o vento clama
A chuva desabando desabriga,
A velha solidão, o mesmo drama,
História tão banal, assaz antiga...
O quarto abandonado, a mesma lama,
A tempestade impede que prossiga
Atrás do meu futuro, parca chama,
Sequer uma presença mais amiga...
Sou filho do vazio e gosto disto,
Não sei e nem pergunto nem insisto,
Se existo talvez haja algum motivo,
E mesmo que não veja qualquer chance,
Por mais que minha vida nada alcance,
Nas curvas do caminho, sobrevivo...
20655
Um dia imaginei reinos, castelos
Perdidos entre os montes, sob o sol,
Momentos de ilusão, audazes, belos,
O brilho fluorescente de um farol...
Princesas e cavalos, ricos campos,
Banquetes e festejos; fui herói,
Guiado por milhões de pirilampos,
Porém realidade já destrói
E mostra o ser infame que hoje sou,
Vagando por esgotos e sarjetas,
Apenas do vazio que restou,
As tolas emoções, frágeis cometas...
Bebendo desta fonte poluída,
Eu vejo retratada a minha vida...
20656
Viver como se fosse um ser eterno,
Errático cometa sem destino,
Estando num completo desatino,
Nos mundos mais diversos, Céu, inferno.
Levando dentro da alma cada inverno,
Ourives da ilusão; eu me alucino,
E volto a ter nos olhos o menino,
Que um dia se fez manso, calmo e terno...
A vida traz surpresas e armadilhas,
Enfrento as mais diversas sem temê-las,
Mergulho no vazio; precipícios...
Seguindo variadas, loucas trilhas,
Querendo simplesmente conhecê-las,
Em mundos loucos, mágicos, fictícios.
20657
Quando o vento roçar teu belo rosto
Tocando a tua pele, mansamente,
Suave sensação, que docemente,
Traduz o grande amor que assim exposto
Transforma num momento, a vida inteira,
Forjando maravilhas; seduzindo,
E a vida desta forma, irá sorrindo,
De tantas alegrias, mensageira...
Arcando com os desígnios da paixão,
Servindo ao grande amor com liberdade,
Chegando a mais completa saciedade,
Fazendo do prazer, o vinho e o pão...
Assim dois caminheiros irmanados,
Seguindo pela vida, enamorados...
20658
Ah um Soneto!!!
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...
No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.
Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.
Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?.
Fernando Pessoa
Um velho timoneiro, o coração,
Atravessando mares e oceanos,
Errando vez em quando a direção,
Mudando quase sempre os velhos planos...
O cais se distancia, o tempo é não,
Mas erros são decerto sempre humanos,
E quando teima a embarcação,
Às vezes cometendo desenganos,
Errante navegante, este corsário,
Enfrenta tantos bancos de corais,
Enquanto o marinheiro temerário
Fazendo da esperança sua armada,
Sonhando com tesouros magistrais,
Acorda e no final, encontra o nada...
20659
Há tanto desejei a liberdade
E poder me entregar sem ter temores,
Vivendo a profusão de grãs amores,
E conhecer sem máscara a verdade,
Jamais imaginei felicidade
Sem ter em minhas mãos, jardins e flores,
O mundo mais bonito em vivas cores,
Rompendo com firmeza qualquer grade.
Agora que vieste, finalmente,
Trazendo em teu olhar, tanta clareza,
Venci a mais terrível correnteza,
E pude amar em paz e plenamente,
Seguindo sempre assim, extasiado,
Podendo estar contigo, lado a lado...
20660
Permita-nos Senhor que a paz domine,
E cale para sempre estes fuzis.
Um povo mais contente e mais feliz,
Que seu próprio futuro determine,
Permita-nos Meu Pai, que a piedade
Invada nossos lares e países,
Mudando deste céu turvos matizes,
Trazendo para todos, claridade...
Permita-nos sonhar com belos dias,
Aonde o homem possa ter nas mãos,
O amor que nos unindo como irmãos
Encharque-nos de luzes e alegrias...
Permita-me, Meu Deus, que eu possa enfim,
Lutar por este sonho até o fim...
20661
A fome, um grande cabo eleitoral,
O gado saciado está contente,
Capim em sua mesa, essencial,
Um dia ainda sonha virar gente...
Congresso na maior cara de pau,
Servindo-se do povo, que impotente,
Prepara em fevereiro o Carnaval,
E a rapineira corja eterna, mente...
Um dia, no futuro, queira Deus,
O povo possa enfim ter o poder
De clarear os vãos, escuros breus
E ter em suas mãos as decisões,
De finalmente, tudo perceber
Deixando de eleger tantos ladrões.
20662
Na fúnebre presença da sombria
Na fúnebre presença da sombria
Desesperança torpe que me toca,
Enquanto sob as trevas já se aloca
A lua que sonhara. Que ironia!
Sarcástica ilusão, fera sangria,
Aos poucos minha rota se desloca,
A dor que a vida aos montes tanto estoca,
Transborda na venal melancolia...
Minha alma que chagásica, se entrega,
Enfrentando a procela em vão navega,
Naufrágio de esperanças; beijo a morte.
E quando a vejo ao longe, numa espreita,
Escória que hoje sou; já se deleita,
Brindando co’ironia a amara sorte...
20663
Sentir a tua pele, o teu perfume,
Deitando sobre sedas e cetins,
Na doce insânia, como de costume,
Chegar ao Paraíso, em seus Jardins...
Desvendar os segredos e os caminhos,
Desrespeitar fronteiras, te invadir,
Sorvendo em tua boca, raros vinhos,
E os vales orvalhados, descobrir...
Sussurros e gemidos, loucos ritos,
Vagando pelas sendas mais profanas
Prazeres repetidos, infinitos,
Viagens delicadas e sacanas.
Orgásticos delírios de bacantes,
Em vícios sensuais e provocantes...
20664
Andando pelas ruas e vielas,
Crianças sem apoio, nem paragem,
No amargo desta triste paisagem,
A nossa realidade em frias telas...
Quem disse que o futuro será delas?
Escuto vez em quando esta bobagem,
Felicidade apenas u’a miragem,
Ao gado só restando arreios, selas...
Meninas são vendidas nas esquinas,
Madames e senhoras, cafetinas,
Enquanto a rapineira sociedade
Bebendo cada gota deste sangue,
Transforma o paraíso em sujo mangue,
E a podridão nas almas, vem e invade...
20665
Viver com plenitude uma amizade
Que possa confortar nas desventuras,
Sanando todas nossas amarguras,
Portando em suas mãos, a liberdade...
Viver com precisão, felicidade,
Por mais que as caminhadas sejam duras,
Encharcar nossas almas com ternura,
Baseados na real sinceridade...
São raros os amigos, com certeza,
E valem muito mais que diamantes,
E quando são fiéis e mais constantes,
Enorme e insuperável fortaleza,
De paz e segurança, garantia,
Tornando mais feliz, o dia a dia...
20666
Recebo o telegrama em que falas
Do amor que tantas vezes magoaste,
Depois de vários anos, o desgaste
Tomou de nossas casas, quartos, salas...
Percebo é que tampouco tu te abalas,
Falando do que outrora fora uma haste,
Parece que em verdade já limpaste
Ao desfazer os sonhos, velhas malas...
Agora o que resta é ter bastante
Força para enfrentar os temporais,
Eu sei que não virás, e num instante
Aquilo que era doce fez-se azedo,
Saber que não verei a ti jamais,
Só traz insegurança, dor e medo.
20667
Amor, um sentimento universal,
Que unindo, tantas vezes nos separa,
Enquanto nos domina, desampara,
Às vezes se não cura, é tão letal.
A velha poesia, um ritual,
Que a cada novo dia, bem mais rara,
Das dores e prazeres já nos sara,
Trazendo sempre bom ou mal final.
Cadenciando em versos, minha história,
Distante da derrota ou da vitória,
Apenas caminhando contra o vento.
Escuto mais distante a voz altiva,
Daquele que aos desejos sobreviva,
Buscando aliviar seu sofrimento...
20668
Vestido como o tal Papai Noel,
Quis dar uma fugida co’a vizinha,
Sabendo que ela mora ali sozinha,
Natal vai me levar lá para o Céu...
Porém a meninada, que escarcéu
Pensando no presente que ele tinha,
Quem sabe ler metade já adivinha
O que me aconteceu. Feio Papel.
Pior foi explicar para a patroa,
- Vizinha, na verdade, é muito boa-
O que fazia ali no seu telhado...
Caindo sobre a cama da coitada,
Que estava, como dizem, preparada,
O Saco de Noel todo arranhado...
20669
Passando a mão na bunda da mulher,
Nojenta criatura um ser sem linha,
Enquanto a pobre moça ao longe vinha,
Safado vai pensando no que quer...
Um tapa que explodiu no seu focinho,
Bem dado com certeza, diz o povo.
Porém ele faria isso de novo,
Depois bancando sempre o pobrezinho...
A moça com vestido provocante,
Subindo escadaria, faz sucesso,
Olhando de soslaio eu te confesso,
Porém isso jamais vai adiante...
Em cana o tal sujeito, ainda diz,
Vou preso, mas garanto, vou feliz...
20670
Caber em minhas mãos um universo,
Fazendo dos meus versos, meu corcel,
Unindo cada sonho mais disperso,
Poeta vai cumprindo o seu papel.
Por mais que o mundo seja mau, perverso,
E a vida só destile amargo fel,
Meu canto disto tudo tão diverso,
Recobre a realidade com um véu
Que possa transformar o dia a dia,
Criando algum oásis de alegria,
Em meio a tal deserto, esta existência,
Por isso me perdoe se pareço
Alheio; mas já basta de tropeço,
Viver não é somente penitência...
20671
No quanto desejei ser mais feliz,
E a cada nova queda, outra ilusão,
O corte preparando a cicatriz,
O sim antecipando a negação.
Arranco todo o mal pela raiz,
E faço deste trigo, amargo pão,
Por tanto que eu sonhei e que te quis.
Apenas no final a decepção...
Mas corro contra o tempo, um idiota,
O amor quando demais, por si esgota,
Não deixa sequer sombras ou resquícios...
Ainda posso crer, mas não consigo,
O tempo que já fora meu amigo,
Agora me apresenta os precipícios...
20672
Ourives da esperança e da alegria,
Poeta traz nas mãos um novo mundo,
E quanto mais audaz a fantasia,
Decerto mais distante me aprofundo...
Ouvir da passarada a cantoria,
Não perco este espetáculo um segundo,
E quando se aproxima um novo dia,
Da rara claridade, enfim me inundo...
E galgo paraísos mais distantes,
Dos reinos, cavaleiros e princesas,
Meus sonhos quase sempre delirantes,
Expresso com palavras, pensamentos.
E vendo do universo, tais belezas,
Encontro pros meus medos, bons alentos...
20673
- SONHANDO CONTIGO
Queria ter nos olhos, na retina,
A imagem desta deusa que partiu,
Passagem tão veloz e repentina,
Que não durou sequer um só abril.
A sílfide vestida de menina,
Um doce olhar cruel, amargo e vil,
Presença casual e cristalina,
Marcante como um tiro de fuzil.
Agora a noite segue e se repete,
Não tendo novidades, vou dormir,
Sonhando com a moça que há de vir,
Por mais que uma esperança, o sonho injete,
Acordo e nada além da solidão;
Tomando o meu olhar, e o meu colchão...
20674
Orgástica ilusão tomando a cena,
Levado pelas ânsias da paixão,
O quanto que te quis; atroz, serena,
Um mundo num completo turbilhão...
Porém a nossa vida tão amena,
Seguindo sempre a mesma direção,
Embora na verdade nunca plena,
Ainda traz em si, satisfação...
Loucuras e delírios... Quem me dera,
É sempre a mesma coisa, a mesma espera
E a fera que eu sonhei, domesticada...
O amor do dia a dia, na hora exata,
Enquanto traz alento me maltratada,
Rotina sem mistérios, decorada...
20675
Um sonho, uma esperança de unidade,
Que possa transformar o continente,
Num canto de louvor à liberdade,
Um povo mais feliz, e enfim, contente.
Na força da união, fraternidade,
É sempre necessário e tão urgente,
Vencendo assim qualquer dificuldade,
Mercedes, Chico; Che, muito mais gente.
Nas asas do Condor, nas cordilheiras,
Nos pantanais, florestas e geleiras,
Rasgando as Tordesilhas; povo forte
Que luta há tanto tempo, sem descanso,
E ao menos no meu sonho, agora alcanço,
Velas soltas ao vento; um Novo Norte.
20676
Desvendo os teus desejos e vontades,
A deusa se desnuda em minha cama,
E sorrateiramente, assim me chama,
Até chegar às loucas saciedades...
Rompendo a madrugada; bebo dia,
O sol vai penetrando na janela,
E novamente entregue à fantasia
Que o corpo sensual, trama e revela.
Poder usufruir cada momento,
Com uma intensidade sem igual,
Limites não respeito, o sentimento
Eclode num orgasmo triunfal...
Extasiada deitas no meu peito,
Enquanto hipnotizado, eu me deleito...
20677
Arrastando correntes, noite afora,
Eu teimo em perceber algo de estranho,
Vivendo as lutas trágicas de antanho,
A corda no pescoço não demora.
E tudo o que desejo é ir embora,
Saveiro se perdendo, o jogo ganho,
Nas águas sempre turvas eu me banho,
Enquanto o medo queima e me devora...
Os passos que inda escuto; e que rastreio,
O vento ainda clama o vago nome,
E quando a nuvem passa e a lua some,
Adentro este mistério e sigo o veio
Que levando aos porões profundos frios,
Refaz meus pesadelos mais sombrios...
20678
Fazer do meu soneto um desabafo,
Usando destas rimas mais sutis
Se às vezes das tocaias eu me safo,
Eu penso então que é fácil ser feliz,
Os erros cometidos; não abafo,
Prazeres desfrutados; quero bis.
Bisonhos os engodos com certeza,
Nas pedras, nos espinhos, minha escola,
E quanto mais precisa, com destreza,
Uma alma se sincera, já decola,
E tendo por princípio esta leveza,
Nem mesmo a fantasia inda se imola...
Capaz de ter os olhos noutro dia,
Aquele que se entrega à poesia...
20679
Insone, busco algum sinal de vida
E a noite permanece então calada,
Adentra este silêncio, a madrugada,
Imagino-me deitado numa ermida...
Um cão que ladra ao longe; alguém reclama,
As pedras atravessam as calçadas,
Estrelas desfilando, delicadas,
Sinal de uma existência, de algum drama,
Num único momento, vejo então
Que imerso em solitário desvario,
Um mundo todo à parte; fantasio
Produto desta imensa solidão...
Depois, tudo voltando ao seu normal,
Num ermo assustador e radical...
20680
Senhor dos infelizes marginais,
Eu peço-te clemência, tão somente,
De nada adiantou tua semente,
Os homens seguem sempre tão iguais,
Perdoe tais figuras que boçais,
Destroem esperanças, matam gente,
Um ser que a cada aurora, novamente,
Esgarça sua espécie e pede mais.
Matando, destruindo no Teu nome,
Discriminando, aumentam; frio e fome,
Adornam suas almas com pecados.
E vendem ao demônio seus anseios,
Do clamar por justiça, vão alheios,
Se julgam pelo Pai, abençoados...
20681
Crianças espalhadas nos lixões,
Num triste mimetismo, se confundem,
Enquanto os mandatários e ladrões,
Num mesmo patamar, ora se fundem,
Partidos diferentes, mesma corja,
Uníssona cantiga, toscos vermes,
Futuro dos infantes já se forja
Nas mãos destas figuras vãs, inermes,
Partícipes da festa dos canalhas,
São poucas exceções; vários chacais,
Miséria e sofrimento, cedo espalhas,
Por omissão ou atos; canibais...
Comendo a carne fresca das crianças,
Matando desde sempre as esperanças...
20682
O mundo que hoje cabe em minhas mãos,
Demonstra as mais terríveis injustiças,
Aonde poderiam ser irmãos,
Apenas vilanias e cobiças.
Os sonhos se perderão, foram vãos,
Expostos os cadáveres, carniças,
Alguns ao semearem belos grãos,
Pensaram cessariam tolas liças...
Mas vejo o ser humano apodrecido,
Demônios disfarçados em arcanjos,
Políticos corsários, seus arranjos,
Enquanto o povo pobre é esquecido,
Servindo como massa de manobra,
Entregue num banquete a cada cobra...
20683
Adentro as tuas matas e montanhas,
Servindo-me e servindo teus anseios,
Beijando levemente os belos seios,
Concebo de teu corpo; tais entranhas,
E sei que quando ganho, sempre ganhas,
Não tenho do futuro, mais receios,
Penetro mansamente doces veios,
Enquanto as minhas costas; rasgas, lanhas...
Tua nudez exposta, argênteo brilho,
Na brônzea sutileza, maravilho,
E ascendo ao infinito; em teus orvalhos...
Quisera eternizar cada segundo,
E enquanto de prazer eu me inundo,
Quero a longevidade dos carvalhos...
20684
Aqui, onde o talento verdadeiro
Não nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no público respeito
Se conquista o brasão mais lisonjeiro.
Aqui onde o gênio sobranceiro
E, de torpes calúnias, ao efeito,
Jesuína, dos zoilos a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!
Repara como o povo te festeja...
Vê como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!
Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif'rente ao regougar da inveja,
"Das almas grandes a nobreza é esta."
20685
- À AMIZADE
A paz que me domina neste instante,
Aos poucos determina o meu futuro,
Que espero seja sempre radiante,
No passo bem mais firme e mais seguro.
Ao ter esta amizade que agigante,
Saltando sem temores sobre o muro
Seguindo os meus caminhos, adiante
Terei felicidade que procuro.
Por vezes desconfio desta sorte,
Mas logo o coração se entrega inteiro,
Fazer deste carinho, o meu suporte,
Seguindo a minha vida com firmeza,
Por isso eu te agradeço companheiro
A vida com mais calma e mais leveza...
20686
O tempo não tem nexo nem juízo,
Ninguém consegue mesmo segurar,
Não anda nem depressa ou devagar,
Exato; com certeza ele é preciso.
Mas quanto numa espera o tempo atrasa
Parece que é tão lento este infeliz,
Porém se estou contente e quero bis,
Parece fogaréu, imensa brasa.
O tempo não tem tempo de saber
O quanto o tempo custa pra correr
Se o tempo é contratempo é demorado
Mas sendo pouco o tempo pro prazer,
O tempo vai correndo sem se ver,
Num passatempo o tempo é apressado...
20687
O Pai amando a todos por igual,
Jamais diferencia qualquer filho,
E dando a todo mundo o mesmo brilho,
Fazendo da alegria, um ritual,
Porém o homem se mostra tão banal
E cria a cada passo um empecilho,
Fechando uma porteira nega o trilho,
Matando por prazer; isso é normal?
Eu creio neste Pai Maravilhoso,
Que toca com carinho a humanidade,
O ser humano tosco e caprichoso
Denegrindo a palavra proferida
Seria muito bom ter a humildade
De saber que nada sabe sobre a vida...
20688
Aguardo pelo fim do velho dia,
Trazendo nova noite e lua cheia,
O quanto não podendo não devia,
Pois dentro do sapato escondo a meia.
Eu não suporto mais tal velharia,
Por isso é que o presente me incendeia,
Bebida se demais, me traz azia,
Também já não abuso mais da ceia.
A morte vem depressa ou devagar,
Tampouco me importando, nada disso.
Fugindo qual corisco, vou parar
Somente quando a morte se esquecer,
De tarde tenho novo compromisso,
Por isso é muito cedo pra morrer...
20689
O sal que desce em lágrimas no rosto
Daquele que se fez enamorado,
O coração assim, na pele exposto,
Um sonho infelizmente abandonado.
Distante de quem quero, perco o gosto,
Errático planeta, desvairado,
Um resto de ilusão já decomposto,
Deixado em algum canto do passado...
Quem dera as emoções inda tocassem
Aquela a quem amei inutilmente,
O mundo mudaria de repente,
Por mais que velhas dores inda grassem,
Teria em meu olhar um manso brilho,
Apascentando enfim, este andarilho...
20690
Perfume de mulher, doce delícia,
Que emanas e decerto me inebrias,
Acende num segundo as fantasias,
Sorriso sensual, mansa malícia.
Depois que tu partiste, nem notícia,
As horas solitárias, ermas, frias,
Estrelas tão opacas, fugidias,
Sequer da ventania uma carícia...
E bebo tão somente por saber
Que este perfume nunca mais terei,
Abismos, precipícios mergulhei,
Morrendo a cada dia; pobre ser
Que outrora foi feliz, hoje se mata
Saudade que perfuma e me maltrata.
20691
Embarco neste nosso desafio,
E teimo em descobrir novas saídas,
Juntando o que é melhor em nossas vidas,
Deixando uma tristeza por um fio.
Descendo calmamente pelo rio
Encruzilhadas, sempre divididas,
As mãos serão mais fortes quando unidas,
Por isso meu cantar contigo, alio.
Beijando a boca rubra carmesim,
É como conhecer belo jardim,
E ter o Paraíso bem por perto.
No amor que me domina e me fascina,
O corpo delicado da menina,
Mantém meu coração sempre desperto...
20692
Escrevo libertando meus anseios,
Vivenciando mundos que não vi,
Enquanto permaneço quieto aqui,
Decifro dos meus sonhos, rumos, veios.
Por mais que enamorado, sem rodeios,
Chegando devagar, perto de ti,
O amor que tanto dei e recebi,
Não deixa ao pensamento sequer freios.
Nos seios da morena, no seu colo,
Adubo com fervor, um belo solo,
Semeio as ilusões, e delas bebo.
Percebo quanto é bom poder voar,
E ter em minhas mãos, onde buscar,
Os Eldorados todos que concebo...
20693
Meu coração teimoso e vagabundo,
Não cansa de querer quem não me quer,
E seja da maneira que vier,
Nas sendas da ilusão eu me aprofundo.
Deveras um notável moribundo,
Nos braços carinhosos da mulher,
Que venha da maneira que quiser,
O amor no qual morrendo inda me inundo.
No cárcere privado das paixões,
Acorrentando aos pés doces grilhões,
Eu vejo que não tenho mais saída...
No imenso labirinto dos anseios,
Mergulho sem temores ou receios,
Mesmo que venha a amarga despedida.
20694
Quem sabe num boteco lá na Lapa,
Matando do Capela esta saudade,
Morena tão charmosa não me escapa,
Um chope bem gelado. Isso é maldade|!
Ouvindo Pagodinho ou mesmo o Rappa,
Ficando neste bar, bem à vontade,
Beleza sem igual, não tá no mapa,
Será que esta morena é de verdade?
Depois vou esticar até a praia,
Pois ver o sol nascer é um barato,
Se a moça quiser ir motel ou mato,
Bastando levantar, a minissaia...
E mesmo que não seja fevereiro,
Deus salve o nosso Rio de Janeiro.
20695
Rondando toda noite pelos bares,
Procuro a bela dama que fugiu,
Nas asas da esperança ela sumiu,
Será que a encontrarei noutros lugares?
Quem sabe nos bordéis e lupanares,
Afasto um pensamento amargo e vil,
O encanto que num átimo surgiu,
Decerto se escondendo nos altares.
Vasculho cada canto da cidade,
Aonde encontrarei felicidade
Se tudo o que mais quis já foi embora
Beijar a doce boca novamente,
Ó Deus, sei que Tu és onipresente,
Me diga aonde está, minha alma implora...
20696
Há tanto desejava te falar
Do amor que ensandeceu e se acabou,
A fonte neste instante, em vão secou,
O rio se esqueceu, perdeu seu mar...
E como poderia navegar,
Se o barco dos meus sonhos naufragou,
E tudo neste instante terminou,
Sem asas eu jamais posso voar...
Arcar com os enganos, nunca é fácil,
E o amor que antigamente se fez grácil,
Agora sem sentido e sem razão
Percebo que chegando ao triste fim,
A seca destruiu nosso jardim,
Das rosas não sobrou nenhum botão...
20697
Em pleno fim de tarde, noite chega,
E a gente se entregando sem limites,
O amor não aceitando mais palpites,
Por mares tão diversos, já navega...
E nesta insanidade, nossa entrega,
Por mais que razoável inda evites,
Não resistindo mais a tais convites,
Bebemos melhor vinho desta adega
E assim, vamos brindando a noite inteira,
Flutuas nos meus braços, quando danças,
A amiga, louca amante e companheira,
Singrando os oceanos da paixão,
Deixando para trás tolas lembranças,
Vivendo enfim total revolução...
20698
Erguendo-se das cinzas e do pó,
A vida se refaz da podridão,
O corpo se inserindo num caixão,
Inerte e eternamente, segue só,
Sem medo, sem pudores, vai sem dó,
Aos vermes tal poder: renovação,
As almas seguem fátua procissão,
Refeito novamente o antigo nó:
Nascer, crescer, viver e enfim morrer,
Neste moto contínuo segue a vida,
A carne no sagrado apodrecer
Ensina a conhecer esta verdade,
Minha mente se sente convencida:
Existe, na matéria a eternidade...
20699
Saber do teu amor é meu alento,
Vivendo tanto tempo a solidão,
Vagando sem sentido e direção,
Seguindo a correnteza, e o forte vento.
Por vezes fantasias até tento,
Porém retorno sempre ao ledo chão,
Minha alma se algemando no porão,
Grilhões que inutilmente, eu arrebento.
Pois logo recomeça a minha sina,
E quando esta emoção, finda, termina,
A porta se fechando pouco a pouco...
Amar e ser feliz? Dura incerteza,
Depois de cada curva uma surpresa,
Amargas ilusões me deixam louco...
20700
Um medo de morrer meus pés esfriava.
Noite alta. Ante o telúrico recorte,
Na diuturna discórdia, a equórea coorte
Atordoadoramente ribombava!
Eu, ególatra céptico, cismava
Em meu destino!... O vento estava forte
E aquela matemática da Morte
Com os seus números negros me assombrava!
Mas a alga usufructuária dos oceanos
E os malacopterígios subraquianos
Que um castigo de espécie emudeceu,
No eterno horror das convulsões marítimas
Pareciam também corpos de vítimas
Condenadas à Morte, assim como eu!
Augusto dos Anjos
A morte ronda quieta, o quarto escuro,
E toma meus lençóis, se deita ao lado.
Embora me sentindo preparado,
Terrível criatura, um ser obscuro,
Silenciando a noite, inda procuro,
Meu pulso, mas o corpo está gelado,
O olhar enfim imóvel, estagnado,
Quem dera inda sonhasse com futuro...
Em bruscas convulsões; visões diversas,
As noites que passara; então dispersas,
Apenas um aviso a noite traz
Ao longe, inda percebo a tua voz,
No derradeiro encontro, frio e atroz,
Banquete para os vermes e enfim, paz...
20701
Tu foste a redenção e o descaminho,
Andei durante tempos; solitário
Até pensar no amor que solidário
Pudesse me trazer algum carinho,
Chegaste de manhã, bem de mansinho,
O velho coração, tremendo otário,
Guardado a tantos anos num armário
Desabalado, fez seu burburinho...
Da forma que vieste, foste embora,
Se agora esta tristeza me devora
A culpa é deste inútil órgão tolo.
Se fosse menos fútil, estaria
Vivendo algum momento de alegria,
Comendo uma fatia deste bolo...
20702
Sonho Branco
Não pairas mais aqui. Sei que distante
Estás de mim, no grêmio de Maria
Desfrutando a inefável alegria
Da alta contemplação edificante.
Mas foi aqui que ao sol do eterno dia
Tua alma, entre assustada e confiante,
Viu descender à paz purificante
Teu corpo, ainda cansado da agonia.
Senti-te as asas de anjo em mesto arranco
Voejar aqui, retidas pelo aceno
Do irmão, saudoso de teu riso franco.
Quarenta anos lá vão. De teu moreno
Encanto hoje resta? O eco pequeno,
Pequeno de teu sonho - um sonho branco!
Manuel Bandeira
Quisera ter aqui tua presença,
Embora reconheça esta alegria
Que encanta quem deveras fantasia,
Bem mais do que uma simples recompensa.
Outrora tão somente uma agonia
Tornando a tua vida sempre tensa
Por mais que te pareça ser intensa,
Aos poucos do controle já fugia...
O tempo este implacável inimigo
Voraz. Vai destroçando cada traço
Do rosto, demonstrando que o cansaço
Da lida sempre em busca de um abrigo,
Não deixa que se sobre algum encanto,
Aonde houvera outrora tanto, tanto...
20703
Debaixo do Tamarindo
No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!
Hoje, esta árvore de amplos agasalhos
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da flora brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!
Quando pararem todos os relógios
De minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,
Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade,
A minha sombra há de ficar aqui!
Augusto dos Anjos
À sombra do arvoredo em que brincava,
Nos tempos onde ainda havia a luz,
A morte se aproxima; fera cruz,
Minha alma se derrama em fogo e Lava...
Quem sabe eternidade? Dura clava
Que em meu costado corta e jorra pus,
Abraço os descaminhos onde pus
O fogo da ilusão que me abrasava.
Intrépido fantasma; tão soturno,
O fim se aproximando a cada turno,
Debaixo do arvoredo, ainda alcanço
Um resto de esperança, que se esvai,
Só peço este favor a Ti, meu Pai,
Em volta das raízes, meu descanso...
20704
SONHADOR
Por sóis, por belos sóis alvissareiros,
Nos troféus do teu Sonho irás cantando
As púrpuras romanas arrastando,
Engrinaldado de imortais loureiros.
Nobre guerreiro audaz entre os guerreiros,
Das Idéias as lanças sopesando,
Verás, a pouco e pouco, desfilando
Todos os teus desejos condoreiros...
Imaculado, sobre o lodo imundo,
Há de subir, com as vivas castidades,
Das tuas glórias o clarão profundo.
Há de subir, além de eternidades,
Diante do torvo crocitar do mundo,
Para o branco Sacrário das Saudades!
Cruz e Souza
Irás para o divino altar do eterno,
Aonde uma saudade imortaliza,
Tocando a tua tez, suave brisa,
Alvissareiro sol, findando o inverno.
Imaculada imagem, sonho terno,
Enquanto a vida atroz me martiriza,
Tua presença acalma e já me avisa,
Da fúria sem igual, profano inferno.
Sacramentando a sorte de saber
Qual rumo que me leve à mansidão,
Conciso, aprendendo a conhecer
De perto a tal sonhada eternidade,
Percebo-te tomando esta amplidão,
Um sol se desnudando; claridade...
20705
Sereia que partiu para outro mar,
Deixando o marinheiro em plena areia,
Aonde esta sereia; irei achar,
Na noite mais escura ou lua cheia?
A noite vem chegando devagar,
E apenas a saudade invade a veia,
Sirena delicada a me encantar,
Numa água cristalina, me incendeia...
Pegando o meu navio, sigo adiante,
O Norte que buscara não existe,
O coração que fora radiante,
Agora adormecido, se envenena,
Morrendo devagar, austero e triste,
Buscando em cada praia uma sirena
20706
Semeio tempestades pelas ruas,
E bebo cada gota que virá,
Enquanto noutras bandas tu flutuas,
Desejo o teu desejo desde já,
Estrelas despencando, correm nuas,
O céu eternamente brilhará,
O amor vai avançando e tu recuas,
Aonde em que planeta, esconderá
Os rastros e pegadas que persigo,
Deixados por quem ama; inda consigo
Em meio à hieroglifos, decifrar,
Jamais quero esta paz feita em mormaço,
Dos fogaréus e ventos quero o abraço,
Nas sendas mais profanas me entregar...
20707
Nos laços de ternura que nos unem
Ainda vejo a luz que; sei virá,
Os dias que maltratam e nos punem,
Morrendo para sempre desde já...
Ouvir a tua voz, tanto me alenta,
Sustenta o coração enamorado,
Por mais que a chuva caia violenta,
O amanhecer, decerto ensolarado.
Trazendo um brilho intenso, claridade,
Fazendo deste dia inesquecível,
Distante da total insanidade,
O tempo de sonhar se faz plausível,
E assim, dois caminhantes sem destino,
Encontram o futuro, cristalino...
20708
Poeta cria um mundo todo à parte,
Mentindo quando diz toda a verdade,
Jamais dê confiança, pois destarte
O olhar enamorado? Falsidade...
Condene o sonhador ao vão descarte,
Por mais que ele te iluda; rompa a grade,
Vivendo tal magia que faz da arte
Além do que é plausível; realidade...
Buscando no infinito uma resposta
Que possa enfim trazer algum descanso,
A mesa do banquete estando posta,
São falsas iguarias com certeza.
Sonhando ser poeta, quando avanço,
O mundo se transforma em fortaleza...
20709
Acendo outro cigarro e na fumaça
Eu sinto se esvair minha esperança,
Enquanto a minha roupa exposta à traça,
A mente num segundo – uma criança,
Que teimando em correr na antiga praça,
Sem medo e sem malícia, segue; avança,
O mundo de ilusões, depressa passa,
E a vida promovendo uma matança
Não deixa que se sobre nem um traço
Do coração moleque que inda abraço,
Teimando em encontrar felicidade...
Agora as rugas tomam o meu rosto,
E o amor que imaginara, decomposto,
Trazendo-me depressa à realidade...
20710
Não penso mais nos medos, velhos traumas,
Agora caminhando sem destino,
Alçando na velhice, este menino,
Que enfrenta a tempestade; pois me acalmas,
Domando em placidez, as duras almas,
Contendo com certeza o desatino,
Voltando num instante a ser ladino,
Transfigurando noites antes calmas...
Na intensa turbulência, a mocidade
Que apenas na cruel maturidade
Eu encontrei depois de tantas falhas.
Não temo mais as noites nem o frio,
O coração se apressa; este vadio,
Andando sobre os fios das navalhas...
20711
Vestido transparente, rijos seios,
Delírios prometidos, e cumpridos.
Na intensidade plena dos anseios,
Prazeres encontrados, repartidos.
Sem medo, sem perguntas nem rodeios,
Orgasmos explodindo repetidos,
Ao mundo lá de fora; tão alheios,
Problemas, soluções sendo esquecidos...
Apenas os sussurros e gemidos,
Em passos delicados, decididos,
Amantes que se dão a noite inteira...
Comparsas, companheiros, dois amantes,
Viagens por paragens delirantes,
Numa explosão sincera e verdadeira...
20712
Um canto se espalhando, liberdade,
Um canto se espalhando, liberdade,
Tocando nas entranhas desta Terra,
Meu peito americano em si encerra,
A luta sem descanso contra a grade
Dos índios e dos negros, a unidade,
Latinos companheiros, cada serra
Servindo de trincheira. Na igualdade
Que a fome e a injustiça enfim desterra,
Legado de esperança aos nossos filhos,
Uníssono desejo que empecilhos
Tornaram impossíveis; noutras eras.
Quem sabe no futuro; um povo unido,
Fazendo-se sentir e ser ouvido,
Promova então eternas primaveras...
20713
Tocando em minha boca esta saliva,
Deliciosamente bebo em gotas,
As roupas pelos cantos; estão rotas,
Vontade de te ter; mantém-se viva.
Desnudo devagar a deusa, a diva,
Retiro os espartilhos, blusas, botas,
Não respeitando margens, entro em rotas
Que levam à fronteira mais altiva...
Descendo estas cascatas, matas, rios,
Embrenho-me no orvalho de teus cios,
E inebriadamente; sigo os veios,
Deitando sobre ti; desejos tantos,
Desfruto num momento dos encantos,
E depois adormeço sobre os seios...
20714
Solitário
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos conforta
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços -
Levando apenas nas tumbas carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
Augusto dos Anjos
Buscando algum alento, em noite fria,
Adentro nesta casa abandonada,
A cada canto vejo nova ossada,
Sinais de sacrifícios em magia.
Nesta imagem nefasta e tão sombria,
Carcaça de mulher já destroçada,
Silêncio que amedronta ou mesmo enfada,
Um pútrido perfume se anuncia...
Roçando sobre as várias ossaturas,
O vento traz à tona criaturas
Que um dia caminharam pela sala
Esquartejados corpos, destruídos,
De imensas ratazanas os ruídos,
Soerguem; do sobrado, a antiga gala.
20715
Pudesse ter apenas um amigo,
Quem sabe alguma chance então teria,
De ter no mundo além desta agonia,
Vivendo a cada instante um vão perigo.
E quando encontro o sonho que persigo,
Não passa de uma simples fantasia,
O velho passageiro da agonia,
Caminha sem juízo e vai comigo.
Na paz de algum sorriso verdadeiro,
O amor que desejei ser o primeiro,
Faliu deixando dívida impagável...
O quanto deseja algum alento,
Mas quando vejo a vida me atormento,
Distante de um calor mais amigável...
20716
Fazendo do soneto o ganha pão
Passando muita fome, sim senhor,
Enquanto não chover no meu sertão,
Apenas vou sofrendo com calor.
E quando aparecer a solução
Meu verso já perdeu qualquer valor.
Orgulho-me de ser um sonetista,
Nos versos, nas estrofes, minha história,
Andando sempre só, estou na pista,
O corpo já cansado e sem memória,
Por mais que a poesia inda resista,
A morte do soneto é merencória...
Enterro às seis da tarde; inadiável,
Ninguém o agüenta mais, insuportável...
20717
O mundo ainda cabe nos meus dedos,
Os reinos e as terríveis ditaduras,
Envoltos por milhares de segredos,
Mantendo as velhas noites mais escuras...
Mudando de papel, novos enredos,
Democracias novas ou maduras,
Os mares se arrebentam nos penedos,
E as pedras com certeza sempre duras.
Mas nada que traduza o grande amor,
Aquele sem medidas nem cobranças,
Os povos combinando em alianças,
Espalham pela Terra tal terror,
Que apenas as crianças são felizes,
Embora em seus costados, cicatrizes...
20718
À noite todos gatos pardos são,
Diversas emoções se demonstrando,
Aquele em tempestade dorme brando,
Cordeiro veste pele de leão...
A cada novo baile, assombração,
Os pais e adolescentes, desfilando
Donzela disfarçada; segue dando,
Crianças mendigando, pedem pão.
E tudo se transcorre em tal loucura,
Motéis sempre lotados, e a procura
Não parando um instante se acumula.
Pecados, todos sete, originais,
Noturnas fantasias, sempre e mais,
Nos olhos predadores; brilha a gula...
20719
Eu venho Te louvar nesta oração,
Sem nada Te pedir, só Te agradeço;
Pois deste muito mais do que mereço,
E se alguém ofendi; clamo perdão...
Ao homem concedida a decisão,
Do passo que se acerta ou do tropeço,
A Terra, feita amor, seu endereço,
A vida, sua grande provisão.
Não tenho muita coisa pra falar,
Senão poder sentir o Teu olhar
Que toca o coração de quem conhece
O brilho do caminho que traçaste,
Pois és dos passos meus, a suprema haste,
Só peço-te que escute a minha prece...
20720
A mãe que prostitui a sua filha,
Vendendo a carne fresca nos mercados,
- Barato só valendo alguns trocados;
Entregando esta presa pra matilha
Que segue; calmamente sua trilha,
Nos bares, nas estradas, bem fardados,
Uns pequenos burgueses e empregados,
Qual ave rapineira; os ninhos pilha...
Depois de alguns momentos de prazer,
Lambuzando a menina que sorri,
Uns oito ou uns dez anos deve ter;
O corpo em formação, ao velho encanta...
A noite prosseguindo, e logo ali,
Com a mulher e as filhas; ele janta...
20721
Outrora, um socialista radical,
Vivendo uma esperança que faliu,
Depois da tempestade o vendaval,
Podre capitalismo, também vil,
Tomando por princípio o capital,
O monstro que deveras emergiu,
Na entranha deste mundo liberal,
A morte do mais fraco; é o que se viu.
A corja que domina este cenário,
Políticos canalhas e ladrões,
Sugando o pobre sangue, quase anêmico
O riso da platéia, temerário,
Torcendo sem pudor pelos leões,
O escárnio e a canalhice, um mal endêmico...
20722
As trevas, companheiras de viagem,
Escondem a terrível garatuja,
A minha asquerosa alma segue suja,
Procura algum albergue ou estalagem.
Noctívaga figura, na paisagem,
No revôo rapineiro da coruja,
Bem antes que a neblina, ao longe fuja,
Encontro em algum canto, uma paragem.
O entardecer soturno, companheiro,
Crepuscular cenário que me encanta,
Um gato sobre telhas, salteando;
Esvai entre edifícios, tão ligeiro,
A névoa me servindo como manta,
Procuro por respostas: até quando?
20723
Por mares tão distantes naveguei,
Buscando ancoradouro mais seguro,
Que possa me trazer na nova grei,
Um solo que não seja agreste e duro.
Tormentas e procelas; enfrentei,
Mas teimo em ser feliz e te asseguro,
Que embora muitas vezes; fraquejei,
Jamais tentei fugir do que procuro...
Atravessando o Atlântico; Brasil,
Um sonho tropical, num céu anil,
Misturas de culturas e de povos.
Aporto o coração, encontro o Rio,
Deixando para trás a neve e o frio,
Encontro desafios velhos, novos...
20724
Falei um mondevez que eu não te quelro
E ocê num iscuita nada, mia fia
Ripito veiz im quando qui te espero,
O amô faiz num meu peito uma arrelia.
Voano qui nem fosse um quero-quero,
Iscuto toda noite a cantoria,
Si o canto do cantô é mais sincero,
Trazeno pru meu peito esta aligria,
Minêro num si cansa di sonhá,
Tocano uma viola, pru lua,
Deitano im uma rede na varanda...
Si o coração pesado ainda aguento
Infrento a tempestadi e bebo o vento,
Inquanto essa paixão, logo desanda...
20725
Calcando o meu destino em minha sorte,
Cigano coração já não se engana,
Na flor da mocidade, amor se ufana,
Prepara-se deveras para o corte.
E quando se aproxima enfim a morte,
Uma alma tão dorida é soberana,
Às vezes mais sensível ou profana,
Da ilusão não permite um só aporte...
Vencendo as intempéries; teimo em ter
Nas mãos o meu caminho, sem desvios.
Enfrento mansamente os desafios,
Sabendo que amanhã irei morrer.
Olhando o meu passado, num sorriso,
Abrindo os tais portais do Paraíso...
20726
Termino por aqui minha jornada,
Prometendo voltar se Deus quiser,
Do jeito que a saudade é provocada,
Eu sonharei com tudo o que vier,
Soltando as minhas rédeas, deu em nada,
O quanto desejei esta mulher,
Que agora vai dormir acompanhada,
E eu durmo da maneira que Deus quer...
Servindo de chacota para o mundo,
O tolo coração de um vagabundo,
Procura descansar por um momento,
Trabalho com certeza, o dia inteiro,
Senão sem ter salário nem dinheiro,
Já me basta não ter qualquer talento...
20727
A pobre da princesa não sabia
Que o príncipe deveras era um sapo,
Enquanto persistiu a fantasia,
Donzela sem malícia está no papo,
Enquanto a moça esperta descobria,
O batráquio a cobria no sopapo,
Ao perceber que entrara numa fria,
A moça declarou: - Dessa eu escapo...
Agora que o castelo já ruiu,
E a gata borralheira deu no pé,
Sobrou só o sapato e seu chulé,
O príncipe maldoso, um ser tão vil,
Vestido de baiana; usa abadá,
Vendendo acarajé ou vatapá...
20728
Pensei que era mais fácil ser feliz,
A casa de sapé, um violão,
A lua prateando o meu sertão,
Quebrei a minha cara e o meu nariz...
Quem sabe na verdade nunca diz,
Guardando para si a solução,
Tivesse uma carreta, um caminhão,
Porém da direção sou aprendiz...
E assim vou capotando pela estrada,
Fingindo ter na minha namorada
A dona dos meus sonhos e segredos.
Um velho que arredio, não agüenta,
Enquanto esta paixão me violenta,
Aguardo sem ter volta, os meus degredos...
20729
Queimando as minhas chances, quem mandou
Querer da poesia o meu quinhão,
Melhor seguir em nova direção
Do jeito que a Tevê fez e mandou.
O banco que este bando já roubou,
Decerto está devendo um dinheirão,
O povo vai cobrando a solução,
Enquanto o Botafogo faz um gol.
A soma dos quadrados dos catetos,
Só sei que existe a tal hipotenusa,
Rimando simplesmente com Medusa,
Completo agora os dois tercetos,
Usando de metáforas e rimas,
Gostosa com certeza, aquelas primas...
20730
Um velho tão ranzinza e carrancudo,
Assim o tal soneto de Petrarca,
Fez parte da viagem de uma arca,
Agora, de pirraça, anda bicudo.
Nas ondas destes versos eu me iludo,
A vida quis profusa, mas é parca,
No sonho de escrever um tolo embarca
E sem ter mais medidas, vai com tudo.
Pudesse então fazer algo mais novo,
Faria algum sucesso entre meu povo,
E de repente um livro, publicava,
Remando sem parar contra a maré,
Eu sei que desse jeito não dá pé,
Palavra no soneto vira escrava...
20731
Soneto é bicho feio e ninguém lê,
Verdades que aprendi neste recanto,
Durante muito tempo, sem por que
Cismei de sonetar; que desencanto!
Surtando eu me procuro, mas cadê?
Não posso suportar reza ou quebranto,
Acendo alguma vela ao Pai de Santo,
E boto no cabelo um tererê...
Quem sabe na Bahia eu me dê bem,
Subir no trio elétrico também,
Fazendo com Ivete algum dueto.
Porém devo mudar de profissão,
Tocando algum timbau, na percussão,
Garanto que é melhor que o meu soneto...
20732
Espreito após a curva, na tocaia,
As variáveis todas que concebo,
Por mais que a solidão; nervos contraia,
O sonho apodrecendo em algum Sebo.
Acaso se vieres; não mais saia,
Prazer em tua boca; sei que bebo,
Enquanto a poesia não nos traia
Eu te vejo Afrodite, me vês Phoebo.
Escrevendo outra carta, pois rasguei
Aquela que dizia que te amei,
No quase ser feliz, a capotagem.
De tudo o que restou, pura carcaça,
O amor por mais durável, sempre passa,
O resto que eu disser: pura bobagem...
20733
Desgosto diz do gosto desgastado,
Cansado de lutar contra a maré,
Levando a minha vida assim na fé,
Esqueço qualquer coisa do passado,
Nem sempre algum sucesso malogrado,
Caminha sobre espinhos; vem a pé,
Preparo num instante um bom café,
É necessário estar sempre acordado...
Esboços de alegria; o tempo traz,
Depois num pesadelo se desfaz
E a gente continua mesmo assim.
Não deixe que o desgosto te desgaste,
A sorte tem na dor o seu contraste,
O mundo cabe inteiro em teu jardim...
20734
Adeus jamais se diz quando se quer,
Por isso não consigo conceber,
O amor que tantas vezes fez viver,
Nos olhos divinais desta mulher,
Saudade maltratando se vier,
Domina totalmente o nosso ser,
Na dura sensação de te perder,
A vida faz de mim o que quiser...
Quem dera se tocasse a tua pele,
A louca fantasia me compele,
Porém já me repele a realidade...
De todos os caminhos percorridos,
Os dias com certeza mais sofridos,
Aqueles dominados por saudade...
20735
Saudade ressuscita um velho amor
Que há tanto adormecera e não morreu,
Revendo a nossa história, o erro é meu,
Relembro do final desolador,
Matei por falta d’água a bela flor,
Que um dia em minha vida floresceu,
O tosco jardineiro se esqueceu
Não dando a tal roseira o seu valor...
Agora revivendo cada fato,
Renasce todo amor dentro de mim,
Não tendo mais notícias do jardim,
O tempo que esgotou este regato,
Levou minha esperança e a fantasia,
Só restando em meu peito esta agonia...
20736
Um dia este mineiro quis o mar,
Distante das Gerais; vendo a lagoa,
No coração coloco esta canoa
E sigo pelo rio, até te achar...
Bebendo destas margens com vagar,
A vida com certeza é muito boa,
Sem nada pra fazer, seguindo à toa,
Procuro quem conceba o que é amar.
Encontro esta pessoa no Guaíba,
Depois de vasculhar o Paraíba,
O Rio de Janeiro e até Goiás
O amor que imaginei, num céu azul,
Eu vi num rio grande lá do Sul,
Do jeito que sonhei tempos atrás...
20737
Tocado pelos raios deste sol
Que aquece esta manhã e doura a vida,
Minha alma no passado distraída,
Agora te encontrando, um girassol.
Guiando cada passo, este farol,
Por mais que outra ilusão, já se decida,
Imagem pouco a pouco construída,
Tornando bem mais belo este arrebol...
Assim seguir teus passos, com certeza,
É fato que percebo natural,
O amor tão dedicado e sensual,
Trazendo para a vida, tal leveza,
Escreve o meu futuro em garrafais,
De ti não me afastando nunca mais...
20738
Encontro o amor em todos os lugares,
Formando constelares maravilhas,
Bebendo com fartura, estes luares
Que tornam bem mais claras tantas trilhas.
Encontro o amor rondando os meus pomares,
Em todos continentes, casas, ilhas,
Na doce fantasia dos altares,
Até nos lupanares e armadilhas.
Encontro o amor sincero e mesmo falso,
Deveras companheiro e solidário,
Às vezes egoísta e solitário,
Causando desespero, num percalço,
Trazendo a liberdade ou a prisão,
São vários os matizes da paixão...
20739
O tempo sempre apronta uma surpresa
Ser presa deste velho caçador.
Alçando o Paraíso em plena dor,
Vivendo tão completa sutileza.
Por mais que seja grande a fortaleza,
Ninguém superará tão grande amor,
Eclode num segundo, encantador,
Trazendo em suas mãos farta beleza...
Depois, o tempo passa e o amor termina,
Secando esta nascente, mata a mina,
E apenas aridez é o que me sobra...
A vida muitas vezes dá de graça,
Porém depois que o tempo, amargo, passa,
Com juros, dividendos, ela cobra...
20740
Quem dera desvendasse no horizonte
A fonte luminosa que me guia,
Eleva-se por sobre cada monte,
Fazendo do meu canto, poesia,
O amor quando nos une; rara ponte
Às vezes alegria ou agonia,
Bebendo sempre e tanto desta fonte,
Até nascer em mim, a fantasia...
Chegando no teu quarto, feito luz,
Deitando em tua cama; mansamente,
E tudo se transforma num repente,
A mágica dos sonhos me conduz
E traz tanto prazer a quem de adora,
Por isso é que te espero, venha agora...
20741
Em meio aos bosques calmos, flóreas sendas,
Belezas que percorres; paisagens
Diversas maravilhas; já desvendas,
Quais fossem no deserto as tais miragens...
Deitados beduínos, belas tendas,
Nos peregrinos sonhos, as viagens
Seguindo por cometas e visagens,
Vestida com cetins, sedas e rendas...
Dançando, esta odalisca preferida,
Razão que valeria a minha vida,
Numa ávida loucura, sedução...
A noite desfilando constelar,
Na música, a magia a nos tocar,
Banquete para os olhos, tentação...
20742
Ao ver-te moribundo, amargo leito,
Escaras te tomando, sanguinárias,
Harpias do passado; imaginárias,
Penetrando teu corpo, antigo pleito.
O corpo quase inerte e já desfeito,
Tocado pelas frágeis luminárias,
As chagas proliferam e são várias,
Em teu lugar, nos sonhos, eu me deito...
Tu sentes a presença e até sorri,
E quando Deus levar-te; eis aqui
Um homem feito herói que se desfaz;
Na face amarelada, uma expressão,
De mágoa ou de total satisfação,
Descansa e finalmente, encontra a paz.
20743
Viver apaixonado, velha sina
De um tolo trovador um violeiro,
Fazendo serenata, desafina,
Destoa quando o fato é verdadeiro,
Ao ver; enamorada, esta menina,
O tolo que se faz de seresteiro,
Mudando de calçada, até de esquina,
Procuro outro remanso e vai ligeiro.
A vida do poeta é mesmo assim,
Amar, amar, amar e não ter fim,
Sem poder se entregar completamente,
Pois quanto mais verdade ali existe,
Ficando então silente; amargo e triste,
Por isso é que o poeta, sempre mente...
20744
- Vou tocar em estrelas e ver lua
- A derramar o leite e mel no céu
Enquanto a minha senda continua,
Eu vou cumprindo à risca meu papel,
Mulher que desejei; agora nua,
Rolando nos lençóis; lua de mel,
Depois de certo tempo chego à rua,
E o velho coração, batendo ao léu,
Ao ver outra morena, já balança,
Fazendo novos planos, o infeliz,
Vertendo tanto amor, qual chafariz,
Caindo de joelho enfim se lança
Nos braços da morena enluarada,
Que passa toda noite na calçada...
20745
Simpática senhora, a tal da morte,
Às vezes chega até cumprimentar,
O que inda me couber, garanto é sorte,
Outro momento a mais, complementar.
Tortura-me saber desta demora,
As mãos andam cansadas; pés também,
Queria na verdade fosse agora,
Porém esta danada nunca vem...
Deixando pra depois traz incerteza,
A curva me convida ao suicídio,
Se a refeição foi posta sobre a mesa,
Já não tenho saúde pro dissídio.
E neste pingue-pongue, sou a bola,
Ó morte, por favor, entre de sola!
20746
Nem me acho teu capacho nem prisão,
Escracho esta verdade que bem dita,
Trará depois do fim, libertação,
Embora ao teu olhar seja maldita.
Prefiro caminhar sem ter espinhos,
Arranco os pedregulhos, velhas rochas,
À noite iluminando os meus caminhos,
As doces ilusões são como tochas.
Recados que não dei e nem daria,
Mereço muito mais que um ledo adeus,
Não sou e nem serei a montaria
Perfeita pros engodos, tolos, teus.
E deixo esta carcaça como herança,
Um dia foi estúpida esperança...
20747
Enquanto houver um canto em que descanse
O velho coração de um troglodita,
Podendo suportar minha desdita,
Escreverei o amor, tolo romance.
Sem nada em minhas mãos, ao meu alcance,
Palavra sem destino segue aflita
Teimando no deserto uma pepita,
Querendo da esperança alguma chance...
A lua de Catulo Cearense
O velho sertanejo se convence,
E pensa que a alegria ainda dá pé.
Vivendo na aridez de minha terra,
Beleza sem igual ali se encerra,
Na voz de um Patativa de Assaré...
20748
No dia em que partiste tu levaste
O que melhor de mim, podia haver,
Agora este vazio toma o ser,
Condeno o dia a dia a tal desgaste
Que rompa num segundo a trágica haste
Que há tempos, quando amei, eu quis erguer,
Porém no teu olhar eu pude ver
O sonho que em momentos, derrubaste...
O amor que nos tomou, despudorado,
Sem nexo, sem juízo, sem pecado,
Ainda dentro da alma permanece...
Quem sabe no futuro, outro romance,
Enquanto a lua cheia não me alcance,
Eu peço a tua volta- Inútil prece...
20749
Tua nudez convida para a festa,
Chamando num instante para a glória,
No gozo uma certeza de vitória,
Enquanto uma alegria já nos gesta,
Penetro mansamente cada fresta,
Selando com prazeres nossa história,
Tu viverás eterna na memória,
Orgástico momento, louco, atesta...
Em tuas belas furnas, grutas, grotas,
As roupas que arrancando já amarrotas,
E os trêmulos gemidos, convulsões...
Arfantes andarilhos desta noite,
Usando nossas línguas como açoite,
Em cima dos lençóis, mil turbilhões...
20750
Eu gosto deste jeito de gostares,
Sem medos, sem perguntas, simplesmente.
Buscando-te por todos os lugares,
Encontro-te decerto em minha mente...
Lutando contra as dores do passado,
Vencendo os meus terríveis, duros traumas,
Somente por estar aqui do lado,
O teu sorriso brando; já me acalmas...
Calcando o meu futuro nestas horas,
Eu vejo que serei, enfim feliz,
Eu quero sem demandas nem demoras,
Tu és o que em verdade sempre quis.
E quando a morte enfim selar meus dias,
Terei vivido minhas fantasias...
20751
Eu tenho em minhas veias, liberdade,
E sonho com um mundo mais gentil,
Aonde ao encontrar serenidade,
Esqueça do passado, amargo e vil,
Vivendo esta esperança, eis a verdade,
Busco quem me deixou e já partiu,
Vagando pelas ruas da cidade,
Um sonho que entre dedos se esvaiu...
Bebendo a nostalgia gota a gota,
Minha alma transparente e quase rota,
Perdendo a sua rota, segue assim.
Quem dera se voltasses, neste instante,
O mundo se mostrando radiante,
Traria a paz que busco para mim...
20752
Eu sei quanto é preciso navegar
Em busca de outras terras, novas gentes,
Enfrento tempestades e serpentes,
Adentro destemido qualquer mar,
E quando dei a sorte de encontrar
Esta índia, com seus brincos e pingentes,
Antigos pensamentos, penitentes,
No mesmo instante eu soube o que é amar...
Voltar a Portugal? Não penso nisso,
O amor ao dar um nó tão corrediço,
Atando eternamente os nossos passos...
Distante desta bela e rica Loures,
Descubro no Brasil, jardins e flores,
Estreitando contigo, firmes laços...
20753
O amor não suportando mais correntes,
Adentra libertário; os corações,
Rompendo desde sempre estes grilhões,
Espalha pelos campos as sementes.
E quando o grande amor penetra as mentes,
Perdemos os caminhos, direções,
Entregues às insânias das paixões,
Vagamos pelo mundo quais dementes...
Não tema se chegar este momento,
Ardências e prazeres pareados,
Os céus que tu querias estrelados,
Imersos em profundos sentimentos,
Vagando no infinito de dois seres,
No absinto tão gostoso de beberes...
20754
Jamais deves lutar contra as palavras,
Apenas são amigas, nada mais.
E quando com carinho a terra lavras,
Produzes assim frutos magistrais...
A terra necessita no seu cio,
De bela adubação, carinho e esmero,
Não tente imaginar solo vazio,
A própria fantasia é teu tempero.
E quando, no final sentir o vento
Tocando em tua face mansamente,
Nunca resista ao doce movimento
Abrindo o coração, expondo a mente.
Quem faz a poesia sem segredos,
Supera de si próprio, tolos medos...
20755
Singrando por teus mares, busco o cais
Aonde gotejando o doce orvalho,
Encontro descaminhos magistrais,
Descubro, por acaso, cada atalho,
Esqueço dos problemas e me entrego,
Numa total insânia, vou inteiro,
E quando no teu mar, calmo navego,
Paisagens desvendando, meu saveiro.
Buscando na viagem o Eldorado,
Sortidos diamantes, esmeraldas,
O gosto do prazer e do pecado,
Safadas e profanas tempestades,
E quando os gozos fartos tu desfraldas,
Inundo-me com raras umidades...
20756
Jamais esquecerei nossa amizade,
Durante a tempestade foi meu cais,
Eu sei quanto é difícil claridade,
No meio de terríveis vendavais...
E quando vai batendo uma saudade,
Dos tempos que não voltam nunca mais,
Eu penso: conheci felicidade,
Não há somente hienas e chacais...
Ao ver a noite clara em plena lua,
Olhando calmamente para a rua,
Aguardo sem pensar tua chegada...
E mesmo que não venhas, eis aqui,
Teu carinho jamais eu esqueci,
Tua existência, por mim, sempre louvada.
20757
Soneto se encontrando semi-morto,
Um velho moribundo, sem saída,
Procura em desespero qualquer porto,
Porém a sua história está perdida.
Um sonetista segue em rumo torto,
Perdendo muito tempo em sua vida...
É claro que resisto, sou teimoso,
E faço do meu verso, meu escudo,
Um tempo, no passado, glorioso,
Agora simplesmente, fico mudo.
Mas digo e te repito, sou tinhoso,
No mínimo persisto e inda me iludo...
Quem sabe noutros dias, no futuro,
Soneto irá saindo enfim do escuro...
20758
Verdades que julgara universal,
Mutantes, variáveis tão complexas,
Enquanto no Brasil há carnaval,
Os carros alegóricos no Texas...
Assim não sei jamais para onde vou,
Se sou e não seria se soubesse,
Quem sabe o que perdeu e o que ganhou,
Louvando, amaldiçoa numa prece...
O peixe vai subindo a correnteza
Enquanto vou descendo em meu caiaque,
A cada nova queda uma surpresa,
Tomara que este barco não empaque.
E quanto mais no assunto me aprofundo,
Menos entendo enfim, o nosso mundo...
20759
À noite sob a lua, um andarilho
Encontra encruzilhadas tão diversas,
As suas decisões então dispersas
Escolhem o caminho, segue o trilho.
E a cada nova esquina um empecilho,
Ouvindo bem distantes, as conversas,
Em plenos pesadelos vão imersas
As frias sensações; soturno brilho...
Andando sem destino por veredas,
Aguardo o renascer de um claro sol,
Embrenho-me por várias alamedas,
Qualquer esconderijo, qualquer toca,
E encontro finalmente este paiol,
Aonde a fantasia vã se estoca...
20760
- QUE SEJA FEITA A SUA VONTADE
Senhor; não cale nossa voz, pois ela
É necessária neste instante rude.
Enquanto a podridão da alma revela
Eu peço-te Meu Pai, que nos ajude...
O barco da esperança abrindo a vela,
Porém a seca toma todo o açude,
O sangue em minhas veias se congela,
Confesso: fiz bem menos do que pude...
Só peço que me dês a fortaleza
Capaz de desvendar meus próprios erros,
Condene-me Senhor aos vãos desterros
Se não sei dividir a minha mesa,
Que seja feita assim, Sua vontade,
E o amor inda domine a humanidade!
20761
Enquanto os milionários se aprisionam,
Fugindo das camadas miseráveis,
Os dias ficarão insuportáveis,
Mecanismos que nunca funcionam
E as bombas que os estúpidos detonam,
Neste quesito são insuperáveis,
Os homens de poder sempre intragáveis,
Só mudam os seus nomes, pois se clonam...
A fome se espalhando, sempre aumenta,
Abutre de cadáver se alimenta
E viva o carcará – primeiro mundo.
Eu vejo no lixão moças, crianças,
Depois no cabaré, horríveis danças,
E o mesmo antigo povo, inerme, imundo...
20762
As honras quase nunca merecidas,
Em forma de comendas, são risíveis,
Políticos arcaicos, implausíveis
Pautando na miséria suas vidas...
Sorrisos sempre falsos e as feridas
Eternamente abertas e visíveis,
Promessas de campanhas, impossíveis
Montanhas de mentiras soerguidas...
E assim é sempre a mesma ladainha,
Abutre se disfarça de andorinha
Voando sem pagar qualquer viagem.
E o povo esfomeado inda agradece
Comprando bugigangas na quermesse
Um viva à mais completa sacanagem!
20763
A tarde adormecendo lentamente,
Tomada pela treva, escuridão,
Crepúsculo invadindo esta amplidão,
O dia se esvaindo totalmente...
É como se a esperança agora ausente,
Trouxesse para mim a negação
E o verso se perdendo, grita o não,
Enquanto este vazio, uma alma sente...
Pressinto nova noite sem ninguém,
A morte se orquestrando pouco a pouco,
Na mesma sinfonia, feito um louco,
Procuro a solução que nunca vem...
Atravessando a esmo a madrugada,
Recolho dos escombros, sempre o nada...
20764
Percorrendo vielas, nas esquinas
Antigas cidadelas, fortalezas,
Nos guetos quando cedo desatinas,
Descobres afinal raras belezas.
E enquanto com teus versos me fascinas,
Enfrento sem temor as correntezas,
Correntes; arrebento e me destinas,
Em plenos vendavais, tantas surpresas...
Nos olhos do meu povo, uma esperança,
Que há tanto procurava; um alimento,
Nos sonhos e tempestas que eu enfrento,
A vida sem descanso, quando avança
Espera uma serpente de tocaia,
Mas logo vê chegando, a areia, e a praia...
20765
Enlouquecido passo pelas ruas,
Qual fora um cão perdido sem coleira,
A vida sendo honesta e verdadeira,
Permite que inda sonhe que flutuas,
E quando percebi as peles nuas,
Na intensidade certa, alma ligeira,
Subiu mais que depressa esta ladeira,
As horas de prazer; minhas e tuas...
Talvez fosse capaz de criar asas,
Passando até por cima destas casas,
E chegar à janela de quem quero.
Teus lábios nos meus lábios, saborosos,
Momentos sem igual, tão prazerosos,
De novo; por favor, ainda espero...
20766
O que fazer se nada desse certo?
Andar despreocupado por aí?
Fugir para a floresta ou pro deserto,
Fingindo que não sei ou que esqueci?
De longe é diferente, mas de perto
Parece, tenho dúvidas, que vi,
E quando mais ausente, mais me alerto,
Não sei se no Oiapoque ou no Chuí...
Vendendo estas muambas paraguaias,
Guardando as ilusões, nas velhas baias,
Testando algum produto farmacêutico...
Tampouco se fizesse valeria,
Se eu fosse mais esperto venderia,
Qual método moderno e terapêutico...
20767
Um velho timoneiro no seu barco,
Aporta no mais belo ancoradouro,
Queria em teus desejos ser o marco
Aonde desfrutar raro tesouro.
O tanto que sofri; meus erros arco,
Pensara num tormento duradouro,
De todos os quereres, sendo parco,
O velho coração, um fervedouro...
Mas ouço uma sereia e o belo canto,
Espalha sobre a terra tal encanto,
Fazendo-me perder rosa dos ventos.
E agora o que fazer se estou entregue?
Uma alma que cigana não sossegue,
Vagando por delírios e tormentos...
20768
Dizia dos meus erros, meus acertos,
Desertos que enfrentei sem ter oásis,
Passando por fronteiras, mil apertos,
Entregue às frias feras tão vorazes.
Perpetuando a dor de ser poeta,
E crer ser impossível novo dia,
Seguindo quase sempre em linha reta,
Bebendo cada gota da agonia,
Exorbitantes mares; imagino,
Fronteiras; que distantes dos meus ermos,
O sol deveras forte, estando a pino,
Procuro para a morte, novos termos.
E vejo que depois da imensa curva,
A vida permanece amarga e turva...
20769
No jogo da conquista, um aprendiz
Que canta solitário em seu recanto,
Vivendo a fantasia, inda me encanto
Com o que teu coração às vezes diz...
Decerto a vida é palco, e boa atriz
Já sabe até de cor, sorriso e pranto,
E quando noutros braços, sabe o quanto
Parece ou na verdade se é feliz.
Arranhas minhas costas, tuas unhas,
Enquanto mil promessas tu compunhas,
Ausente de teus sonhos, nada resta.
Perdido e sem saber se volto ou não,
Quem quis ser o galã vira bufão
E a velha fantasia já não presta...
20770
Abençoado aquele que se entrega
Sem dúvidas, perguntas nem mentiras,
Enquanto a vida segue leda e cega,
Os velhos corações, sublimes miras...
O amor feito um jardim, exige rega,
E quando vãs palavras não atiras,
Quem ama com firmeza nunca nega
Mantendo sempre acesas estas piras...
Incensos e florais, odores vários,
Não tendo nos caminhos adversários
O amor conquista a Terra, se deixares...
E mesmo que inda enfrentes furacões,
Nos braços incansáveis das paixões,
Elevarás teus olhos aos altares...
20771
Defendo dos amores, a bandeira,
Fazendo dos meus versos, barricada.
Por vezes a defesa destroçada
Demonstra uma fraqueza corriqueira.
Quer queira ou na verdade até não queira,
A vida sem amor, não vale nada,
Atravessando logo de calçada,
A sorte- ser feliz – foge ligeira...
No extremo da ilusão, farpas arranco,
Na queda da barreira e do barranco,
As perdas são totais, eu não duvido...
Porém as tempestades tropicais,
Nas chuvas que virão; torrenciais,
Só sobrevive aquele prevenido...
20772
Usando tuas pernas quais tenazes,
Aprisionando assim, o seu parceiro,
Percebo quão divinos e vorazes
Prazeres e me dou, mergulho inteiro.
Nas rotas perfumadas, mais audazes,
O amor feito um delírio, costumeiro,
Escondes sob as mangas os quatro ases,
No jogo que queremos corriqueiro,
No mato, no motel ou numa rede,
Eu mato no teu corpo a minha sede,
Num vício prazeroso, satisfeito,
Arranco o teu vestido e te desnudo,
Mergulho sem defesa e vou com tudo,
Deleito-me ao deitar sobre o teu leito.
20773
Eu fujo da danada a vida inteira,
Porém de vez em quando uma surpresa,
A companheira eterna e derradeira,
Fazendo-me depressa sua presa...
Às vezes, sem querer eu dou bandeira,
Mas ela de tocaia, gentileza,
Ainda me deu chance verdadeira,
Porém a sua foice vive tesa...
Durante certo tempo não pensava
Que poderia vê-la tão de perto,
Agora se não fico mais esperto,
A peste num segundo me levava,
Estou vazando fora, de mansinho,
Mineiro quando foge é de fininho...
20774
pior mal
não há socialista inocente
se tem má intenção é conivente
se inda acredita, ignorante,
pois na História os fatos são gritantes
não há capitalista limpo e puro
pois como homem é um egoísta
mas acredita que o trabalho duro
é o que leva ao fim que tem em vista
e nesta fé exige o que dá
sem ilusões nem frases empoladas
pra ele o ter iguala o que há
de mais valia, metas conquistadas
se egoísmo é universal
parasitismo é o pior mal
zéferro, 17.dez.2009
Concordo com teus versos, meu amigo
Porém também não vejo uma esperança
Neste capitalismo em que se lança
A humanidade inteira num perigo,
Riqueza que gerando o desabrigo,
Ciranda financeira; louca dança,
Que a todos devorando sempre avança.
Matando a liberdade que persigo.
Mas é preciso ter muito cuidado,
Imensas arapucas liberais,
Destroem cada mata, senda ou prado,
É necessário sempre qu’humanismo
Impeça estas doutrinas amorais,
Embora isto pareça romantismo...
20775
Jamais deixei de amar-te, não percebes?
Tu és a principal razão da vida
De uma alma tão simplória e distraída
Perdida entre as veredas, rotas, sebes...
Não vês quantos carinho tu recebes?
Razão de minha luta, dura lida
Sem ti, toda esperança anda perdida,
Será que meu amor; já nem concebes?
Talvez quando chegar o fim da história,
E apenas existirmos na memória
Terás real noção do imenso amor
Não deixe que isto ocorra, eu te suplico,
Embora miserável, faz-me rico,
Embora seja um pária – um vencedor...
20776
Entrego-me aos prazeres que me dás,
Sem ter sequer limites, nem segredos,
E enquanto a fantasia amor me traz,
Afasto para sempre os tolos medos...
Amar-te é conduzir-me à eternidade,
Saber quantos caminhos; necessito,
O amor quando se faz com qualidade,
Tornando o nosso mais bonito
Salpica mil estrelas pelo chão,
Adentra o meu telhado, e na varanda,
A lua iluminando o meu rincão,
Pesando o coração, ando de banda...
Só sei que quando vens tu me dominas,
E as noites que iluminas, cristalinas...
20777
Ao som deste bolero, a noite passa
As bocas se procuram sem perguntas
Meu corpo no teu corpo se entrelaça,
As almas num compasso seguem juntas.
No dia que me queiras, a alegria,
Tomando nossa noite em bela ronda,
A lua enternecida que surgia,
Qual bola sideral, grande e redonda
Amantes construindo seus destinos,
Ao som da melodia inebriante,
Sublimes ilusões e desatinos,
Tomando nossas vidas neste instante...
E assim, tanto desejo quanto quero,
O amor ao som divino de um bolero...
20778
Por que aceitá-la se ela é uma intrusa?
Arrogante e soberba entra onde quer
Através dos vários meios que ela usa
Alcança o rico, o poderoso e o ralé.
Quando aparece ou chega de mansinho
Ou se apresenta de maneira que espanta
Vem à noitinha e às vezes bem cedinho
Ao meio dia, tardezinha ou pelas tantas.
Seu aspecto é bem amedrontador
Não tem aquele que dela se escafeda
E quando chega ela causa muita dor
Pra escapar de sua lábia só por sorte
Todos ao vê-la sentem medo e pavor
Nem a vida aceita a própria morte
NATHANPOETA
Percebo quando chega de mansinho,
E adentra; sorrateira, o apartamento,
E como se fizesse algum carinho,
Chamando-me atenção por um momento.
Às vezes nos espreita no caminho,
Ou pega de surpresa; num tormento,
A morte, num rompante, faz seu ninho,
E espalha entre alguns, dor e lamento...
Mas sei que dela não escaparei,
Apenas adiando a sua vinda,
Inevitável norma, dura lei,
Antítese da vida; se confessa,
Pois quando uma termina e já se finda,
A morte ao mesmo instante, ela começa...
20779
Num gesto delicado, docemente,
Amantes se encontrando em plena noite,
O mundo rodopia e num repente,
Encontro a fantasia que me acoite,
Expresso em cada verso esta vontade
De estar, ser e poder viver contigo,
Amar com a maior sinceridade
Protege o ser amado do perigo,
E quando a morte enfim chegar aqui,
Encontrando-me em paz, há de saber,
Do amor que imaginei e conheci
Que em imensa plenitude pude ter
E ao reparar assim no meu sorriso,
Me levará decerto ao Paraíso...
20780
Aceite, meu amor a contradança
Valsemos nessa noite que ela é nossa,
Bem antes que a saudade mostre a lança,
A vida do teu lado; vem e adoça,
Não quero e não suporto outra mudança,
Tampouco vou ficar na eterna fossa,
O amor que o coração tocando amansa,
Encanta enquanto os sonhos loucos roça.
Cadenciando os passos, noite afora,
Intensa maravilha nos decora,
E enquanto sou contigo, estou feliz...
Arcanjos, querubins, se aproximando,
O mundo outrora brusco, agora é brando,
Fartando-me do amor que sempre quis...
20781
Misteriosamente a vida traz as chaves
E tranca os velhos cofres da emoção,
Quem dera descobrisse então as naves
E delas a mais pura perfeição,
Encontro no caminho tais entraves
Que impedem a completa progressão,
Tivesse no meu corpo como as aves
As asas da total libertação
Eu venceria em paz longas distâncias,
Chegando às mais sublimes das estâncias
Tocando com meus pés os Paraísos...
Mas nada do que tento, em paz consigo,
E se durante as noites eu prossigo,
Os passos têm que ser sempre precisos...
20782
Tu foste meu princípio, meio e fim,
A perda mais dorida que eu já tive,
Se apenas a minha alma sobrevive,
A morte vem rondando e chega enfim.
Pudesse transformar este jardim,
Distante do que outrora, em sonho estive,
Sem ter a fantasia que se prive,
O mundo não seria torpe assim...
Assassinaste aos poucos, ilusões,
Roubaste sem saber cada roseira,
Espinhos; espalhaste pelo chão,
Seguindo em imprecisas direções,
A vida no final dando rasteira,
Matando na nascente o ribeirão...
20783
Pudesse caminhar por tuas sendas,
Seguir as tuas rotas, ser teu par,
Enquanto os meus desejos; já desvendas,
Conheço os teus atalhos, devagar...
Num jogo em que não vejo vencedores,
Sequer nós perderemos um só set,
Distante dos temores e pudores,
Pintando a noite inteira sempre o sete.
Acertando as jogadas, arrepios,
Amor à flor da pele, não tem jeito,
Os corpos encarando os desafios,
A cada novo lance, mais perfeito.
Promessas são cumpridas, todas elas;
Corcéis e montarias, sem ter selas...
20784
Não quero ser capanga ou coronel,
Apesar dos pesares, liberdade.
Não sei se cumprirei o meu papel
Perante a tal falada sociedade.
Por mais que isto pareça ser cruel,
A boca que me morde dá saudade,
Jogado pelas ruas, busco o céu,
Encontro no final, realidade...
Bagunça o meu coreto o não saber
Se ainda tenho chances de viver,
E quando vai chegar o meu final.
Pecados? Sei que muitos e me pesam,
Amigos do passado me desprezam,
Naufrago sem ter porto, a velha nau...
20785
Poder servir em paz meu semelhante,
Tentando dirimir uma injustiça,
A Terra se entregando à vil cobiça,
A marca da miséria num semblante
Demonstra a cada instante a realidade;
Cadáveres de sonhos pela esquina,
O corpo emaciado da menina,
E a fome se espalhando na cidade...
Os vermes dilaceram esperanças,
Apodrecendo em vida seus irmãos,
Os cantos e orações, seguindo vãos,
Demônios vão erguendo finas lanças
Na pútrida moral que hoje se expõe,
A suja sociedade decompõe...
20786
Servir a quem não serve e inda maldiz,
Perdendo as minhas últimas vontades,
Criando em meu caminho as ansiedades,
Ainda sou dos sonhos, aprendiz.
Querendo o que jamais alguém me quis,
Viver os dias todos, liberdades,
Marcado feito gado por verdades.
Veredas que inventei, e fui feliz.
Carrego nos bornais, estrelas frias,
E guio cada passo pelos céus,
Antigas ilusões, velhos ilhéus,
Amargas são as minhas poesias,
Nas ondas destes mares que naufrago,
Buscando as intempéries, cruzes trago...
20787
dissimulada
as tuas pernas são as guardiãs
do teu tesouro por mim cobiçado
que eu quero afastar todas manhãs
pra chegar onde ele está guardado
porque, mulher, tu és tudo o que quero
na vida pra sentir que vale a pena
e pra ganhar-te, paciente, espero
enquanto tão de longe ele m'acena
não quero resistir ao seu chamado
antes eu quero nele mergulhar
e dele emergir,. feliz, cansado
pr'ainda mais faminto retornar
por que vamos negar a obsessão
se tu és quem me cusa o tesão?
zéferro, 18.dez.2009
Entrego-me aos anseios mais sacanas
Usando nossa cama como altar,
A deusa em suas teias tão profanas,
Sabendo a cada instante conquistar,
Nas loucas aventuras, noites tantas,
Mergulho nos teus seios, tuas pernas,
E entregue aos teus sorrisos, farsas, santas,
Adentro tuas tocas, belas, ternas...
E insano te desvendo, teus mistérios,
Volúpia nos tomando; cada espaço,
Descubro teus reinados, teus impérios,
Mapeio teus caminhos, traço a traço,
E os fogaréus tomando este cenário,
Um pária te penetra, temerário...
20788
não há almoço grátis
são meus os teus cuidados, meu amigo
mas sou um realista inveterado
só resta à Humanidade um abrigo
trazer os seus defeitos pro seu lado
porque o egoísmo não permite
o fruto do trabalho repartir
se o outro faz de tudo pra que evite
o duro mourejar ter de sentir
assim, por puro senso de egoísmo
porque é lucrativo ter parceiros
criou-se o tal do capitalismo
que manda repartir lucro a terceiros
não há milagre nem almoço dado
por tanto socialista procurado
zéferro, 18.dez.2009
A fome repartida, na verdade,
Jamais seria alguma solução,
Restando à podre e imunda humanidade,
As sobras do que outrora fora pão,
Também não vejo liberalidade,
Nem sonho com a tal revolução
Que trague para o povo a liberdade,
Apenas utopia. A solidão
Se espalha entre os viventes, pobres seres,
Que criam seus fantasmas e os sustentam,
A morte mais comum, os violentam,
Demonstram quão são frágeis os poderes
Dos que se imaginando inatingíveis,
Transformam os humanos em tangíveis...
20789
Mergulho no passado, e teu retrato
Tomando minha mente, amarelado,
Dizendo quão feliz; enamorado,
E os sonhos num momento eu arrebato
Enquanto penso em ti, eu me maltrato,
O amor que desejei; abandonado,
Apenas o vazio, e transtornado,
Percebo quanto fui tolo ou ingrato.
As cartas que mandaste, na gaveta,
O olhar puro e sincero, adolescente,
A noite inebriante; vinhos, festas,
A vida num rompante qual cometa,
Felicidade então, se fez urgente,
As doces ilusões, mortas, funestas...
20790
Perdidamente louco e apaixonado,
Tocado pelos raios da ilusão,
Vibrando numa imensa sensação
Vivendo cada sonho do teu lado.
O quanto fui feliz num desregrado
Caminho sem saber a direção,
Alado pensamento, inundação
Nas margens de um regato, alucinado...
Expresso o meu desejo em cada verso,
E faço do poema, uma maneira
De ter em minhas mãos teu universo
Vagando pelas ânsias da loucura,
Querendo eternizar a companheira,
Após a vida inteira em vã procura...
20791
Arranhas minha pele, tresloucada,
Insana companheira de trapaças,
Durante alguns instantes, presas, caças,
A fera numa intensa cavalgada.
O olhar desta pantera que esfaimada,
Meu corpo com as coxas, logo enlaças,
Nas costas; tuas unhas- cedo esgarças.
E assim a noite inteira, e a madrugada...
Entregue a tal loucura, nada vês,
O sangue derramado sobre a cama,
Distante do que fora lucidez,
Gargalhas e sussurras palavrões,
Assim enquanto acesa a tua chama,
O gozo vem surgindo aos borbotões...
20792
Meu lírico cantar, ultrapassado,
Falando do horizonte que não vejo,
Nas mãos tão delicadas, meu desejo,
Não posso me agregar ao teu passado.
Durante tanto tempo enamorado,
Somente a solidão, que ora prevejo,
Surgindo numa espécie de lampejo,
Momento desde sempre vislumbrado...
Cortando a minha pele, devagar,
Rasgando lentamente e me ferindo,
O amor que imaginara se esvaindo,
Fugindo para a noite sem luar.
Restando ao sonhador, ermos vazios,
Antigos e sombrios desafios...
20794
Sentindo o teu perfume inebriante,
Bebendo em tua boca este veneno,
Tornando tresloucado um mundo ameno,
Fazendo-te senhora, deusa e amante...
Tua nudez, decerto deslumbrante,
No gozo prometido eu me sereno,
Os medos e as angústias, logo dreno
Diante do teu corpo provocante...
Passeio minhas mãos pelos teus montes,
Adentro os vales úmidos, tremulas.
Nos olhos desvairados, tantas gulas,
Descubro prazerosas, doces fontes...
Nos gêiseres explodes e me inundas,
Profanas maravilhas, tão profundas...
20795
LANGUIDEZ
Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de portugal, as tardes de Anto,
Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!
Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...
E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...
Florbela Espanca
Nas tardes mais amenas, primaveras,
As horas são tão puras e suaves,
Ausente dos temores, dos entraves,
Mantendo bem distante, frias feras...
E enquanto o anoitecer, calada esperas,
Ouvindo o gorjear de belas aves,
Construo meus palácios das taperas,
E os pensamentos voam como naves.
Fechando assim meus olhos, imagino,
O tempo mais feliz, onde, menino,
Corria pelas tardes, nas veredas
E campos desta terra em que nasci,
Retorno e num instante estou aqui,
Sentindo tuas mãos, suaves sedas...
20796
Eu trago uma lembrança de um momento
Aonde fui feliz e não sabia,
Tomado pelas mãos de uma agonia,
Invés de calmaria, eu me atormento...
Tivesse pelo menos novo alento,
Quem sabe, meu amor, não sofreria,
A morte me tocando, dia a dia,
Espalha a tempestade e bebo o vento...
Durante certo tempo, a claridade,
Em forma de carinho e de amizade,
Trazia para o peito, a paz que quero...
Mas nada resistiu aos vendavais,
Desesperadamente busco um cais,
Que seja pelo menos, mais sincero...
20797
O quanto fui feliz e não sabia,
Resíduos de uma bela mocidade,
O fogo consumindo, cedo ardia,
Perambulando; vago na cidade
E creio que talvez haja outro dia,
Aonde se conheça a liberdade.
Meu canto feito em luz e poesia,
Morrendo quando vê realidade...
Lavrando sobre terra tão agreste,
Levando cada sonho que impuseste,
Almejo pelo menos, ter em paz
Os últimos momentos e lampejos,
São simples, na verdade, meus desejos,
Porém a noite escura nada traz...
20798
A madrugada traz os seus mistérios,
A madrugada traz os seus mistérios,
Segredos que entre becos, se desnudam,
Sacrílegos, os homens ditos sérios,
As faces e as palavras, todas mudam.
Um ébrio adormecendo na calçada,
A moça desfilando seus anseios,
Sorriso explodindo em gargalhada,
Distantes já estão quaisquer receios...
Enquanto a turba passa; em prontidão,
Abutres aguardando algum repasto,
E vendo esta terrível confusão,
Aos poucos destas cenas eu me afasto,
Hipócritas senhores e senhoras,
Cadáveres e sombras que devoras...
20799
Livrai-nos dos pastores; das Igrejas
Trazei-nos a real noção do amor,
Pois sei que na verdade o que desejas
É o vento tão macio e alentador.
Nas mãos as velhas marcas que inda tens,
Traduzem Teu enorme sacrifício,
Os homens cultivando os ricos bens,
Lançando- Te, Senhor do precipício...
Livrai-nos da fatal hipocrisia,
Erguida em mil altares, sacrilégios.
Da imunda podridão da sacristia,
Um mundo feito em tantos privilégios...
Livrai-nos de nós mesmos, pecadores,
E sejamos das almas, pescadores...
20800
Parece ser tão fácil ser cristão,
Um cidadão honesto; paga impostos,
Esquecendo de olhar para outros rostos,
Jamais perceberá qual direção
Seguir em meio à grande multidão
Aonde os corações vão sendo postos,
E quanto aos miseráveis quando expostos,
Moedas garantindo a salvação...
Tens nojo das horrendas criaturas,
Jogadas nas calçadas, quase nuas.
E a tua caminhada; continuas...
Olhando para alhures, tu procuras
Somente soluções pros teus problemas,
Sem perceber nas mãos, tuas algemas...
20801
Às portas do Congresso Nacional,
Encontrando os mendigos e pedintes,
Nas vésperas das festas do Natal,
Imagens são terríveis, quase acintes.
Olhando mais de perto, posso ver
Crianças e mulheres tão sofridas,
Da fonte tão amarga de beber,
As carnes decompostas, corroídas...
Em trajes sociais, os deputados,
Ultrajes tão banais, miséria e fome,
Comprados e vendidos em mercados,
Abutre carniceiro, tudo come...
E quanto for maior putrefação,
Mais fácil, com certeza a digestão...
20802
Espero pelo triste anoitecer,
Rondando os meus escombros, vou vazio.
O quanto pude em vida apodrecer,
O medo se tornando um desafio,
Perdendo esta meada, a do viver,
Buscando pelas ruas qualquer fio,
Na ausência interminável de prazer,
Um novo amanhecer; em sonhos crio.
E quando a noite chega sorrateira,
Olhando para estrelas, adivinho
Dos mares tão distantes, o caminho,
E faço da tristeza uma bandeira.
Alçada a meio mastro, esterno luto,
E tento uma saída, mas reluto...
20803
Soubesse desfrutar cada momento
De amor e de esperança que me é dado,
Talvez mudasse ainda o amargo Fado,
Sinônimo de dor e sofrimento...
Qual onda que em penedos me arrebento,
Vivendo tão somente do passado,
Um velho coração enamorado,
Dos erros previsíveis me inocento...
Ouvindo estes marulhos, tão distantes,
Eu imagino os mares por instantes
Sereias são amantes, ilusão...
Carpindo cada ausência, morto em vida,
Escrevo minha carta-despedida,
Mergulho na completa solidão...
20804
Se acaso tu vieres e notares
O meu olhar tristonho e tão ausente,
Talvez isso pareça indiferente,
Porém guardando em mim os sete mares,
Alçando a liberdade, vago em bares,
E o quanto não terei já se pressente,
No gosto adocicado da aguardente
Lembrando do passado, casas, lares...
Mas não vejo perdidas ilusões,
Somente fomentando ebulições
Que fazem do poeta, um mentiroso,
Se nada mais houvesse em minha vida,
A velha inspiração, tola e perdida,
Negando a maravilha feita em gozo...
20805
Minuciosamente em cada verso
Eu ergo os meus troféus; lágrima e dor.
O quanto que vaguei pelo universo
Buscando simplesmente recompor
O mundo que ora vejo assim disperso,
Nas mãos de um solitário sonhador,
Por mais que o tempo seja vão, perverso,
Imerso nos teus braços, digo amor...
Mas de repente sou apenas frágil,
Por onde no passado me fiz ágil,
Tropeço nas escadas que criei...
Partindo cada vaso, destroçado,
Soneto que disforme, está calado,
Procuro algum descanso em outra grei...
20806
Não sei por que falaste deste jeito,
Errático cometa; perco as guias
Deixadas por arcaicas fantasias,
E volto a ter meu mundo tão desfeito.
Raquítica esperança ainda alento,
Mas sei que nada disso dará certo,
O mundo que criei; ledo deserto,
Entregue à tempestade; frio vento.
Pudesse ser ao menos mais gentil,
Cordato e até pacífico, quem sabe,
Porém tal realidade não me cabe,
E sigo sem paragem, mesmo vil.
Feridas que causei, eu cauterizo,
Na noite dos meus sonhos; só granizo.
20807
Perdido nos meus sonhos, sem descanso,
Aguardo algum momento que não vem,
Preciso urgentemente ter alguém
Que torne o coração sereno e manso.
Diverso da emoção que agora alcanço,
Dos mundos que criei, seguindo aquém,
A morta poesia também tem
Motivos que minaram meu remanso.
Na febre me toma; árduas pelejas,
Silenciando a voz quando trovejas,
Fomentando a ilusão que já se apossa
De um velho trovador apaixonado,
Que vive tão somente do passado,
E o solo duro e agreste, ainda roça...
20808
O velho coração de um sonhador,
Não teme tempestades nem procelas,
Rompendo com firmeza frias celas,
Entrega-se deveras sem pudor.
Quem dera se eu pudesse; lavrador,
Arar as esperanças que ora selas,
Pintar com farto brilho raras telas,
Com olhos e talento de pintor...
Quem dera se eu tivesse este poder,
De transformar a dor em alegria,
O mundo bem melhor eu criaria
Repleto de ternura e de prazer.
Tocada pelas luzes que me trazes,
Meus sonhos bem maiores e capazes...
20809
A vida se eterniza a cada entrega,
Sem medo e sem pudores; livremente,
Tomando o coração, invade a mente,
Por mares delicados já navega;
E quando encontra um cais, doce loucura,
Ancora os seus delírios e anseios,
Perfuma com brandura, colo, seios,
Num êxtase repleto de ternura...
Delícias repartidas, um só gozo,
O mundo cabe todo em nossas mãos,
Cevando dos prazeres, raros grãos,
Teremos um futuro prazeroso,
Banhar nossa nudez em águas calmas,
Entregando deveras nossas almas...
20810
Saudade que te trouxe à minha casa,
Depois de tantos anos, dura ausência,
Pedira um só momento de clemência,
Inerte coração; sorri; se abrasa...
Por vezes a distância é tão cruel,
Sonega qualquer chance e nos maltrata,
A vida que passei, por ser ingrata
Sonegava a presença de algum céu.
Morrendo pouco a pouco; sou apenas,
A sombra do que outrora se fez forte,
Vagando pela vida atrás da morte,
Revendo a cada dia, velhas cenas...
Porém vieste agora me salvar,
Saudade encontra o amor em seu lugar...
20811
Sentir tua presença, mansa e terna,
Deliciosamente, estou em paz,
Que eu seja pelo menos mais capaz
E acorde o coração que agora hiberna...
Fazendo da esperança uma lanterna,
O brilho deste olhar, a noite traz,
Perdido em plena treva, mas audaz,
Uma alma que se entrega não inverna,
E teima em descobrir doces delírios,
Distante dos rancores e martírios,
Abrindo as minhas portas e janelas...
E quanto finalmente escuto a voz,
A solidão desaba em sua foz,
E um mundo belo e mágico; revelas.
20812
Houvesse alguma chance, eu lutaria,
Porém tanto cansaço já me vence,
Envolto pelos braços da agonia,
A morte, simplesmente me convence.
Esqueço; de repente, esta saudade,
Entrego-me aos banais pressentimentos,
E aonde percebera a claridade,
Turvados, os meus frágeis sentimentos...
Inóspitos caminhos, tais searas,
Levando para o fim; estou cansado.
As belas florações, deveras raras,
O tempo de sonhar; ledo passado...
Porém alguma luz ou fluorescência,
Ou simples fantasia, ou coincidência...
20813
Da vida um caminheiro sem paragem,
Adormecendo, lembro-me de ti,
Relembro cada cena que vivi,
Como se fosse agora, vã miragem...
Reconstruir meus sonhos e seguir
Sorvendo cada gole de esperança.
E quando maltratar-me tal lembrança,
Olhar para o futuro, e no porvir
Saber que este andarilho coração,
Terá algum descanso, finalmente,
Nos braços de outro alguém, ir plenamente
Buscando novo rumo e direção,
Até poder dizer que estou em paz,
Diverso do que fui tempos atrás...
20814
Relendo os versos tristes que escreveste
Durante a minha ausência, eu percebi
O quanto necessito; amor, de ti,
Mal sabes; tua pele me reveste
E se hoje sou feliz; isto eu te devo,
Os nossos caminhares tão iguais,
Não te abandonarei; meu bem, jamais,
Nem mesmo em pensamentos, eu me atrevo.
Decerto imaginaste; solitária,
Que a vida me trouxesse novas sendas,
Agora que retorno; tire as vendas,
A sorte não seria temerária...
Vencer os nossos medos e temores,
Somos da nossa história, os dois autores...
20815
Perpetuando a imensa fantasia
Que torna nossas vidas incomuns,
Tormentos e delírios; sei de alguns,
Na insânia que domina o dia a dia...
Meus versos vão fluindo como um rio,
Que plácido, caminha para o mar,
Saber quão necessário, o nosso amar,
Viver neste Eldorado que ora crio.
Sentir o teu perfume junto ao meu,
Beber em tua boca, este desejo,
Felicidade plena; enfim prevejo,
Tristeza há muito tempo me esqueceu...
Roçando a tua pele mansamente,
Fartar-me de prazeres, totalmente...
20816
Quando o teu olhar encontra o meu
Incêndios com certeza; fogo e chama,
Meu corpo sente a falta e te reclama,
De tanto que em fogo já se ardeu.
Volúpia nos tomando; intensidade,
Na fúria dos desejos incontidos,
Problemas, turbulências, esquecidos,
O amor nos vai levando à insanidade.
E quando tu me beijas e me tocas,
Adentro em pensamento estas fronteiras,
Palavras, carinhosas, lisonjeiras,
E sonho com as furnas, belas locas...
Nas ânsias que dominam meu viver,
Pudesse mergulhar no teu prazer...
20817
Não pude imaginar quanto queria
Amar-te sem perguntas nem porquês,
Além do que imaginas; do que vês,
Abandonado à sorte, já morria...
No quanto tanto amor me fez tão mal,
Jamais eu poderia te esquecer,
Queria ter nas mãos este poder,
E transformar meu mundo sempre igual.
Encantos e paisagens; não mais vejo,
Apenas a peleja que inda encaro,
Amor sendo sincero, embora raro
É tudo o que mais quero; é meu desejo...
Fartar-me das divinas maravilhas
Que emanas quando falas, quando brilhas...
20818
Viver cada momento como fosse
O derradeiro instante em nossa vida,
A mesma fantasia que te trouxe
Também prepara a nossa despedida,
O amor que um dia fez-se calmo e doce,
Enfrenta a tempestade e a ventania,
Enquanto esta alegria aproximou-se
Também já desfiou farta agonia...
Cadenciando os passos nesta dança,
Alçando a cada acorde uma esperança,
Vivemos as loucuras da paixão,
E quero eternizar cada segundo,
E quando nos teus sonhos me aprofundo,
Entranho sem temor tua emoção...
20819
Saudade faz estragos no meu peito,
Durante tanto tempo eu te busquei,
Será que amar se fez algum defeito,
O sonho não infringe qualquer lei,
Pensara muitas vezes satisfeito;
Porém neste vazio eu me entreguei,
Mas tudo que vier; calado aceito,
De todas as lembranças que guardei
Apenas teu olhar na despedida,
O mesmo que ainda vejo no retrato,
Marcante, com certeza, o amargo fato
Minha alma depois disto anda perdida,
Buscando algum alento, uma ventura,
Ausência prevalece e me tortura...
20820
Talvez restasse a chance que buscara
Durante a minha vida, inutilmente,
A jóia da esperança, sempre rara,
Tocando o coração, invade a mente.
Por mais que a vida surja o amor declara
Que tudo que passei, impunemente,
O gosto da alegria, também sara
E a dor de ser sozinho, faz demente.
Marcando com os medos, a existência,
Buscando tão somente esta clemência
Que possa dirimir meus sofrimentos...
Escrevo este poema/despedida,
Fluindo entre meus dedos, tola vida,
Que não valeu sequer alguns momentos...
20821
A sorte de encontrar quem não sabia
Durante a tempestade, naufragado,
O vento muitas vezes malfadado,
Fazendo deste sonho uma heresia.
Herméticos poemas, fantasia,
O beijo que foi sempre sonegado,
Atendo tão solícito ao chamado,
Porém sei que ninguém me respondia
Apenas minha voz num eco vago,
E bebo da esperança mais um trago,
Trazendo o grande amor dentro de mim,
Estúpida aridez, ermos carinhos,
Quem dera se pudesse; passarinhos
Veriam pelo menos meu jardim...
20822
Às vezes faço algum malabarismo
Tentando descobrir a solução,
Que possa me salvar do antigo abismo,
O amor não necessita devoção.
E enquanto houver nos olhos, romantismo,
Eu bebo desta mesma ingratidão,
E até me inebriando no lirismo
Que toca bem mais fundo o coração,
Arranco este espinho, dou-te a rosa,
E faço do soneto, o verso e a prosa,
Apenas uma forma de cantar
O quanto te desejo e não me queres,
Banquete sem comida e sem talheres,
A noite que imagino, sem luar...
20823
Eu mato um Jesus Cristo a cada dia,
Quando me omito frente a tais desmandos,
Pudesse ter nas mãos tantos comandos,
Pelo menos minha alma eu salvaria.
Poder significando podre orgia,
Facínoras formando sujos bandos,
Pudessem ser humanos, mansos, brandos,
O mundo feito em paz, melhoraria,
Porém em minhas mãos, também o sangue
Daqueles moribundos que trafegam
Entre as esquinas, vilas; desço ao mangue
E mergulho nos pútridos mercados,
Os homens nos cadáveres se apegam,
Também seguem iguais, dilacerados...
20824
Meu verso segue inútil; mas quem dera
Pudesse transportar alguma luz
Que ainda me trouxesse a primavera,
Tornando bem mais leve a minha cruz.
Enquanto apascentasse a dura fera,
Que ao mesmo tempo mata e me seduz,
Nos olhos faiscantes da pantera,
A mágica loucura de um obus.
E teimo em transformar o insano mundo
E quando de esperanças eu me inundo,
Calando qualquer dor que inda carregue,
Selando o meu futuro em voz macia,
Aguardo o renascer de um novo dia,
Sem nada, nem ninguém que o sonho negue...
20825
O acaso muitas vezes guia os passos
De quem tenta deveras outros dias,
Ao fugir das garras dos fracassos,
Espero pelas glórias e alegrias.
Por vezes falsos sonhos, e os abraços
Que outrora sem mentiras merecias,
Agora meus caminhos são escassos,
E apenas tão somente escadarias...
Escondo-me nos guetos e porões,
A escuridão se torna a grande amiga,
Ao mesmo tempo acolhe enquanto abriga,
E frente às mais perversas condições,
Um vagabundo ser, simples escória,
Tenta mudar aos poucos, sua história...
20826
Segredos que descubro a cada noite,
Nos sonhos muitas vezes tão frustrados,
Fazendo dos meus ermos, belos prados,
No encanto do prazer na dor do açoite.
Mistérios e loucuras, insânia e medo,
Nas fábulas e lendas, fogo e frio;
A cada novo passo, um desafio
Enquanto em seus caminhos me enveredo.
Nos bêbados, nas putas e mendigos,
Festejos e sombrias criaturas,
Nas pálidas e trágicas ternuras,
Encontro sempre ali grandes amigos...
E embora tantas farsas nos encubram,
Na noite diamantes se descubram...
20827
Não venho Te pedir, pois já me deste
Além do que decerto eu merecia,
O Amor que nos mantém e nos reveste
De pura santidade e de alegria,
Meu mundo no Teu sonho tanto investe,
E quando vez em quando distancia,
Encontro em Teu poder o que inda ateste
A força do perdão e da harmonia...
Senhor, simples ovelha em Teu rebanho,
Nas águas deste Amor quando me banho,
Certeza de limpar meu coração.
Só venho agradecer Tua acolhida,
Em Ti vejo a razão da própria vida,
Na Paz que Amor nos traz, minha oração...
20828
Nos guetos espalhados na cidade,
Favelas e cortiços; fome e guerra,
Como é possível ter tranqüilidade
Se a miséria completa ali se encerra?
Na luta pela posse de uma terra,
Sangrenta e tão cruel sociedade,
O olhar da burguesia já se cerra,
Calando a voz, matando a liberdade,
Nos becos a injustiça gera o medo,
A falta de polícia e de políticas
Que possam transformar, trazer a paz,
Matando a mocidade bem mais cedo,
Em zonas conhecidas e tão críticas,
Demonstram um poder cego e incapaz...
20829
É necessária a participação
De todos os pensantes; pois a vida
Precisa da perfeita comunhão
Que possa nos mostrar qual a saída
Para frear terrível corrupção
Já que esta com certezas; é devida
De fato à nossa pálida omissão,
E somente por nós será vencida...
A falta de noção e sensatez,
Na qual democracia aqui se fez,
Mantendo as estruturas mais arcaicas
Trazendo sempre à tona as distorções,
Políticos safados e ladrões,
Figuras tão escrotas e prosaicas...
20830
O fim da tarde traz angústia e medo,
A ausência de quem foi e não voltou.
E quando enfim percebo este degredo
Concebo que o vazio me restou.
Neblina escurecendo o céu mais cedo,
O tempo – inevitável- já passou,
E a vida vai mantendo o mesmo enredo,
Segredo que o passado confessou.
E quando em infeliz ansiedade,
Procuro algum sinal pela cidade,
Apenas encontrando os ermos vãos...
Saída? Não as vejo há tantos anos,
Dos velhos labirintos, desenganos,
Vazias, retornando minhas mãos.
20831
O que seria se não fosse a ética?
Anárquica e terrível confusão,
Por mais que minha mente seja cética,
É necessário o freio; por que não?
Visão que às vezes mostro ser poética,
No fundo me traz a constatação
Não sendo tão somente dialética,
Buscando com certeza a perfeição
Eu teimo em procurar algum caminho
Em que seja possível ser feliz.
Não é fazendo apenas o que quis
Que o homem deixará de ser sozinho,
O amor não pode ser tão solitário,
É sempre bem maior se solidário...
20832
O instinto à flor da pele necessita
De um mecanismo claro que o limite,
Enquanto este desejo imenso grita,
Bom senso com certeza não permite.
O mundo por si mesmo delimita,
Por mais que tal beleza sempre excite,
E o coração sem nexo já palpita,
O cérebro nos atos dá palpite
E faz com que se tenha a necessária
E tão civilizada contenção,
Mostrando com a clara luminária,
O rumo em que se deve prosseguir,
Trazendo então sentido e direção,
Mostrando o que é preciso coibir...
20833
O homem quando criou os seus demônios
Contendo eticamente os seus desmandos,
Além de controlar tantos hormônios,
No ataque feito em grupos, tribos, bandos,
Delimitou seus passos sobre a Terra,
E o Deus que é vingativo, se fez morto,
Verdade é que no Amor, meu Deus se encerra,
Gerando na amizade, o cais e o porto...
O mal sendo inerente é controlável
Somente pelas garras do terror,
O Pai que com certeza é tão amável,
Por ser de todo mundo o Criador,
Deixou a todos nós como lição,
O Amor na plenitude do perdão...
20834
Esqueço muitas vezes meus enganos
E sigo; navegante sem destino
Que teima ser ainda este menino
Sonhando com antigos, tolos, planos...
Causando ao coração terríveis danos,
Cometo a cada passo, desatinos,
E os dias se tornando pequeninos;
Tomados por momentos quase insanos...
Trouxesse do passado ensinamentos,
Talvez fossem suaves os momentos,
Mas teimo em me perder; nos mesmos erros.
E encontro a solidão a cada esquina,
Minha alma, insensatez, já determina
Por si mesma os meus ermos e desterros...
20835
Por tanto sentimento aos quais me entrego,
Expresso em cada verso, os mais sutis,
E mesmo que talvez seja feliz,
Em mares mais distantes, eu navego,
E quando me encontrar, perdido ou cego,
Tomado de aflição; serei quem quis,
Erguendo o meu olhar, tolo aprendiz,
Os medos que já tive; inda carrego
E faço de um engodo, ensinamento,
Lavrando com meu sangue este tormento,
Colhendo as belas flores que cevei.
E quando houver chegado o eterno fim,
Terei ao cultivar o meu jardim,
O mundo em plena paz que eu esperei.
20836
A vida tantas vezes ardilosa,
Preparando armadilhas, numa espreita,
Enquanto uma alma insana se deleita
E em meio a tais prazeres, louca, goza,
Por mais que a terra mostre-se argilosa,
Moldando esta verdade em que se aceita
Um tempo de alegria, onde se deita
A sorte que buscara espinho e rosa,
Aquém deste ideal que se supõe
A dor da fantasia decompõe
E mostra quão voraz se faz o amor,
Recebo dos teus olhos, farto brilho,
E penso em cada passo, no empecilho
Que impeça o coração navegador...
20837
Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.
Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juízo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos não dissesse.
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tão diversos,
verdades puras são, e não defeitos...
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!
Luis de Camões
A sorte de poder ter descoberto
Durante os desvarios desta vida
Por vezes tão alheia; vã, perdida
O Amor que mesmo sendo alheio; incerto,
Trazendo algum oásis num deserto
Do qual, mesmo distante uma saída,
Permite que se encontre, distraída,
Aquela a quem desejo aqui por perto.
Por mais que me escravize; intenso Amor,
Enquanto traz em si a liberdade,
A razão de existir estes meus versos,
Está no seu poder transformador,
Trazendo a fantasia à realidade,
Sentimentos, unindo; antes dispersos...
20838
Às vezes a esperança me abandona
E deixa em seu lugar, imensa dor,
Pudesse ser da vida, o domador,
Porém a morte sabe ser a dona,
Minha alma vez em quando até ressona,
Mas como ser feliz sem ter amor?
Enquanto a realidade muda a cor,
Toda a verdade surge, vem à tona...
Embora traga ainda algum sorriso,
Das cores da ilusão, eu me matizo
E sinto-me um falsário; simplesmente...
O fim se aproximando, a correria,
Por isso fazer tanta poesia,
Palavras vão saindo qual torrente...
20839
Fugir da dolorosa realidade,
Usando a poesia como ponte,
O sol que ainda brilha no horizonte,
Perdendo dia a dia, a claridade...
Aguardo numa esquina a novidade,
Que um dia secará sublime fonte,
Mas antes que a mortalha enfim se apronte,
Eu teimo em demonstrar tranqüilidade...
Meu tempo se esgotando, o que fazer?
Somente desfrutar deste prazer
De ter entre os meus dedos, universos...
Forjando da tristeza um bom motivo,
De assim permanecer ainda vivo,
Brincando com palavras, faço versos.
20840
Estar junto contigo neste instante,
Motiva a minha vida, traz a luz,
Que aos mais sublimes mundos nos conduz,
Num átimo, um momento deslumbrante.
Seguindo sem pensar, vou adiante,
Deixando para trás o medo e a cruz,
Enquanto nosso amor, claro reluz,
Encontro imensa força que agigante
E agradecendo a Deus pela honraria
De ter realizado a fantasia
Que há tanto dominava o pensamento.
Servir ao nosso amor tão plenamente,
Vivendo a eternidade de repente
Na mansa brevidade de um momento...
20841
Nos ermos de nossa alma, desencantos,
Erguemos os castelos sobre a areia,
A sorte tão funesta; segue alheia
Cobrindo-nos com negros véus e mantos.
Ardente fantasia me incendeia,
Invade minha casa pelos cantos,
Mas vendo os meus enganos – foram tantos,
Com lágrimas o sonho ela permeia.
Pudesse recompor a nossa história,
Alicerçando bem cada momento,
Talvez ainda houvesse a imensa glória
De tê-la entre meus braços; deusa e diva,
Servindo de alegria ou mesmo alento,
Mantendo uma esperança sempre viva...
20842
Plenilunio
Desmaia o plenilúnio. A gaze pálida
Que lhe serve de alvíssimo sudário
Respira essências raras, toda a cálida
Mística essência desse alampadário.
E a lua é como um pálido sacrário,
Onde as almas das virgens em crisálida
De seios alvos e de fronte pálida,
Derramam a urna dum perfume vário.
Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctâmbula do Amor,
Eu, noctâmbulo da Dor e da Saudade.
Ah! como a branca e merencórea lua,
Também envolta num sudário - a Dor,
Minh'alma triste pelos céus flutua!
Augusto dos Anjos
Flutua sobre as nuvens, triste lua,
Que pálida domina o firmamento,
Minha alma em amarguras, a cultua,
Meu verso se transforma num lamento.
Argêntea deusa exposta, clara e nua,
Transfigurada imagem do tormento,
Num último delírio desço à rua,
E o medo de seguir; teimando enfrento...
Arcanjos e divinos querubins,
Vagando pelos ermos, nos confins,
Desnudam dos meus dias, sortilégios.
Sacrílega ilusão fomenta a dor,
No cerne da questão, um sonhador,
Que outrora imaginara privilégios...
20843
Se eu posso e devo dar algum conselho,
Não pense neste amor; mereces mais,
Os erros cometidos são fatais,
O amor me fez deveras tosco e velho,
Ao ver meu próprio rosto neste espelho,
Percebo: ser feliz? Isso, jamais,
Um tolo sonhador; voa demais,
Diante de teus olhos, me ajoelho
E digo que procures outro alguém,
A morte se aproxima, e quando vem
Não deixa sobrar pedra sobre pedra.
Quem sabe noutra vida, de repente,
Quem vive a minha história, simplesmente,
Ao conhecer meus erros, já se medra...
20844
Eu sei que sou culpado; não precisa
Falar dos meus enganos tão freqüentes,
Enquanto a fantasia suaviza
Realidade expõe farsas dementes.
Sentindo no meu rosto a mansa brisa,
Meus versos maltrapilhos e doentes,
O olhar perdido busca e ainda visa
Momentos bem mais tenros e decentes...
Se eu fui o teu capacho, te agradeço,
No fundo é muito além do que eu mereço,
Um réptil simplesmente e nada mais...
Repito novamente o mesmo engodo,
O monstro que imergiu no podre lodo,
Pior entre os mais baixos animais...
20845
Criando um novo mundo onde talvez
Encontre toda a paz que necessito,
Fazendo da esperança mais que rito,
Mudando minha vida de uma vez...
Felicidade é um sonho em que se fez
Um tempo mais alegre e mais bonito,
Deixando para trás o termo aflito,
Mantendo meu olhar com altivez...
Embora insensatez isto pareça,
E o coração sangrante ainda teça
Um árido caminho vida afora,
Manter uma esperança de futuro,
Tornando o meu viver menos escuro,
No amor que mesmo tarde, vem e aflora...
20846
Um coração velhusco, ultrapassado,
Vivendo do que um dia se fez glória,
Apenas um resíduo de memória,
Atado pelas cordas do passado...
Chegando de manhã, sonha acordado,
E pensa retornar à sua história,
Agora do que fora, mera escória,
Nos cantos desta casa, abandonado...
Servindo de chacota à mocidade,
O velho coração inda se ri,
E quando vê de longe a claridade,
Buscando no horizonte um claro sol,
Bebendo desta fonte chega aqui
Somente um tolo espectro, girassol...
20847
Ninguém conhece os medos que carrego,
Segredos que contenho neste cofre,
Quem ama, na verdade sempre sofre,
Por isso é que o amor; teimo e renego.
Somente então me apego nos momentos,
Que são tempestuosos, mas socorrem
E quando nos meus olhos ainda escorrem
As lágrimas que exemplam os tormentos,
Rasgando os meus cadernos me liberto,
E me farto no pão de cada dia,
Se acaso não houvesse a fantasia,
Eu viveria só neste deserto.
Mas tendo por dizer cada palavra,
O solo mesmo insólito se lavra...
20848
Meu verso tem as cores mais sombrias
Por vezes maltrapilho, sigo assim,
Marcando com as dores, poesias,
As flores regarei em meu jardim.
Nas tantas tempestades, ventanias,
Não temo o meu final, cantando enfim,
Às vezes são tristezas, alegrias,
Porém eu sei que a vida tem seu fim.
E traço meu caminho pelo mundo
Não desperdiço mais um só segundo,
Fazendo do soneto, minha voz.
Calar-me frente aos medos e tempestas,
Usando estas imagens mais funestas,
Um lobo solitário é tão feroz...
20849
A vida vai perdendo leme e prumo,
Sem ter tua presença alentadora,
Deveras sem amor não me acostumo,
Imagem deslumbrante e redentora.
Bebendo desta fruta todo o sumo,
A sorte, com certeza, promissora,
E quando te encontrando vejo o rumo,
Meu barco em cais seguro, já se ancora.
Eu creio ser possível que amanhã
Renasça me trazendo esta alegria,
E faço desta luta, o meu afã,
Da dor e da tristeza distancio,
O amor sendo sublime poesia,
Trazendo o toque manso e tão macio...
20850
Aguardo-te querida neste instante,
Tomando o pensamento por inteiro,
O amor que nos domou, tiro certeiro,
Tornando o coração de ti amante.
Tu és a criatura fascinante
Que tanto procurei; sentir teu cheiro
Chamando para o amor, e vou ligeiro
Qual fora algum corcel em seu rompante.
Satisfazendo assim nossas vontades,
Desejos se tornando realidades,
Viver cada segundo sem pudores.
Teus lábios carmesins, pura delícia,
Na pele cada toque, uma carícia,
Momentos divinais e redentores...
20851
A morte se aproxima lentamente,
Devorando os meus sonhos e esperanças,
Embora muitas vezes vá contente;
Reparo no meu peito tais mudanças.
Sorriso que já fora tão freqüente
Enfrenta a realidade em frias lanças,
E o beijo que deveras foi ardente,
Agora repousando em águas mansas...
Pudesse imaginar outras saídas,
Mas nada além do fim que se aproxima,
Não sendo tão somente tola rima,
As horas/desafios são vencidas,
E teimo nesta luta, quase insana,
A bomba descansando não me engana...
20852
Amiga eu te agradeço pelo apoio,
A vida não tem mais sequer remédio,
Enquanto a morte chega; triste assédio,
A seca dominando o velho arroio.
Somando as esperanças resta pouco,
Meu tempo se esvaindo. Não me importa...
Ainda tenho aberta a velha porta,
Senão terminarei meus dias, louco.
O velho coração que ora fraqueja,
As mãos já tão cansadas no teclado,
Fazendo de um poema este recado,
Que à própria solidão, ainda almeja
Versando sobre a sorte de existir,
Não morre minha crença no porvir...
20853
Cumprindo estritamente o meu dever,
Não posso me calar perante a dor,
Às vezes eu preciso recompor
O rumo que talvez vá escolher.
Perdoe-me Senhor por não saber
Aonde procurar o santo amor,
E quando guardo em mim algum rancor,
Eu sinto quão enorme é o desprazer.
Desnudo-me das ânsias e desejos,
Humildemente peço-te perdão,
Não são eu te garanto só lampejos
Entranho dentro em mim esta certeza,
Somente com a força da união
Os homens vencerão tal correnteza...
20854
Persigo meus resíduos, vou sem leme,
Clamando por mim mesmo, me escondi.
Uma alma que em verdade nada teme,
Aguarda alguma chance e chega a ti.
Premeditando o tempo de viver,
Permito-me talvez; ver no sorriso
A forma mais sublime de esquecer
Aquilo que jamais se fez preciso.
Impasses, quando os tenho, sempre enfrento,
Mascaro minhas dores, vou em frente.
Acumulando amargo sofrimento
Necessitando apenas de descanso,
Olhando no horizonte, este poente
Que chega velozmente e não alcanço...
20855
Olhando para trás somente vejo
Os restos do que fora uma alegria,
Enquanto fiz do amor esta heresia,
Matando o que inda tinha de desejo
O velho coração, qual realejo,
Há tanto, na verdade já sabia
Que nada neste mundo me traria
O amor que tanto quero e ainda almejo.
Pudesse ler as mãos; feito um cigano,
A vida não faria tanto dano
A quem sonhou demais e se perdeu.
Falando das promessas esquecidas,
Palavras muitas vezes distraídas,
O mundo que pensei jamais foi meu...
20856
Quisera Deus tivesse alguma chance
De ter em minhas mãos, a minha sina,
No olhar que inebriante me fascina,
A vida; já não tenho ao meu alcance...
Por mais que a fantasia ainda canse,
Decerto a cada frase me domina,
E enquanto a realidade desatina,
Um tolo imaginando outro romance...
Servir a quem me serve? Nada disso.
O olhar enamorado ganha viço,
Porém opacidade toma o meu.
Quem fora no passado, mais audaz,
Morrendo sem remédio, agora traz
O manto sob o qual já se escondeu...
20857
Estúpida palavra que sonego,
Estúpida palavra que sonego,
Erguendo as velhas taças de cristal,
Por mais que te pareça ser banal,
Meu tempo noutras coisas eu emprego.
Vivendo sem sequer algum apego,
A morte cedo ou tarde é natural,
As lágrimas que trago já sem sal,
O salto que não dei, porquanto cego.
Vestindo as mesmas roupas tão puídas,
As tralhas e esperanças destruídas,
Ruídos confundidos com chamados.
Alvissareiros dias: nunca mais.
Os dias que inda restam; infernais,
Os sonhos esquecidos, profanados...
20858
Talvez pudesse ainda ter o sonho
No qual a minha vida se baseia,
Tecendo deste mundo fina teia,
Eu tenho este caminho que proponho,
No intenso mar o barco; quero e ponho,
Pensando até quem sabe nesta areia
Longínqua que meu rumo assim norteia,
Porém em podridão me decomponho...
Austeras esperanças; vagas ânsias,
Fazendo dos rancores as estâncias
Distâncias percorridas, pensamentos.
Qual fora um vagabundo sem destino,
Nas horas mais difíceis, não domino
E entrego-me sem força aos fortes ventos...
20859
Desfilo meus anseios vida afora,
Usando da palavra, um instrumento,
E quando perceber qual o momento,
Preparo uma saída e vou embora.
Enquanto houver o gozo que se aflora
Tocando o mais recôndito tormento,
Soltando cada verso livre ao vento,
Adorno a minha vida sem demora.
Soubesse decifrar tantos enigmas,
Deixando no passado estes estigmas,
Teria maciez ao escrever,
Mas vendo a realidade que me aflige,
O pensamento clama e até exige
Que eu mostre o mundo como deve ser.
20860
No quanto este desejo me alucina.
Derramas o teu mel em minha boca,
Bebendo cada gota desta mina,
A fonte que em prazeres desemboca...
Passeio por teu corpo; sei das rotas,
Decifrando vontades, teus anseios,
Adentro mansamente belas grotas,
Acaricio então teus rijos seios...
Desfruto desta intensa maravilha,
Até que venha em forte corredeira
O gozo em que mergulho, cada trilha
Levando a doce senda costumeira.
E assim, destes prazeres navegantes,
Levitam totalmente, por instantes...
20861
Delitos cometidos sem pecado,
Perfumes exalados, doces cios...
Lençóis que bagunçamos; tão macios,
O amor sempre nos dando o seu recado...
Deitando este prazer, estar ao lado,
Descendo teus riachos, belos rios,
Nas fozes entre claros desafios,
Percebo o cais deveras orvalhado...
Na maciez da e do cetim,
À insanidade entregue sem defesas,
Farturas encontradas no jardim,
Orgásticos delírios dos amantes,
E tendo este banquete sobre as mesas,
Jantares e manjares deslumbrantes...
20862
Percebo os meus fantasmas e os escondo,
Farsante como deve ser poeta,
Estoque de ilusões eu vou repondo,
Proponho a fantasia como meta...
E mesmo que inda siga recompondo
Meu mundo na visão de um velho asceta,
O fato de ser simples e redondo
Permite que uma volta se completa
E traga as variáveis necessárias
Das quais possa escolher melhores rumos.
Porquanto sejam vários os aprumos
Às vezes entre becos, súcias, párias,
Encontro esta resposta que procuro,
Gerando e destruindo o mesmo muro...
20863
Solilóquio de um Visionário
Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!
A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressões visuais que eu sinto,
Nas divinas visões do íncola etéreo!
Vestido de hidrogênio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais...
Subi talvez às máximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,
É necessário que inda eu suba mais!
Augusto dos Anjos
Num ato de total canibalismo,
Devoro-me diante da platéia,
Por vezes melindrosa ou mesmo atéia,
Criando no cenário um cataclismo.
Sem olhos e sem lábios, salto o abismo,
E teimo um alquimista em panacéia,
Carcaça carcomida, humana idéia,
Esgoto qualquer fonte do humanismo.
Vestindo este moderno paletó,
Arcaica poesia morre só,
E teimo em filosóficas temáticas.
Porém ao começar meu solilóquio,
O público sem olhar que ainda enfoque-o
Procura soluções que sejam práticas...
20864
Teria muita sorte se encontrasse
Depois de tantos anos, um amigo,
Que junto com meus passos, caminhasse,
Buscando o mesmo sonho que persigo,
A vida nos trazendo algum impasse,
É necessário alguém que vá contigo,
Sem medo, com firmeza, e mesmo trace
Um rumo que permita paz e abrigo.
Pudesse pelo menos me escutar
E mesmo discordar; se necessário,
Um amor sem pretensões, pois solidário,
Eu sei quanto é difícil encontrar,
Mas tenho esta esperança e não desfaço,
E dela necessito em cada passo...
20865
Ourives da esperança, um coração
Cansado de buscar felicidade,
Enquanto a fantasia e a realidade
Provocam entre si, a colisão.
Pudesse usar ao menos a razão,
Ainda que pareça um pouco tarde,
O amor que dediquei; sinceridade,
Explode em mil lampejos de emoção.
Sentir que posso ter nas mãos, a chance
De ter a plena glória ao meu alcance,
Estímulo que trazes; esperança...
Lapido-te deveras todo dia,
E enquanto houver no mundo, a poesia,
Um sonhador aos céus inda se lança...
20866
Fartando-me de sonhos e ilusões,
Vasculho entre os guardados um sinal
Daquela que se fez em mil senões,
E agora vaga, livre, em pleno astral,
Desnudam-se no céu, constelações,
Formidável espaço sideral,
Aonde entre centenas de bilhões
Esconde-se a maior, fenomenal...
Amar-te foi divino pesadelo,
Que tanto desejei; juro, não tê-lo
Porém o amor tem suas armadilhas...
Só sei que toda noite eu passo em claro,
E tresloucadamente me declaro
Sem nem poder saber por onde trilhas...
20867
Perdido entre as estrelas, vago à toa,
Dos raios e do fogo, prisioneiro,
Buscando um amor que seja verdadeiro,
A voz de um sonhador, já não ecoa...
A vida que pensei fosse tão boa,
Seguindo sem razão, penso em teu cheiro,
Como falena; eu sigo este luzeiro,
Por mais que uma esperança inútil doa,
Eu quero pelo menos poder ter
Certeza que jamais tu voltarás,
Quem sabe morreria enfim em paz,
Ainda tendo forças para crer,
Numa esperança tola e mesmo audaz,
Porém a solidão teima; voraz...
20868
Procuro por quem tanto amor me deu,
Sequer sombras encontro pelas ruas,
O amor que me ensinaste, perpetuas,
O velho coração ainda é teu...
Em que mundo, em que estrela se escondeu,
Eu sei que tais verdades soam cruas,
Nos palcos da ilusão, tu sempre atuas,
O pano se abaixou. Tudo morreu...
Restando tão somente um sonhador
Que vaga pelas noites invernosas,
Buscando qualquer brilho, luz ou cor
Que possa me indicar a direção
Daquelas duas mãos cariciosas
Ainda do viver, total razão...
20869
desejo te encontrar a cada curva
da estrada que percorro todo dia,
sem teu amor, querida, a vida é turva,
faltando transparência e fantasia.
Vejo a vida pelos olhos de quem amo,
Tanta glória nos espera, podes crer,
Se a presença de quem quero já reclamo
É por que sem amor não sei viver.
Minha vida do teu lado, é feita em glória,
Eu só quero que saibas deste fato,
Tu não sais da lembrança e sem memória,
A nascente perde o rumo do regato.
Venha logo que eu te espero o dia inteiro
Quero ser, nesta vida o companheiro...
20870
Tuas palavras trazem a alegria
Que tantas vezes busco e nunca vejo,
Palavras transportando à fantasia
E ao sonho que em verdade, sempre almejo.
Ouvir a tua voz já me traria
A paz que necessito e que desejo,
O mundo então de flores lotaria
Aproveitando em paz o doce ensejo.
Um canto mais suave, mais tranqüilo,
Mudando de repente meu estilo,
Cantigas espalhando pelos ares...
Traria para mim felicidade,
Que ausente já me mata de saudade,
Espero impaciente, tu voltares.
20871
Não posso mais cantar em liberdade,
Apenas tão somente escuto a voz
Daquela que se fez amante e algoz,
Matando pouco a pouco a claridade.
Seria muito além, sinceridade,
A correnteza sempre tão veloz,
A fera atocaiada; segue atroz,
O medo que fascina é raridade...
Dos lanhos que ganhei em minha pele,
O rastro da pantera me compele
E busco pela imensa fera à solta,
Qual fora um tresloucado suicida,
Entrego o meu amor e a própria vida,
À mágica pantera tão revolta...
20872
O tempo faz do tempo um temporal
Atemporal o sonho, pois não morre
E quando em tempestades me socorre,
Trazendo a minha vida pro normal,
Não falo com sarcasmo; é tudo igual,
Só não irei dormir jamais de porre,
O rio lentamente desce e escorre,
Deságua neste mar fenomenal.
Quem dera fosse um peixe; saberia
Das pedras e das locas deste rio,
Quem sabe venceria o desafio
E as corredeiras todas subiria,
Rompendo desde já qualquer algema,
A mando da sagrada piracema...
20873
Prometo que não vou bancar o otário
Tampouco vou partir para uma ofensa,
Dizendo na verdade o que se pensa,
A gente vai ficando temerário,
Também não vou ficar preso no armário
E ver que o crime tem a recompensa,
Pois gigante ignorância é tão imensa,
Cavalo quando esperto sai do páreo;
Não venha me falar de modernismo,
É centenário e ainda faz estragos,
Contemporâneo mesmo é um pagode.
Sou vesgo, mas então deixe de achismo,
Torrando há muito tempo os pobres bagos,
Moderno está comprando um Ford Bigode...
20874
Sonetos fazem parte de um museu,
A métrica morreu de inanição,
Poeta que é poeta diz paixão,
Senão virando sapo, este plebeu.
Quem dera a primavera, faleceu,
Enterro este semente em duro chão,
Talvez ainda venha a brotação,
Será que a lua cheia se escondeu
Tentando algum compasso ou contradança
Sem nada que separe ou mesmo espace,
Vou dando sempre à tapa a minha face,
Ainda restaria uma esperança?
Também quem me mandou fazer soneto?
É um erro repetido que cometo...
20875
Esqueço em algum canto do passado
Promessas que fizeste para mim;
Castelo da ilusão já derrubado,
Invés de uma roseira, só capim.
Percebo quanto andei na vida errado,
Pensando que este amor fosse sem fim,
Vagando por florestas, no cerrado,
Distante da verdade, sou assim...
Um tolo cavaleiro sem cavalo,
Qualquer bobagem dita; já me abalo,
E teimo em ser apenas este nada...
Minha alma disfarçando muito bem,
Às vezes chego a crer que sou alguém...
Mentiras ou verdade mal contada?
20876
Eu deixo este legado pros meus filhos,
Um monte de papel sem ter valia,
Estúpida mulher, a poesia,
Um trem descarrilado perde os trilhos.
Só vejo em meu caminho, os empecilhos
Comuns de quem na vida fantasia,
Pudesse enfim conter esta sangria,
A vida não teria opacos brilhos...
Mas teimo e nada disso tem valor,
Apenas tanto tempo jogo fora,
Um velho transtornado, um sonhador,
Que leva em seu costado, a dura carga,
Quem vive do sonhar, antes e agora,
A solidão eterna, sempre amarga...
20877
Determinando o passo sigo adiante,
Numa velocidade mais segura,
Na mata tão fechada quanto escura
Ao longe uma figura radiante.
Quem sabe uma lanterna, algum luzeiro,
Teimando em caminhar, mesmo cansado,
Olhando de soslaio o meu passado,
Aonde fui ao menos verdadeiro,
O brilho se afastando fátuo raio
E quando dou por mim em solidão,
Tomado por completa escuridão,
Ao dar o passo em falso, eu já me traio.
Quem dera se pudesse primavera,
Um brilho permanente, quem me dera...
20878
Entregue à ventania, sem saída,
No imenso labirinto me perdi.
E junto com a perda, minha vida
Durante muitos anos esqueci.
Rasgar o coração, me apaixonar,
São coisas que inda devo para mim,
Quem dera criar asas e voar...
Horizonte jamais teria fim.
Entre estrelas, satélites, planetas,
No espaço sideral, fazer meu ninho,
Nas caudas fugidias dos cometas,
Seguir em liberdade; passarinho...
Fazendo a minha casa do universo,
Num incontido mundo, cada verso...
20879
Jamais sonegaria esta verdade,
Vivendo entre os esgotos e porões,
Sujeito as mais cruéis inundações,
Não posso nem teria vaidade
Tampouco um pária mostra qualidade,
Se necessário, andando com ladrões,
Com velhas prostitutas, rufiões,
Maliciosamente ignoro grade.
E gosto de viver sem ter algemas,
Correntes que me prendam; falsos brilhos,
Das pedras preciosas, raras gemas,
Bijuterias simples; burguesia.
Mil salvas aos soberbos andarilhos,
Pois neles se respira a poesia...
20880
Aos poucos a loucura me tomando,
Não tenho escapatória, nem pretendo.
O verso desta forma vai nascendo,
Só não posso dizer agora ou quando.
Pelejo contra o tempo, fujo em bando,
Cigarro após cigarro, apago/acendo,
Castelos pelos ares; vou erguendo,
Os sonhos no alicerce. Desabando...
E desabono quem falar por mim,
Já basta de mentiras e de farsas,
E quando tão sutil; passa e disfarças
As asas prometendo um querubim,
Gargalha o coração, feito idiota,
Aos poucos vou perdendo a minha rota...
20881
Abrisse a velha porta e permitisse
A volta dos fantasmas que criei,
Talvez alguma coisa ainda ouvisse,
Do tanto que perdi, pouco ganhei.
A vida muita vezes me desdisse,
Porém distantes mares, naveguei,
O amor nunca passou de uma tolice,
Durante estes momentos fui teu rei.
Errei e pago sempre por ter tido
Somente o resto amargo da esperança,
Nas vezes que lutei, sempre vencido,
Jamais conseguiria outro caminho,
Enquanto o tempo passa, vai e avança,
Fantasmas retornando ao velho ninho...
20882
Escondo mil espectros dentro em mim,
Rosnando vez em quando um salto, um bote.
Por mais que tão remoto, guardo assim,
Como se fosse enfim, um raro dote.
As unhas desta fera me arranhando,
Os olhos faiscantes, fluorescentes,
Penetram minha pele vez em quando,
E cravam no meu cérebro seus dentes.
Perseguem cada passo; toscos guias,
Me matarão, decerto, não há fuga,
Provocam toda noite hemorragias,
Insetos, rãs e répteis, nova ruga
E a pele se esfacela e se esfarinha...
Presença tão constante, mas daninha...
20883
Buscando uma resposta há tantos anos,
Jamais encontrarei a solução,
Nas cordas do sereno coração,
Os medos vão causando desenganos.
E a cada novo engodo, são mais danos
Assim me condenando à negação
Perdendo qualquer rumo ou direção,
Caminhos que procuro? Sempre insanos...
Salgando as emoções; rindo da sorte,
Quem sabe noutra curva, noutro rio,
Marcando com medalhas finjo forte,
Porém sempre fraquejo na hora agá,
Seguindo mundo afora, vou vadio,
Um dia minha estrela brilhará...
20884
Ouvindo a melodia que mandaste,
Relembro de momentos mais felizes,
A vida condenando a tais contrastes,
Fazendo-nos eternos aprendizes.
Fizeste-me sonhar, esteja certa,
O tempo de viver é sempre agora,
A dor que inda cultivo me deserta,
Tua presença aqui, sonhos decora,
Chegaste na hora exata em minha vida,
E agradecendo a Deus tua presença,
Minha alma na esperança de que vença
A lida dolorosa a ser cumprida,
Ouvindo a tão suave melodia,
Meu coração viaja e fantasia...
20885
No Rio de Janeiro em que vivi
As noites embaladas por chorinhos,
Parece que inda estou; querida ali,
Ouvindo bandolins e cavaquinhos...
Na Vila de Noel, sábado à noite,
Garçon traz para mesa uma cerveja
Percebo esta saudade que me acoite
Trazendo o que a memória, assim deseja...
No Sovaco de Cobra, tantas feras
Tocando Pixinguinha; o antigo Ernesto,
As sombras do passado são quimeras,
Só restam as lembranças, nada mais,
E o coração moleque a quem empresto,
O som destes divinos regionais...
20886
Aonde desfilar minha emoção
Aonde desfilar minha emoção
Se nada do que fiz valeu à pena,
Mudando a cada instante, palco e cena,
A peça se perdeu, sem direção,
Olhando para o próprio coração,
Felicidade nunca veio plena,
Uma imaginação, tranqüila, amena
Gerando tempestade e furacão.
Parece que vivi em outras eras,
Em meio às armadilhas e panteras,
Aprendo a ser arisco e mais esperto.
O mundo que imagino, sem porteira,
Palavra que sincera e verdadeira
Permite este portão, pra sempre aberto...
20887
Não pude perceber tua chegada,
Vieste de mansinho, dia a dia,
E enquanto eu habitava a fantasia,
Me dominando, não dizias nada...
Cadeiras na varanda, na calçada,
A gente era feliz e não sabia,
Havia uma tristeza, uma agonia
Na ausência da primeira namorada...
Que um dia foi pra longe, outra cidade,
Agora em seu lugar, vejo a saudade,
Cadeiras escondidas; noite escura...
Um copo de cerveja, outro cigarro,
O sonho de poder comprar um carro,
A própria dor vestida de ternura...
20888
Mas puxe esta cadeira e sente aqui,
Amigo de jornadas e jornadas.
Brindemos, pois às nossas madrugadas,
Falemos deste mundo que vivi,
Um tempo aonde o sonho resistia
Havendo um ideal. Quantos momentos
Sem nem sequer sinal de hipocrisia,
Apenas ilusões, doces tormentos...
Agora nada existe senão isso,
O mundo se esqueceu das discussões
Talvez seja por tanto compromisso,
Ou mesmo pra fugir das decisões
Que nas mesas dos bares, concebíamos,
Enquanto da ilusão, tanto bebíamos...
20889
Termino esta jornada e te prometo
Que um dia voltarei à velha casa,
O fogo da paixão ainda abrasa,
Chegando já no fim deste soneto
Mostrando os tolos erros que cometo,
O tempo não demora nem se atrasa,
A vida num segundo não se embasa,
Habito esta viela, beco, gueto.
Rastejo quando penso necessário,
Embora uma figura tão abjeta
Que ainda cisma crer ser um poeta
Na verdade este tolo ser, otário,
Já sabe muito bem quem é e quanto,
Não causa mais espécie nem espanto...
20890
Buscando uma maneira de falar
Do encanto em que domaste o coração
De um louco alucinado; bar em bar,
Tomado pelas ânsias da paixão.
Noctívago fantasma que ao luar
Afaga a doce fera da ilusão,
Um pária faz das ruas o seu lar,
E bebe sem limites; compulsão.
Queria simplesmente ouvir a voz,
Mas falta-me coragem, nada sou,
E o pouco do que sobra, mergulhou
Num pântano sem fim, cruel e atroz,
Um pândego somente, mas existo.
E num sonho impossível, inda insisto...
20891
Vivendo estes extremos, paz e guerra,
Somando muitas vezes nada ao nada,
O quadro em que meu mundo assim se encerra
Figura pelos anos desbotada.
Chegando dos confins, vasculho a terra,
Refaço a cada dia esta jornada,
Encontrando planície, vale e serra
Nem um minuto dura minha estada.
Estâncias e fazendas, rios, mares,
Na força do afluente, barcos, remos,
Há muito na verdade não nos vemos,
Criamos, pois altar e lupanares,
Sangrando cada gota; podridão,
Sem rumo, sem destino ou direção...
20892
Imagem lapidada da esperança
Num átimo domina toda a cena,
E enquanto a poesia a vida encena,
Distante meu olhar, o céu alcança.
Na doce sensação de ser criança,
Bebendo desta fonte, pura, amena,
A vida num segundo, já serena
E o tempo lentamente em paz, avança...
Volvendo num instante para trás
Lembranças delicadas, vida traz,
As roupas no varal, broa e café,
O amor puro e materno, sem igual,
Sorriso cristalino fraternal,
Eu volto a ter na vida imensa fé...
20893
Há tanto que desejo este momento
Aonde eu possa estar perante o Pai,
Desnudo e sem qualquer dor ou lamento
Fazer a minha prece. A noite cai
E sinto a paz trazida pelo vento,
A luz de Teu olhar sempre me atrai,
Tomando sem defesa o pensamento,
E o Teu enorme amor, jamais se esvai.
Apenas uma ovelha, meu Pastor,
Que busca a salvação que sei em Ti.
Ajoelhado estou, Senhor aqui,
Entregando minha alma ao Redentor,
Que eu saiba carregar a minha cruz,
Sentindo-te por perto Pai Jesus...
20894
Erguendo as minhas mãos, eu agradeço
Erguendo as minhas mãos, eu agradeço
A Possibilidade de existir,
Viver cada momento que há de vir,
Sabendo que ganhei mais que mereço.
Erguer-me após a queda, no tropeço,
Olhando fixamente o meu porvir,
Não quero; Meu Senhor, nada pedir,
A minha vida a Ti, eu ofereço.
Visando o mais perfeito e grande amor,
Vivendo este desejo redentor,
Fazendo este louvor, como oração.
Meus erros, reconheço, foram tantos,
Perdoe pelos vários desencantos,
Não deixe minha vida ser em vão!
20895
Sentir este arrepio que nos toma,
Desnudar tua pele, cada parte,
O amor que se deseja como uma arte
Que quanto mais nos une, aumenta a soma.
A mão que acaricia e que me doma,
Descendo calmamente; irei buscar-te
Até satisfazer quando inundar-te
Rompendo sem demora esta redoma...
Fazendo-te de santa e de profana,
A deusa predileta louca, insana
Orgástica bacante em noite imensa,
Bebendo destas águas transparentes,
Nas fontes delicadas e envolventes,
Gozando sem pudor das recompensas...
20896
Fraternidade é um termo sem sentido?
Amigos procurando pela vida,
Ausência muitas vezes construída
Nas tristes ilusões de um duro olvido.
O mundo imaginário e perseguido
Aonde se descubra, distraída
A sorte que julgara já perdida,
De ter mais que um irmão sem tê-lo sido.
Diógenes usando uma lanterna
Vagando pela terra; nada vejo,
E uma presença amiga, sempre terna
Que possa me ajudar na caminhada,
É simples, muito simples meu desejo,
Mas olho em volta e não há nada...
20897
Lavando os tristes olhos n’água pura
Mudando a direção de cada passo,
Errôneos caminhares eu desfaço,
Uma alma transparente se depura.
Abrindo o coração, busco a ternura,
Por maior que inda seja meu cansaço,
Na força protetora de um abraço,
Encontre com meiguice, esta candura
Divina maravilha feita em luz,
Ajudando a levar a nossa cruz,
Deixando este caminho sempre aberto.
Amar sem preconceitos ou medidas,
Unindo almas que outrora em vão, perdidas,
Só conheciam tétrico deserto...
20898
Permita-me Senhor que eu siga em paz,
Sabendo que somente o amor sincero
Sem medos ou propósitos me traz
A vida que desejo e tanto quero.
Que enfim, de perdoar seja capaz,
E tendo um Grande Pai a quem venero,
O amor que num amor se satisfaz,
Reproduzindo o amor que eu mesmo gero.
Permita-me que eu possa ter comigo
Certeza de saber que cada amigo
É como um grande espelho onde me vejo.
Que o ódio me abandone plenamente,
Botando em minhas mãos esta semente
Criando este jardim que tanto almejo...
20899
Famintos que se vendem por aí,
Que por alguns trocados já se entregam,
Tais figuras insólitas sonegam
A própria sociedade, aqui, ali...
Com o passar do tempo percebi
Que a culpa é dos dois lados, mas pregam
Luzes; tão brilhantes que até cegam,
Olhando mais de perto, foi que vi
As faces parecidas dos dois lados,
Daquele que corrompe e o corrompido,
E daquele que compra e o que é vendido
Dois pesos tão iguais sendo pesados
Nos dão um resultado respeitável:
Miserável comprando miserável...
20900
Política é sinônimo de que?
Apenas de baderna e sacanagem?
A cada novo escândalo se vê
O podre que enferruja esta engrenagem.
É necessário crer quão importante
É para a sociedade, os bons políticos
O povo que se mostra figurante
Sem ter questionamentos analíticos
Gerando o próprio monstro que o devora,
Por isso uma mudança sem demora
Que possa transformar a humanidade
Depende da cultura deste povo,
Errando na primeira, e não de novo,
É que se molda toda a sociedade...
20901
Fantasmas não existem, simplesmente,
Nascendo tão somente da ilusão,
Ou medo da real escuridão,
Produtos desta doentia mente.
Histórias do passado, de repente,
Causando com terror, ebulição,
Um grito solto ao ar traz comoção,
O olhar quando enganoso sempre mente...
Não creio nem em bruxos nem em magos,
Ciganos adivinham o futuro?
Um passo dado em falso causa estragos,
Apenas estas sombras que me seguem
Imagens refletidas nalgum muro,
Espúrias, impedindo que se neguem...
20902
Estranhas criaturas tão disformes,
Invadem o meu quarto, noite afora,
Insuportavelmente uma demora
Trazendo-me mentiras como informes.
Usando os meus ritos, uniformes,
Até que por silêncio uma alma implora,
Mas antes de sair e de ir embora,
Tu finges não ouvir, ou mesmo dormes.
Voláteis, mas efêmeros bafios,
Vão aquecendo os cantos deste quarto,
E entregue a tais batalhas, quase farto
Depois de tantos loucos desafios,
Lutando sem descansos e infeliz,
E quando tu acordas; mansa, ris...
20903
Não deixo de buscar mesmo em sombria
Noite por um descanso merecido,
Depois de me fartar sem ser ouvido,
Aguardando chegar um novo dia.
Viver é ter nas mãos, a fantasia
E logo perceber que num olvido,
O eterno se tornando distraído,
Morrendo pouco a pouco de asfixia...
Assim amei demais; mas nada trago
Além deste cigarro, mais um trago,
E um gole de cerveja num boteco.
Rasgando antigos sonhos, me inebrio,
O copo meio cheio está vazio,
Da voz de uma esperança sequer eco...
20904
Cadenciando os passos chego enfim
Aos mais longínquos ermos da ilusão,
Cevando com firmeza o velho chão,
Florada prometida em meu jardim.
O amor que tanto quis; encontro assim,
Bebendo do prazer, da sensação
De ter o mundo inteiro em cada mão,
Trazendo as esperanças de onde eu vim.
Metáforas à parte; sou tão teu
Que sem poder te ter; nada mais resta,
Vivendo o tempo inteiro em plena festa,
Meu mundo após procelas; conheceu
Bonança que promete ancoradouro,
Num sonho tão feliz e duradouro...
20905
Não pude mais negar o sentimento
Que aos poucos tomou conta, fez a festa,
O amor se aproveitando de uma fresta
Entrou e trouxe junto, este tormento.
Por mais que seja nobre o sentimento,
Tão pouco do que fui ainda resta
E a metade de tudo assim se empresta
Tomando por inteiro o pensamento...
Quisera ser feliz, estar liberto,
Um andarilho gosta do deserto,
Jamais suportarei o nosso fim.
Mas quando a noite cai e logo chegas,
Andando novamente assim, às cegas
Tu tomas o que sobra, amor, de mim....
20906
No mais, estou cansado de tentar
Em meio a tantos erros cometidos
Durante a minha vida; imaginar
Caminhos que não foram percorridos...
Os dias disparando, busco o mar,
Aonde exercitar os meus sentidos,
Espero pela morte que ao chegar
Fará dois tempos serem divididos.
Já não suporto mais o quase fui,
E enquanto o rio corre e o tempo flui,
Bebendo destas águas cristalinas
Que formam corredeiras da esperança,
Olhando para os céus, com tal pujança
Espero pelas mãos santas, divinas...
20907
Ourives da palavra, este poeta
Que há tanto me ensinou a caminhar,
A vida em poesia se completa.
Como se fosse o sol para o luar...
Às vezes vou seguindo em linha reta,
Sem ter nenhuma chance de curvar,
Porém felicidade é minha meta,
Por isso é que eu insisto em tanto amar...
Não sei se poderia em poucos versos,
Falar de todo amor que sinto agora,
Mas antes que o soneto vá-se embora
Criando em fantasia os universos
Que um dia com certeza, habitarei,
Eu falo deste amor com quem sonhei...
20908
Vontade de fumar, mas já não posso,
Vontade de sonhar; perdi meu rumo,
Os erros foram meus, isso eu assumo,
Eu sei que os velhos métodos endosso,
Da vida que eu pensei, resta um destroço,
Jamais eu tomarei; de novo o prumo,
Eu sinto que se esvai qual fora um fumo,
A fila dos transplantes, eu engrosso.
Restando pouco tempo, então versejo,
Quem dera se pudesse, mas não vejo
Sequer mesmo distante, a solução.
A morte não tem jeito e nem juízo,
Este não é o momento mais preciso,
Mas ela vem à minha direção...
20909
Usando; no soneto uma linguagem
Que seja tão comum, coloquial,
Permite que se faça uma viagem
Chegando quase mesmo a ser normal,
Fluindo de uma forma natural,
Sem ter que usar soberba na engrenagem
É o ponto que parece capital,
Ao fundo do cenário um personagem
Que possa ser humano sem frescuras,
Além de insuportáveis ditaduras
Eu faço como médico um diagnóstico
Mostrando, meu amigo, esta verdade,
Quem sabe faça sempre co’humildade,
Ninguém suporta um cara se é pernóstico....
20910
Assaz maravilhosa estrela guia
Que enquanto adormecida, reina nobre,
O manto da ilusão, meu corpo cobre,
Recebo este luar que se irradia
A prata que me traz tal fantasia
Que em mágica loucura nos recobre,
Renova uma esperança, e nos descobre,
Eterna e sutilmente, uma magia.
Amar e ter nas mãos o ser amado,
Um sonho tão sublime e delicado,
Mudando a direção da própria vida
Estou atrás de ti, perfeita estrela,
Contando estes minutos para vê-la,
Reinando sobre todos, distraída...
20911
Ligeiramente bêbada, tu vens
Retiras tua roupa, lentamente.
Domina meu desejo totalmente,
No imenso fogaréu malícias tens...
Requebras teus quadris, suave diva,
Deitando sobre mim tuas vontades,
Promessas de loucura e saciedades,
Entranha meus desejos, sempre altiva;
Excêntricos carinhos, línguas, dedos,
Adentro tuas matas e segredos,
Nesta umidade intensa profusão...
E lúbrica sorris, doce serpente,
E tudo derramando de repente,
Os corpos encharcados de tesão...
20912
Seria verdadeiro se não fosse
Decerto uma mentira gigantesca,
A moça que pensara ser tão doce
Esconde uma figura assaz dantesca,
Acossando algum gringo em plena praia,
Vestida de nudez e sacanagem,
Levanta devagar a minissaia,
Trabalha numa casa de massagem...
E o fogo se espalhando pela areia,
Mate gelado, cerva e picolé,
Traveco quer bancar uma sereia,
Conversa do estrangeiro dando pé,
A noite que virá; uma criança
E a grana do turista, sempre dança...
20913
Nos bares e botecos, nos pés sujos,
A noite se promete auspiciosa,
Os homens farejando quais sabujos,
Mulheres, disputando cada rosa.
Os quadros se misturam, riso e sexo,
As dores e as mentiras são banais,
Procuro algum sentido e nenhum nexo
Encontro nos olhares dos casais.
Aqui um milionário que se engana.
Ali outro espetáculo se encena,
No balançar das ancas da morena
Um gringo numa beca bem bacana,
E o Cristo Redentor, abrindo os braços,
As sombras reproduzem vários traços...
20914
A fome escancarada em cada face,
Mostrando a realidade de um país,
Enquanto a sociedade/meretriz
Causando a cada dia um novo impasse.
Eu creio que a injustiça um dia passe
E possa finalmente ser feliz,
Que é desta esperança um aprendiz,
Sonhando que a fartura sempre grasse.
Mas tenho que falar, calar não posso;
O povo que faminto, eu já desosso
Por atos ou por simples omissão
Trafica e até se vende bem barato,
Apodrecendo assim este retrato,
Sujando a cada dia este brasão.
20915
Às portas do Congresso Nacional,
Os seguranças sempre organizados,
Decerto estando muito bem armados
Dão proteção, num calmo ritual.
Assim Brasília vive seu normal,
Os carros pelas ruas apressados,
Discursos mentirosos e inflamados,
Promessa não cumprida; isso vai mal...
Porém uma verdade já me intriga,
Olhando o nosso povo empobrecido,
A massa popular em triste vida
Por mais que ainda tente e não consiga,
Pelo poder deveras esquecido,
Enquanto a podre súcia é protegida...
20916
Por mais que na verdade não exista,
Espectro dominando a minha mente,
E quando a noite surge, finalmente,
Percebo estes gemidos, sigo a pista
Por mais que esta miragem inda insista,
Eu sei que na verdade o ouvido mente,
E finjo ser deveras tão descrente,
E a sombra que persigo não resista
E suma entre a fumaça da neblina,
Enquanto este delírio me domina,
A realidade chama e ao mesmo instante
Escuto tua voz, longínqua fera,
Que sei atocaiada numa espera,
Intensa e seminua, provocante...
20917
Esplêndido planeta que buscara
Em meio à vastidão, astros diversos
Gerando com meus sonhos universos,
Aonde a fantasia repousara,
A lânguida e sublime deusa, rara
Presença coletando os mais dispersos
Resquícios de outras eras onde imerso
Nos delírios sublimes, a alma ampara.
Num êxtase viver sem ter segredos,
Invado paraísos e concebo
Momentos de real felicidade...
Deixando para trás antigos medos,
Um mundo mais tranqüilo; em ti percebo,
Expressas puro amor; sinceridade...
20918
Poder sonhar e ter em minhas mãos
Todo universo feito em poesia,
Por mais que os pesadelos sejam vãos,
Durante a tempestade é que se cria,
Fazendo dos distantes meus irmãos,
Traçando um novo tempo, passo o dia,
Plantando da esperança vários grãos,
Colhendo com certeza, a fantasia...
Assim é que pretendo num momento
Chegar aos meus antigos ideais,
Navego procurando pelo cais
Que possa me abrigar, trazer alento,
Moldando com meus versos, o Eldorado,
Há tanto e por tantos procurado...
20919
Amigo, tantas vezes te causei
Os danos mais terríveis; reconheço
Errante coração desde o começo,
Desconhecendo norma, regra e lei,
Em tantos dissabores te enfiei,
A vida cobra sempre um caro preço,
Mas saiba que por ti, tamanho apreço
Durante todo o tempo, dediquei.
Um verme que caminha por esgotos,
Os pensamentos podres, pobres, rotos,
Um simples assassino sem guarida.
Mas mesmo assim te tive sempre aqui,
Deste-me muito mais que mereci,
Só venho anunciar-te a despedida...
20920
Andando nas penumbras, vago à toa,
Encontro nas sarjetas meu abrigo,
E cada companheiro, cada amigo,
Da mansidão e paz, tanto destoa.
Ladrão e mentiroso, mil ardis,
Rolando pelas noites, bar em bar,
Facínora na espera do luar,
Alçando estes esgotos, podres, vis.
Na noite dos desejos e bacantes,
As velhas prostitutas; ébrios, tontos,
Sem ter e nem pedir sequer descontos,
Entrego-me ao furor destes amantes.
E mostro a minha face caprichosa,
Uma alma sem moral, indecorosa...
20921
Eu agradeço a Ti por mais um dia,
Aonde pude ter o meu trabalho,
Fazendo da esperança um agasalho,
No amor e no perdão, estrela guia.
Nas mãos do lavrador, o pão, o vinho,
Nos olhos da criança, esta ternura,
Na fé que trago em mim, tanta brandura,
Sabendo que o Senhor é meu caminho,
Eu reconheço, Pai, cada defeito,
Às vezes; orgulhoso, outras venal,
Idólatra, vaidoso, ou amoral,
E cada vez que deito no meu leito,
Eu penso nos enganos; Teu perdão,
Eu peço em cada prece ou oração...
20922
Valesse mais um pouco até comprava,
A carne humana, baixa cotação,
Exposta a mais terrível condição,
A cada novo dia mais se agrava.
Há pouco tempo atrás já se trocava
O corpo da menina pelo pão,
Metido na armadilha, no alçapão,
A boca de quem sabe ganha trava.
Nos bailes, nos botecos e puteiros,
Senzalas atuais, os baderneiros
Bebendo esta aguardente vagabunda,
Meninas desfilando semi nuas,
Mostrando este país em plenas ruas,
Arrebitando enfim a bela bunda.
20923
Procuro uma saída mais honrosa,
E vejo que não tem mais solução,
O povo que vivera em polvorosa
Caminha sem a mínima noção
Minha alma, com certeza muito idosa,
Ainda sonha com revolução,
Que possa transformar a melindrosa
Terrível e temível condição
Em que se encontra agora este País,
Político virando meretriz,
Rodando uma bolsinha em cada esquina.
Nas Assembléias, Câmara e Senado,
O povo é sempre bem negociado,
Valendo cada parte da propina...
20924
A fria negritude desta noite,
Uivando o vento clama por resposta,
Buscando algum recanto pro pernoite,
Minha alma, sem defesa segue exposta.
Neblinas dominando este cenário,
As folhas ressequidas pelo chão,
Um passo e prosseguindo temerário,
Ladrando entre as trevas, ouço um cão...
Saudades de outras eras. Fui feliz,
Agora um andarilho sem guarida
Procura por abrigo, alguma toca,
Ruído se aproxima e nada diz,
Uma alma pelas outras esquecidas,
A mão da que eu amei, chega e me toca...
20925
Não posso me calar frente ao que vejo,
Os homens destruindo o próprio lar,
Numa ambição terrível e sem par,
O fim da nossa História, eu já prevejo.
Pensando sobre tudo, num lampejo,
Começo neste instante a meditar,
Quem sabe algum segredo desvendar,
Talvez eu aproveite então o ensejo...
O Apocalipse visto como lenda,
Não foi uma total premonição,
A nossa realidade hoje desvenda
O que acontecerá ao ser humano,
Quem causará fatal destruição?
Nem Deus, nem o diabo, puro engano...
20926
Cultuo esta mulher amiga e amante,
Sem dúvida nenhuma, a companheira,
Unidos na batalha mais constante,
Fazendo deste amor nossa bandeira,
Às vezes um caminho deslumbrante,
Em outras, a verdade costumeira,
Lapido a cada dia este diamante,
A jóia mais sublime e verdadeira...
Quem dera se eu pudesse te alcançar,
Porém feito uma deusa em pleno altar,
Apenas um eterno sonhador,
Que faz da aprendizagem sua meta,
E teima com olhares de poeta,
Alçar tal patamar, encantador...
20927
A morte anunciada deste amor,
Que um dia se fez âncora e naufraga,
Causando estardalhaço, os sonhos draga,
Matando as esperanças, perde a cor...
Outrora num altar ou neste andor,
Porém não resistindo à dura chaga,
Apenas a saudade ainda afaga,
Nem mesmo algum prazer; imerso em dor,
Resisto, mas não posso combater
Sozinhos as tempestades, vendavais,
Sabendo que; meu rumo, irei perder,
Andando pelas ruas da cidade,
Procuro quem deixei pra nunca mais,
Enquanto a chuva cai e o frio invade...
20928
Durante muito tempo imaginava
Que a vida poderia ser assim,
Olhando com carinho este jardim
Que toda tarde, em paz sempre regava,
Rompendo o cadeado, sem a trava
Lutando com prazer até o fim,
Porém o amor acende um estopim,
Numa explosão imensa jorra lava...
E aonde havia paz, tranqüilidade,
Agora tão somente fúria e guerra,
Buscar pelos caminhos, liberdade,
Que longe, muito longe se escondeu,
Vagando sem destino pela Terra,
O rumo que buscara, amor perdeu...
20929
Erguendo a velha taça de cristal
Num brinde à nossa sorte malfadada,
Fotografia antiga, amarelada,
Guardada na gaveta: é o final.
Quem teve no seu auge um triunfal
Momento e desde agora resta nada
Já sabe do que falo; a madrugada
Morrendo sem aurora boreal...
Em trevas transformamos farto brilho,
Olhando o que vivemos, até me espanto
Do tudo que nós fomos, desencanto,
Cansado de escutar este estribilho,
Desisto e por favor, não venha mais,
O amor que se perdeu, volta jamais...
20930
Aonde encontrarei felicidade
Se nada do que faço tem valor,
O sonho deste tolo sofredor,
Não vale nem sequer uma saudade...
Quem dera se pudesse; a realidade,
Mudar e transformar abrolho em flor,
Seria então feliz e sem a dor,
Encontraria paz, tranqüilidade...
Vencer os descaminhos desta vida,
Escarpas, as falésias e os penedos,
Saber reconhecer falsos segredos,
E achar dos descaminhos, a saída.
Assim eu poderia até sorrir,
Não vejo este momento no porvir...
20931
Se às vezes eu me perco de teus braços,
Tentando em outros braços me aquecer,
Não culpe tão somente os frágeis laços
Que tanto persistimos em perder.
Enquanto tu caminhas com teus passos,
Distância gigantesca a percorrer,
Meus dias já cansados; seguem lassos,
Na minha vida estou no anoitecer
Estás na plenitude; eu me acabando,
O tempo sem perdão irá passando
E cada vez mais longe te verei.
Ninguém escapa; amada, desta sorte,
Ao tempo em que vislumbro minha morte,
Tu andas por estradas que passei...
20932
Pecado é não saber pedir perdão,
E ter se arrependido quando errou,
Caminho tão estranho que tomou
Aquele em que se fez transformação.
É necessária sempre a comunhão,
Buscando com franqueza o que deixou
Durante a sua estada; mas se sou
Um verdadeiro amigo, um seu irmão
Eu devo te falar do amor eterno,
Que é feito a cada dia, mais e mais,
Trazendo a segurança de um bom cais,
Aquecendo nossa alma em pleno inverno,
Tão raro quanto um belo diamante
O amor que se assim se mostra, mais constante..
20933
Pudesse ser ao menos teu amigo,
Decerto isto faria a diferença,
Não suportando tanta indiferença
Fingindo vez em quando que nem ligo.
O caso é que sonhei ontem contigo,
E tive no teu beijo a recompensa
E a glória deste encanto fez-se imensa,
Tão grande que esquecê-la, eu não consigo.
Pudesse te falar com tal franqueza
Do amor que esparramando toma tudo,
Mas sei que não me queres; não me iludo.
O amor é como fosse a correnteza
Que corre sem olhar sequer pra trás
Arrasta tudo aquilo que ele traz...
20934
Não posso te afirmar se sim ou não,
Jamais tive certeza deste fato,
Tu podes me chamar até de ingrato,
Porém; o que fazer do coração?
Difícil controlar a embarcação,
Com todo este carinho que eu a trato,
Não posso desviar este regato,
A foz se dá no mar; nunca no chão.
Assim também o amor nunca se escolhe,
Não sou qual lavrador que sempre colhe
Aquilo que plantou durante a vida.
Eu juro se eu pudesse, amor daria,
Mas não posso conter esta sangria,
Não vejo para o caso, uma saída...
20935
Guardando ainda as cartas que mandaste,
Mensagens que falavam de um amor
Que o tempo, este cruel destruidor,
Causando corrosão, total desgaste,
Rompendo desde então uma firme haste,
Trazendo tão somente imensa dor,
Aonde já brotara a rara flor,
Conforme tu, outrora, me afirmaste.
Surpresas preparadas pela vida,
Encontro-te de novo, após a chuva,
E aquilo que encaixava como luva
Agora já não cabe mais; perdida
Por tantos descaminhos, eis somente
O escombro do que fora uma semente...
20936
Não quero mais saber do grande amor
Que tantas vezes surge por encanto,
Depois de certo tempo, desencanto,
Morrendo sem causar nenhum furor.
Enquanto se mostrando redentor,
Silenciando a dor, calando o pranto,
Se afigurando como fosse um santo,
Curando um coração tão sofredor,
Mas pouco tempo além, tudo desaba,
O grande palacete, simples taba,
E a fonte dos prazeres, um fiasco,
Invés de ter trazido a eternidade,
O sonho que pensara ser verdade,
Sequer merece ao fim, nem pejo ou asco...
20937
Não pude imaginar outro final
Pra história que vivemos no passado,
Depois de imaginar ter encontrado
Mulher maravilhosa e sem igual,
O amor que dediquei me fez tão mal,
E agora novamente abandonado
Retorno sem saber, ao velho fado
Vagando sem destino pelo astral.
Resíduos do que fomos? Novos erros...
Terei como presente estes desterros
Aonde fiz outrora uma morada.
Ao refazer a estrada chego ao fim,
Amor que, cego, tenho dentro em mim,
Repete a velha história, dá em nada...
20938
Ouvindo da esperança esta cantiga
Que toca mais profundo, o coração,
Nas asas sempre abertas da emoção,
Ternura que eu buscara, tão amiga.
A sorte de sonhar que nos bendiga,
Forrando com beleza nosso chão,
Olhando o teu reflexo na amplidão,
Inebriante luz que nos abriga.
Vieste transformar os meus quereres,
Tu és dentre os trilhões, são tantos seres,
Aquele que é perfeito em plenitude,
Amar-te, pois então é conseqüência,
E falo deste amor com eloqüência,
É fonte de prazer e de saúde...
20939
Um repentino amor em tarde clara,
Depois da tempestade e ventania,
Intensidade máxima declara
A fonte luminosa que irradia
A luz que eu procurei; tão bela e rara,
Ouvindo a mais suave melodia,
Enquanto uma esperança renascia,
Encontro esta bonança que me ampara.
Restando tão somente me entregar
Aos raios poderosos de um luar,
Tocado pelo incêndio da paixão.
Repare nesta Aurora que vem vindo
O céu se apresentando assim tão lindo
Dourando com prazer nossa emoção.
20940
Cantar sempre faz bem ao coração,
Desabafar assim, o sentimento,
E quando estou envolto por paixão,
Eu canto esta alegria, este tormento.
Amar é ter um peso em cada mão,
Pendendo para o riso ou sofrimento,
Num pêndulo repleto de ilusão,
Não larga mais o pobre pensamento...
Viver pensando em ti; é o que me resta,
A porta semi aberta, deixa a fresta
E o vento de um amor logo aproveita...
E a gente sem defesas, fica entregue,
Por mais que uma razão, tal fato negue,
Cupido, o deus moleque, se deleita...
20941
Não venha me falar de poesia,
Por mais que traga a ti, uma importância,
Eu quero das palavras, a distância
Segura, pois senão isso vicia...
Já basta de pensar em fantasia,
Na vida é necessária uma elegância,
E mesmo sendo fera, quem amanse-a
Senão a peste volta e até procria...
Vens me falar ainda em ilusão!
A vida é para quem tem pés no chão,
É necessário ao menos trabalhar;
Quem pensa que um sonho já sustenta,
É como matar sede em água benta,
Acenda agora a luz, pra que luar?
20942
Já fiz os meus propósitos e sei
Que nada dará certo. Estou exausto,
Vivendo novamente um triste infausto,
Os versos que sonhara, até rasguei.
Pequenas sempre foram minhas chances,
Afinal, eu não tenho mais traquejo,
E tudo o que me resta, num lampejo
São simples ilusões. Tolos romances...
Outrora até tentei fazer uns versos
Aonde poderia demonstrar
Que além dos dias trágicos, perversos,
Existem uns momentos de bonança...
Que faço deste barco se meu mar
Ancora na fatal desesperança?
20943
Nesta água em que mergulho, tropical,
Percebo uma chegada que me encanta,
A sede de te amar se mostra tanta
Paixão se transformando em temporal...
Olhando para as flores no quintal,
Beleza sensual, imagem santa,
E quando a tarde chega e o sol levanta,
Quarando uma esperança no varal,
Eu faço mais um verso e nele ponho
Aquela que se fez bem mais que sonho,
A realização de um bom desejo.
Aqueça-me deveras, pois, inverno,
O teu carinho sendo quente e terno,
É tudo o que mais quero, o que eu almejo...
20944
Talvez até mereça algum cuidado
Um velho coração tão sem juízo...
Há tempos que perdeu razão e siso,
Cismando sem destino, abandonado...
Quem sabe num momento do passado,
Se houve ou se não houve, não preciso,
Apenas outras rotas hoje eu piso,
Mas o que faço deste ser inominado...
Pois tendo seus caprichos e vontades,
Impede que eu descanse, enfim em paz.
Não pode ver nas ruas novidades
Que logo vai batendo mais depressa,
Juntando tudo aquilo que ele traz,
Só sei dizer que amei e foi à beça!
20945
Fluindo simplesmente como um rio
Que desce embora enfrente corredeiras.
Assim faz o poeta, em desafio
Bebendo das palavras costumeiras,
E quando com meus sonhos eu alio
Dos ermos, as antigas mensageiras,
O gozo que a mim mesmo propicio,
Usando estas imagens mais ligeiras.
Repito sempre a mesma ladainha,
Falando deste amor que me convinha
E vinha toda noite me acordar,
Alcançando os arcanjos, querubins,
Os meios justificam nobres fins,
Portanto nem precisa em vão vagar...
20946
Espúrias poesias, morte à vista,
Arrebento as correntes e as algemas,
Estranho tolamente tais dilemas,
Por mais que uma alma atenta inda resista.
Não vejo nem sinal, procuro a pista
Que leve o coração a novos temas,
No peito carregando meus emblemas,
Nos carnavais dos sonhos, um passista
Atravessando assim esta avenida
Imensa que se chama solidão,
Perdendo pouco a pouco a minha vida
Aguardo no final, a solução
Que mostre quão difícil a saída
Para quem vive intensa uma emoção...
20947
Não vejo mais quem tanto amor outrora
Tivera como um simples argumento,
Por vezes imagino e até ostento
Sorriso mesmo falso. Muito embora
A vida que se quer jamais se implora,
Conquista que se faz por um momento.
E mesmo quando o passo se faz lento,
Valendo sempre a pena esta demora.
Chegando à conclusão desta importância
Que devo dar à força da amizade,
Procuro manter sempre esta elegância
Com versos que não sejam agressivos,
Por mais que seja dura a realidade,
Meus olhos acompanham mais passivos...
20948
Aguardo esta chegada prometida,
Durante tanto tempo eu te esperei,
Por mares tão distantes naufraguei,
Escondo-me eremita, numa ermida.
E quando ouvi a voz; vi a saída
Que outrora, inutilmente, procurei,
Quem faz das esperanças sua lei,
Com dores e tristezas, calmo, lida...
Ao ver sendo abolida a solidão,
Liberto desde já meu coração,
Não cansa de buscar os teus sinais,
Estou enamorado; e isto me causa,
Nas trevas, nas angústias uma pausa,
Abrandando as procelas, vendavais...
20949
Vivendo solitário, na clausura
Que acolhe os meus tormentos e me acalma,
Sem traços nem resquícios de ternura,
Liberto em sofrimentos, a minha alma.
A noite se esparrama, e tão escura,
Silêncio me trazendo alguma calma,
Vencer com placidez tanta amargura,
Supero a cada dia, um velho trauma.
Carrego em meu costado os desenganos,
Na falsa sensação de segurança.
O corte penetrante causa danos
E deles vou fazendo o meu castelo,
Matando o que restara da esperança,
Usando a própria dor como rastelo...
20950
Senhor possa eu cantar em liberdade,
Levando ao universo esta palavra
Qual fora agricultor que a terra lavra,
Usando qual rastelo, esta humildade.
No quanto é necessária uma oração
Que possa apascentar um frio ser,
Mudando sua forma de viver,
Moldando nele o amor, feito em perdão.
Carrego minha cruz e não reclamo,
Um mundo sem escravo, dono ou amo,
Apenas por irmãos, sendo composto.
Assim é que imagino um novo dia,
Aonde reine apenas a alegria,
Sorriso se estampando em cada rosto...
20951
Pudesse mergulhava nesta tela
E te daria sim, farto carinho,
O amor que não sossega não se sela,
Embriagante sonho, raro vinho.
E quando a poesia a ele atrela
Vencer os desafios, de mansinho,
Agrego às ilusões que o amor revela
Cantos de um coração, um passarinho
Que bate suas asas e procura,
Em plena claridade ou noite escura
Algum recanto aonde possa ter,
A paz tão necessária e duradoura,
E sob os raios dela ele se doura,
Tomado pelas ânsias do prazer...
20952
Caminho entre as charnecas, pantanais
Exposto às tão frequentes tempestades.
Meus sonhos foram simples veleidades,
Atocaiando os passos, os chacais.
Encontro dissabores; são venais
Palavras que falavam de amizade,
Faltava para tal, sinceridade,
Meus versos, reconheço, são banais.
Porém sinceridade não me falta,
Mercadoria cara, o tal do amor,
O medo de sonhar, quando me assalta
Entorna sobre o chão, minha esperança,
Ao fim de tanto sonho, o trovador,
Olhar para o vazio, mira e lança...
20953
O amor sempre atropela; o que fazer?
Deixar correr o rio devagar,
Pensando até no quanto me entregar
Se nada disso o amor deixa escolher.
Não tendo muito tempo pra perder,
A morte vem chegando, e vai tomar
Decerto este cenário, sem luar,
Somente amor quem dá, vai receber.
O caso é não deixo pra depois,
E vivo imaginando assim nós dois,
Pois tudo o que mais quero é ter ao lado
Aquela a quem se fez enamorada,
Mulher que muitas vezes endeusada,
Florindo com seus passos cada prado...
20954
Jamais contestarei o que me dizes,
Apenas observando a nossa estada,
Decifrando os sinais, seguindo a estrada,
Embora encontre sempre mil deslizes.
Perceba no meu corpo as cicatrizes,
A pele pelas dores tatuada,
Mas saibas que ao prever tua chegada,
Os dias transcorriam tão felizes.
Na trágica manhã em que me encontro,
A vida nos trazendo o desencontro,
Atravessando os rumos que escolhemos.
Moldando especulares monumentos,
Retratas meu olhar que por momentos,
Durante algumas horas recolhemos...
20955
Santa hora da morte eu já rejeito
adornando a doença que corrói
com a força latente que em meu peito
ganha pulso e a tristeza, então, destrói.
A dormência me segue e não tem jeito
hei de um dia aquecer corpo que mói
ao poeta e não tem sequer respeito,
pois castelos bonitos, eis, constrói!
Nova vida é um fato que o espelho
me fez ver nos milagres contundentes;
é que eu tenho meu próprio Mar Vermelho
e navego em mim mesmo, entrementes
não sou desses que pode dar conselho
eu sou puro milagre em meio a entes.
20956
Não uso subterfúgios, sou direto,
E faço da franqueza uma bandeira,
Verdade salvadora; eu me completo
Na vida contumaz e corriqueira.
Abrindo da alegria esta porteira,
Encontro o meu caminho predileto,
Quer queira; meu amor, até não queira,
O traço bem mais curto; é sempre reto.
Vencer os turbilhões que a vida traz,
Mentiras e surpresas, armadilhas,
O amor que se deseja, feito em paz,
Ternuras esbanjando dia a dia,
Não somos com certeza, duas ilhas,
Façamos deste encanto, poesia...
20957
Não deixe se acabe a nossa história,
Deveras somos feitos desta fome,
E mesmo quando a lua, ao longe some,
Mantemos num olhar, imensa glória.
Guardando os bons momentos na memória,
O amor que revigora nos consome,
Meus braços em teus braços; pegue e tome,
E caminhos juntos à vitória.
Odeio falsos mitos puritanos,
Os nossos sonhos; quero desfrutar,
E mesmo que isso venha alguém chocar,
Sejamos neste instante; pois profanos,
Sem nada o que temer, vamos nós dois,
“Não deixe tanta vida pra depois”...
20958
Nascida entre as supremas nebulosas,
A estrela que me guia vida afora,
Envolta por mistérios, já decora
O céu que fantasio, imerso em rosas.
As noites que, sem par, esplendorosas
Fixadas na retina. O anseio aflora,
E a vida finalmente o sonho ancora,
Deambulando em sendas olorosas...
Um ícone, este amor que fascinante,
Expressa um novo tempo mais brilhante,
Distante do que fora nebuloso,
Percebo entre as neblinas, teu olhar,
Na mágica Expressão deste luar,
Que traz entre as neblinas, fogo e gozo...
20959
Querendo ou não querendo o amor se atesta
A cada novo dia, sem perguntas,
Viver eternamente em plena festa,
As almas que caminham sempre juntas.
Percebo e tua voz que não é lenda,
Que tudo no final estará bem,
Enquanto a realidade se desvenda,
O sonho de um amor imenso vem
Tomando nossas vidas; nossos dias,
Irrompem mil estrelas; nosso céu,
E em meio às mais divinas melodias,
O amor irá cumprindo o seu papel...
Seja portanto, assim, como quiser
E venha da maneira que vier...
20960
Queria em teu divã ficar deitado,
Falando dos mistérios do desejo,
E mansamente ter o bem que almejo,
No toque sensual e refinado.
Perdoe se eu só tenho desejado
O encanto que em teus braços eu prevejo,
Aproveitando assim, o raro ensejo,
O amor que tanto tenho represado
Abrindo estas compotas, inundando,
O mundo com palavras mais suaves,
Rompendo dos caminhos, os entraves,
Jamais seria calmo ou sequer brando,
Perdoe pela minha ansiedade,
É que encontrei em ti, felicidade...
20961
Não venho com certeza discutir
Tampouco desdizer o que afirmaste,
Por mais que ainda espere no porvir
A sorte que fará doce contraste,
No tanto ou no tão pouco que há de vir,
Não sei se com cuidado reparaste,
O amor que já cansei de assim carpir,
Morreu por corrosão, puro desgaste.
Sonhara com ternura e com carinho,
Desculpe se eu errei de rota e ninho,
Um simples idiota, um imbecil
Procura nas estrelas seu amparo,
Faltando esta noção sem rumo e faro,
Encontro o que o amor não permitiu...
20962
Eu devo te dizer que este meu caso
Não tendo solução, já se perdeu,
O mundo que pensara fosse meu,
Morrendo devagar, está no ocaso.
Felicidade tendo um certo prazo,
Em meio a tal desprezo ele venceu,
Deixando percorrer, sempre ao acaso,
Quem sabe no final verás meu eu.
Desnudo das vontades mais humanas,
Imerso em bestiais fogos satânicos,
Não quero criar medos nem mais pânicos,
Porém quero estas noites mais profanas,
Apenas um momento de loucura,
Encharca nosso quarto de ternura...
20963
Notívago, minha alma de noctâmbulo
Deambulando em becos mais escuros,
Equilibrando os passos, um funâmbulo
Vivendo entre temores, mil apuros.
A peça se anuncia num preâmbulo
Passando por momentos bem mais duros,
Às vezes preferia ser sonâmbulo,
Errante sobre pedras, altos muros...
Mas amo as frias trevas e neblinas,
Enquanto a palidez tanto me atrai,
Na quase transparência; já fascinas
E tomas as vontades num repente,
E quando a noite escura; vem e cai,
A névoa sedutora enfim se sente...
20964
Quisera conhecer a paciência,
Ciência de saber quanto esperar,
O amor jamais seria coincidência,
Cadenciando a vida devagar...
Porém frente aos limites da demência,
Eu sigo o tempo todo sem pensar,
Antigo coração, velha tendência,
Mergulha num imenso e belo mar,
Maldigo esta mania que inda tenho,
Se às vezes, mas por pouco, eu me contenho,
Depois abro as compotas, rapidez...
Faltando ainda muito pra aprender,
Que o tempo nunca pára de correr,
Porém é necessária a lucidez...
20965
Amigo; tantas vezes quis saber
Que estrada, qual caminho prosseguir,
E venho novamente te pedir,
Cansado desta forma de viver,
Encontro tão somente o desprazer,
Ausência de esperança no porvir
Por mais que ainda tente de novo vir
Seguindo a estrela guia a se perder
Num céu que imaginara mais tranqüilo,
O mundo maltratando quem sonhara,
A sorte sendo escasso e digo rara,
Esvaziando assim o imenso silo
Aonde deposito as ilusões,
Amigo, mostre novas direções...
20966
Durante a mocidade eu perseguia
A chance de encontrar quem me quisesse,
Um velho companheiro da alegria,
Olhando para os céus, ternura e prece.
Arcando com os erros, meus enganos,
Pisando nesta areia movediça,
Errante caminheiro mata os planos,
Mesmo que a rosa nasça, cresça e viça
Percursos tantas vezes decorados,
Levando aos descaminhos usuais,
Lançando a minha sorte, rolam dados,
E todos dizem números iguais.
Expresso algum sorriso que inda guardo,
Resíduos do que fora gozo e fardo...
20967
Perene sensação que se esvaindo
Não deixa nem as sombras pelas ruas,
Enquanto desfilavas; distraindo,
Estrelas se mostravam seminuas.
Encantamento mágico que, lindo,
Vagando madrugada quando atuas,
Deitada em minha cama; vem surgindo
Qual fora uma miragem duas luas...
E sei deste esplendor que assim derramas,
Enluarando quem tanto te quer,
A deusa feita humana, uma mulher,
Que esplendorosa doma fartas chamas,
Beleza sem igual, rara, argentina,
Que enquanto se desnuda, me alucina...
20968
Servindo ao servidor, amor comanda
E segue sem destino, toma tudo,
Num solitário luto, inda me iludo,
Contudo a relação cedo desanda.
Afasto-me do cerne da questão
Buscando outro caminho que trouxesse
Bem mais do que leilão, simples quermesse,
De todos os problemas, solução
Estou de prontidão qual sentinela
Vislumbro meteoros kamikazes,
E as feras mais audazes e vorazes
O grande sentimento já revela.
Calcado nesta antiga experiência,
Não creio ser o amor, coincidência...
20969
Que seja este Natal um divisor
Trazendo para ti as águas mansas,
Verás que maravilhas; cedo alcanças,
Usando simplesmente o puro amor.
Na vida, às vezes triste e sofredor,
Fazendo com a dor, tais alianças,
Mas quando penso em Deus, suaves lanças
Atingem o meu peito. E num louvor
Eu agradeço tanto por saber
Que existe neste mundo tanta gente
Fantástica e podendo assim te ver,
Meu pensamento segue por aí,
Tornando a minha mais contente,
Presente que dos anjos recebi...
20970
O verdadeiro amor não delimita
Espaço, penetrando e nada mais,
Não deixo de querer te amar jamais,
Tu és entre as estrelas, mais bonita,
O meu olhar aos céus, fixado, fita
Encontra as maravilhas siderais,
Perceba quanto é bom amar demais,
A vida se tornando enfim, bendita.
Nas margens do Guaíba, uma sereia
Desfila uma beleza fluvial,
E quando pela rua ela passeia
Olhares desejosos incendeia
Enquanto este mineiro passional,
Derrama sobre o rio, dor e sal...
20971
Fogosa em minha cama, cavalgando
Fazendo-me corcel, chego à loucura,
Num êxtase supremo, me procura,
Enquanto se desnuda, provocando,
Desejo o teu desejo desde quando
As línguas se trocaram, noite escura,
E a imagem de uma santa, quase pura,
Aos poucos, sem pudor se transformando.
Agora caminhamos quais bacantes
Que fazem do prazer bem mais que vício,
Andando no beiral de um precipício,
Não somos desta vida, figurantes,
Extravasando toda esta umidade,
Chegamos à total saciedade...
20972
Além de te querer como mulher,
Beleza fascinante e feminina,
Sorriso tão suave de menina,
Que luta e sempre sabe o que mais quer.
Encarando o problema que vier,
Tua presença amada me fascina,
Rumo de minha vida determina,
Tu tens de mim, querida, o que quiser;
Pois se tanto te admiro, esteja certa,
Minha alma com certeza sempre aberta;
Cumprindo a minha sina; ser só teu
E devo-te esta mor felicidade,
Sabendo do caráter, qualidade,
Fantástica mulher que Deus me deu...
20973
Desejo à flor da pele, sedição,
Entregue sem defesas aos teus gozos,
Os dias serão sempre fabulosos,
Tocados por tamanha sedução.
Que seja então perene esta emoção,
E os dias passarão maravilhosos,
Até que adormeçamos, torporosos
Dois corpos fatigados; pura ação...
Vertendo em tua foz, mansos riachos,
Incendiando o quarto, fortes fachos
Da luz que determina esta loucura.
Persigo o teu perfume, ferormônios
Numa explosão divina, mil hormônios
Revelam fogaréu, brasa e ternura...
20974
Tua nudez invade todo sonho
Tomando a noite inteira, excitação,
No jogo audacioso que proponho,
As loucas fantasias da paixão.
E quando um verso a ti, penso e componho,
Aumenta esta vontade, uma explosão.
Um belo amanhecer bem mais risonho,
Gerado pelo amor, pleno tesão.
Assim me delicias com carícias,
Olhando de mansinho tais malícias,
Delícias que pretendo usufruir,
Deixando o barco à solta, chego ao cais,
E bebo dos teus dons fenomenais,
E a vida sem dissídios, a fluir...
20975
O fogareiro aceso traz a chama
Que incendiando a cama me enlouquece,
E quando esta saudade assim reclama,
Teu corpo nos meus sonhos sempre aquece.
Mulher que tanto quero, e não me canso
De ver bela e desnuda em minha frente,
Contigo, cada orgasmo que eu alcanço
Se mostra sempre e mais, feroz e ardente.
Teus seios, minha boca, uma viagem
Que tanto desejei a vida inteira,
Olhando de soslaio esta paisagem,
É tudo que minha alma ainda queira.
Roçando tua pele devagar,
Vagando entre as estrelas e o luar...
20976
Que a vinda do Natal já nos permita
Acreditar possível salvação,
Usando da palavra e do perdão,
Lapidando com fé cada pepita.
E mesmo que a loucura se repita,
Sabendo que há um Deus, a redenção
Tocando bem mais forte o coração,
Que enfrenta as tempestades e palpita.
O nascimento deste que foi rei
Um Deus que feito humano, nos ensina,
Trazendo além da antiga e dura lei,
O amor que sendo imenso; purifica,
Fazendo desta data natalina,
A rocha sobre a qual já se edifica...
20977
Um ano que se encerra; outra novela;
Atores que se vão; o palco muda,
Minha alma permanece quieta e muda
Olhando fixamente para a tela;
A vida tecelã, às vezes bela,
Durante a maior parte, sem ajuda,
Sem ter uma esperança que me acuda,
O fim da velha história se revela.
Porém este espetáculo comove,
Difícil para mim dois mil e nove,
A morte me rondando, num repente.
Mas eis que encontro forças nos meus pés,
E encaro com paixão dois mil e dez,
Quem sabe seja tudo diferente...
20978
Querendo ou não querendo, eu sou assim,
Metáfora ambulante um ser sem nexo,
Jamais resistirei; até no fim
Eu sei que o amor se torna mais complexo,
No quarto acendo a luz e vejo enfim,
A deusa em que buscara amor e sexo,
Desnuda nesta cama traz pra mim,
Além do beijo ardente, um forte amplexo.
Convexo procura o seu contrário,
E côncavo desejo o complemento,
O quanto do prazer eu sei ser vário.
A carta tendo enfim destinatário,
Não admitindo mais qualquer lamento,
Vivendo o grande amor, sem adversário...
20979
Eu quero te contar sobre meu mundo
Aonde muitas vezes perco o senso,
O amor que tanto quero; por vezes tenso,
Transforma-se num lago em que aprofundo
O tolo coração que vagabundo,
Percorre o mundo inteiro, vasto e imenso,
E quando em teu amor, querida, eu penso
Atento a cada gesto, mais me inundo
De tantas maravilhas que me trazes,
Atravessando os dias, novas fases,
Fazendo do meu verso, uma cantiga
Que possa permitir tanta alegria,
Tomado pelo acorde e melodia,
A mão que assim desejo, mais amiga...
20980
Permita então que eu seja simples servo
Vassalo deste encanto que derramas,
Mesmo que seja algum em teu acervo,
Valendo sempre a pena, fartas chamas.
E quanto mais inflamas; mais sou teu,
E quando me deixares; sorrirei,
Sabendo que este amor, tudo valeu,
A estrela iluminando nova grei.
Não faço do meu verso um só lamento,
Existes e por isso sou feliz,
Teu beijo para mim, um santo ungüento,
Um fato que jamais se contradiz:
Tu tens esta magia que me ilude,
Por que resistirei se nunca pude...
20981
Apressando o meu passo, o tempo passa,
Não tenho outra saída senão essa,
Por mais que seja enorme minha pressa,
Espera-me sentada nesta praça,
Enquanto o tempo voa, e se esfumaça,
O amor que já não é simples promessa,
Aos poucos me tomando, recomeça,
E no final será minha desgraça...
Mas não lamento os erros, sou assim,
Queimando minha pele, o sol intenso,
No quanto te desejo, nem eu penso,
E vivo tão feliz, mesmo que o fim
Não mostre outro cenário, só tristezas,
Enfrento sem temor, as correntezas...
20982
O teu perfume invade o quarto e a sala,
Chamando para a noite interminável,
O gozo que prometes me avassala,
Além do que pensara imaginável.
Palavras tão macias, tua fala,
Alçando um paraíso inigualável,
O velho coração, de emoções cala,
E torna-se macio, maleável...
A lua num contraste em transparência,
Magistral rainha na aparência
Da dona dos meus sonhos, sou escravo,
E beijo teus mamilos e arrepios
Condenam teus desejos e nos rocios
Que aqui cedo derramas, eu me lavo...
20983
Não deixe esta peteca vir ao chão,
A gente faz da música alegria,
Luar vai reclamando um violão,
Amor sempre termina em poesia.
Usando assim nossa imaginação
Iremos construir a moradia
Matando assim de vez a solidão,
A noite nunca mais será tão fria.
Esguia criatura que desejo,
O amor não sendo apenas um lampejo
Adentra e fecundando assim o solo,
Permite que se queira muito mais,
Deitando meu prazer sem ter jamais
Que um dia abandonar teu manso colo...
20984
Tua nudez imersa em luz solar,
Aquece e me enlouquece num repente,
O amor quando se faz; assim urgente,
Não deixa noutra coisa mais pensar.
Adentro teus caminhos e a vagar,
Concebo um paraíso mais ardente,
Deitada em minha cama, enlanguescente
A ninfa que busquei tanto encontrar.
As tardes quando orgásticas viciam,
Viagens que fantásticas fazemos,
E quando dos prazeres nós bebemos
Delírios divididos propiciam
Jorrando feito lácteo chafariz,
Maliciosamente, estou feliz...
20985
Alegas não saber quais os motivos
Que possam transformar a antiga sina,
E quando a fantasia te alucina
Renasces entre os mortos, semi vivos
Por mais que sejam toscos ou altivos,
Os medos são reais. A dor fascina,
A seca na nascente, mata a mina,
E os olhos ficarão, pois inativos.
Se eu trago o meu semblante mais fechado,
Prossigo tolamente e vou calado,
Usando os subterfúgios mais banais.
Sortidas emoções, não mais suporto,
As velhas relações; aos poucos corto,
Estes preparativos são finais...
20986
No fausto em que tu vives, falsos guizos
Que a sorte preparou, em armadilha.
Esplêndida figura maravilha
Entorna o que me restam dos juízos.
Não arco com antigos prejuízos,
Portanto o meu caminho não mais brilha,
Andando poucos metros, digo milha,
Humilho-me com passos imprecisos.
Após a tempestade, nova chuva,
Usando de pelica, cada luva,
Percorro os teus salões, e não me vês...
Apesar dos pesares, sou poeta,
Palavra que em palavra se completa
Não sabe nem deseja mais porquês...
20987
Se às vezes te pareço até nefasto,
Descrevo fielmente o que ora sinto
Aperto bem mais forte o frouxo cinto
E dos desejos torpes, eu me afasto.
Não sei se na verdade inda me basto,
Mergulho no infinito em que me pinto,
Brindando nosso amor com vinho tinto,
Meu sangue ainda corre insano e casto.
Chegar aos meus cinqüenta sendo assim,
Arcando com falácias e mentiras,
Do quanto que plantei, tudo retiras,
Não deixas sobrar nada para mim,
Tampouco a poesia que ora faço,
Ocupa no meu peito algum espaço.
20988
Palavra se moldando tão espúria
Depura-se com tempo; vendaval,
Deixando-se secar neste varal
Não posso cometer mais outra incúria
Bendita seja então a nossa fúria,
Fazendo do meu sonho um carnaval,
Desejo quando tenho, é sempre igual,
Minha alma vai sem rumo, então. Segure-a...
E faça com que eu possa desdizer
Aquilo que aprendi; cotidiano
Perdendo uma razão para viver,
Apertando o meu cinto, reconheço
Condeno-me afinal ao desengano,
Mesmo que mude rota ou endereço...
20989
O jogo se acabando e claramente
Pressinto que perdi o velho prumo,
E quando para os mares, outros, rumo,
Minha alma se tornando transparente.
A vida se mostrando mais urgente,
Esvai-se lentamente, leve fumo,
Quem sabe com a dor eu me acostumo
Sabendo que o final já se pressente
Após as velhas curvas desta estrada
Turvando o meu olhar, chuva e neblina,
A fonte que se seca determina
Que não exista mesmo quase nada
Senão esta vontade de voar,
Traçando com firmeza o versejar...
20990
Já não suporto mais a poesia,
Persegue-me esta idéia tosca e frágil,
Por mais que ainda reste a fantasia,
Queria ser na vida, bem mais ágil,
Habilidade apenas, simplesmente,
Remeto-me ao passado e vejo ainda
O que hoje a realidade já demente,
Enquanto o meu futuro se deslinda.
Não faço pra agradar nem mesmo a mim,
Tampouco isto seria uma verdade,
Prevejo vagamente que meu fim,
Não terá nem sequer a liberdade,
Vivendo do fantasma de outro alguém,
Poeta segue assim, sem ser ninguém...
20991
Se desde os primos dias é assim
Escatológicas verdades; dizes,
Num factóide gerando um novo sim,
Escondes sob a manta, cicatrizes.
Legado de poeta é o triste fim,
Por isso é que outro solo, filho; pises.
Num vício inebriante, o velho gim,
Jamais permitirá quaisquer deslizes.
A fantasia feita em letras várias,
Misturas, quase alquímicas; garanto,
Não faça das palavras adversárias,
Tampouco tenha em mente algum sucesso,
Irado e sem sossego, eu te confesso
E busco um lenitivo para o pranto...
EXTRA
Dormência...
É esse amortecer que é tão sentido
e evoca um fim pra cada dor que é fato
o arauto, o sinal claro: estou perdido!
E eis que percebo a falta até do tato...
Aninho em mim mesmo o que era tido
aquém do ouvir sereno e assaz recato
e não escuto o som há muito ouvido!
É certo que na boca o antes regato
achou de ficar seco e eu vi-me junto
ao ponto cego do existir oculto
e o cheiro já nem sinto, é dissipado,
é fato consumado, é fim de assunto;
agora me procuro e nem qual vulto
eu encontro a mim mesmo, estou velado.
Ronaldo Rhusso
Nos ermos de meu ser busco encontrar
Em meio a meus escombros a verdade,
Percorro descaminhos, realidade,
E nada está de fato em seu lugar...
Na sôfrega batalha para achar
Algum sinal com tal sinceridade
Afastando afinal a obscuridade
Aonde eu possa enfim me desnudar,
Percebo neste espelho que me trazes,
Os olhos embaçados, mas audazes
Da fera envelhecida e já sem dentes.
Mas que inda crê na força de outras eras,
No inverno vou buscando primaveras,
Velando a minha imagem entrementes...
Marcos Loures
A distorção é fato consumado
e o beijo da mortífera, conforta
a minha sede por uma outra porta
a qual me leve calmo pr'outro lado
em companhia alegre do esperado
aluvião ao qual meu ser comporta
e em me delir, sereno, então reporta
o ser que fui há tempos, e olvidado,
ao que compôe o resto em mim contido
a fim de dar vazão à vil dormência
e me apagar aos poucos co'a anuência
herdada um dia pelo que hei vivido
em troca dessa vã maledicência
em forma estranha e triste da existência...
Ronaldo Rhusso
Perceba quantas vezes vou errante
Escravo dos meus medos, meus anseios,
E faço de ilusões, doridos meios
Na busca mais freqüente, até constante.
A morte, sobretudo me garante,
Antiga sabedora destes veios,
Que jamais valeriam tais receios,
O mundo segue sempre para adiante.
Portanto, distorções são usuais,
Motivos pra viver; os quero mais,
Já que depois de tudo, findará
O tempo se esgotando tão depressa,
Será que nova etapa recomeça
Após o meu final? Responda já!
Marcos Loures
Essa louca dormência nos sentidos
vem, dispara a dúvida pertinente!
Vem tornando o viver mui mais plangente...
Pensamentos comuns são invadidos
e me lembram das dores de outros idos
que tornaram-me a vida diferente...
Hei me dado ao sofrer e é permanente
lamentar e ter medos combatidos.
Mas a vida é irmã da Dona morte
uma pára e outra leva, toca em frente!
De repente entendi que continua
e atua esperando o Rei que é forte
é suporte pro ente, felizmente,
e virá reluzente mais que a lua!
Ronaldo Rhusso
A Morte nos desnuda por inteiro
Inevitável ponto de partida,
Quem sabe, de chegada, companheiro,
Haverá decerto nova vida?
Só sei que sempre mostra a dolorida
Face do viver, que é tão ligeiro,
Porém como uma meta a ser cumprida,
Momento da existência, o derradeiro.
Aprendo a cada novo amanhecer
A crer que esta alegria de viver,
É tudo o que desejo e que me resta,
As dores ensinando, dia a dia,
Maturidade sempre propicia,
Ensinando a encarar a hora funesta...
Marcos Loures
Santa hora da morte eu já rejeito
adornando a doença que corrói
com a força latente que em meu peito
ganha pulso e a tristeza, então, destrói.
A dormência me segue e não tem jeito
hei de um dia aquecer corpo que mói
ao poeta e não tem sequer respeito,
pois castelos bonitos, eis, constrói!
Nova vida é um fato que o espelho
me fez ver nos milagres contundentes;
é que eu tenho meu próprio Mar Vermelho
e navego em mim mesmo, entrementes
não sou desses que pode dar conselho
eu sou puro milagre em meio a entes.
Ronaldo Rhusso
O quanto em desafios traz a vida,
Misteriosamente faz milagres,
Porquanto tanto amor; deveras sagres,
Encontras com louvor uma saída.
A sorte do viver jamais se olvida,
Mesmo quando há acidez, velhos vinagres
No amor que a cada dia mais consagres
Adiarás decerto as despedidas...
Poeta tendo uma alma imorredoura,
Em plena tempestade, ele se doura,
Erguendo o seu olhar, vê sempre além.
A morte leve o corpo, deixa a fama,
Mantendo na palavra a imensa chama,
Que eterna, vez em quando sempre vem...
Marcos Loures
Eu acredito que essa é a nova vida:
Permanecer em cada verso lindo!
Eternizar-se em obras, nessa lida,
aproveitando o Dom, pois que é infindo!
Posteridade tem quem solta a brida
anunciando a dor, porém sorrindo
enquanto o Mal não ache uma acolhida;
enquanto o amor entenda que é bem vindo!
O corpo morre e fica em vil dormência;
os Cromossomos juntam-se à terra;
memória não tem mais, nem recompensa...
Um dia alguém que sofre de demência
descobre textos... Pronto! A morte encerra!
Outro imortal renasce... Mas compensa?
Ronaldo Rhusso
Talvez seja melhor ficar calado,
O tempo remedia, mas não cura,
Se o pensamento voa, sendo alado,
Algum belo remanso ele procura,
Da luta, eu te garanto, estou cansado,
Porém nossa batalha inda perdura,
Viver a poesia, amargo Fado,
Às vezes com espinhos, a ternura...
Morrer e depois disso ser alguém?
Um velho paradoxo se repete,
Melhor seria ter outro caminho,
Mas quando a tarde cai e a noite vem,
O dedo no teclado pinta o sete,
E volta sem pensar ao mesmo ninho...
20992
Mania que esta gente ainda tem
De meter o bedelho em nossa vida,
Se compro bonde e também perco o trem,
Fazendo numa entrada e na saída...
Conheço a minha laia muito bem
E sei o quanto está tão dividida,
Metade faz aquilo que convém,
Enquanto outra metade não duvida.
Levando a vida assim na maciota,
Não vou ficar bancando algum marmota,
Se estou na pista, amiga, é pra negócio.
Já tô ficando até meio bolado,
Ficando bem melhor se misturado,
Só não aceitarei esta de sócio...
20993
- E-MAIL DO CAPETA...
24/12/2009 06:35 - CAPETA (não autenticado*)
NAO EXPONHA A IMAGEM DE SUA CRIA SEU DESCRENTE.. VOCE MERECE A MORTE
E NADA MAIS... VOCE E TODA SUA FAMILIA... FICA AQUI MINHA
DESGRAÇA....
24/12/2009 06:34 - DIABO (não autenticado*)
A BESTA EXISTE, E ELA VEM NA FIGURA DO SEU MELHOR AMIGO. CUIDADO QUE
O INFERNO EH AGORA E O DIABO ESTA A SUA PROCURA; VOCE ESTA MORTO.....
Recebo até recado do diabo
E vem em duplicata inda por cima,
Escorregando mais do que quiabo,
Véspera de Natal, pintou o clima.
O bicho se segura é pelo rabo,
Além de ser chifrudo; ainda prima
Por agredir pior que bicho brabo,
Espero que o capeta se redima...
Assim é a cultura nacional,
Um troço sem juízo ou infernal
Além de não ganhar nenhum trocado,
A gente é ofendido por babaca,
Que usando este pseudônimo panaca,
Esconde um belo chifre de veado...
20994
Será que escaparei da confusão
Em que tu me meteste, sem querer,
O certo é que pagando para ver
Só ser em suave prestação.
Já basta a tal mordida do leão,
Agora estou devendo pra valer,
Dinheiro é coisa rara de se ter
Enquanto no Congresso há corrupção.
Também a culpa é minha, sim senhora,
Quem me mandou casar com patricinha?
Cem dólares: o preço da calcinha,
Assim vou terminar numa penhora,
Deixando o meu anel de casamento,
Pior? E se não sai meu pagamento?
20995
Se logo que amanhece é desta forma
Não posso suportar o dia inteiro
Não vou me submeter à tola norma,
Preciso renovar o meu canteiro...
Quem anda aqui por perto já me informa
De tudo que fizeste ao companheiro,
E enquanto se maltrata se deforma
Do bem original, sequer o cheiro.
Não vou ficar sentado feito trouxa,
Deixando a vida mansa, correr frouxa,
Sem dar uma palhinha ao velho amigo,
Melhor mudar depressa desta raia,
Senão termina em rabo, mas de arraia,
Olhando mais de perto, é um perigo...
20996
Talvez fosse melhor seguir em frente
Deixando para trás velhas pendengas.
Mas tudo modifica e de repente,
Retornam as conversas, as arengas,
Calar o que se pensa e o que se sente,
Meus passos ficaram bem mais capengas,
Agindo de uma forma diferente,
Enquanto me maltratas, tu me dengas.
Mordendo e assoprando, não há jeito
Da gente ser feliz, nem confiar,
Não posso desejar amor perfeito,
Mas devo te dizer que assim não dá,
Bom ir com o andor mais devagar,
Ou então terminamos desde já...
20997
Depois da meia noite? Gatos pardos...
A bebida em excesso é um perigo...
Tu pensas que é de pêssego, são cardos...
Um buraco qualquer serve de abrigo.
Aquela te parece um avião?
Um tosco teco-teco, com certeza,
Melhor deixar fazer arribação,
Mas levas com carinho para a mesa...
Pior é que parece que são gêmeas,
Na certa; o que tu vês é duplicado
Importa, meu amigo é que são fêmeas,
Melhor do que encarar troço trocado...
Porém, digo a verdade: vá na fé,
É carne de segunda e não filé...
20998
Não posso me calar perante a fome
Que grassa pelo mundo tão injusto,
Enriquecendo assim, a qualquer custo,
Uma alma sem moral já se consome,
Não basta ter somente um limpo nome,
É necessário ser correto e justo,
Aos homens do passado, brônzeo busto,
Somente garantiam o renome.
Mas vejo entre estes seres, uns canalhas,
Matando até crianças em batalhas
Heróis falsificados, tristes mitos.
Assim a podridão domina a cena,
E o olhar tão firme e brusco já condena,
Os homens de poderes infinitos...
20999
Liberto cada verso represado,
Usando os artifícios mais sutis,
Estranho quando alguém se diz feliz,
Mas deixo tudo sempre encaminhado,
Vencer as distorções do meu passado,
Tornando estas palavras mais gentis,
Não meto, te prometo o meu nariz,
Só quero resgatar o que há de errado.
Perpetuamente fomos imbecis,
E quando novamente por um triz,
Deixaste na parede este recado,
Marcado e desenhado sempre a giz,
Percebo que afinal a bela atriz,
Atua neste palco abandonado...
21000
Não faço mais a mínima questão
De ter entre meus braços teus abraços,
Meus dias se tornaram tristes, lassos,
Os passos buscam outra direção,
Ação é necessária, pois senão
O chão abrindo enormes, vagos traços,
Laços perdendo o rumo e por que não
O vão deixando abertos os espaços.
Pacato cidadão; sempre busquei
Seguir sem discussões, a regra, a lei,
Mas quando me cansei, dei falsos passos,
Esqueça o que te disse no começo,
Se vale alguma pena ou se mereço,
A faca que me mostras, de puro aço...
21001
Sem ter tua presença, o que seria
Da vida deste pobre sonhador,
Perdido sem sequer ter fantasia
Morrendo a cada dia, sofredor,
E quando tu vieres, a alegria
Tornando este cenário encantador,
No palco desfilando a poesia,
Moldando um novo tempo feito amor.
Banquetes e festanças são promessas
E quanto à minha vida, recomeças
Mudando o meu destino, claramente.
Vencer os velhos medos e temores,
Seguindo cada rumo aonde fores,
Futuro sem igual, a alma pressente...
21002
Escrevendo esta carta/poesia
A quem queira me amar sem mais demora,
O tempo de viver é sempre agora
A sorte não é coisa que se adia,
E quando resolveres. Que alegria!
O meu olhar faminto já te implora,
Enquanto houver um sonho, o céu se explora
Atrás da bela estrela que nos guia...
Hercúleos os esforços pra poder
Sentir de tuas mãos, suavidade,
E em tudo demonstrando o meu querer,
Nas frases em que trago a mansidão,
Imerso na mais rara claridade,
Mergulho sem pensar nesta amplidão...
21003
“A vida só se dá pra quem se deu”,
Dizia; muito bem o poetinha,
Colhendo cada flor que ainda tinha
Neste jardim que um dia já foi meu,
Estrela que em meu céu apareceu,
E agora no meu braço ela se aninha,
Promessa de colheita nesta vinha
Luar que em noite escura apareceu,
Vestindo prateada maravilha,
Deitando cada raio sobre mim,
A lua se desnuda e bela assim,
Por vales e montanhas; vaga, trilha.
E quando finalmente me encontrar,
Teremos nossas filhas ao luar...
21004
Assim que caí fora eu percebi
O quanto na verdade me querias,
Chegando de tardinha eu vi aqui
No meio da festança, estas folias.
Não venha me dizer que te esqueci,
São tuas mentirosas fantasias,
A idéia meu amor, partiu de ti,
E tu vens me dizer que não sabias?
Difícil atravessar aquela porta,
Agora também nada mais me importa,
Se agarro ou se consigo, estou ferrado,
Não vou ficar bancando o distraído,
Eu sei que na verdade fui traído,
E diga; por favor, se estou errado...
21005
Na minha sorte dei uma bicuda
Chutei o meu futuro e dei no pé,
Talvez eu necessite de uma ajuda,
Mas aproveita e faça um cafuné,
Eu sou arraia velha e tão miúda,
É muito carne pra filé,
Se começo a falar, um deus me acuda,
O jeito é me calar; é ou não é?
Piolho vai fazer minha cabeça,
Senzala todo dia no escritório,
Vivendo neste eterno purgatório,
Não tendo alguma coisa que mereça,
Saltando assim de banda, dou o fora,
Melhor então que seja desde agora...
21006
Lucrasse alguma coisa inda tentava,
Mas nada ganharei se fizer isso,
Não posso mais faltar ao compromisso,
Senão a brasa aquece e vira lava,
Um velho vira-lata quando uivava
Fazia com alarde. Eu não cobiço
Tamanha cachorrada; deixe disso,
Coloque nesta boca alguma trava.
É necessário ter a paciência
Eterna companheira de quem tenta
Viver com alegria e sempre em paz.
Não sendo tão somente coincidência
A noite está feroz e violenta
Melhor então, correr; mas sempre atrás...
21007
Fazendo a minha barba de manhã,
As rugas aumentando dia a dia,
A vida é com certeza puro afã,
Não tendo o que fazer; sequer magia,
Descendo neste velho tobogã
A gente se estrepando, mal sabia
Da dor que pouco a pouco corroia
Tornando uma esperança amarga e vã.
Pulando feito um sapo, assim me viro,
Queria algum descanso num retiro,
Ou mesmo num asilo que me aceite.
Mas olho para o espelho novamente,
Faltando pouco tempo pro batente,
Tomo correndo meu café com leite...
21008
Afagos necessito e quero mil,
Abrindo a porta encontro ali deitada
Aquela que no outono me impediu
De prosseguir naquela velha estrada.
Não vejo esta maldita desde abril,
A peste purulenta e malfadada,
Não como esta porta a praga abriu,
Só sei que no sofá esparramada.
Pecados cometidos? Paguei multa,
E desde que cheguei à idade adulta
Adúlteras encontro dia a dia,
Mas logo esta infeliz que me aporrinha,
Como é que irei fazer se esta murrinha
Não larga do meu pé, vaca vadia...
21009
Contrariando os fatos costumeiros,
Eu sigo o meu caminho deste jeito,
Ninguém nasceu pra ser assim perfeito,
Defeitos na verdade, corriqueiros,
Limpando vez em quando meus cinzeiros,
Descanso tão somente quando deito,
Um erro novamente? Mas aceito
Também cometo enganos mais ligeiros...
Acaso se esta casa não cair,
Eu vou fazer barraco e tocar fogo,
Cansado de perder o mesmo jogo,
Não posso na verdade te impedir,
Mas tome mais um pouco de cuidado,
Senão, preste atenção, estou ferrado...
21010
Não lucro com mentiras nem lorotas,
Comprei um botequim; quebrei de cara,
Não é que uma cachaça seja cara
Pior são as malditas destas notas.
Fazer pra cachaceiro algum fiado
É coisa que jamais eu aconselho,
Não vou metendo o meu bedelho,
Agindo deste jeito, está ferrado...
Não paga nem a pobre vaca tussa,
Nem mesmo se galinha criar dente,
Fincando pendurada esta aguardente,
É como fosse a tal roleta russa.
Falando deste bar, vejam vocês,
Eu fiz este soneto e ele é inglês...
21011
Se explico não complico ou fico rico
Apenas sem as penas ave voa?
Não quero mais ficar na vida à toa,
Também não quero mais pagar tal mico.
Banheiro se entupiu? Tem o penico,
Aproveitando assim esta canoa,
Maria; quero um naco desta broa,
Tá boa e sem a broa; amor, não fico...
Menino fez bobiça com a égua
Não dando para a pobre nem mais trégua,
A régua funciona no traseiro
Maroto este bichinho tão treteiro,
Mal viu a cara feia, foi ligeiro,
Correndo sem parar por quase légua...
21012
Seu Chico dá licença de eu contar
As coisas que acontecem lá na roça,
Mineiro nunca gosta de inventar,
Aumentar? Um pouquinho tem quem possa.
Não lembro de ter visto o tal do mar,
Nascido na choupana, uma palhoça,
Cansado desde cedo de apanhar,
Moleque já aprontou? É nova coça...
Mas juro que não vi assombração,
Nem mesmo algum fantasma vida afora,
Se eu falo uma mentira, o tempo ataca,
Confesso medo é coisa que não sobra,
Quando eu vejo no mato alguma cobra
Pior se ainda for sogra, a jararaca...
21013
Nos píncaros da glória, escorreguei,
Num reggae bem regado à vodca e rum,
Ninguém mais agüentava o tal futum,
E nessa, companheiro, eu vacilei,
Sujeito obediente, sigo a lei,
Problema com justiça? Sem nenhum.
Confundindo macuco com mutum,
No meio da bagunça me estrepei.
Cigarro oferecido? Diferente...
Mineiro acostumado com a palha,
Em plena confusão já se atrapalha,
O delegado nem ouviu a gente...
- Seu velho vagabundo sem vergonha,
Queimando nessa idade, uma maconha!
21014
Não vou mais separar joio de trigo
Tampouco irei fazer meu carnaval,
A gente se tornou meio boçal,
Porém eu te confesso, já nem ligo,
Enquanto a fantasia; enfim desligo,
Refaço com carinho o meu trigal,
Queria retornar a Portugal,
Porém aqui nos trópicos prossigo...
Falar de decassílabo parece
Que xingo a mãe de alguém, é palavrão,
Cultura brasileira assim padece
E a gente vai vivendo de teimoso,
Matando diariamente algum leão
O fato sem delongas, escabroso...
21015
Nós somos sonhadores, porque não?
Vivemos do passado. A poesia
Morreu e só a gente não sabia,
Funeral não chamou nossa atenção.
Vontade de escrever um palavrão,
Falar qualquer besteira, ou porcaria,
Alheia a tais vontades a folia
Adentra na furada embarcação.
Choupana de poeta tem a lua
Deitada sobre a cama, bela e nua,
Mas nada quer comigo esta safada.
Vencendo os desafios? Não consigo,
O tempo que perdi querido amigo,
Não dando no final em quase nada...
21016
Eu tento embora não mais acredite
Que a gente possa um dia ser assim,
Vou dando vez em quando algum palpite
Na grande maioria, é bem ruim.
A vida quer impor o seu limite,
Porém a fantasia não tem fim,
Postando alguma coisa que me incite
A demonstrar o que há dentro de mim,
Amiga; não percebo ser possível
Qualquer mudança feita por quem sonha,
Imagem realista é tão medonha
E a felicidade sendo incrível,
Não vejo outra saída senão esta,
A festa preparada, então: funesta...
21017
Queria ser neo neo neo neo neo neo
Assim até faria algum sucesso,
Antigo companheiro, o tosco céu
Jamais mostrou de fato algum progresso,
Mudando de repente de papel,
Quem sabe no final, ainda peço,
Mesmo que seja apenas no bordel,
Pra ser jogado às feras, réu confesso.
Só falta uma cartola e um belo fraque,
Seria bem melhor soltar um traque,
Deixando em polvorosa o elevador,
Tentando disfarçar velhos defeitos
Sonetos novamente sendo feitos,
Só falta algum talento ao trovador...
21018
Alugando meu cérebro, quem quer?
Garanto bem melhor o de um surfista,
Que vive pra negócio em plena pista,
Espelho teu sinônimo é mulher.
Mas seja Deus do jeito que vier,
Não quero que ninguém venha e me assista
Fiquei mais curioso que turista,
Olhando deste jeito quem quiser.
Seguro a minha farsa mais um pouco,
Gritando em plena praça; como louco,
A rouquidão faz parte do negócio.
No fundo poesia não faz bem,
Melhor um botequim, mas se não tem,
Assim vou superando qualquer ócio...
21019
Matei minha esperança num boteco,
E dane-se quem quis ser um panaca
Que enquanto a realidade tosca ataca
Vivendo do passado, simples eco.
Não sou nas tuas mãos simples boneco,
A mula de teimosa sempre empaca,
Ninguém quer fantasia, a sua inhaca
Lembrando quando quieto ali defeco.
Perfeitas harmonias, doces versos,
São coisas que jamais suportaria,
Vendendo falsidades, são diversos
Os rumos que meu mundo tomaria,
Não fosse esta imbecil sinceridade,
Talvez fosse um poeta de verdade...
21020
O choque entre o presente e o que passou
Transforma qualquer queda em cambalhota,
Comprando no Pacífico uma ilhota
O barco poesia naufragou.
Morreu de inanição; agora eu vou
Bancando como sempre um idiota,
Aculturado povo se amarrota
Enquanto passarinho jamais voou.
Sapato de palhaço; narigudo,
Prefiro ficar quieto, mas não mudo,
E além da teimosia ainda existe
Um fato que agravando minha escrita,
A trágica comédia se maldita,
Não deixa ser alegre nem insiste...
21021
Eu sou bem atrevido sim senhor,
Não deixo de escrever qualquer bobagem,
Se eu quero no final uma homenagem,
Não joguem ovos podres, por favor.
Aos poucos vou criando este pavor
Que secará tal fonte; eis a mensagem
Aprendo a variar a paisagem,
Importa tão somente se é calor.
Num tropical país, que viva a bunda!
E o belo bronzeado da morena,
A saia se mais curta e tão pequena
O olhar já sem juízo se aprofunda,
E o velho realejo em plena praça
Resiste tão somente por pirraça...
21022
Houvera qualquer tempo não sei quando
Aonde talvez fosse poesia,
Agora no vazio mergulhando,
O bêbado, do nada se inebria.
Os sonhos afugentam; tolo bando,
Sereno adormecendo a fantasia,
Revejo em cada plano, o vento brando
Que outrora a minha alma conhecia.
Porém só restarão banalidades,
Faltando muito pouco para o fim.
Poetas são apenas raridades
Expostas num museu, mas sou inútil,
Jamais seria apenas um ser fútil,
Prefiro terminar meu tempo assim...
21023
São poucos idiotas que inda tentam
Fazer da poesia a mensageira,
Se surda continua a companheira,
Palavras simplesmente violentam.
As portas não se abrindo, se arrebentam,
Mas como posso crer que esta porteira
Selada tenha a sorte costumeira
Poeira e ventania não se assentam...
Apenas um objeto de museu,
Quem sabe um animal que pré-histórico
Andou por certo tempo até eufórico
Mal sabe que este sonho já morreu,
Na praia não encontro mais sereia,
Olhando mais de perto: uma baleia...
21024
Pergunto-Te Senhor, que vale a vida
Se não fosse o amor que nos dedica?
A história não renega nem explica,
A dúvida persiste, a alma perdida
Vagando entre respostas, não duvida
E crendo em nova vida bem mais rica,
O sonho de alcançar-te multiplica
Enquanto a multidão adormecida
Esconde dentro dela este demônio
Que aos poucos a devora e a destrói.
A pedra que também a pedra mói
Virando de repente patrimônio,
Expõe a podridão do joio amargo,
Enquanto Deus caminha longe, ao largo..
21025
Minha alma se embebendo nos teus sonhos,
Dormindo, tu dominas o que penso,
O amor que nos encanta, tão imenso,
Promete novos tempos mais risonhos,
Cabelos soltos, pele bronzeada,
Deitada quase nua do meu lado,
O vento da paixão, emoldurado
Adentra na janela escancarada...
E esboças um sorriso. Pensativo,
Procuro algum motivo para tal,
E quando te imagino, sensual,
O medo de perder-te soa vivo,
Mas logo balbucias o meu nome,
E o medo, num segundo, evade, some...
21026
Tão lânguida desmaia, ao longe a lua,
Deitando no horizonte seu torpor,
Envolto pelas ânsias deste amor,
Uma alma seduzida, assim flutua,
Levita e sobrevoa cada rua,
Alçando um paraíso alentador,
No peito deste pobre trovador,
A história não termina e continua
Tomando o pensamento, vago à noite,
Exposto ao frio vento, qual açoite,
Bebendo da esperança que se nega.
O beijo que não veio, a mão ausente,
O fim de um dia se pressente
E o mar das ilusões, peito navega...
21027
Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar, mas que suplica.
Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...
Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...
Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...
ALPHONSUS DE GUIMARÃES
Tuas mãos gélidas e cálidas
Quais fossem de marmórea consistência,
Tão longilíneas; alvas, quase pálidas,
Maliciosas rotas da inocência...
Tocando-as levemente, ora concebo
Funéreas ossaturas, firmes dedos,
Enquanto me fascinam, delas bebo
As mais diversas faces dos segredos,
Em quantos rostos belos, noutros dias,
Suaves, provocantes arrepios,
Causando as mais completas alegrias,
Sabê-los, para o amor, mil desafios...
Fechando os olhos, beijo as tuas mãos,
E mortos sentimentos, soam vãos...
21028
Compartilhando a sorte que me deste
Expulso mil demônios do caminho,
Veredas que encarando ora sozinho,
No olhar do lobo, a fome, a guerra e a peste,
A terra em que pisamos; mais agreste,
É nela que faremos cada ninho
E quando noutros braços eu me aninho
Alinho-me aos sonhares que disseste.
Se existe alguma chance, isso não sei,
Tampouco importaria se a batalha,
Enquanto for ao fio da navalha
Decerto, sem demoras, vencerei.
Mas quero que tu saibas; companheiro,
Inimigo pior? O traiçoeiro...
21029
Marcado feito carta em jogo sujo,
Espero a minha morte a qualquer hora,
A fera numa espreita me devora,
Quem dera o coração fosse um sabujo,
Não creio num amor, se o dito cujo
Não sabe quando estar; nem ir embora,
Se uma alma fraquejando, tola chora,
Escondo-me qual fora um caramujo
E bebo do passado; fortaleço,
Retorno à doce infância e solto as asas,
Reacendendo assim antigas brasas
Às quais, carinhosamente eu obedeço.
Espero que amanhã, venha outro sol,
Eterno coração de girassol...
21030
Nascer após a morte do meu sonho
E não trazer sequer algum resquício
Daquilo que pensara o precipício,
E agora vejo ser menos medonho,
E a cada amanhecer me recomponho,
E faço do final, o meu princípio,
Se goste ou se não goste deste ofício,
O mundo que desejo é mais risonho.
Tampouco mergulhar em águas turvas
Das mágoas, simplesmente leves curvas,
A estrada do viver está repleta,
Porém meu coração anda apressado,
Por mais que nesta vida tenha errado,
Que importa? Eu na verdade sou poeta...
21031
De tanto amor que a vida poderia
Me dar, desde este instante em que tu vens
Deslindar meus segredos, a alegria
Tomando o dia a dia traz os bens
Que em plena mocidade, alegraria
Minha alma sofredora, pois tu tens
Nos olhos o poder que me inebria
Nas noites em que os sonhos seguem zens.
Melífera esperança que se assoma
De um vago sentimento antes calado,
O vento que te trouxe, enamorado,
Bebendo de teus lábios o mel toma
E farta minha mesa de manjares
Transforma nossos sonhos em altares..
21032
Quem dera se o noctívago poeta
Vagasse pelos sonhos de quem ama,
Quem sabe ao acender alguma chama
Ela teria o amor que em si completa,
Apenas fantasia. A paz concreta
Distante do meu quarto, em nua cama,
Do inverno interminável já reclama,
Não tendo mais esperanças, morta a seta,
Cupido fez ouvidos/mercador,
Deixando para trás o eterno amor
Que um dia imaginei; pura tolice...
A história se repete novamente,
Sem ter quem os meus sonhos já freqüente,
O que julgara claro se desdisse...
21033
Aguardo o amanhecer como se fosse
Tentáculo disforme que semeia
Sementes deste mal que me incendeia,
Tornando a vida amarga ou agridoce.
Roçando os meus espectros, nada trouxe
As minhas mãos plantando sempre à meia,
Colheita do vazio não refreia
O mal que dos meus dias apossou-se...
Sequer alguma luz, prefiro as trevas
E quando mais distante, ainda nevas,
Bebendo a luz soturna desta lua,
A deusa se esparrama na calçada
E vejo entre seus lumes, alcançada
A palidez que espero; nua e crua...
21034
Espelho refletindo noutro espelho
Mosaicos que traduzem o meu rosto,
Em trágico espetáculo se exposto
Traduz ao que em verdade me assemelho.
Na frágil consistência de um conselho,
A vida se invernando, eterno agosto,
Afasto-me das coisas que mais gosto,
E entrego-me ao vazio, de joelho.
As cartas e os recados foram tantos,
Meus medos não bastaram, vou morrer.
E quando isto eu percebo, passo a crer,
Que apenas coletando desenganos,
Fiz nesta vida o imenso mausoléu,
Tentando pelo menos, crer no Céu...
21035
Erguendo as fortalezas que inda possam
Trazer para os meus dias, segurança,
Enquanto houver um resto de esperança
Imensas fantasias inda acossam,
Desposo a solidão, vital amiga,
Segredo virtual que inda carrego,
E mesmo o caminhar de um velho cego
No mar das emoções, não desabriga.
Resisto bravamente e tento ainda
Vencer as corredeiras, ir em frente,
Por mais que uma alegria ainda tente
A tarde imersa em nuvens se deslinda
Decifro os teus sinais, ó grande amor,
E perco sem saber, espinho e flor...
21036
Abordo meus fantasmas com descrenças
À bordo dos meus sonhos, sigo insone
E quando ouço chamar neste interfone
Preparo pra enfrentar mais desavenças.
Não tendo mais nem fé sequer as crenças
Nem mesmo uma palavra que me abone,
Por mais que a solidão não me abandone
Antigas esperanças são imensas.
E quando apodrecendo mais um tanto,
A vida se perdendo em farto encanto
No desencanto grana um novo dia
Imerso nas neblinas corriqueiras,
Arcaicas ilusões erguem bandeiras
E nasce a derradeira poesia...
21037
Amor não deu sequer para o começo,
A gente não merece nada disso,
Do sangue que servia pra chouriço
Jogaste na privada. Que tropeço!
Não sabes nem fazer a rabanada,
Ainda vem com papo de gourmet
Quem olha assim de banda, logo vê
O nosso grande amor? Uma furada...
Peguei as minhas coisas neste armário
E logo me mandei para outras bandas,
Cansando de bancar sempre o otário,
O tempo foi passando e eu aprendi,
Que quando necessário tu desandas,
A idéia do final partiu de ti...
21038
Estou numa sinuca, das de bico,
Não sei se poderei seguir adiante,
E mesmo que resolva, num instante
Godero engana o pobre tico-tico.
Não venha reclamar, dizer que implico,
Verdade nesta casa, uma constante,
Qual livro que esquecido numa estante,
Aquele que nos sonhos eu publico,
Deixado em algum canto, amarelado,
As traças vão fazendo sua festa,
Tirando com certeza o que não presta,
O resto não dá nem para o começo,
Se o jogo não te serve de pescado,
O lambari da casa? Eu não mereço...
21039
Chegando de mansinho, um bom mineiro,
Não vai bancar o touro, minha amiga,
E quando o trem piora ou já periga,
De lento vou ficando mais ligeiro,
Não boto a minha mão neste vespeiro,
Nem quero confusão, tampouco intriga,
Se a gente recomeça a velha briga,
A casa se transforma num puteiro.
Não quero te ofender, não mais me xingue,
Nas mãos do caçador este estilingue
Fazendo mais sucesso que pagode.
Pegando opinião, ninguém me cala,
O resto funciona, amor à bala,
Garanto que esse troço inda dá bode...
21040
Macaco quando esperto vê cumbuca
E nela jamais põe a sua mão,
Onça com vara curta, não cutuca
É só não reclamar, presta atenção.
Não fique esparramando qual maluca,
Nem mesmo vem com essa de lição,
Não vou ficar assim, lelé da cuca,
Nem mesmo vou bancar o seu lobão.
Entrando na arapuca? Nem por raio.
Mineiro sabe bem se defender,
Num golpe assim tão baixo não mais caio,
Tampouco vou ficar dando migué,
Pagando qualquer coisa só pra ver.
Não sou minha querida, algum mané...
21041
Querido não me venha com este papo,
sabe tão bem que nunca lhe trai.
Apenas coloquei anúncio no jornal,
que de fraco não queria nenhum sinal.
Apareceu todas as fantasias de carnaval,
querendo me consolar neste trágico final,
recebi de uma amiga uma mensagem atual:
no morro da Mangueira a bala coisa fatal.
Não venha passear no carnaval do Rio,
se não trouxer comandante ou general,
prepare a malinha pro final da linha,
Vai acabar virando comida de galinha,
aqui quem manda é quem é da Capital,
da bobeira só pra ver o resultado final.
21042
Porém lá em casa a coisa está pegando,
Mulher chega com papo diferente
Dizendo que a viagem é urgente,
Pior é que sou eu que estou pagando.
Negócio resolvido? Nem sei quando,
Pensando que esqueci? Não sou demente,
E quanto mais se engana, mais me mente
Batata da mulher decerto assando.
Botando esta danada para a rua,
A história não termina e continua
São as tantas as pensões que irei pagar...
Fazer cada de tacho? É o que me resta,
Se eu banco o cabra macho, além da testa
O bolso também junto vai dançar...
21043
Um filho de peixão não é peixinho,
Marcado desde o início, este coitado,
Se resolver fugir do antigo ninho,
Na boca da galera, mal falado.
Por isso é que levando pianinho,
Não falo mais de amor nem de pecado,
Não posso vacilar nem um pouquinho
E você me chamando de safado.
Levando sempre a culpa, o periquito
Enquanto quem comeu foi papagaio,
Querida; neste papo, já não caio,
Nem em Papai Noel eu acredito,
Se um dia te der corda, estou no sal,
Tu chegas de fininho, aí é crau!
21044
Minha alma pensativa quer respostas
Que a noite tão somente ainda me traz,
Silenciosamente, tudo em paz,
As horas avançadas, mesas postas,
Arranham mil demônios minhas costas,
E penso quanto outrora fui capaz,
Agora este vazio. O frio audaz
As chagas e as feridas sendo expostas...
Perdido entre vagares e vazios,
Os ermos da ilusão são companheiros,
Lançado aos doloridos desafios,
A carne apodrecida nada vale,
Quem dera os dias fossem mais ligeiros,
Talvez em algum canto, uma alma fale...
21045
Razão tu tens, irmão, poeta e amigo!
Então deslizo e falo de outra vida
Em céu, em Terra Nova prometida!
A mim costuma ser o que eu persigo...
Viver, morrer, aqui é um perigo!
E eu sei, também a ti, ELE convida
A ir pr’esse lugar que é sem medida.
Ah! Creias, tou falando de um abrigo!
Eu sei que ELE virá porque já veio.
Repare no comer da multidão!
Tilintam sinos dessa falsa fé,
Mas Cristo, eu sei, te quer doar um seio
Além do que o pulsar do coração.
Ta bom! Sou sonhador, mas isso é fé!
Ronaldo Rhusso
Nós temos a esperança feita em fé
De um tempo bem mais calmo e mais suave,
Após nossa viagem, noutra nave
Que faça este percurso; aonde? Até?
Mas quando a noite chega e traz vazios,
Mergulho num abismo sem respostas,
E mesmo que ainda crie, firmes crostas,
Às vezes dolorosos arrepios...
Eu creio, nunca nego, em Cristo Deus,
E faço desta crença uma bandeira,
Dizer sempre até logo e nunca adeus,
Marcando desde sempre pela dor,
Amiga tão voraz e costumeira,
Parceira de oração e de louvor...
21046
Frio clarão da lua invade o quarto,
Esbalda-se em teu corpo e da nudez
Expõe uma escultura que Deus fez,
Da qual permita o Pai jamais me aparto.
E quando após o amor, deito já farto,
Olhando-te deitada em placidez,
Adentro a fantasia de uma vez,
E mesmo estando aqui, em sonhos parto,
Alçando as mais perfeitas maravilhas,
Enfrento cordilheiras, desço aos vales,
E mesmo que em silêncio nada fales,
Palavras que tu pensas são as trilhas
Levando o sonhador aos descaminhos
Que tanto desejei; os nossos ninhos...
21047
A amizade é expressão mais que divina,
Trazendo a paz que tanto desejamos,
Irmana num arvoredo os vários ramos,
E a todos os que a buscam, só fascina.
Encontro em tua face esta pureza
Que é base para a força da amizade,
E nela se expressando com verdade,
A mais sublime forma de beleza.
Irmãos que caminhando pareados,
Olhando para frente, cremos que
O quanto é necessário e o que se vê
Precisam ser por Deus iluminados,
E quando a dor domina esta paisagem,
Nos braços da amizade uma estalagem...
21048
Qual virgem que desmaia sob a lua
Deitando em plena areia uma nudez,
O amor quando se expressa e continua
Tomando já de assalto a lucidez,
Permite que se encontrem sensuais
Desvios para os quais nos preparamos,
E entramos nos divinos rituais
Aonde sem temor nos entregamos;
E ao retirar a roupa que te cobre,
Encontro a mais perfeita e escultural
Qual deusa que o caminho em paz descobre,
Fazendo deste encontro o triunfal
Rasgando de uma vez velhos conceitos,
Jogando sob o solo os preconceitos....
21049
Era pura, dormente transparência
Que em delírios um dia descobri,
E via desde então que estava ali,
A doce sensação desta inocência
Tão rara que em completa complacência
Deitava seu carinho e percebi,
Que desde então amando o amor em ti
Do quão profundo ardor, tive ciência.
Na ardência que domina os namorados,
Amantes que se dão sem ter perguntas,
As velhas armadilhas, destroçadas,
Os dias entre sóis edificados,
E quando criaturas pares juntas
As portas estão sempre escancaradas...
21050
Dormindo onda na praia em que sereia
Desnuda-se, divina poesia,
Enquanto passeando pela areia
Beleza sensual logo se via,
Estreitando em meus braços, incendeia
E toma todo espaço, esta iguaria
Na qual o amor que invade e me inebria
Derrama cada gota, lua cheia...
E esbarro nos teus seios, bebo a fonte,
Encontro os meus desejos no horizonte
Fazendo-te de deusa, seu escravo
Que roça a tua pele devagar,
Lambendo a tua boca até chegar
O gozo triunfal em que me lavo...
21051
Porque eu escrevo tanto, me perguntas?
A vida ser-me-á decerto curta,
E quando sobre fatos tu assuntas
Perfumo o coração qual fora a murta
E espalhando o meu canto por aldeias,
Cidades tão distantes; busco a paz,
Na certa; outro momento que incendeias
Enquanto o que apascenta satisfaz
Já fui e não sou mais, o guerrilheiro
Que um dia imaginou-se libertário
No olhar do irmão, amigo e companheiro
Aonde encontro o passo solidário
O vento que me leva é sempre assim,
Por mais que venha rápido, o meu fim...
21052
Sonho com melodias que não ouço
Nem faço e nem tampouco quis um dia,
O amor que me prepara o calabouço,
O mesmo que pensara salvaria.
Não faço por defesa, algum esboço,
A vida terminando pouco a pouco
E quando a corda toca meu pescoço,
Num grito, mesmo inválido, estou rouco.
Talvez seja meu último verão,
Quem sabe este Natal, o derradeiro,
Ao ver se aproximando a cova, o chão,
O verso se tornando verdadeiro
Exponho sem pudores a nudez
Daquele que em amor e dor se fez...
21053
Expressas o que tenho de melhor,
O olhar que extasiado te decora
O mundo que se torna enfim maior,
Nos braços de uma deusa, deita e ancora.
Encontro no teu corpo enluarado,
Segredos que julgara indecifráveis,
Enquanto de baunilha perfumado,
Caminhos por prazeres navegáveis...
E solto minhas âncoras enfim,
Naufrágios são benditos e benquistos,
Exponho o que de bom resiste em mim,
Diversos paraísos sendo vistos
O sumo da existência é simplesmente
O amor que insano e santo, bebe a gente...
21054
Suspira o sentimento mais atroz,
Tocado pela insânia deste amor,
Que um dia se fez rio e quis ser foz,
Um novo dia belo e encantador,
Porém qual fora fera sobre nós,
Invés de simplesmente puro ardor,
Ciúme enlouquecendo, tão feroz,
Com seu pleno poder destruidor,
Gerou uma pantera insaciável,
Tornando assim meu ar irrespirável
E tudo que era belo, se quebrou,
O amargo de perder o nosso rumo,
Tomou a doce fruta e todo o sumo
Ao mesmo instante, logo se azedou...
21055
A brisa a soluçar trouxe teu nome.
Janelas que eu abri, tristes umbrais
Ouvindo o teu chamado, nunca mais,
Enquanto a poesia, aos poucos some...
O amor não deve nunca crer que a fome
Derrame sobre os sonhos os seus sais,
Olhares que quisera canibais,
Carinho sem resposta nos consome,
Marcando cada passo, nada vejo
Senão a negação deste desejo,
Que morre desnutrido, sem saída...
Assim se fez a nossa despedida,
Num último e fatal, duro lampejo
Eu vi a nossa história em vão, perdida...
21056
Não posso me calar, mas não consigo
Soltar a minha voz como eu queria,
Por vezes se ainda corro algum perigo
A morte que de longe se anuncia,
Desfaço este caminho em que persigo
O que fora raiar de um novo dia
E entrego ao que julgasse meu amigo
Os restos deste esboço, poesia.
Alardes não mais faço, nem os tento,
A glória de lutar quando eu ostento
Persisto na batalha, mesmo em vão,
Se tudo o que desejo se fez branco,
O amor vai se findando mesmo franco,
E o quanto fui outrora diz que não...
21057
Ao ver a tua imagem bela e nua
Exposta sob a luz de um plenilúnio,
Minha alma se entregando até flutua
Depois de acostumar com infortúnio
Pensara ser imune ao sofrimento,
Vencera os mais complexos desafios,
A vida sendo arisca num momento
Qual fora uma andorinha sobre fios
Arejo o pensamento e busco a paz
Sentindo que talvez seja capaz
De ter em minhas mãos uma nova era
Aonde ser feliz, lugar comum,
E o medo que restar seja nenhum,
No alento traduzido em primavera...
21058
Qual vaga transparente em lua clara,
Deitando sobre a areia um raro brilho,
Na trilha que se espalha, amor declara,
Fazendo da alegria um estribilho.
Enquanto a poesia ainda ampara
O sonho de quem nega um empecilho,
O vento lambe o mar e a jóia rara
Encontra o pé desnudo do andarilho.
Assim também o amor quando encontrei
Deixado por acaso em nobre grei,
Formando um espetáculo de luzes
Que em plena madrugada escura e fria,
Transbordava em silêncio a poesia
À qual mesmo calada me conduzes...
21059
A alma de sonhos cheia encontra a paz
Em pleno vendaval diz calmaria,
Alçando a placidez faz do meu dia
Um templo aonde a luz se mostra audaz
E mesmo entre as paredes sou capaz
De mergulhar num mar de fantasia
Banquete insuperável; iguaria
Que enquanto me domina, satisfaz.
Serenando o meu peito antes feroz,
Tornando eterno o brilho, antes fugaz,
Ouvindo mansamente a tua voz
Eu juro, meu amor, serei capaz
De crer na eternidade deste sonho
Quem em plena lua cheia, hoje eu componho...
21060
Laranjeiras em flor, nosso pomar
Promessa de colheita que não veio,
O amor quando se faz sem ter receio
Permite que se toque o céu e o mar,
Vontade de ter asas e voar,
Um tempo mais feliz desejo e anseio,
Porém do amor distante e tão alheio,
Não tendo nem aonde repousar
Pergunto aos viajantes, caminheiros
Aonde encontrar os verdadeiros
Caminhos que me levem à colheita.
Ninguém responde nada. E sigo assim,
Apenas vendo flores no jardim
Enquanto o sol ao longe já se deita...
21061
Que tu tens coração que não sossega
Nem mesmo quando a morte se aproxima,
Enquanto caminhando quase cega
Uma esperança aos pouco se extermina
Por mares tão distantes já navega,
Olhando este horizonte; ainda prima
Por procurar o vinho que na adega
Talvez à bem amada cause estima.
Vencer as minhas dores? Desta forma,
Razão incontrolável sempre informa
Do tempo que não tenho, e já se finda...
Mas quando vejo o rosto da morena,
A sorte se bendiz, a glória acena
Reluto e penso ser meu tempo, ainda...
21062
É necessária sempre a confiança
Que possa permitir o passo forte,
Mudando num segundo nosso norte
É base para a vida em esperança.
E assim nas mãos suaves da amizade,
Encontro a realidade de um amor,
Baseado nos anseios de igualdade,
Num tempo fabuloso a se compor.
O sonho de uma vida bem melhor,
Trazendo a quem batalha tanta fé
Sabendo desta história já de cor,
Lutando o tempo inteiro, vou até
Poder ter em meus braços rara tília
Que forma-se no amor de uma família...
Para Walkiria
que saiba que a raridade de um diamante é um dom maravilhoso.
21063,
À inspiração divina, o meu louvor,
Trazendo algum momento de alegria
A quem durante a vida, em agonia,
Perdeu a direção, navegador
Que em mares tão distantes, quis amor
Enquanto uma borrasca se anuncia,
Encontra por resposta a penedia,
Destroços deste barco sem nada opor...
Apago os meus enganos, cismo à toa,
Sismos enfrentando, cataclismos,
Os pés ao enfrentarem meus abismos,
Encontram a paixão que ainda ecoa,
Senzalas de minha alma encarcerada,
Depois de tanto tempo, resta o nada...
21064
Dizer-lhes: bravo! Pensamentos sem sentido,
Vasculho meus caminhos e não tendo
Sequer onde pousar, sigo vivendo,
Embora sem razão, em vão, perdido...
No quanto ainda resto; não duvido
Que o verso mais audaz; inda pretendo,
As mãos em pura súplica eu estendo,
Mas sei que no final, serei vencido.
Erguendo o meu olhar, busco o vazio,
Aonde imaginara algum estio,
Apenas este inverno que não cessa.
Mal pude acreditar quando dizias
Da morte das antigas fantasias,
Somente algum espectro de promessa...
21065
Sendo um grande favor a quem pensara
Que um dia poderia ser feliz,
O olhar quase calado não desdiz
O quanto deste sonho se declara...
A vida sendo às vezes muito clara,
Estende-se infinita ao aprendiz,
Porém tão limitada ela me diz
Que enquanto acaricia, desampara.
Aparto-me dos sonhos, vago em vão,
Arcaicas melodias que ressoam,
Os pássaros migrantes, longe voam
Levando à tão distante arribação
Aquilo que restara de um poeta,
Somente uma emoção vã e incompleta...
21066
Jamais aceitaria muita esmola
De quem já se anuncia em outros rumos,
Não posso mais pensar sequer em prumos
Se uma alma vaga só e em vão decola...
O amor nunca se aprende, sem escola
Que possa retirar benditos sumos,
Esvaem-se esperanças, leves fumos,
E apenas solidão; canto e degola...
Mergulho num vazio interminável
E quando imaginara inconsolável
Encontro algum sorriso. Enganador?
Só posso te dizer que ainda resta
Aberta no meu peito a frágil fresta
Por onde adentrará: quem sabe? O amor...
21067
Do cérebro, talvez algum defeito,
O sonho mais audaz e impertinente,
Que possa num momento ter a gente
Nas mãos como um brinquedo, ou um confeito.
Arfando de emoção, meu velho peito,
Buscando alguma forma mais decente
De ter o grande sonho que pressente,
E sabe que já foi, feito e desfeito.
Aceito qualquer coisa, algum agrado,
O dia amanhecendo traz o brilho
Por onde o coração deste andarilho
Há tempos, mas sem rumo, e tão cansado
Percorre noite e dia, insaciável,
Sonhando com um rio navegável...
21068
Como são doidos, tétricos amantes
Que fazem da esperança o seu sustento,
E quando; a liberdade ainda tento
Pensando no que houvera outrora e antes,
Pergunto à multidão, tristes passantes
Motivo que nos leve, qual intento
Jogados sem destino em pleno vento,
Os tempos que vivemos, são farsantes...
Mais tarde numa vida diferente,
Quem sabe, ser feliz, lugar comum,
Agora que percebo ser nenhum,
Ainda me imagino feito gente
Que pode caminhar sem incertezas,
Bebendo da emoção, raras belezas...
21069
Não posso suportar a velha idéia
De um Deus que sacrifique cada ovelha,
O amor ao acender sua centelha
É; na realidade a panacéia
A morte se aproxima e em suas teias
Enredo-me, porém vou destemido,
Bem sei que não serei jamais ouvido,
Distante das belezas que ora anseias
Quem dera se eu pudesse ter nos olhos,
Além dos pedregulhos, dos abrolhos,
Um resto de esperança, tão somente;
Faria deste pouco um tanto além,
Mas quando a noite invade e o frio vem,
Arranco do meu peito esta semente...
21070
Teria alguma chance, pelo menos,
Se eu escutasse a voz de quem me clama;
Minha alma se arrastando em plena lama,
Buscara outros momentos mais serenos...
Bebi das fantasias, os venenos,
E entorpecido vivo o mesmo drama,
O amor que procurei, além da cama
Queria os teus carinhos, sempre amenos...
Mas logo percebi, apenas sonho...
E quando renascido, recomponho
Caminho que me leve à salvação;
Ressurges, velha fênix do passado,
E sinto o teu bafio aqui do lado,
Trazendo novamente, a negação...
21071
Não pude decifrar qualquer mensagem
Que a vida pode dar ao coração,
E quando preparando esta viagem
Percebo mais distante a solução,
A morte toma conta da engrenagem,
Trazendo sempre a mesma indagação,
Eternidade é como uma miragem,
Ou apenas pura imaginação...
Ser mais do que talvez pudesse ser
E ter felicidade, ao menos isso,
E dar e receber muito prazer,
Vivendo a cada dia um novo sonho,
Amar é renovar o compromisso,
Durante o temporal, forte e medonho...
21072
Lavrando os meus pecados, colho dores
E delas faço lautas refeições,
Olhando bem de perto estas feições,
Percebo estar nas salas dos horrores;
E quando por estrelas novas fores
Verás que eu aprendi bem as lições,
Perpétuos e temíveis furacões,
Causando ao coração, tais estertores...
Selando, num rompante esta procura...
Apenas escutando as mesmas bulhas,
Antigos companheiros, velhos pulhas
Partícipes da orgástica loucura
Que me leva, afinal, ao ermo fim,
Desnudando o pior que existe em mim,
21073
O peso do passado em minhas costas,
Arqueio-me e desabo, num instante,
Quem fora simplesmente um bom amante,
Já perde com a sorte, estas apostas,
E enquanto rasga a pele, penetrante,
Deixando as minhas dores tão expostas,
Procuro no vazio, por respostas,
Calor que me abrasou, fogo escaldante
Mesclando poesia com verdade,
Razão que se perdeu; apenas isso.
Viver o que talvez, sinceridade,
No ocaso de uma vida, simplesmente
Não tendo mais sequer o brilho e o viço,
Tentando mitigar, meu peito mente...
21074
Morreu que fora em vida um trovador
Na espreita de um sorriso de alegria,
Fazendo da esperança, cantoria,
Cantando tão somente o grande amor...
Agora sem caminhos pra propor
Uma alma se vestiu de fantasia,
E quando percebeu o fim do dia,
Das trevas, do vazio, quis calor...
Erguendo o meu olhar, constelações,
Imersas nas imensas amplidões,
Um brilho diferente; hoje percebo,
Qual fora nova estrela que surgira,
Incandescente sonho, bela pira.
Uma alma que se eleva; assim concebo...
21075
Quem tanto quis amor, morreu de fome,
Quem tanto quis amor, morreu de fome,
A gente não tem mais outro caminho
Senão seguir em frente, até sozinho,
Enquanto bem ao longe, a fonte some...
Num apagar de luzes, sem renome,
Somente um coração de passarinho,
Procura pela flor e encontra o espinho,
E o fogo que deveras o consome.
Assim é o poeta e a poesia,
Princípio que deságua em pobre fim,
Morrendo pouco a pouco, de onde eu vim
Apenas o passado inda se via,
E agora, um velho tolo, sem futuro,
Prepara tão somente um céu escuro...
21076
Acharam-no deitado, sonhador,
Em meio a tantas pedras, vãos espinhos,
Quem sabe se perdera nos caminhos
Que levam ao farsante e tolo amor...
Nas mãos semi-fechadas, uma flor,
Seu hálito recende aos toscos vinhos;
Das pedras e das urzes, os carinhos,
E a pálida expressão; em rala cor.
Quem sabe dos desmandos e desvios,
À frente dos seus olhos, desafios,
E o medo da batalha que apavora.
Assim abandonado numa estrada,
O velho já não fala quase nada,
E a morte, salvadora, já demora...
21077
procuro minhas sombras no caminho
E vejo tão somente esta figura,
Reflexo do luar que de mansinho,
Deitando sobre o lago de água pura.
Quem fora desatino; ora me alinho
E busco quem me queira; já perdura
O verso que compunha e que no pinho,
Cantando em serenata, não me cura...
Apesar dos pesares, sou assim,
Um pássaro que teima em cantorias,
Enquanto o mundo mata alegorias
Eu alimento o sonho dentro em mim.
Ultrapassado e louco, este pierrô
Do amor ainda pensa ser pivô.
21078
Debruço minha boca sobre os lábios
Da bela juventude abandonada,
Os dias podem ser muito mais sábios
Porém sabedoria? Vale nada...
Queria ter a força de um herói,
Virtudes de um eterno vencedor,
Realidade chega e já destrói
O mito que criei, não vai se expor
Tampouco venceria os desafios;
Percebo quão fui fraco a vida inteira,
Novelos enroscados, toscos fios,
Arrebentando sempre esta bandeira
Que um dia, feito tolo imaginei
Fizesse de meu mundo; um amo, um rei...
21079
Doçura do semblante da mulher
Que tanto desejei e que não veio,
Percebo que perdendo a rota e o veio,
Aceito qualquer coisa que vier,
Embora a poesia que eu fizer
Mostrando o coração em tolo anseio,
Trazendo a bela lua de permeio,
Irá o mais distante que puder...
Trafego entre o passado e o que não tenho,
E quando a voz se aflora eu a retenho,
As lágrimas escorrem; rugas, rosto,
Nas rusgas que enfrentei; rotos, meus panos,
Somente e tão somente desenganos,
E o verso que não fiz, morre indisposto...
21080
Mostrando-me um sorriso que, infantil
Mostrando-me um sorriso que, infantil
Dizia sedução; agora é nada,
Sem água nem comida, sem cantil,
Vazio, o meu bornal e rota a farda.
Quem fora, em pensamentos, mais gentil,
Mergulha de um penhasco; e desfraldada
Uma alma sem destino, o peito vil,
Desmaia sobre o solo, destroçada...
Alçando as fantasias que já tive,
Liberdade é distante dos meus passos,
Quem tanto quis outrora, sobrevive.
Aguarda o seu momento de partida,
Os pés esfacelados, velhos, lassos,
Há tanto que abandono a minha vida...
21081
Por vezes inda sigo esperançoso,
Pensando que talvez ainda possa
Ser feliz. Fantasia então se apossa
E sigo meu caminho; vou vaidoso...
Destino com certeza é caprichoso,
A chuva quando cai; assim, tão grossa,
Inundando uma várzea, mata a roça
Tornando enlameado e pegajoso
O rumo que pensara ser tranqüilo.
No amor que inutilmente em vão destilo,
Ergui meus patamares, tombo à vista.
Quem sabe noutra vida, um novo tempo,
Aonde não encontre contratempo,
O amor seja mais forte, e até resista...
21082
O morto ressurgia a cada instante,
Tomando a minha mente, um pesadelo,
E quando, novamente pude vê-lo
Pensei que fosse um sonho. Delirante...
Mas tinha à minha frente, claudicante
A marcha de um infame. Quis detê-lo,
Arranco fio a fio o seu cabelo,
E vejo uma ironia em seu semblante...
Após mil tentativas; nada tendo,
A vida pelas mãos vai escorrendo
E o olhar da amiga morte sobre mim
Vislumbro o meu futuro, vago e só,
E volto a ser da terra, simples pó,
Retornando ao vazio de onde vim...
21083
Há tanto que imagino adormecido
O sonho de ser mais que simplesmente,
O quanto não vivi foi envolvente
E é como se jamais tivesse sido...
O tempo me parece mais comprido,
Rondando meu caminho; uma alma mente,
Por mais que as ilusões ela freqüente,
Eu sei que no final serei vencido...
Vertendo pelas ruas, meus pedaços,
Deixando bem mais frágeis estes laços
Aprofundando os olhos, nada vejo.
Porém me agigantei a cada curva,
Nesta água que a verdade sempre turva
Eu banho, vez em quando o meu desejo...
21084
Quem sonha com a noite desde a aurora,
Aguarda pela vida que não vem,
E se percebe bem, não há ninguém
Somente a fantasia se demora.
O tempo num segundo se evapora,
Ao longe num apito, perco o trem,
Se o grito não se escuta; não convém
Saber quem que sorri, ou mesmo chora,
A morte de um artista, de um cambista,
Palhaço de ilusões, tolice pura,
E quando a realidade ali se apura,
Não vejo nem sequer procuro a pista,
Apenas um simplório figurante
Poeta, um vagabundo, um ser errante...
21085
O corpo com certeza está bem morto,
Não vejo qualquer chance; este imbecil
Pensando que encontrara um mero porto,
Demonstra quão estúpido é ser vil,
Chutando esta cabeça assim pendida,
Não tendo uma resposta, sigo em paz.
Ali já se esvaiu o que há de vida,
Uma ave rapineira, o cheiro traz.
E o velho decomposto, ossos expostos,
Servindo de banquete ao urubu,
Pagara a vida inteira seus impostos,
E acaba na calçada, espúrio e nu.
Beijado pela moça, uma notícia,
Quase surrealista esta carícia...
21086
Podre cadáver e passavam todos,
Carcaça carcomida em plena rua,
A imensa fedentina continua
E no lugar dos olhos, simples lodos.
Exposto este infeliz, ninguém repara,
A vida não valia mesmo à pena,
E quando algum estúpido faz cena,
O quadro desanima e desampara;
Repare a sua boca; esta saliva
Que escorre ensangüentada é aviltante,
E quando o meu olhar disto se priva,
Retornando ao cenário num instante,
Percebe que este escombro bem ali,
Em meio à multidão, inda se ri...
21087
Todos o viam, louco caminheiro,
Andarilho de estrelas; qual cometa
Que segue sem destino, rumo ou meta,
Qualquer prazer se torna verdadeiro...
Dos sonhos que tivera; um mensageiro
Vibrando um Eros tosco em vaga seta
Quisera ser apenas um poeta,
E morre sem o verso derradeiro...
Acasos entre ocasos, casos, casas,
Acesas suas tochas, frágeis brasas,
As asas que entrevira sempre abertas
Algozes de algum Ícaro idiota,
Perdendo o seu caminho, sua rota,
Ao vê-lo assim desnudo, já despertas...
21088
Somente em minha vida, um pobretão
Que tanto desejou e nada teve,
O quase sempre foi repetição
E a negação somente me reteve.
O ser feliz eterno, sendo breve,
No quarto imerso em treva, escuridão,
Exposto ao frio intenso, gelo e neve,
Num ato assim contínuo, hibernação.
Viver é ter nas mãos rédeas mais curtas,
E quando da ilusão, meus restos furtas,
Perceba que a semente não germina.
Parceiro da alegria das bacantes,
Meus dias foram tolos, mas errantes
Conforme a própria sina determina...
21089
Não vale a sepultura, este imbecil
Que adormecendo em vida se fez morto,
Buscara a vida inteira, o manso porto
Que agora, sem delongas repartiu
Aguarda o apodrecer; um verme vil,
Durante a caminhada, sempre torto,
Entre mil pensamentos ia absorto
Amargas ilusões, peito senil.
Servil fez da senzala uma morada,
Alçando a liberdade em poesia,
Não soube controlar farta sangria
Deixando de sofrer, a alma calada
Apenas descansado eternamente,
A morte do poeta, este demente...
21090
Mantendo com firmeza um férreo punho,
Eu vejo esta saída mais distante,
E quanto vale ainda o testemunho
Daquele que se fez tão delirante?
O amor invernando alma em pleno junho,
Num gélido pavor, mais que constante,
O quanto de ilusão, no peito cunho
Permite que eu caminhe sempre avante.
Ouvir a voz do quase e nunca tive,
Partícipe da festa; eu me contive
E nada acrescentei senão meu medo...
Se amar é ter nas mãos este infinito,
O quadro que pintei, mesmo bonito,
Apenas representa o meu degredo...
21091
No bolso eu carregava este punhal,
Bruscas variações, quando enfrentava,
No quanto ser feliz já não contava,
Sorriso feito morte, triunfal.
Vagando imensos mares, minha nau,
Ondeia pela praia, amena ou brava,
Uma alma sonhadora, quando escrava,
Espera amargamente o seu final.
Mas afinal, sorrisos disfarçados,
São quase que uma herança, meus legados
Que deixando aos meus filhos, vou em paz.
Riscando desta agenda, o velho nome,
Que a morte lentamente me consome
E apenas o vazio inda me traz...
21092
Nas mãos a poesia, este tesouro,
Que tantas vezes tive, mas não pude.
As lágrimas enchendo o velho açude,
O barco sem ter seu ancoradouro,
E quando nos teus olhos, eu me douro,
Aguardo quem talvez ainda ajude,
O quanto que eu amei, perco amiúde
A direção do som, negando o estouro.
Arranco estas palavras do meu peito,
E mesmo que prossiga contrafeito
É meu direito ser e estar assim,
Um dia, quando embora for, sem hora,
A morte me domina, esta senhora,
Não deixará restar nada de mim...
21093
Não havia sequer algum colar
No peito deste estúpido poeta
E quando a sua história se completa,
Naufraga a poesia em alto mar.
Vencer estas quimeras, mergulhar,
Seguir o tempo inteiro em linha reta,
Às vezes pecador; noutras asceta
Seguindo tão depressa ou devagar.
Viver sem ter segredos, mas contê-los,
Emaranhar-se sempre em vãos novelos,
Vencer os desafios; morrer antes.
Assim se fez o tolo menestrel,
Vagando qual cometa, perde o céu,
Aguarda o amanhecer, porém morre antes...
21094
Batendo ferozmente no teu peito
Um vasto coração que não tem hora,
E quando a fantasia se demora
O que era qualidade hoje é defeito,
Há muito o que fazer, e o que foi feito
Sem medos novamente me devora,
A vida em poesia não se arvora,
Fazendo da ilusão além de um pleito
A base que procuro e não mais vendo,
Aos poucos o terreno assim cedendo
Expressa no horizonte este vazio.
Aonde houvera simples elegância,
Tomado pelas ânsias da ganância,
Inverna onde pensara haver estio...
21095
Ninguém chorou por mim, nem chorará,
O quanto se perdeu não mais importa,
Apenas ao abrir a velha porta,
O mundo que sonhei não vi por lá,
Só quero o teu desejo e desde já,
Uma esperança audaz, a vida aborta,
Enquanto a poesia me conforta,
O dia novamente brilhará?
Resumo minha história nesta crença
Que, tolamente ainda guardo aqui,
Se tudo o que mereço não vivi,
Amar sem ser amado vira ofensa,
E tensionado, o pouco que me resta,
Se torna uma passagem mais funesta...
21096
Os tristes olhos trago e num momento
O que era simplesmente uma esperança
Derruba os meus castelos. Noite avança
E em plena tempestade, este tormento
Sem ter sequer na vida algum alento,
Restando tão somente esta lembrança
Do quanto fui feliz. Era criança;
E inebriado, esqueço e só lamento
O fim tão doloroso deste amor,
Que a história modifica e traz a mágoa,
E quando noutra foz ele deságua,
Sem ter mais qualquer coisa a te propor,
Elevo o pensamento e nada vendo,
Percebo o tempo atroz já se escorrendo...
21097
O trovador fechando esta porteira
Que há tempos permitira algum sonhar,
Implode uma esperança devagar,
E cala o que já fora uma bandeira,
A vida é conseqüência verdadeira
Daquilo que aprendemos a cevar,
E quando a seca toma este lugar,
Não sobra quase nada, é derradeira...
E tudo o que talvez ainda reste,
Arrasta-se durante a tempestade,
O amor se transformando numa peste,
Expande seus tentáculos cruéis,
E assim aonde houvera claridade,
Amor/ódio invertendo seus papéis...
21098
Não quero falso amor nem mão amiga,
Simplesmente mereço esta linguagem?
O amor quando se faz pura bobagem,
A sorte desvairada já periga,
E quando a ventania desabriga,
Não tendo mais que sonhos, peço aragem,
Procurando uma nova paisagem
Deixando para trás aquela antiga
Aonde fui apenas idiota.
A porta já não abre e se enferruja,
Não tendo a minha mão assim tão suja,
Prefiro que se feche esta compota,
E quando o coração ainda aporta,
Encontra a poesia que o conforta...
21099
De tudo o que restou; sequer um beijo
Que poderia ao menos demonstrar
Falência tão completa de um desejo
Que morre bem distante, em pleno mar...
Metáforas; usei para impedir
Tua partida há tanto anunciada,
Sem ter expectativas no porvir,
Minha alma vai seguindo cerceada...
E vaga sem destino pelos céus,
Ausência de esperança: uma constante,
Quem sempre desejara fogaréus
Raríssima explosão, forte e abrasante...
Ao ver a frigidez com que me falas,
Prepara, de saída suas malas...
21100
Da boca da mulher saliva e riso,
Mesquinharias tolas, precipícios,
O beijo que não dei; teimoso, eu biso,
São ossos simplesmente, dos ofícios...
E quando noutras cores me matizo,
Voltando do final aos vãos inícios,
A tarde anunciando algum granizo
Resumes estes amores tão fictícios...
Feitiços são sementes da ilusão,
Magias entre alquímicos cadinhos,
Fingidos, com certeza, teus carinhos,
Realidade dita a ingratidão,
Mereço ter tal sorte? Já nem creio.
Prossigo meu caminho, então, alheio...
21101
Nas horas de agonia, algum alento
Percebo nos teus braços, minha amada,
E enquanto a vida mostra o mesmo nada,
Eu bebo a tempestade, enfrento o vento,
E quanto mais voraz; além eu tento,
Procuro uma esperança desfraldada
E quando vejo a rua iluminada
Da lua faço sonhos e alimento.
Queria ter nas mãos este poder,
De ser o que quisesse, num segundo,
Alvissareiro amor de um vagabundo
Em ti, somente em ti, sabe viver.
Calando os despropósitos prossigo,
Usando o teu regaço como abrigo...
21102
Quando deitada, recostando a fronte
Sentido o teu respiro, mais suave,
É como se eu tivesse alguma nave
E mergulhasse em ti, meu horizonte,
Por mais que a poesia desaponte,
A voz se torne amarga e mesmo grave,
Minha alma se elevando como uma ave,
Ultrapassando em sonhos, o alto monte...
Vislumbro interessantes cercanias,
Marcadas pelos dedos do Senhor,
E vejo finalmente o farto amor,
Conforme no passado, tu querias,
Arfando após a imensa caminhada,
Eu te tenho em meu colo, aqui, deitada...
21103
Ninguém ao peito adormeceu meu sonho,
Vertiginosamente fui audaz,
E quase conseguindo; perco a paz,
Deixando um rastro amargo e até medonho...
Se às vezes soluções até proponho,
Pensando que talvez seja capaz,
A vida se demonstra mais voraz
E torna o caminhar tolo e bisonho...
Ferocidade? Pura idiotice,
Não sei nem da metade do que disse
O coração fugaz deste cigano
Que molda uma esperança sem limite,
Por mais que nem em si ele acredite
Não causaria a ti, sequer um dano...
21104
O velho coração sisudo pensa
Na sorte traiçoeira e vingativa,
Por mais que a gente sonhe, lute e viva
Não sei se vale à pena a recompensa.
A tarde se ilumina em luz intensa,
E sempre vai girando a roda viva,
A porta se entreabrindo, não me priva
Da luta que temia; clara e imensa.
Ferocidade à mostra, com sarcasmo,
Deixando este sisudo olhar mais pasmo,
Num último suspiro, tentarei
Vencer os meus segredos e terrores,
Lavando a solidão em teus licores,
Erguendo em pensamento, mansa grei...
21105
O mundo tem razão; a morte chega
E traz nas suas abas, dor e frio,
E quando o seu olhar eu desafio,
Percebo a minha mão, atada e pega.
Procuro o melhor vinho desta adega,
E não encontro nada; corte e fio,
Deságua uma esperança em turvo rio,
E o beijo da maldita, vaga entrega...
Cercado pelos braços, artimanhas,
Partidas que perdi julgando ganhas
Medonhas madrugadas, solitário...
Não posso me esquecer deste detalhe,
A vida provocando cada encalhe
Expressa o meu final, triste fadário...
21106
Neste ritual de atabaque inicial,
tambores vão bumbar por nosso amor,
os mestres de todas as esferas,
vão comprovar este imenso calor,
Vou deixando sua fantasia me seduzir,
nem sei onde vamos parar com isso,
sei que o convite está feito e agora,
espero tua presença o mais breve,
desvendar o mistério dessa paixão,
reduzir este fogo que não se apaga,
as horas vão passando, embriagada,
entrego-me a ti sem qualquer pudor,
meu deus de amor e louca sedução,
vamos resolver logo esta questão?
21107
Tampouco deixarei algum sudário,
Errático, percorro astrais e mares,
E enquanto bebo a luz de teus luares,
A vida vai seguindo o calendário,
O peso do passado, meu fadário
Recebo então notícias; rotos lares,
E as frutas apodrecem nos pomares,
O vento em tempestade é necessário...
Resisto e mal consigo disfarçar
Ainda poderei seguir teus passos,
Espreito, atocaiado, erguendo os laços,
Numa armadilha pronta a te buscar,
Vestígios encontrando vez em quando,
Mas sempre, eternamente te adorando...
21108
Meu corpo no teu corpo desenhado;
Marcantes emoções, doce loucura,
Vivendo tão somente esta ternura
Estando o tempo inteiro do teu lado,
O jogo mais audaz, afogueado,
Intensifica sempre esta procura,
E quando mais voraz; sacra tortura,
Teu jeito de menina, tão safado...
Mordiscando os teus lábios, me provocas,
Convida-me a tocar furnas e locas,
Até que se sacie, doce fera,
Assim vamos em frente, sem temores,
Deixando no passado estes pudores,
No amor que tanto amor produz e gera...
21109
Se em meu quarto chegar,
vou deixar tua boca rolar,
descer por meu pescoço,
encontrar meu ventre livre...
Bebendo o sabor do meu corpo,
deleite-se sem qualquer temor,
não vou proibir de me percorrer,
encontrar os motivos do seu querer,
Se desejar posso apenas desmaiar,
deixar-te deleitar em todas as partes,
fantasiar-se de leão em plena selva,
Serei presa bem fácil...vem tentar,
vou enlouquecer-te sem me mexer,
não sei, não sei, o que irá acontecer...
21110
A noite se desnuda em mil mistérios,
E enquanto vasculhando cada estrada
Mergulho meu olhar na madrugada,
Avanço sobre velhos necrotérios,
A morte, qual a vida, tem critérios
Embora muitas vezes diga nada,
A face noutra face amedrontada,
Vagando por ocasos, vãos impérios
Aonde desfilara no passado
As damas que sonhei; um trovador,
Imerso nas noctívagas esferas,
Ao ver o seu caminho destroçado,
Morrendo devagar, chega a compor
Dos sonhos que restaram, tristes feras...
21111
Nas rotas escolhidas, meu desejo
Encontra os teus desejos novamente
E quanto mais audaz, voraz e ardente
Maior a tempestade que prevejo,
O amor não é somente algum lampejo,
E quando nos domina; corpo e mente,
Num ato de delírio mais freqüente,
Arfando com prazeres, cego, arquejo...
Entontecendo uma alma, torporoso,
Numa explosão fantástica, teu gozo,
Derramas; furiosa, sobre mim,
Acende-se afinal a enorme chama,
Que tanto nos seduz, reluz e inflama,
Viagem que pretendo não ter fim...
21112
Perfume de gardênia, a deusa nua
Realça a sutileza dos lençóis,
Ardente como fossem cem mil sóis,
Engravidando em luzes bela lua.
Nos seios belos, fartos, maciez,
Na boca a sedução; de um carmesim
O beijo que guardaste para mim,
Provoca a mais completa insensatez...
Retiro mansamente cada véu
E vejo a maravilha deste céu
Que sinto se entregar sem mais defesas,
Assim a noite inteira até que raia
O sol beijando a areia, o mar a praia,
Encharca nosso quarto de belezas...
21113
Sentir o teu prazer em minha boca,
Rocio delicado e saboroso,
Bebendo cada gota do teu gozo,
Delírio que em delícia já se aloca,
O rio vai descendo pela toca
E roçando estas margens, prazeroso,
Deveras carinhoso e caprichoso,
Nas águas de teus mares desemboca...
Num frêmito, este orgasmo prometido,
O amor feito em amor, nele curtido,
Além deste horizonte, lua clara,
A fonte não se seca e não termina,
E quanto mais intensa mais fascina,
Vibrando esta emoção, divina tara...
21114
Quem sabe no teu corpo me esbaldar,
Deixando estes pudores para trás,
Apenas fantasia satisfaz?
Eu quero esta delícia comprovar,
Provando cada gota da saliva
Beijando devagar teu corpo inteiro,
Sentir o teu perfume, ter teu cheiro
Mantendo a velha chama sempre viva,
Arcando com delitos e pecados,
Olhares delicados e safados,
Mergulhos num prazer interminável,
E assim a nossa noite continua,
A estrela divinal, luzindo nua
Imagem sensual e formidável...
21115
Desnuda a deusa insana se deitando,
Bebendo em sua boca este licor,
Deliciosamente em pleno ardor,
Aos poucos, mil caminhos desvendando,
Não sei e nem pretendo quanto ou quando,
Apenas quero estar aonde for,
A diva delicada, rara flor,
Embora muitas vezes, espinhando...
Decifro os teus sinais, e adentro as matas,
E quando furiosa, me arrebatas,
Arcando com prazeres e delírios,
Esqueço o meu passado, quase vão,
Acordo num instante o coração,
Olvido nos teus braços, meus martírios...
21116
Há tantas madrugadas esperando
Uma resposta ao menos; nada vindo,
O sonho que julgara raro e lindo,
Num mundo mais suave, meigo e brando,
Porém a bela imagem se afastando,
E novo caminhar já foi se abrindo,
E quando o sol intenso; eu vi surgindo,
Aos poucos, sem pensar fui me entregando...
Não deixo de querer tua querência
Apenas ao sentir tremenda ausência
O coração voraz, mas infiel,
Seguindo nova estrela, vaga insano,
Mas saiba que te quero. É desumano
Deixar-me sem destino, só e ao léu...
21117
Flutuo quando penso nos teus beijos,
Delícias; saboreio. Um sonho bom;
Ouvindo da esperança alegre som,
Somando com teu corpo, meus desejos.
Felicidade é pouco, quero mais,
E teimo em persistir na exata idéia,
Melífera paixão, doce colméia,
Harpas que escuto agora, angelicais...
Sorver de ti o máximo e me dar
Perder-me no novelo de teus braços,
Decoro de teu corpo, raros traços,
Num mar de águas tão claras, mergulhar,
Matando a minha sede, intensamente,
Elevo-me ao divino, plenamente...
21118
Alcanço a mais perfeita liberdade
E não temo os desvios desta estrada,
Aproveitando bem a minha estada,
Só levo deste amor, tanta saudade...
Mas tenho que entender se o medo invade
Não restando defesas, quase nada
Sobrevive à tormenta anunciada,
Impondo sobre nós obscuridade...
E quando me quiseres, mesmo tarde,
Retornarei sem medo e sem alarde,
Eternamente teu; ponto final.
Tu foste luz intensa em plena treva,
Minha alma neste instante ainda neva,
À espera deste sonho tropical...
21119
Amar sem ter respostas que convençam,
Cultivo este amargor que jamais cessa,
Aonde quis outrora uma promessa,
Jamais tantas tristezas recompensam,
Queria, pelo menos, a resposta
À carta que mandei e nem abriste,
Seguindo solitário; andando triste,
Minha alma sem defesas, vai exposta
E sangra a cada dia tua ausência
Recebo da paixão, golpe final,
O amor que imaginara sem igual,
Tornou-se simplesmente penitência.
No quanto te desejo e nunca estás,
Há tanto que perdi o rumo e a paz...
21120
Não tenho mais qualquer carta escondida
A sorte se lançou e não ganhei,
No inferno feito vida; mergulhei.
Perdendo o que restou da parca vida,
A morte atrás dos panos, escondida,
Entorna sobre mim a sua lei,
E cato cada estrela que plantei,
Jogada pela esquina, apodrecida...
Ao apagar das luzes, o holofote
Que outrora foi farol, hoje adormece,
Preparo-me deveras para o bote
E enquanto a noite chega, faço versos,
Qual fora uma oração, última prece
Lançando-me a vagar vãos universos...
21121
Deixando como herança a simples cova
Aonde deposito minha ossada,
Depois de tão comprida caminhada,
A vida noutra vida se renova.
E quem sabe viver, cedo comprova
Beleza sem igual da madrugada,
E quando se tornou o eterno nada,
Sabor da solidão, no escuro prova.
Assim que percebi o fim da linha,
Deixando a poesia como herança,
Uma alma que prossegue e vai sozinha,
Durante muito tempo sem destino,
Não deixa nem a sombra da esperança,
Completa-se num vago desatino...
21122
Encontro espelho junto ao corpo imóvel,
Do sonho que alentei por vários anos.
E sem saber sequer dos meus enganos,
Seguindo sem destino ou automóvel.
Apertando o meu cinto sigo em frente,
Arrisco meu pescoço vez em quando,
O quadro que pintaste mesmo brando,
Ainda assusta um pouco. Tanta gente
Que se fez de rogado ainda insiste
E vê que o fim da estrada se aproxima,
Mudando de razão, num novo clima,
Não quero ser lembrado por ser triste,
Apenas meus sonetos testemunhas
Das feras que enfrentei, seus dentes e unhas...
21123
Ninguém lançou-lhe ao menos um sorriso,
Sarcástico ou irônico, quem sabe?
Bem antes que esta história em fim se acabe,
Eu necessito ser claro e preciso,
O amor já não tem dono e sem juízo,
Em cantos impossíveis sempre cabe,
E mesmo que depois, caia e desabe,
Arcamos sem temor com prejuízo...
Viver da fantasia, uma tolice,
Quem sabe ser feliz não faz assim,
E quando ouvi a voz logo desdisse
Seguindo o meu caminho, mais altivo,
Por isso é que independe do jardim,
Ainda em plena seca, sobrevivo...
21124
Quem dera ter um cérebro sublime
Poder alçar os píncaros dos sonhos,
Porém meus dias seguem tão bisonhos,
Sem nada nem ninguém que ainda estime
Sem ter uma emoção na qual eu rime
Momentos mais alegres e risonhos,
Os barcos atropelam-se, medonhos
Na véspera do mangue, sangue e crime.
Fechando as minhas portas; novas eras,
Mergulho no fantasma do que fui,
E enquanto a poesia; mansa flui,
Aguardo sem sucesso as primaveras
Que um dia prometidas, não virão,
Apenas um sorriso: ingratidão...
21125
De que vale um poeta se não sabe
Viver a fantasia que inda gera,
Aguardo tão somente nesta espera
O amor que dentro em mim, nem sei se cabe
Bem antes que este sonho enfim desabe,
Beijando uma outra face, esta pantera,
Terrível solidão, doce quimera,
Sem ter sequer o gozo que inda gabe.
Indago os andarilhos que como eu
Não sabem decifrar as armadilhas,
E quando perceber, distante milhas
Do mundo que sem crer já feneceu,
Aguardo a minha morte e nesta espreita
A sórdida ilusão já se deleita...
21126
E a turba desfilando os desencantos
A súcia à qual pertenço, um simples pária,
Uma alma sem juízo quase otária,
Vagando sem destino pelos cantos.
Os erros cometidos; sei que tantos,
Mas não serei apenas alimária,
Vencendo os turbilhões; uma primária
Espera por talvez secar meus prantos
Não dando em outra chance nem no quase,
Apodrecendo assim a suja base
Na qual me desamparo; imensa queda...
Abrindo esta janela, bebo o sol,
Mas quando enegrecido este arrebol,
A doce claridade, a vida veda...
21127
Apenas, nesta vida um pobre louco
Que busca entre as estrelas, o seu fim,
Guardando cada flor do seu jardim,
Restando do bastante muito pouco,
Enquadro-me em tristonhas poesias,
Vestindo este luar opaco e fosco,
O amor que imaginei; deveras tosco,
Mergulha em areais; diz maresias...
Estreito entre meus braços o vazio
E teimo novamente sem sucesso,
O quanto em movimento, agora cesso
Restando o verso solto que ora crio,
E morto, muito embora sonhador,
Marcado pelas garras deste amor...
21128
Quem leva os dias a sonhar vagueia
Por entre mil estrelas e não vê
Que o sonho tendo sempre o seu por que
Ao mesmo tempo esfria ou incendeia,
Cuidando da emoção, minha alma alheia
Ainda vez em quando em nada crê,
Procuro algum detalhe, mas cadê?
Se a sorte pra outros cantos já bandeia?
Matando as fantasias que inda restam,
Os olhos ao amor fogos emprestam,
Mas sabem discernir sonho de vida,
Usando finalmente esta razão,
No quadro que vislumbro; a solidão,
Acorda após estar entorpecida...
21129
Amante desta irônica utopia
Que forja outro cenário, que não vejo,
Mordazes armadilhas do desejo,
Morrendo sem saber, fina agonia...
E quando uma ilusão, meu sonho cria,
Apenas dos remendos um lampejo,
Aproveitando a dor, no mesmo ensejo
Prevejo algumas gotas de alegria...
Narcotizando uma alma tão estúpida
Mulher que tanto quis, audaz e cúpida,
Esculpe a fantasia em que vagueio,
Mesquinhos os momentos de prazer,
Melhor talvez; quem dera, até morrer,
Sem nada ter nas mãos, sequer receio...
21130
Decerto uma loucura que me guia
Fazendo do meu passo, tresloucado,
E quando me sentindo libertado,
Esbarro nesta mágica alquimia,
Fomento uma esperança que se adia
De ter novo momento, imaculado,
No dia que passou; vento gelado
Sibila transbordando em poesia.
Alcanço as minhas íntimas quimeras,
E beijo com vigor as vãs esperas,
Num último momento serei salvo.
Um simples vendedor que da ilusão
Espalha esta semente pelo chão,
Não pode ser da dor somente um alvo...
21131
É um grande favor que ora me fazes.
Deixar-me caminhar em liberdade,
Aonde imaginei a claridade,
A lua se enganando troca as fases,
Por vezes os olhares mais audazes
Impedem com total voracidade
Que eu veja no silêncio que me invade
Momentos mais felizes; inda trazes
Nas mãos as velhas marcas, cicatrizes,
Romântica ilusão à flor da pele,
E enquanto a realidade me repele,
Paixões são na verdade más atrizes,
Iludem no começo, mas depois
Estúpidos; sangramos a nós dois...
21132
Teu corpo no meu corpo se enroscando,
Bebemos do licor mais desejado,
Espero que inda seja teu agrado
O amor que nos encontra mergulhando
Num mar de imensas ondas, mas tão brando,
Às vezes num fulgor alucinado,
Presença deste sonho anunciado
Aos poucos com certeza me tomando,
Erguendo o meu olhar ao firmamento,
Eu vejo tanta luz neste momento
Em que fazemos santo nosso amor,
Sem medo, sem remorso, sem remédio,
Adeus ao que seria simples tédio,
Vivamos nosso caso, redentor...
21133
Cansado desta mesma ladainha
O velho coração já não suporta,
Por mais que escancaremos nossa porta,
A seca destruiu a nobre vinha
E quanta poesia se continha
Nos olhos de quem mal hoje comporta
O tanto na verdade pouco importa,
Só sei que te perdi e vais sozinha...
Seguindo pelas ruas cada rastro,
Bebendo a claridade feito um astro
Que apenas reproduz o que recebe,
Satélite deste amor que sempre prezo,
Pra volta de quem foi; somente rezo,
Enquanto este vazio me concebe...
21134
Teu beijo provocando reações
Que não consigo mesmo controlar,
Em meio a tantos fogos e explosões,
Caminho sobre as ondas deste mar,
Estás na maioria das canções,
Num tenro e delicado mergulhar,
Encontro pela estrada turbilhões,
Porém quero em teus braços, naufragar...
O céu em nuvens claras, calmaria,
Ausência de temores; vou contigo,
Além do que talvez fosse magia
O encanto de teus lábios sedutores,
Teu beijo, um velho sonho que persigo,
Permite que se tenha; jardins, flores...
21135
Talvez pudesse até dizer-lhe bravo,
Se o verso em que moldas a esperança
Trouxesse a realidade; mas me entravo
E sinto perfurar-me a amarga lança
Que um dia se fez mágica e rancor,
Alquímica mistura que maltrata,
Tal fato provocando imensa dor,
Ao mesmo tempo assopra enquanto mata,
Cascata de ilusões, vagas torrentes,
Escapo das medusas que ora crias.
Armada sem piedade até os dentes.
Palavras kamikazes, duras, frias...
E tudo o que me resta é o nada ter,
Morrendo pouco a pouco, sem saber...
21136
A inspiração divina fez aquela
A quem tanto devoto amor sincero,
Dizendo muito além do que mais quero,
A velha fantasia se revela,
Sentir o seu perfume e ser só dela,
O corpo que endeusando até venero,
Estando agora ausente, desespero
E busco num cenário, mudo a tela
Oferto o que ora tenho de melhor,
O sonho em que talvez se realize
No amor já não cabendo algum deslize
A luz significando o bem maior,
Que apascentando sempre traz o brilho,
Aonde em calmos passos, manso trilho.
21137
Preciso te falar urgentemente,
Dizer que tanto amor que ora me invade,
Destrói qualquer defesa, a realidade
Por vezes já se ilude e também mente...
Enquanto a fantasia assim freqüente
Não posso mais romper última grade,
Nem tendo esta palavra que te agrade,
Estou conforme dizes mais carente...
E sinto que talvez já não me queiras;
As minhas pernas doem; marchadeiras
Numa procura insana e verdadeira
Mesclando poesia com a vida,
Por vezes a minha alma distraída
Abarca da esperança esta bandeira...
21138
O teu sorriso invade a minha casa
Adentra no meu quarto e chega a mim,
De amores e de sonhos sem ter fim,
O fogo da paixão, queimando abrasa...
E a luz da poesia que me embasa
Formando com ternura este jardim,
Canteiros tramam flores. Sigo assim
A sorte de viver já não se atrasa...
E tudo o que desejo é teu desejo
E ver que somos feitos para tal,
Beleza sem igual, o ritual
Tramando o paraíso que eu almejo
Viajo com teus versos, liberdade,
No amor feito em ternura e amizade...
21139
Tremendo de miséria, imensa fome
Corrói cada momento em que podia
Ao menos ter nas mãos esta utopia
Que aos poucos, bem distante, ao longe some...
E enquanto a realidade te consome,
Fugindo para a livre fantasia,
O amor que num detalhe propicia
Um novo amanhecer, que enfim nos dome.
Acordo e não percebo esta presença
Que tanto desejei e nunca veio,
O medo de viver, cruel receio,
Sangrando deixando alma amarga e tensa,
Apenas leda escória, o que hoje sou
Comendo do passado, o que sobrou...
21140
Amiga tantas vezes me ajudaste
E enfrento temporais neste momento,
Por mais que eu minta sempre, não agüento
A vida se perdeu, puro desgaste...
Servindo tão somente de contraste,
A dor procura em ti algum alento,
E bebo a tempestade; meu intento
É ter em minhas mãos de novo esta haste
Que tanto sustentou cada passada
Arcando com os erros cometidos,
Do todo que já fui restando o nada,
Apenas um vazio, tão somente;
Revendo os meus caminhos, distraídos,
Percebo que o passado não desmente..
21141
A fronte sonhadora se ergue e vê
Aquela a quem desejo mais que tudo,
Percebo quanto é vão, mas eu me iludo
E teimo em navegar, porém cadê?
Fugiste para longe onde se crê
Num mundo tão espúrio, enfim miúdo,
Deixando-me deveras quase mudo,
Sem ter sequer razão, não sei por que...
Perpetuando o sonho, nada vejo
Senão a fria máscara do medo,
Enquanto caminheiro, eu me concedo
Além de um simples toque, algum lampejo,
Expresso nos meus versos quanto eu quero
Um tempo em que o sonhar seja sincero...
21142
Brasil, um Paraíso desvairado,
Dos trópicos gentil e bandoleiro,
Um povo quando quer hospitaleiro,
Quem sabe talvez sejas baleado?
Na terra do perdão e do pecado,
Igreja é mais comum do que puteiro,
À noite transfigura-se em funkeiro
Na passarela dando o seu recado,
Dos versos mais complexos e sutis,
Um povo francamente até feliz,
Que sobrevive apenas de ilusão.
Trazendo o que passou para hoje, agora,
Memória num segundo vem e aflora,
Chacrinha, uma perfeita tradução...
21143
Procuro pelo espaço sideral
Um sol que irradiasse esta esperança
Que enquanto a fantasia inda me alcança
Eleva o pensamento, ganhe o astral,
Depois de ter nas mãos o temporal,
E crer ser impossível a aliança
Encontro nos teus braços, festa e dança
Divino este molejo sensual.
E forjo de teus olhos, sol imenso,
Tomando no horizonte este cenário,
E quando tão somente em ti eu penso
Dispenso qualquer rito ou comentário,
Vivendo esta ilusão, mergulho intenso,
E faço do meu verso um sonho vário...
21144
Mas poupa-te, desgastas tua paz
Melhor é se deixar ser conduzido.
A vida quase nunca satisfaz
Por mais que dure, ao fim, pouco o sentido.
Bem sei que recolhestes cada dia
Com alegria simples de menino
Não falte-lhe agora a poesia
De ser julgado assim, puro e divino.
Os erros só nos mostram limitados
Se deuses, com certeza a perfeição.
E quem não erra perde-se ao ferrado
Pensar que é perfeito, a imperfeição.
Se Ele redimiu-te com amor
Não deixe esmorecer-te o fel da dor.
Ana Maria Gazzaneo
Jamais esmorecer, eis o meu lema,
Por mais que a noite seja tão escura,
O sonho- ser feliz, inda perdura,
E venço qualquer dor, qualquer problema,
Por isso minha amiga, nada tema,
E estendo a minha mão, ato em ternura,
A água persistente o chão perfura,
Amar sem ter limites, belo emblema...
Servir ao companheiro sem cobranças,
Fazendo com amor tais alianças
E sempre que preciso, perdoar...
Assim é que conquisto a liberdade,
Usando da fiel fraternidade,
Aprendo num instante a navegar...
21145
Se tento ou se eu invento um novo intento
Não posso me calar, sigo adiante,
Memória sem igual, diz elefante
Não quero ser dos sonhos um detento,
E quando me inebrio, toma assento
O quanto desejei ter escaldante
A boca que me morde neste instante,
Buscando dominar o pensamento.
Existo e não sei mesmo até por que
Se nada do que fiz valeu à pena,
E quando repetir a mesma cena,
Não creio que alguém possa e ninguém vê,
Vertiginosamente em precipícios
Lançando estas palavras, vãos ofícios.
21146
Ao ver-te neste instante aqui comigo.
Percebo quanto a vida se fez bela,
Enquanto a poesia já se atrela
Ao sonho que deveras eu persigo,
Mergulho no oceano, e vou contigo,
Destino que em destino assim se sela,
Quem ama e na verdade sempre zela
Não sabe o que é sequer algum perigo.
Procuro-te a meu lado, e quando estás,
O mundo amanhecendo em plena paz,
Fartura de ternura e de prazer.
Convites para a festa que eternizas
Por quanto a minha vida suavizas
Se dando a cada dia a conhecer...
21147
Pacífico cordeiro, um dia fui
E o lobo jamais perde algum segundo,
E enquanto em pensamentos aprofundo,
O mundo, engarrafado já não flui
E a gente vai tomando cada baque
Levando uma porrada aqui ou lá,
Porém sei que esta chance chegará,
Talvez a velha mula ainda empaque,
Mas sendo tão teimoso, no final,
Eu creio que esta história dará certo,
Por mais que eu viva agora num deserto,
Ter ideias te torna um anormal,
Resisto bravamente e dando um berro,
Soneto de protesto aqui encerro...
21148
Escrevo libertando meus demônios
E vivo tão somente de teimoso,
O andar de um vagabundo se andrajoso
Invade cercania e patrimônios...
Pudesse ter a sorte do andarilho
Que vaga o tempo todo, mundo inteiro,
Seria mais real e verdadeiro,
Porém sendo diverso este estribilho
Eu faço do poema, o desabafo,
Mudando vez em quando de cenário,
Não vou ficar guardado num armário,
Terão que suportar inhaca e bafo
De quem já não suporta mais ser tolo,
Só quero uma fatia desse bolo...
21149
Falaste do amor com maestria
e eu sinto que é o segredo da vitória!
Consegues perceber toda essa glória
que banha todo o amante da poesia?
É ela que me leva a noite e dia
sorver cada momento dessa história
que em versos escrevemos e a memória
há de ficar marcada em alegria!
É com amor que temos derramado
os nossos corações para os leitores
nesse minimizar de dissabores
com nosso versejar que é de bom grado
a fim de ter também colaborado
com o renovar da vida em lindas cores!
Ronaldo Rhusso
A poesia é nossa mola; mestre
Que faz com que possamos ter nas mãos
Sementes do futuro, fartos grãos;
Tomara que este amor, o povo adestre,
Aragem em que vivo hoje, campestre,
Não deixa que eu conceba serem vãos,
Lutemos companheiro, pois irmãos
Não deixam que o vazio já fenestre
E invada sobre nós desesperança,
Nos versos com carinho esta aliança
Permite que se creia no amanhã.
E temos o poder da poesia
Que é feita de magia e fantasia,
Divino, com certeza, nosso afã...
21150
Sou uma sombra apenas, nada além;
Vivendo na penumbra bebo sonhos
Que embora muitas vezes tão medonhos,
Transformam e conhecem muito bem
Um ilusório canto; eu sei que tem
Aquele que pensara em céus risonhos,
Porém quando os meus versos, vãos, bisonhos,
Afloram; não encontram mais ninguém...
O tempo é inimigo de quem ama,
Vastos os caminhos, dura estrada,
Hercúlea fantasia dita a trama
Que, embora seja minha nada diz
Do quanto a noite está enluarada,
E por momentos creio ser feliz...
21151
Velha carcaça, eu venho de outras eras
Aonde imaginara poderia
Conter das emoções tanta sangria
Gerando no meu peito, primaveras.
Jogado neste circo/vida às feras
Arpôo com meus versos a alegria
E vejo quão cruel o dia a dia
Vorazes meus fantasmas e quimeras.
E quanto mais eu luto, menos chance,
Felicidade está fora do alcance
De um frágil sonhador já carcomido,
Percebo que afinal, não restará
E deixo em testamento desde já
O cérebro fugaz e apodrecido...
21152
A alma cosmopolita me permite
Às vezes navegar por outros mares,
Não tendo sequer cerca nem limite,
Fazendo a cada dia meus altares,
Nas mãos sei que retenho a dinamite
Que levará meu mundo pelos ares,
Espectro que minha alma ainda habite,
Trará esta aridez aos meus pomares
E a via que pensara ser expressa,
A cada novo tempo recomeça
E expõe o que restou da fantasia
De um tolo caminheiro, numa andança
Aonde fervilhara em esperança
E agora se embebendo em agonia...
21153
Procuro nas recônditas reentrâncias
Espaço aonde possa me apoiar,
Jamais me importaria com distâncias,
Talvez quem saiba o dia há de chegar.
Após as velhas brigas, militâncias
Salvando do passado este luar
Que bebo, mesmo em meio a discrepâncias,
Cansado, muitas vezes de lutar...
Arcando com meus erros, sei que nada
Resiste ao furacão chamado tempo,
Vencer ou não vencer um contratempo
Não muda na verdade a minha estada
Que sei ser tão fugaz e provisória,
A vida por si só, é ilusória...
21154
Apenas uma larva que procura
Saída entre milhares de outras tantas,
A sorte sonegando suas mantas
Jamais trará o gosto da ternura.
E mesmo que inda venha; não mais cura
Errônea desde o início, não encantas
O amor se destruindo, frágeis plantas
Que um dia semeaste em noite escura...
Aguardo algum momento em que inda possa
Metamorforsear-me e ser liberto,
Mantendo este caminho sempre aberto,
Mesmo que dele; a vida faça troça.
E deixe tão somente a lua pálida,
Espero a qualquer hora ser crisálida...
21155
Das vastas amplitudes eu procedo
E trago o meu destino já traçado,
Deixando a poesia por legado,
Não guardo mais sequer algum segredo,
Outrora companheiro do degredo,
Vivendo tão somente amordaçado,
Entregue e pelos cantos vis, jogado,
Agora; um novo dia eu me concedo.
E teimo em procurar pelo meu chão,
Em meio à ventania, a embarcação
Depois de dissabores, calmaria.
Assim, seguindo sem temer mais nada,
Vagando pela noite abençoada,
Portando nos meus olhos a alegria...
21156
Da escuridão procuro alguma luz
Qualquer farol que indique a direção
Por onde eu levarei a embarcação,
Pesando em minhas costas, minha cruz.
Nefasta madrugada me conduz
Ao tétrico caminho cego e vão,
Tramando desde sempre a solidão
Cremando as ilusões; expondo nus
Os ermos deste estúpido poeta
Que um dia tendo o amor, perdeu a seta
E agora se embebeda pelas ruas...
Extremamente só, nada virá,
Somente a poesia habitará
A cena em que terrível, sempre atuas...
21157
Procuro pela cósmica beleza
Que tantas vezes tive sonegada,
Expondo cada prato sobre a mesa,
Há tempos, sem sentido, preparada...
Inútil perceber a fortaleza,
Minha alma já perdida e alquebrada
Sequer enfrenta alguma correnteza,
Preparo o meu final, não levo nada
Tampouco como herança; deixo alguma,
A estrada da esperança não se apruma
Temendo cada queda, vou sozinho.
Alvissareiros sonhos? Não os quero,
E sinto te dizer; sendo sincero
Que espero a minha morte; último ninho...
21158
Vivendo com a dor, em simbiose,
Conheço já de cor as suas manhas,
Julgara estas partidas todas ganhas,
Invés de cicatriz, fria necrose,
Aumenta dia a dia esta glicose
E a pele carcomida, e as entranhas
Percebem quão terríveis minhas sanhas,
Mas nada impedirá que a morte eu goze
E tendo este momento como alento,
Percurso terminado, paz eterna,
Usando vez em quando esta lanterna
Somente encontro dor e sofrimento,
Quiçá em outra esfera possa ter
Um mundo bem melhor de se viver...
21159
Sabendo que o final se aproxima
Só resta ao sonhador uns poucos versos,
Vagara em sua vida os universos,
Aonde a poesia existe e prima
Por ter algo bem mais que simples rima,
Unindo os meus sentidos mais dispersos,
Calando desde sempre estes perversos
Desejos onde a sorte muda o clima.
Ardentes e fanáticas delícias,
Somente me restaram as notícias
Desencontrado mundo em que me apronto
Para sentir o vento terminal,
Cansado do espetáculo, um jogral,
Aos poucos meu castelo já desmonto...
21160
A dor tanto consola e me equilibra
Tormentas são comuns e não me queixo,
O verso mais audaz, no peito vibra
Enquanto o tempo corta; é simples: deixo.
Pergunto se talvez mudasse a trama
Ou mesmo um masoquista inveterado,
Mas logo vem a dor e já reclama
Espaço pelos sonhos, ocupado.
Mergulho nesta solidão divina
Preparo este banquete em que celebro,
Doce melancolia me fascina
Grilhões, velhas correntes nem mais quebro,
Terminarei meus dias numa ermida,
Resumo do que foi a minha vida...
21161
Na minha ignota vida, o ciclo é feito
Mudando de estação, selando a sorte,
E enquanto a poesia der suporte
O mundo não será tão imperfeito.
Deveras à procela cedo e aceito,
Sabendo enfim sanar a dor e o corte,
Profética ilusão dizendo morte
Que aos poucos dominando faz seu pleito.
E espreito o meu futuro no olho mágico,
Decerto não queria fosse trágico,
Mas tenho que admitir meus desenganos.
Trêmulo, percebo o fim da rota,
O barco se afastando desta frota,
Restando estes espectros sobre-humanos...
21162
Quando chegas minha alma vibra intensa
E teima em ser feliz, mesmo que a vida
Demonstre-se deveras dura e tensa,
Em ti encontro logo esta saída
Que há tanto desejei, e recompensa
Andante fantasia, distraída,
Deixando para trás a dor e a ofensa,
Levando a solidão já de vencida...
Brilhando feito o sol, olhar tão belo,
E quando estás comigo enfim revelo
Os velhos dissabores, meus segredos,
Errante como um velho cavaleiro,
Perdendo no passado, o paradeiro,
Agora tenha a vida entre meus dedos...
21163
A vida em movimentos rotatórios
Prepara uma surpresa a cada instante,
Da sorte sempre estive mais distante,
Momentos de prazer? Tão ilusórios.
Tenho na esperança os suspensórios
E a boca distraída de uma amante
Que morde e me provoca em incessante
Delírio e ainda exige relatórios.
Assaz interessante a caminhada
De quem se deu inteiro e nada teve,
Apenas a poesia me reteve
Porém uma alma tosca e destroçada
Não sabe nem sequer sentir prazer,
O amor traduz em mim, farto sofrer...
21164
Escrevo como fosse um desabafo,
O mar jamais esteve para peixe,
Às vezes escapando do sarrafo,
Da vida; meu amor, jamais se queixe,
Enquanto houver um sonho, há esperança
E dela sobrevivo, vez em quando,
Senão for desse jeito a gente dança
E o mundo num segundo desabando...
Usar bem a cabeça, eu te garanto
Não deixa que soframos tanto não
E quando houver a sombra de um quebranto
Vencer é só questão de opinião...
Chegar aonde eu queira? Não desisto,
Às chuvas e tempestas, eu resisto...
21165
Após a ventania queres calma?
Explique como se consegue então;
Depois de tocar fogo em minha alma,
Agora como ter tal mansidão?
Se a gente desconhece algum limite,
Permita-me dizer que quero tanto,
Porém loucura boa não se evite
Tu sabes meu amor, nunca fui santo...
Apenas só te peço mais carinhos,
E deixe que este barco siga assim,
O pássaro retorna, mas tem ninhos,
A flor não nasce apenas num jardim...
Não quero ter meus olhos rasos d’água,
O rio noutro rio enfim deságua...
21166
Meus lábios percorrendo cada parte
Do corpo escultural desta menina,
Que enquanto me sacia, me domina,
Vontade de poder deliciar-te;
Sentindo a tua pele arrepiada,
Deliciando-me contigo sem descanso,
E quando extasiado, deitado manso,
A deusa entre meus braços, desnudada
A vida se permite sem pudores,
Pecados não existem num amor,
Num arquejante sonho, este louvor
Teus beijos mais vorazes, sedutores...
Assim a brasa acesa do desejo,
Mantida; muito mais que algum lampejo...
21167
Que a fonte dos prazeres jamais seque,
É tudo o que mais quero; pois contigo
Num mundo mais gostoso assim prossigo,
Abrindo o coração, num novo leque.
Quem fora no passado tão moleque
Agora que concebe um doce abrigo,
Remanso delicado que persigo,
E o beijo mais voraz, em ti sapeque...
E tenha em minhas mãos teu corpo nu,
Aliando este prazer com farto amor,
Um templo mavioso, um raro andor,
Meu corpo sendo teu; somente tu
Conhece os meus desejos e vontades,
E traz nas emoções variedades...
21168
Pensando em fazer outra poesia
Que fale de um amor imaginário,
Não tendo mais conversa ou alegria,
Apenas tão somente sou otário.
Fazer de meus lamentos fantasia,
Tornando meu amigo um adversário,
E cada vez que tento a mão vadia
Buscando no teclado outro fadário...
Fertilizando a mente com prazeres,
Domando meus instintos, o que fazer?
As letras vão pulando à minha frente
E faltam para a festa estes talheres,
Sem ter sequer idéia pude ver
O olhar que me lançaste, diferente...
21169
Sedento destes lábios delicados,
Ausência maltratando quem te quer,
Mas venha da maneira que vier
Caminhos e destinos decorados...
Beijando mansamente até chegar
Destino dos prazeres mais sutis,
Assim eu levo a vida e sou feliz,
Bebendo em ti as gotas do luar...
E quando o sol surgindo nos desperta,
A vida se tornando mais bonita,
Presença desta deusa que me agita,
Chegando com certeza na hora certa
Domina e me sacia, seu escravo,
Nas águas de teu corpo, enfim, me lavo...
21170
Acordo e de manhã, café na mesa
A gente novamente já se estressa,
Correndo o dia inteiro, tanta pressa,
Do trânsito e da vida, mera presa...
Queria pelo menos a destreza
De quem a cada dia recomeça,
Porém a realidade assim me engessa
E nada do que tento diz surpresa...
Cotidiano é foda, companheiro,
Quem dera se pudesse ter ao menos
Sorrisos mais gentis e mais menos,
Quem sabe; da amizade um mensageiro,
Mas logo vem a curva e depois dela
Uma outra e mais uma outra... após? A cela...
21171
Jogar conversa fora é muito bom,
Às vezes acuado, outras nem tanto,
Mantendo na verdade o mesmo tom
Assim irei fazendo verso e canto
Ouvindo a tua voz, um doce som,
Que traz somente paz e farto encanto,
Quem dera se Deus desse a mim o dom
De poder te dizer que eu te amo e quanto.
Terminando esta carta, enfim te digo
Que encontro nos teus braços meu abrigo,
Embora sempre chegue meio tarde,
A vida sem te ter, razão não tem,
Por isso meu amor, perceba bem
Meu coração fazendo tanto alarde...
21172
Na mesma frialdade em que te vejo
Esqueço os dissabores que causaste,
Não somo como disseste um simples traste,
Um novo amanhecer, simples desejo...
Após a tempestade, algum lampejo
De luz aonde estranha, navegaste,
Matando nosso amor pelo desgaste
Não sobrará sequer menor ensejo,
Assim ao caminhar em turbulência
Não venha reclamar tua inocência
Tu tens ciência disto, eu te garanto,
Tu herdarás somente este vazio,
E quando houver a seca, um novo rio
Formar-se-á salgado, feito em pranto...
21173
Por mais que a gente faça não percebo
Mudança que valesse algum vintém,
E quando o sonho evade-se também
Apenas o vazio inda concebo,
Na tua poesia eu já me embebo
E tomo em largos tragos; mas não vem
Sequer a inspiração. Negando o bem,
Somente ingratidão; de ti recebo.
Mas tudo tem seu preço, sabes disso,
A flor quando morrendo perde o viço,
Porém o meu canteiro; sei lavrar
E a noite se aproxima, esteja certa,
Mantendo a minha mente sempre alerta,
Decerto alguma estrela há de brilhar...
21174
Circularmente vago em tua busca
Ausência determina esta loucura,
E enquanto meu olhar já te procura
A noite em plena treva, tudo ofusca.
Mudança não podia ser tão brusca,
A gente necessita de ternura,
E uma alma como a tua, bela e pura,
Se ausente uma esperança em vão chamusca.
Capaz de fazer sol, mas se vieres,
Não vejo alternativa; e se preferes
Eu dou a cara à tapa novamente,
Apenas prosseguir sem ter ciúmes,
Por mais que sejam belos tais ardumes
Jamais quem tanto quer deveras, mente...
21175
Fecho o ferrolho desta imensa porta
Por onde imaginara no passado
Adentraria em glória o ser amado,
Porém realidade, o sonho corta,
E a velha fantasia agora morta
Ainda vai pesando aqui do lado,
E; quantas vezes; vejo amarrotado
O terno da esperança. Pouco importa.
Imperceptivelmente eu me perdi,
E junto eu carreguei o amor a ti,
Sobrando simplesmente um vago som,
Amar é ter a chave que abre os cofres,
E se hoje sem amor também tu sofres,
Percebo então que amar é como um dom..
21176
Ergo-me a tremer; vago sem parada,
O vento com certeza guiará
Meu passo que pretende desde já
Saber se existirá outra alvorada,
A vida me responde o mesmo nada
Que o tempo com certeza mostrará.
Espreito por aqui, vou acolá
Aguardo o meu final, a derrocada...
Catando os meus pedaços por aí,
Juntando cada estrela que perdi
Constelação imersa em água turva,
Havia alguma chance? Não respondo,
O mundo dando voltas é redondo,
Porém eu capotei na prima curva...
21177
Invado teu recanto na noite alta,
Adentrando teu quarto, uma surpresa
E vejo deslumbrado esta beleza
Que a natureza esculpe e o amor exalta...
Sentindo de teus lábios, tanta falta,
Em meio às fantasias, a tristeza
Chegando devagar e pondo a mesa,
Porém ao te sentir, desnuda e incauta
Dourado templo imerso no luar,
Fazendo do teu corpo o meu altar,
Singrando por sutis mares diversos,
Contemplo a maviosa criatura
Entrego-se ao sabor desta loucura
Meus braços nos teus braços, ora imersos...
21178
Escaldante amor em noite fria
Vulcânica explosão; e a vida passa,
Numa ávida expressão pura alegria,
Depois de certo tempo, uma desgraça.
Enquanto houver beleza e poesia
O amor não me esqueceu, sou sua caça,
Porém na solidão, vem a agonia
E o que restou dos sonhos me embaraça.
Embarco noutra vida e busco o cais
Que sei já não existe e nunca mais
Terei em minhas mãos este timão.
Retorno ao velho bar; bebo do gim
Que a vida preparou só para mim,
E bêbado; eu encontro a direção...
21179
A bruta ardência de um amor falido
Causando desespero, empobrecendo
Aonde imaginara renascendo,
Agora este retrato apodrecido
De quem se entrega e sabe estar vencido,
Passado lentamente; vou revendo
Segredos? Claramente, hoje eu desvendo,
Morrendo simplesmente em triste olvido,
Arcaicas ilusões, torpes palavras,
Enquanto a poesia bebe as lavras
Não sobra nem sequer um frágil toque
Distante melodia; não escuto,
O que restou de nós; inerte e bruto,
Em mar tão tenebroso desemboque...
21180
Ao meu quarto depois da meia noite
A luz ainda acesa, o peito aberto,
O vento me pegando inda desperto
Batendo na janela, frio açoite.
É como se chamasse e me trouxesse
Notícias de quem foi e não voltou,
O pouco de você que aqui sobrou
Permite se pensar num sonho doce.
Mas quando a realidade volta à cena,
Vazia a madrugada, novamente,
O olhar da solidão já me condena
Somente a ventania ainda mente
E diz que voltarás; tolice imensa,
Eu não terei da vida, a recompensa...
21181
Montado em seu cavalo todo branco
O belo cavaleiro em noite escura,
Trazendo amor sincero, puro e franco
Mantém-se com firmeza na procura
Daquela que será sua princesa,
A dama mais formosa do lugar,
A vida preparando outra surpresa
Impede o cavaleiro de chegar...
Mas nossa história, amada, é diferente,
Não vejo impedimentos, vamos nessa
Que a vida só pertence enfim à gente
E o amor; saiba querida, anda com pressa.
Vencer os teus temores e seguir
O que teu coração há de pedir...
21182
Se é de mim que decorrem meus enganos,
Não vou mais sonegar a realidade,
Por mais que acumulasse perdas, danos,
Lutei para encontrar tranqüilidade,
Seriam pelo menos mais humanos
Os risos que me cercam; crueldade,
Mudando a direção dos velhos planos
Somente a solidão se chega e invade.
Inválido este sonho que carrego,
E quando na verdade quase cego
Não vejo mais um brilho que me guie.
E certamente tenho dentro da alma
O peso insustentável deste trauma,
Que à sorte traiçoeira, eu desafie...
21183
O amor trafega em belos prados, campos,
Circula entre as estrelas. Sideral;
Desfila em plena noite pirilampos
E é dele o mais sublime e raro aval
Pra que felicidade se aproxime
E tome seu lugar, antes vazio.
Deixar de se entregar a ele é um crime
Além de ser terrível desafio...
Não creio ser possível sem seus laços
A gente prosseguir neste cruel
Mundo aonde a dor tem seu papel
E segue tão soturna nossos passos.
Por isso minha amada, venha agora
Deixando esta incerteza vã, lá fora...
21184
Negócios são negócios; disso eu sei
Armaste uma arapuca para mim,
O que fora amizade chega ao fim,
É dura, mas assim é que anda a lei.
Portanto não se importe, eu me ferrei,
Deu praga no canteiro e no jardim,
Melhor ficar então, amigo assim,
Esqueça, pois a ti, esquecerei...
Um último detalhe; quase aviso,
Às vezes é preciso de um abrigo,
Contar como contaste assim comigo?
Eu arco com a conta e o prejuízo
Só quero que prossigas sempre em paz.
O resto? Vou correndo, mesmo atrás...
21185
não quero ser servil nem ser teu amo,
não quero ser servil nem ser teu amo,
apenas conviver em plena paz,
se tantas vezes brigo e até reclamo
é quando o teu amor não satisfaz,
e quando solitário, eu já te chamo,
a noite só vazio então me traz,
vingança dia a dia, sei que tramo,
porém jamais querida, sou capaz...
não posso me calar, seguindo em frente,
abrindo este portão, estou liberto,
mas sei que meu caminho é tão incerto,
preciso resolver; mas é urgente
que a gente possa dar alguma chance
farei o que estiver ao meu alcance...
21186
Escapando da boca de um demente
A frase terminal que nos açoita,
Enquanto a fantasia nos acoita,
A realidade chega e já desmente...
Seria muito bom se permanente
O sonho que comigo enfim pernoita,
Uma alma transparente, mas afoita
Acaba com o mundo num repente...
Serpentes? As encontro no caminho,
E sei diagnosticar aonde há ninho,
Andando com os olhos bem alertas...
Se tudo o que pretendo é ser feliz,
A frase que disseste nada diz,
E do meu mundo, amigo,já desertas...
21187
Correndo atrás do sonho, eu me estrepei
E tudo foi por culpa desta ingrata
Enquanto a poesia desbarata
O crime pelo qual eu já paguei.
A morte do poeta faz sucesso,
Porém da poesia ninguém vive,
Falando dos lugares onde estive
Não tive com certeza algum progresso,
Confesso e reconfesso se preciso
Que tudo o que mais quero não consigo,
Por isso é que te falo meu amigo
É sempre necessário ter juízo
Não deixe pra depois, melhor agora,
Senão a fantasia vai embora...
21188
Amar de qualquer jeito é bem legal,
Não tendo mais decerto o que temer,
Vivendo simplesmente por viver,
A plena salvação será normal.
Eleva com certeza nosso astral,
E venha da maneira que puder,
Apenas importando se vier
Num doce e cativante ritual...
Eu pego as tuas mãos, beijo-te a boca,
Daí nasce a paixão, cruel e louca
Que tanto precisamos e queremos...
Depois o tempo passa e a gente vê
Que a vida tem razão e tem por que,
E escravos deste amor; permanecemos...
21189
Cantando eu espanto esta saudade
Que tanto me maltrata e me alivia,
Não fosse minha amiga poesia,
Difícil encarar a realidade...
Eu sei que não terei a liberdade
De poder desfilar a fantasia
Conforme no passado eu bem queria
E agora não sobrou tranqüilidade
Apenas o vazio que me chama,
Ouvindo a tua voz, nada a fazer
Senão manter acesa a antiga chama
Que queima e suaviza o sofrimento,
Quem dera se eu pudesse te esquecer,
Seria mais feliz por um momento...
21190
Eu faço deste amor uma bandeira
Na luta interminável pela vida,
Às vezes tão sofrida e dolorida,
Porém junto contigo, verdadeira,
Na paz tão importante e costumeira
Pra toda dor imensa, uma saída
Uma alma que se perde distraída
Jamais se entregará assim inteira
E a gente nem pergunta se há por que,
Somente neste amor a gente crê
E basta para ter felicidade...
Esta expressão suave que me trazes
É como ter na manga todos ases,
Mantendo a preciosa liberdade...
21191
Eu gosto da maneira de gostares
E tenho sempre aberta a minha porta,
Pra nós a realidade pouco importa
Fazendo da emoção nossos altares,
Andando muitas vezes pelos ares,
A faca sem o fio já não corta,
A solidão enfim eu vejo morta,
Percebo-te querida nos lugares
Aonde mergulhando a fantasia
Expresso com meu verso esta alegria
Que tanto demorou, mas hoje tenho.
Valendo sempre a pena acreditar
Bebendo com fartura este luar,
E ter com esse amor, maior empenho...
21192
O amor que eternamente me acompanha,
Comemorando a vida não se cansa
E quando o bem supremo enfim alcança
Abramos e brindamos com champanha
Mantendo acesa a fé, bela campanha,
A vida que virá será mais mansa,
Trazendo na guaiaca, seta e lança
Cupido vê a luta sendo ganha
E brada com prazer, doce loucura,
Teu corpo emoldurado em minha cama,
A fúria dos desejos já nos chama,
Encharca nossa casa de ternura,
Apague a lamparina, vamos lá,
O céu com lua cheia guiará...
21193
Calcando uma existência em fantasia
Eu caio vez em quando e me levanto,
Não deixo que me enxugues dor e pranto,
Depois vem o sorriso, nova alegria.
O tempo é necessário e a picardia
Só serve pra causar o desencanto,
Por isso é que na dor eu me agiganto,
Não posso suportar tal agonia.
E o vento me levando sem saber
Se um dia há de parar nem mesmo aonde,
O sol que as nuvens já se esconde;
Parece que começa a compreender
E deixa todo o céu assim nublado,
Mortalha de um amor abandonado...
21194
Levado pela dor à vã charneca
Aonde mergulhei minha ilusão,
O amor que se perdeu sem ter razão,
Minha alma blasfemando, agora peca.
E sei que tudo isso nada vale,
Sequer tu ouvirás as maldições,
Diversas; sei que são as direções,
Montanha, cordilheira, plano ou vale,
Não sei se tenho ainda algum caminho,
Prefiro até seguir sempre sozinho,
A queda inevitável não me assusta,
Acendo então a tocha e vou em frente,
Quem sabe o meu futuro é diferente,
Tentar jamais me cansa e nada custa...
21195
Declaro guerra ao medo de viver
Que trazes quando negas teu amor,
Não pode suportar um doce ardor,
Bem sei que muitas vezes faz sofrer,
Porém sem tê-lo ao lado? Posso ver
A noite tão escura e sem calor,
Dando vazão apenas ao temor,
Querida, é muito fácil se perder.
O rumo que procuro já me leva
Aos braços de quem quero sempre bem,
Distante do granizo, afasto a treva
E bebo desta imensa claridade
Que somente o grande amor sabe e contém
Trazendo a mais real felicidade...
21196
Sentindo-te molhada, umedecida,
Deliciosamente nua junto a mim,
Percorro a bela estrada e vou assim
Bebendo o teu prazer, razão de vida...
Cavalgue o teu corcel, venha depressa
Que o fogo do desejo não se apaga,
E junto com teus lábios sempre traga
A fome que o desejo em si confessa.
Arfando, uma deusa assim profana,
A santa delicada e tão sacana,
No orgástico caminho desvendado,
Gozando plenamente, estonteante,
Teu jeito sensual e provocante,
Deixando o teu corcel extasiado.
21197
Que o ano já nos trague uma esperança
De um tempo renovado feito em glória,
Marcando para sempre nossa história
A Terra finalmente bem mais mansa,
Do sonho mais audaz, eu não me canso,
E vivo tão somente por saber
Que adiante um mundo feito de prazer
Trazendo em placidez, belo remanso.
Saúde e muita paz, intenso amor
Erguido sobre as bases do perdão,
Um novo amanhecer claro e cristão,
Fazendo da alegria nosso andor,
Um ano assim repleto eu te desejo,
E para nós querida, é o que prevejo...
21198
O amor é mesmo assim, este travesso
Fazendo da loucura uma artimanha,
Virando o coração de ponta e avesso
Remove mais que fé qualquer montanha,
E quando a escadaria do céu; desço,
Aprendo com Cupido cada manha,
Às ordens deste deus eu obedeço,
Senão ele castiga. Se ele assanha
E só deixar rolar e nada mais,
Somente o amor completo satisfaz
Mergulho na vontade sem jamais
Deixar de repetir a mesma dose,
Curando de ferida até de antraz,
Amor sara frieira, dor, micose...
21199
Vivendo cada instante com ardor,
Amadurecimento traz a paz,
E mesmo que eu pareça até voraz,
Jamais me cansará o tal do amor,
Há críticas e feitas com fervor,
Tem gente que me julga um incapaz
De falar de outro tema, mas se traz
Satisfação; escrevo sem temor.
Quem dera se na Terra o amor vencesse
As guerras e injustiças tão freqüentes,
Os dias se tornando bem mais quentes.
Geleiras derretidas? Quem merece?
Cantemos; pois Cupido, um sacro deus,
Melhor que lamentarmos triste adeus...
21200
O amor que já domina o coração
Não deixa que o mal cresça, é sempre assim,
Cevando com cuidado o teu jardim,
Certeza de uma bela floração,
Nos dando a mais correta direção,
Constrói um novo tempo, pois enfim
Habita o que melhor existe em mim,
Por isso é que semeio o raro grão
Que um dia nos trará de novo Cristo,
Por Seu amor a nós é que eu existo,
E sei que eternamente há de brilhar
A estrela abençoada que nos guia,
E entorna sem mistérios a alegria,
Mudando a nossa vida devagar...
21201
Do velho romantismo, nem sinal,
Percorro novas sendas e imagino
Volvendo a ser somente este menino,
Brincando no arvoredo, no quintal.
A vara de pescar, o meu bornal,
Ainda tinha em mãos, o meu destino,
Ao longe, o repicar de antigos sinos,
Anunciando a missa ou funeral.
O tempo castigando levou tudo,
Que faço se em verdade inda me iludo
E penso ser eterno. A dor virá...
E quando os dentes caem, chegam rugas,
Procuro uma saída, novas fugas,
Porém ‘nem mesmo Minas haverá”...
21202
Pesadelos chegando num tropel
Tomando a noite inteira; pavorosa.
Por mais que a vida seja caprichosa,
Ainda espero ter o meu papel,
Cabala, oráculo, ninguém me diz
Se um dia poderei viver em paz,
Somente o pesadelo, a noite traz,
Quem dera se eu pudesse ser feliz...
Alquebrado, acordando para o mundo,
Procuro à minha volta e nada vejo,
Senão estes resquícios do desejo
Na entranha de minha alma eu me aprofundo
E busco soluções. Porém cadê?
No espelho a morte em sombra; isso se vê...
21203
A morte em profecias cabalísticas,
Anunciada há tanto, agora vem,
À noite solitário, busco alguém,
Somente vãs respostas, todas místicas.
Eu sou jovem; me dizem estatísticas;
Mas vejo a realidade bem além,
E quando este vazio me contém
As mãos vão ao teclado, quase artísticas
E fazem desabafo em poesia,
Minha única defesa; meu consolo,
Por vezes me sentindo como um tolo,
Ainda esboço, pérfida alegria,
Mas quando vejo em volta o mesmo nada,
Lembro da profecia anunciada...
21204
Diluídos cristais entre as estrelas
Permitem-me sonhar com novos dias,
Invado a madrugada para vê-las,
Espalham pelos céus a poesia.
Galáticas belezas, ao contê-las
Encontro a paz na qual mergulharia
Sem tédio e sem remorsos. Percebê-las
É como fenestrar a fantasia
E adentrar seus mistérios e segredos,
Varrendo dos meus dias, a tristeza,
Quem dera se eu pudesse com destreza
Tocá-las com as pontas dos meus dedos
E ter a liberdade à qual pertenço,
Num claro amanhecer bem menos tenso...
21205
Ânsias e alentos vão formando a vida
Que tanto desejei, mas não consigo
Quisera ter um braço mais amigo,
A estrada muitas vezes dividida
Que rumo irei tomar? A despedida
Trazendo a solidão, meu desabrigo,
E novamente exposto ao vão perigo,
Refaço o meu caminho, outra saída...
Na força da amizade eu sei que existe
A fórmula que impede ser tão triste
Apascentando assim, pura bonança...
Embora solitário, ainda creio
Que um dia feito em luz, que tanto anseio
Trará o imenso bem. Tenho esperança..
21206
Desejos, vibrações, louco fascínio
Desejos, vibrações, louco fascínio
Derramas sobre mim tuas vontades,
E bebo as delicadas umidades
O amor não tem juízo e nem domínio...
Teus lábios percorrendo devagar,
Numa ânsia; taquicárdica emoção
Aumenta pouco a pouco meu tesão,
Até que possa enfim compartilhar
E com toda perícia, penetrando
As portas que me levam aos jardins,
Mistura de demônios, querubins;
Os céus e seus segredos desvendando,
Até que num orgasmo o ritual
Viaje ao infinito sideral...
21207
Triunfos? Todos acres, a amargura
Triunfos? Todos acres, a amargura
Arcando com meus erros e mentiras,
E quanto mais distante, mais me miras
A sorte se perdeu, vaga procura,
Não posso reclamar desta armadura,
Se a vida é que te trouxe este aço e as tiras,
É lógico que então ora prefiras
Estrada abençoada e se afigura
Um novo amanhecer, mas dele ausente
Apenas prosseguindo; e se pressente
Que o fim do meu caminho se aproxima,
Depois de tantas curvas provocadas,
Manhãs que tu terás iluminadas,
Enquanto pela dor, minha alma prima...
21208
Vitórias todas fulvas e divinas,
Recebo quando entrego-me ao Senhor,
Sem medo, sem medida e sem temor,
A fonte do prazer, sagradas minas.
E quando Pai, a dor Tu determinas,
Entendo como um ato feito amor
A dor que nos ensina, Redentor,
Permite novas águas cristalinas...
Que tudo seja feito como Queres,
E saiba quando enfim, aqui Vieres
Terás neste cordeiro, um aliado.
Pedindo- Te perdão por ter pecado,
Buscando a perfeição, sei que impossível,
Só peço o amor total e incorruptível...
21209
Os mais estranhos e tolos sentimentos
Tocando o coração de um vagabundo,
Quem dera fosse ao menos mais profundo
Teria com certeza bons momentos,
A vida traz nas mãos ritos, fomentos,
E quando nos mistérios me aprofundo,
Do todo me percebo quase imundo
E morro sem saber de paz e alentos.
Não cabe uma resposta? Procurei,
Somente a negativa eu encontrei,
E dela fiz a roupa que ora visto,
Fantasmas do passado me rondando,
A peça, acreditando terminando,
Mas teimo e embora vago, ainda insisto...
21210
Os estremecimentos me ensinaram
A ter a paciência necessária,
E quando a vida vira uma adversária,
Meus ermos com carinho se abrandaram.
E quando a realidade, olhos encaram,
Reflete-se no espelho, uma alma pária,
Que embora muitas vezes siga otária,
Caminhos sem retorno se mostraram,
Bebendo desta fonte envenenada,
Perambulando à noite, bar em bar,
Não tendo nem por que; pra que chegar,
O verso mais soturno sempre agrada
E molda o meu futuro esvanecido
Em trevas e vazios; esquecido...
21211
Apenas flores vagas no canteiro
Em meio às tantas urzes, espinheiros,
Aonde imaginara um companheiro,
Um bando de venais, interesseiros...
Assim foi meu caminho o tempo inteiro,
As cinzas espalhadas nos cinzeiros,
Da sorte nem sequer aroma ou cheiro,
Os erros são os velhos, costumeiros.
Momentos que passei e ainda passo,
Não tendo mais nem sonho nem espaço
Estrangulada rota de saída...
Não vejo solução, mas inda teimo,
Nas brasas da esperança em que me queimo
Eu deixo o que sobrou de minha vida...
21212
As flores que me deste já murchadas,
O tédio desabando sobre nós,
Futuro na verdade um grande algoz,
O corte com profundas machadadas,
Esqueço que talvez, novas estradas
Podendo me levar ao logo após,
Matando o meu passado, frio e atroz,
Promessas que; bem sei, são malfadadas...
Amortalhada noite se aproxima
E nela simplesmente eu me retrato,
Olhando para o espelho sei de fato
Que nunca tive ao menos a auto-estima,
Das flores que me deste com carinho,
Apenas o que resta, cada espinho...
21213
Os sonhos são quimeras doentias
Que marcam nossa vida ao acordar
Ao ver a luz intensa, penso o mar,
Porém distantes praias, agonias...
Recebo estas notícias, vagas, frias,
E teimo em outros mundos navegar,
Quem sabe no futuro... Procurar
E não achar sequer alegorias...
Mascaro a realidade com sorrisos,
Que sei tão necessários e precisos,
Acendo inutilmente este farol.
O barco que à deriva já naufraga,
Vagando sem destino plaga em plaga,
Apenas vislumbrando ao longe, o sol.
21214
De amores vãos eu percorri a vida
E soube desde sempre que talvez
O mundo que criei e se desfez
Trouxesse em cada sonho, a despedida...
Num álgido caminho sem saída,
A porta se fechando de uma vez,
Restara no princípio esta altivez
Que aos poucos eu percebo está perdida...
Queria pelo menos, dignidade,
Respeite, por favor a minha idade,
Jamais suportarei tal zombaria,
A morte me esperando é solução,
Minha última e fatal embarcação
Talvez algum respeito, merecia...
21215
Tantas vermelhidões banham o olhar
Que há tanto simplesmente desejara
A mão que calmamente sempre ampara,
Depois de muitas vezes procurar
Inutilmente eu sinto que o sonhar
Por mais que a fantasia seja cara,
A glória da alegria, um tanto rara,
Não pude nem sentir nem desfrutar.
Apago da memória alguns instantes
Aonde falsamente fui feliz,
A sorte velha atriz, qual meretriz
Momentos que me deu, inebriantes,
Apenas um espectro, nada além,
Nem mesmo a fantasia me contém...
21216
As fantasias; perco escorrendo em rios,
Na busca de uma foz que trague paz.
Os versos que professo são sombrios,
Somente o medo a dor, a vida traz.
Mudá-los; com certeza, desafios
Mas sei que não serei sequer capaz,
Queria ser audaz, mesmo fugaz,
Andar pela navalha sobre os fios...
Por vezes me imagino sem saída
No imenso labirinto feito em vida,
A chave dos segredos; nunca vi.
Percebo que talvez ainda reste
Na força imensurável de um cipreste
Nascente da esperança que perdi...
21217
Em sangue abertos vasos me levando,
O corte foi profundo e decisivo,
Ao ter a consciência de que vivo
Somente por viver, foi me tomando
E o que já fora, outrora bem mais brando
Tornou-se com certeza; imperativo,
Num ato resoluto ou agressivo
A história finalmente terminando...
Não quero ser lembrado; sigo em paz,
Na doce sensação que a morte traz
Orgástico caminho descoberto.
Da vida, quem foi nômade e poeta,
Teve felicidade como meta,
Agora sem oásis, me deserto...
21218
Quente e forte ilusão em noite imensa,
Terei algum alívio? Quero crer,
Porém quando mal vejo o amanhecer
A vida novamente fria e tensa...
E quanto mais minha alma nisto pensa,
Procura alguma forma de morrer,
Sabendo o que em verdade irá saber
Jamais encontrará u’a recompensa...
Não vejo mais saída, é sempre assim.
O templo que eu ergui chegou ao fim,
Castelo foi apenas fantasia.
E enquanto a solidão domina a cena,
A sorte da ilusão somente apena
Deixando o rastro amargo da agonia...
21219
Viva e nervosa a dor realça o brilho
E trama mais angústias. O que fazer?
A vida repetindo este estribilho,
Procuro alguma forma de esquecer...
A cada novo passo, um empecilho
Que impede o caminhar, melhor morrer...
O dedo se aproxima do gatilho,
O fim, a solução que passo a ver.
Inútil caminhar contra a corrente,
Lutando tanto e sempre inutilmente,
Arcando com meus erros. O descanso
Eterno, placidez de algum remanso,
Está em minhas mãos, basta coragem
E assim completarei minha viagem...
21220
Tudo o que vivo respondendo vago
Transforma o vão em quase fui feliz...
E quando algum sorriso ainda trago,
A farsa se descobre e se desdiz.
Da poesia apenas um afago,
Reabre-se e lateja a cicatriz,
Quem dera a mansidão, distante lago,
As contas a pagar, eu já refiz.
As dívidas que a vida acumulou,
A fonte que deveras se secou,
A falta de horizonte, o vento frio...
Revejo cada cena do passado,
E o peito sempre e tanto amargurado
Revela tão somente este vazio...
21221
Nos turbilhões espásticos da vida,
Orgástica ilusão mente e remete
Ao campo onde alegria se promete,
Porém já não concebo uma saída...
Uma alma que prossegue em vão, perdida,
Guardando na algibeira este lembrete
Que a cada novo sonho se intromete
Persiste sem destino, dividida...
A morte em sua ronda me deseja
E sinto o seu bafio, fria fera,
A dor de uma esperança inda lateja,
Mas nada como herança ficará,
Somente o beijo amargo da pantera,
Que sinto em minha boca desde já...
21222
Passo, cantando falsas alegrias
Somente o vento frio me responde,
A vida num disfarce, mal se esconde
Deixando as minhas noites sempre frias.
Pudesse ter nas mãos, alegorias,
Procuro por um cais, mas não sei onde,
Por mais que outro destino, uma alma sonde,
São incessantes tais hemorragias...
E o cérebro procura a solução
Usando da verdade e da razão
Só resta o dissabor de persistir
Lutando inutilmente contra a morte,
Teimando uma esperança, fraco aporte
Somente a treva existe em meu porvir...
21223
Ante o perfil medonho de um poeta
Que tanto desejou e nada teve,
Quimérica ilusão já me reteve,
Distante do que fora; outrora, meta.
Descrevo um turbilhão; a dor me afeta
Bebendo as emoções por onde esteve
Na gélida impressão de inverno e neve,
O ciclo já termina e se completa.
É hora de partir, seguir meu rumo,
Arcar com minhas dívidas não pagas,
E quando falsamente tu me afagas
Até por uns momentos eu me aprumo,
Mas logo chega a sombra da verdade,
E a sensação da morte toma, invade.
21224
Espalhas os clarões pelos espaços
Num ritual fantástico e supremo,
Fatídica tristeza; ainda temo,
Mas sigo da esperança novos passos.
Estéreis alegrias, velhos laços,
Vagando sem paragem, noutro extremo
Futuro em plena aragem, nado e remo
As fozes se formando em teus abraços.
Enquanto no passado, asfixiado,
Agora me permito respirar,
E encontro o meu espelho no luar,
O solo com amor fertilizado,
Na lânguida presença da mulher
Fazendo assim comigo, o que bem quer...
21225
Vasculhando no espaço, buscando o Éter
Aonde possa estar após a vida,
Entrando pela artéria este cateter
Avisa que a missão está cumprida.
Completando os meus dias, nada fiz,
Senão sonhar demais, almejo um canto
Aonde possa ser bem mais feliz,
E desfrutar talvez de algum encanto,
E resignadamente então me calo,
Um cão sempre servil jamais reage,
Por mais que o meu viver se fez ultraje
Futuro enfim. Agrada-me encontrá-lo
E vendo que me resta algum suspiro,
Nos braços desta morte, em paz me atiro...
21226
Das correntezas áureas sigo à foz
Teimando em procurar algum descanso,
Ainda escuto ao longe a mansa voz
Que trama desde sempre esse remanso.
Revendo cada cena, sei de nós,
Porém o teu amor; já não alcanço,
Depois que tu partiste; nada após
Sem ter sequer destino, ainda avanço.
Eflúvios do passado me rondando,
Um sonho que suave, e mesmo brando
Permite que se tenha um lenitivo.
Depois da tempestade, outra procela,
A morte carinhosa se revela,
Por ela tão somente eu sobrevivo...
21227
Apenas um eflúvio, fátuo fogo,
Assim minha esperança se traduz,
Espectro do que fomos; eu me afogo
Qual fora uma falena em frente à luz.
Há tempos desisti do antigo jogo
E sei já conviver com minha cruz,
Talvez um torcedor do Botafogo
Conheça bem a dor e a reproduz
Nos atos, nas palavras, pensamentos,
Arcaico masoquista, nada mais,
Sabendo que a resposta diz jamais
Não quero e nem suporto tais alentos,
São falsas pedrarias tão somente,
Permita então que a dor, em paz, freqüente...
21228
Permita que este sonho em ondas passe
E não deixe sequer qualquer seqüela,
E quando a face escura se revela
A vida nos prepara o mesmo impasse,
Olhando com firmeza face a face,
O que virá depois; em frágil tela
Destino traduzindo a velha cela,
Que a sorte me sonegue e não desgrace.
Mas vejo apodrecido o meu futuro,
O carniceiro beijo desamor
Restando algum momento de pavor,
E o céu eternamente sendo escuro,
Antigo pesadelo podre e fétido,
E um mundo que virá nevado e gélido...
21229
Das carnes femininas, meu delírio,
Desejos que talvez não realize,
Se o tempo me permite algum deslize
Talvez não venha apenas tal martírio...
Carrego em minhas mãos, rezas e círio,
Que o céu em novas cores se matize
E o amor que tanto busco aromatize,
Cevando no canteiro, amor e lírio.
Farturas que promessas não cumpriram,
Meus olhos reticentes vão às cegas
Enquanto a fantasia tu renegas,
Palavras turbulentas já se atiram
Não quero ser somente um alvo fixo,
Pesando sobre as costas, crucifixo...
21230
Procuro descobrir delicadezas
Na face que este espelho desfigura,
O tempo cruelmente se afigura
E causa; a cada dia, mais surpresas.
Retinas atraídas como presas
Não cansam de mirar esta moldura
Vazio que me resta assim perdura,
Levando o que sobrou de fartas mesas.
Em meio a tantas rugas, a verdade
Desnuda-se completa e loucamente
Por mais que a mocidade inda freqüente,
Um peixe fora d’água. A realidade
Atraca neste podre ancoradouro,
Viver não é um bem tão duradouro...
21231
Forças originais que nos moviam
Agora se esvaindo pouco a pouco,
O amor embora fátuo; fez-se louco
Enquanto os belos dias se esqueciam,
As forças que em princípio nos moviam,
O grito sem sentido, quase rouco,
E quando tão distante me treslouco
Procuro pelos restos que existiam
Durante um áureo tempo que acabou,
A sombra do que fomos me tomou
E faz da minha vida um simples nada,
Rever a nossa história, mas memória
Impede com certeza esta vitória
A glória numa escória transformada...
21232
Sonoramente mergulhando à toa,
Procuro pelas pérolas que um dia
Jogaste em pleno mar. Minha canoa
Já não resiste mais à maresia,
A vida que em momentos se fez boa,
Transfigurada mata; esta agonia
A cada novo instante mais ressoa,
Formando um ciclo tenso e se procria.
Renovam-se tais trevas, busco o sol,
Que fugidio teima em não sair,
Um helianto louco, um girassol,
A esmo perseguindo a procissão
De estrelas; esperando que o porvir
Possa trazer enfim, transformação...
21233
Luminosamente a manhã surge
E lânguida desfraldas a nudez
Aumenta num instante a tepidez
E o gozo mais voraz, renascendo urge.
Imerso em tais delírios, amanheço,
Singrando os oceanos do prazer,
Maravilhosamente isso é viver,
A sorte acerta enfim, meu endereço.
Na clara expectativa, a vida inteira
Jogada entre as esperas e os senões,
E quando abriste, rindo estes portões
Dos deuses a rainha e mensageira,
Eu percebi que tinha descoberto
Tesouro e ao lado dele, hoje desperto...
21234
Que brilhe então a deusa poesia,
Mudando de estação e sentimentos,
Mantendo em minhas mãos, rosa dos ventos,
O velho timoneiro também queria...
Mas saiba que perdi toda a magia,
Envolto pelas névoas, os lamentos,
Adentram sem temor e vêm aos centos
Naufragam o meu sonho em agonia.
Farturas do passado; hoje de outrem,
Procuro à minha volta, mas ninguém
Responde ao meu clamor, desesperado.
E assim seguindo o barco, vou perplexo,
O mundo para mim não tem mais nexo,
O sonho que dourei, amortalhado...
21235
Os seios de belíssimo alabastro,
Ebúrnea maravilha aqui desnuda,
Vasculho nos espaços e cada astro
Guiando o meu olhar, sempre me ajuda,
Um barco que perdera; outrora o mastro,
A vida com certeza tão miúda,
O amor curando assim, com força e lastro
A dor que latejara; fina e aguda,
Não posso me calar. Durante a vida
Um mero marinheiro sem paragem,
E quando fiz a ti uma abordagem,
Julgando minha história já perdida,
Surpresas que encontrei em plena areia,
Agora; adormecida esta sereia...
21236
Fecunde e inflame a terra com perícia
Fecunde e inflame a terra com perícia
Terás tua colheita eu te garanto,
Assim também o amor, rara delícia
Cobre-nos divino com seu manto,
E quando ouvir ao longe uma notícia
De alguém imerso em dor, terrível pranto,
Fazendo da amizade uma carícia
O mundo bem melhor sem medo e espanto...
Assim agindo então serás cristão,
E crendo neste Deus, eterno amigo,
A quem te ofende apenas o perdão,
Ao frágil companheiro um bom abrigo,
E quando enfim agires, a oração
Irá feita com fé, sempre contigo...
21237
A rima clara e ardente que ora busco
Talvez trague um sorriso ou mesmo a dor,
O vento em tempestade sendo brusco,
Por vezes é assim, transformador.
Enquanto o céu que vejo estiver fusco,
O medo matará qualquer amor,
E mesmo se em meu verso; o gozo ofusco,
Impeço algum alívio ao sofredor.
Mascaro meu destino com um riso
Sarcástico, talvez; mas mesmo assim,
Lutando contra o medo sem ter fim,
A poesia manda o seu aviso
E a rima que procuro? Não mais vejo,
Apenas enganoso o meu desejo...
21238
Que o pólen da paixão toque teus ombros,
E deixe-se levar pela imprudência,
A vida renascendo dos escombros
O amor não será mera coincidência...
Sombrios os momentos que passaste,
Soturnas as palavras que disseste,
Sem ter como apoiar, sem nenhuma haste;
Infectas emoções tramando a peste.
Mas quando fecundada pelo sonho,
O dia nascerá bem mais suave,
Rompendo desde agora a antiga trave,
Um novo tempo é tudo o que proponho,
Sentir o bafejar de uma esperança,
Fazendo com o amor, sacra aliança...
21239
Poder seguir somente os finos astros,
Mudando a direção do pensamento,
Deixando para trás qualquer tormento,
Dos sonhos; renovar velhos cadastros,
Mantendo com firmeza assim os mastros,
O barco enfrentará terrível vento,
Negar tão simplesmente o sofrimento,
Não serve e não trará sequer os lastros
Que são tão necessários para nós,
Viver cada momento intensamente,
Por mais que a dor e o medo te freqüente
Não creia que isto seja algo feroz,
Após o duro inverno, esta quimera,
Florescerá decerto a primavera...
21240
Tocando a alma do verso, meu abrigo,
Tocando a alma do verso, meu abrigo,
Esqueço os dissabores, sigo em frente,
Mergulho noutro espaço, mais amigo,
E um raro amanhecer a alma pressente.
Durante muitos anos, aqui comigo
Apenas solidão; frágil demente,
Agora com certeza já nem ligo,
O medo não vê casa onde freqüente.
Sabendo que o amor tanto constrói,
E o crescimento às vezes muito dói,
Permita-me Senhor que seja assim.
Abrindo o coração, não temo nada,
E faço do meu verso a minha estrada
Chegando ao Teu altar; início e fim...
21241
Saudoso de outros tempos mais felizes
Eu tento adormecer, mas não consigo,
São fundas, gigantescas cicatrizes,
Saudade faz do peito o seu abrigo,
Mergulho no passado, e seus matizes
Ainda estão por perto e vão comigo
Bem sei que cometi tantos deslizes,
O amor que já se foi; louco, eu persigo.
Ouvindo a tua voz a todo instante
Não tenho um só segundo de descanso,
Procuro novo amor, mas não alcanço,
A sorte se perdeu. Fora brilhante,
Agora num segundo tudo esvai,
O que fazer de mim? Diga-me Pai...
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