Nada tem valor
nesta vida
se não tivermos
o Amor
no coração...
(ivi)
Se o amor é mola mestra desta vida,
O velho timoneiro nas tempestas,
Das emoções diversas que tu gestas
A que propulsiona tua lida,
A estrada entre espinheiros é cumprida
Raríssimos sorrisos, guizos, festas.
As curvas tão freqüentes e funestas,
Batalha costumeira a ser vencida...
São tantas decepções, tantos senões,
Mas saiba, vale a pena este caminho.
Envolta pelas trevas, nos porões
Algum fio de luz vencendo a noite
Chegará de surpresa, de mansinho
Curando as vergastadas deste açoite.
002
Sorrindo mesmo quando a dor chegar,
Liberto coração não teme nada.
Sequer a tempestade em pleno mar,
Aguarda a calmaria na chegada.
A primavera, um dia há de voltar,
Jamais acreditar na derrocada,
Possível, certamente navegar
Após a noite escura, uma alvorada...
Os riscos costumeiros da viagem,
No peito semeando tal coragem
Voragens e procelas? Não temer...
Assim, feito esperança interminável,
O mundo será sempre mais saudável,
Com força pra lutar e pra viver...
003
Guardo uma canção na alma
decantando o tempo,
carregando as pedras da vida
construídas na saudade
que você deixou...
Em meu corpo
fragmentos brotam
entre um vale e outro,
deixando marcas
de um passado
respingado de vida,
soprando os sonhos
de um amor que surgia
na veia da ternura,
inebriado de encanto...
Quantos planos...
Quantas promessas...
Tuas asas pareciam
réstias de sol,
tuas páginas de vida
eram o livro onde
escreveríamos o nosso amor...
Minha fome de poesia
seria a ceia do pão
e o linho dos lençóis...
As palavras tingiram
o céu, e sobre a folha
de teu corpo meus desejos
jorraram versos de amor...
O belo assustou o que
não foi dito e tudo se
deteriorou nas reticências...
Chove agora lá fora e a água se
mistura ao meu pranto,
ao gozo final de um
amor em seu último suspiro...
Por que essa saudade de você
não vai embora?
Por que teima em fazer
morada em meu coração?
Meus versos vagam pela noite,
caíram palavras pelo caminho
e voo sozinha o espaço que
me resta...
Perdi o rumo
do teu coração...
E não suporto tanta saudade!
Dedete
Saudades das belezas das Gerais,
O Rio Carangola, a queda d’água
Crianças entre velhos mangueirais,
Meu sonho em Muriaé logo deságua.
E volto num momento a ser criança
Sonhando com teus sonhos; ilusão...
Se Minas inda mora na lembrança
Ficou pelo caminho o coração...
O tempo traz as mesmas armadilhas,
A vida determina outras paragens
O Rio vai lambendo as suas ilhas
Prepara outra emoção, novas viagens...
Mas sempre restará felicidade
Em forma de lembrança, de saudade..
004
Quando esperei saudade encontrei riso.
Quando procurei vida, achei distância...
Quando quis a vontade, eis inconstância!
Nas vezes em que louco; fui preciso...
Quando só busquei guerra, paraíso...
Se quis maturidade, tive infância.
Nesse mar que sonhei, só sei estância...
Quanto mais me escondia; mais aviso.
A saudade brincando foi criança,
Na mortalha infinita do teu canto.
Quem sempre procurava, não avança.
Nos meus sonhos serranos, precipícios;
No que quis ser vadio, resta o pranto;
De teu amor nada resta, nem resquícios!
005
Juventude perdida como dói,
Maltrata cada dia sem ter pena,
A distância cruel de longe acena
E a memória sedenta, se corrói...
Fui feliz não sabia e se destrói
O sentimento. Busco a velha cena
Procuro te encontrar, mas a safena
Implantada no peito, como sói
Acontecer, remete ao velho enfarte,
Medo sutil da morte me apavora...
Tentando ser feliz viro descarte
Mas quem me espera cínico catarro,
Que por mais que eu fugisse disso agora;
A velhice emergente tira um sarro...
006
Meu Senhor Me perdoe se não posso
Ter minhas mãos tão limpas quanto quero.
Perdi meu tempo. Busco amor sincero;
Muitas vezes, percebo, quase roço,
Outras tantas procuro pelo Vosso
Amor, mas não prossigo. Sei tão fero
Quem me propôs viver, quem dera vero
Sentimento que nunca mais endosso...
Nos meus caminhos, tortos e sem nexo,
Busco as mudas gentis dos sentimentos.
Tantas noites, amor dizia sexo...
Agora mais cansado, nada busco.
Eu nem sei de torturas, nem lamentos...
Só sei que na luz, teimo ser tão fusco...
007
Pernoita o olhar no silêncio da tua falta
É pálida a madrugada no meu espelho
Busco ainda estrelas no olhar, tosco desespero.
A névoa dos cinzentos desencantos é densa
O vazio renitente da solidão embaça a visão numa espera
Imprime imperativo o desejo... Sem trégua.
Vislumbro na noite a porta entreaberta do sonho
Nela... Meus olhos ainda te encontram.
Karinna
Ouvindo um velho blues, a noite escorre
Saudades de quem foi e não voltou,
Eu bebo mais um copo, e um novo porre
A foto na parede é o que restou...
O quarto esfumaçado denuncia
O câncer se aproxima lentamente,
A história se repete a cada dia
O sonho, ledo sonho volta e mente...
Quem sabe noutra vida, noutro espaço
O mundo já me basta, e no cansaço
Eu faço outro soneto, outra mentira.
E a Terra sem sentir nenhuma pena,
Reflete em meu espelho a velha cena,
E indiferente a tudo, segue e gira...
008
Vem aqui,
que eu
pertenço a ti,
somente a ti...
(ivi)
“Eu não existo sem você”, querida
A vida não teria algum sentido
Estrada sem destino, vã, perdida,
O velho coração já consumido
Pelos erros na ausência da esperança
Bebendo a tempestade de um vazio
Enquanto a morte chega, a noite avança
A vida tão somente por um fio...
Sem ter a sua boca junto à minha
Sem ter os risos seus, sua alegria
O frio de um inverno se avizinha
E morre sem sentido, a poesia.
Querendo o seu querer, ser de você
É tudo o que minha alma, tola, crê...
009
Ainda restam
na minha lembrança
tuas palavras,
a Poesia,
onde floresceu
nosso Amor...
(ivi)
A liberdade mora em plena dor
E nela se refaz a cada verso,
Viver cada momento este universo
Marcado por espinhos, bela flor.
A história se repete, e como for,
Eu sigo mesmo ausente até disperso,
Nos braços de quem amo, vou imerso,
Vibrando as velhas cordas de um amor.
Não posso mais calar, nem mesmo quero,
Mesmo no sofrimento, ser sincero
Bailando sobre os restos da esperança;
Mergulho no vazio de teus olhos,
Estrelas, as recolho e dos abrolhos
Semeio o meu jardim feito criança...
010
E me banho
nestas fontes
de águas cristalinas
relembrando nossas
carícias, nossa paixão,
nosso Amor...
(ivi)
Mergulho nestas águas cristalinas
Banhando-me dos sonhos mais felizes
Estrelas vão vagando, meretrizes
Mil luas observando tão ladinas...
A ninfa se desnuda e me irradia
Matizes tão diversos e brilhantes
Cometas sem destino, galopantes
Transformam negra noite em claro dia.
Satélite de ti, entorpecido,
Hipnotizado, calo-me e navego
A um mundo até então desconhecido,
E a toda esta beleza; enfim me entrego
Perdendo o que me resta de juízo,
Tocando com as mãos, o Paraíso...
011
O amor traz as surpresas mais felizes,
Dos beijos aos carinhos sem pudores,
Estrelas derramadas, multicores,
Dos sonhos, dois eternos aprendizes.
Do encanto que me falas que me dizes,
Eu bebo a fantasia dos licores
E vivo intensamente tais amores
Sem medo dos engodos e deslizes....
Procuro desvendar cada segredo,
Mergulho sem defesas, vou sem medo
E teimo em te querer aqui do lado,
Amar é conceber céus tão diversos,
E canto com prazer nestes meus versos
De um jeito mais gostoso, mais safado...
012
Aguardo esta resposta que não vem
E espero simplesmente, nada mais.
O quanto que desejo diz ninguém
No fundo não seria assim demais.
O quase se prepara para aquém
Os dias se repetem, sempre iguais,
O que não deveria segue além,
Os risos não seriam tão boçais...
Mascaro o sofrimento com sorrisos,
Irônicos os versos, meus poemas,
Repetem na verdade velhos temas,
Os passos são deveras imprecisos.
Agora que se fez outra manhã
A vida se mostrou de novo, vã.
013
Tu tens tanta magia em teus quadris
Que assim tu me conquistas num segundo,
Contigo, com certeza sou feliz,
De cores e de luzes, eu me inundo...
Outrora sem destino, vagabundo,
Desde que te encontrei, eu peço bis,
Nas tramas do desejo me aprofundo,
E tudo o que fazemos não desdiz
A força inesgotável da paixão
Que doma sem vacilo, o coração
Fomenta a fantasia de quem ama.
Os deuses estão vendo quanto amor
Invade nossa cama sem temor,
Mantendo eternamente a viva chama..
014
A resposta pode ser qu'inda demore,
porque não decidi qual vou te dar.
Espera, por favor, ah, vai, não chore,
contempla a luz clara do luar.
Sorri enquanto escreves teu poema,
que fala de um amor mal resolvido.
Embora repetindo o mesmo tema,
o verso é sempre bem construído.
A vida se renova a cada instante,
quem sabe amanhã sou tua amante.
HLUNA
Tu sabes muito bem que isto é meu sonho,
Estar bem junto a ti, ser teu amante.
Por isso, a cada verso eu te proponho
Um novo amanhecer mais deslumbrante.
Cansado de ficar só e tristonho,
Encontro finalmente este diamante,
Que faz o mundo ser bem mais risonho,
Teu corpo sensual e provocante...
A lua nos bendiga e santifique
O amor que nos foi dado por um Deus
Que ouvindo estes lamentos, todos meus
Implora que esta deusa agora fique
E seja a companheira de meus dias,
Sorvendo cada raio que irradias...
015
Olá Marcos Loures,
é uma honra um halo de luz
que se evidencia de mil cores
teres aceitado a amizade que seduz
tratas dos corpos pela ciência
da alma utilizas versos poesia
trazes da amizade a consciência
que nos alimentamos de maresia
que frutifique aqui a tua humanidade
homens e mulheres luso descendentes
é na raiz donde emana a nossa sanidade
que o mundo gira em nós tão evidentes
João Raimundo
Amigo eu te agradeço esta fineza
Composta em belos versos e garanto
Que embevecido estou pela beleza
Inigualável, rara do teu canto.
A vida nos prepara tal surpresa
Usando a poesia como manto,
E quando vejo em ti tal gentileza,
Mantenho mais distante a dor e o pranto.
Sou Loures e isso herdei de Portugal,
Nas veias corre o sangue tropical
Porém minha alma está nas lusas praias
Das lágrimas que salgam vasto mar
Também eu pude outrora derramar
Até chegar um dia, em terras maias...
016
Que este amor enviado pelos deuses,
Supere todos as amarguras
E ao passar dos meses,
O amor, esteja nas alturas.
Orquídea azul
Amar além de todas as fronteiras
Eternidade feita em mil carinhos,
As horas do teu lado, derradeiras,
Bebendo em nossas bocas raros vinhos...
Vontades tão frequentes, costumeiras
Fazendo dos espaços nossos ninhos,
Hasteio em nossos Céus verdes bandeiras
São feitos de esperança estes caminhos...
Sem medo de sofrer, sem amargura,
O mesmo sentimento que nos cura
Num único momento me inebria.
Escuto da janela a voz do vento
E envolto no calor do sentimento,
Encontro nos teus passos, poesia...
017
E vivo,
assim,
eternamente,
pra te Amar...
(ivi)
Vivendo por amar quem não me quer
Sonhando com abraços impossíveis,
Dois corpos num só ser, indivisíveis
Poder te conceber minha mulher.
Sentir tua presença, ser teu par
Vencer os desafios desta vida,
E a história de nós dois; assim cumprida,
Sem nada que me impeça de sonhar...
Porém a manhã chega e este vazio,
Invés de teu calor, somente o frio
E este desejo insano de morrer...
Pudesse ser feliz por um momento,
Quem sabe assim, talvez o sofrimento
Fingisse pelo menos me esquecer...
018
Fazer deste lugar o Paraíso,
Estarmos abraçados, praia e lua,
A deusa dos meus sonhos, bela e nua
Deixando um velho tolo sem juízo...
Teu corpo delicado e mais preciso,
A festa dos anseios continua
Dionísio em seu festejo assim atua
E louco de vontades, teimo e biso...
De todos os lugares, o melhor,
De todos os encantos, o mais forte,
Sem nada que me impeça, sei de cor
O que fazer na noite do meu bem,
Enquanto a fantasia mansa vem,
Bendigo a toda instante a minha sorte!
019
Meu querido, não tenho ciúmes, tu podes ter mil amores.
Só não se esqueça dos meus belos minutos contigo no além.
Dos teus mergulhos em êxtase dentro das minhas flores.
E do meu contentamento por possuir o amor de alguém.
Vejo-te desnudando e este teu olhar que consegues ler,
Desvendando com teu corpo, o meu jeito abocanhador.
E todas as palavras que somente meu corpo sabe dizer.
Fusão de desejos, onde tu entendes o sangrar do amor.
Só preciso que me traga energia e renove toda minha emoção
Vem paixão da minha vida, bombeie amor para o meu coração.
Eu te quero e é tão puro este amor, que te peço até em oração.
Lembres sempre do meu afeto, não me deixe esquecida.
A tua chegada faz-me tão feliz, divinamente enriquecida.
É um renascimento para matar esta saudade tão dolorida.
Grácia Kátia
O amor quando demais gera sangrias
Incontroláveis sonhos, gozos fartos,
Misturando tristezas e alegrias
Abortos de emoções, divinos partos...
Desejos se confundem e se tocam,
Prenúncios de delírios e torturas
E quando os sentimentos já se trocam
Os méis geram prazeres e amarguras...
Amar além de tudo é ser divino,
Eternizando a força de um menino
Que um dia quis voar e não sabia...
Não tema, pois o amor, se ele te encharca,
Enfrentando o oceano em frágil barca,
Sem poder controlar a hemorragia...
020
- POR VOCÊ
Preparo as arapucas, armadilhas
São tantas artimanhas em que me meto,
As dores vão ladrando, são matilhas
E os erros, sempre os mesmos que cometo.
E quando no vazio eu me arremeto,
Distante da alegria tantas milhas
Escondo o sentimento em algum gueto,
Contrária direção por onde trilhas...
Vieste, mas não viste os olhos meus,
Apenas escutaste cada adeus,
Não tiveste o trabalho de buscar
Sequer a minha sombra pelas ruas.
E olhando para além tu continuas
Só resta-me esconder sob o luar...
021
E quando o cair da tarde se vislumbrar,
Um novo anoitecer se fará,
E a lua com seus encantos,
Vai meu amor me mostrar,
Para nos meus olhos, o brilho voltar...
ORQUÍDEA AZUL
A lua refletindo em tua pele
Prateia este sorriso divinal,
E a louca fantasia me compele
Ternura num delírio sensual...
O corpo desta sílfide perfeita
Deleite para os olhos de quem ama,
E enquanto a lua ao longe enfim se deita
O sol que me irradias vem e chama
Deitando junto a ti, praia deserta,
O vento sussurrando mil promessas
A natureza aos poucos já desperta
Sedenta, mil carícias recomeças...
Quem dera fosse assim, sonho divino,
E ausente de teus braços, me alucino...
022
Bicho preguiça quero só teu colo,
Deitado no remanso, curva do rio...
Conhecer teu amor, de pólo a pólo...
Deixar meu coração bater vadio...
Quando estirada estás, no mesmo solo,
Vagabundo procuro, quero o fio
Que me possa prender, dentes amolo
Pronto para morder, quero teu cio...
A pantera cruel, de firmes garras,
Cravando no meu peito, as suas presas.
Nas suas serenatas, as guitarras
Deliciosamente dissonantes,
Refletem teu gemido. Vão acesas
As luzes que refletes ofuscantes...
023
Tua beleza, crime sem castigo,
Me fascina qual fora meu pecado;
Quero viver somente do teu lado
Um mundo mais tranqüilo, em paz e amigo
Distante deste sonho, enfim prossigo
Cada momento a mais, desesperado,
Esperando poder ter encontrado,
Em plena tempestade, o meu abrigo.
Na tua fuga, busco por meus olhos;
Em vão, pois os carregas, tento ver
Mas nada enxergarei. Qual andarilho
Vagando entre desertos, nos abrolhos
Que a vida semeou, vou sem prazer
Perdido, sem destino, senda ou trilho...
024
A rua está suave o vento finge
O tempo está sombrio sem o sol
Apenas no disfarce do arrebol
Para acalmar a noite como esfinge
Com rosto de mulher corpo gigante
Deitada no umbral dos sonhadores
Velando na calada o modo amante
Das horas que mitigam os amores
Carente da palavra que revela
A alma já cansada pede abrigo
O sonho desprovido a ti se anela
Decanta mente e sonho desprovidos
Das noites em calmaria eu pré/sigo
Dos sonhos resguardados e perdidos
sogueira
Perseguindo as pegadas que tu deixas
Enquanto caminhaste pelas ruas,
O velho sentimento mata as queixas
E deusa dos meus sonhos, tu flutuas.
Enredo-me em teus braços, liberdade,
No afã de ser feliz, bem que podia
Trazer para o mundo a claridade
Que maravilhas fartas, irradia
O canto que me enleva e me consola,
O risco que corremos, sem temores,
E o pensamento voa, assim decola,
Semeia pelo espaço, luzes, flores.
E tu que és primavera; doura o sol,
E entornas teus encantos no arrebol...
025
Fazendo da esperança a minha luta,
Usando de metáforas diversas,
As noites solitárias, vãs, dispersas,
Fugindo desta ausência, audaz e bruta.
Nem mesmo a voz do vento, a noite escuta,
E enquanto noutros cantos sonhas, versas
As velhas fantasias vão imersas
Ao renascer o dia, nova labuta.
Credenciando a gente para a morte,
A vida, companheira e má consorte,
Armando as arapucas e tocaias.
Alheio a teus encantos, durmo só,
Refaço-me do medo, e volto ao pó
Morrendo em novas ondas, outras praias...
026
Lembrando das canções do meu passado,
Ouvindo a tua voz suave e mansa,
Saudade, sem perguntas já me alcança
E sinto-te presente lado a lado,
O velho pensamento, solto, alado,
Resiste a qualquer forma de mudança.
Por mais que tão comprida, a minha andança
De ti, o meu viver segue habitado.
Resisto a qualquer nova fantasia,
São tolas ilusões e nada mais...
O barco que se atraca em firme cais
Acostumou-se à velha calmaria
E resta calmamente neste porto,
Futuro? Há tanto tempo, inútil, morto...
027
Perfil
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- AONDE ANDA VOCÊ?
Trazendo nos meus olhos tal imagem,
O rosto do passado ainda brilha,
O que julgara outrora maravilha,
Agora se apresenta qual miragem.
A vida pra quem sonha? Uma bobagem,
Minha alma sem destino, uma andarilha,
A cada nova esquina, outra armadilha,
Fazendo do vazio, um deus e pajem...
Aragens tão diversas das que quis,
Outrora inda podia ser feliz,
Agora vago tolo pelas ruas...
Esqueço do que fomos nada além
De uma estação vazia, perco o trem
E noutras nuvens, nua, tu flutuas....
028
Perceba quanto é bom poder sonhar,
Vagar pelas estrelas, no infinito,
Lançando bem distante um forte grito,
Aprendo num segundo a navegar...
Montanhas no horizonte, no além mar,
O quanto desejei, foi tão bonito,
Porém o meu futuro estava escrito
Nas curvas que aprendi a contornar...
Chegando de mansinho, a morte ri,
Aos poucos a percebo bem aqui,
Beijando a minha boca mansamente...
Quem dera se Inda houvesse alguma chance,
A esperança fugiu de meu alcance,
A vida vai rompendo esta corrente...
029
Angústia e podridão, vermes rodeiam
O corpo decomposto, exposto e vão
As nuvens se aproximam e campeiam
As rapineiras aves vêem ao chão
Farejam desde já minha carcaça,
O fim se aproximando inexorável,
Quem fora caçadora, agora é caça.
O mar jamais seria navegável...
E, incrível que pareça me apascento.
Depois da tempestade, uma bonança.
Distante de cumprir qualquer intento,
O frio interminável já me alcança.
E a boca, desdentada, vã, canalha,
Em meio a tal cenário ri, gargalha...
030
Mal pude disfarçar meu desencanto
Ao ver tua chegada, após a chuva
O amor que antes julgara com encanto,
Não cabe mais nos sonhos, frágil luva.
E quando tu partiste até pensei
Que nada mais teria em minha vida,
O sofrimento vivo, norma e lei,
Toda esperança ausente, já perdida.
Porém esta carcaça que hoje resta
Apenas arremedo, garatuja
Somente a realidade assim atesta
Que a carne é sempre fátua, podre e suja...
Foi bom ter te encontrado; espelho amigo,
Envelhecendo enfim, morro contigo...
031
Tua presença bela e sedutora
Convites sensuais, doce loucura,
A provocante sílfide decora
A cama com cetins e seda pura,
Os lábios da tigresa, suas garras,
O fogo nos seus olhos, a magia,
E enquanto com as pernas tu me agarras,
A noite se promete mais vadia...
Um cálice de vinho, um bom licor,
Suave transparência, seminua,
Nas hordas divinais, o raro amor,
Deitados sob a luz da deusa lua
Que embevecida, beija e te prateia,
Derrama sobre nós a clara teia...
032
Por amor
entreguei-me a teus desejos
alcancei caprichos
cobri de beijos
o mais ardente amor
dei asas à imaginação
seduzi os teus apelos
sem moderação...
Por amor
cheguei faminta a
teus abraços
invadi teus pensamentos, espaços
abri as portas de teu coração
embriaguei-me na clausura
de ser perfeita candura
amai-te com sede de mulher...
Por amor
ofertei-te o paraíso
perdi o meu juízo
mudei a rota do destino, este pobre sonhador
perfumei a pele de teu corpo
guerreei na paz de tuas mãos
e na overdose de tua boca
saboreei a mais perfeita emoção...
Dedete
Ao encontrar-te o amor se fez inteiro,
Sem medos e pudores, sem rancor.
E envolto nos teus braços, com ardor,
Eu mergulhei num mar mais verdadeiro,
Sentindo a tua pele, gosto e cheiro,
Ardendo no teu fogo, em teu calor,
Sorvendo de teu gozo, este sabor
Nas ânsias deste encanto, este braseiro...
Na mágica presença sem igual,
A noite se fazendo magistral,
Um sensual caminho a percorrer.
Poder te amar sem ter limite ou fim,
Cevando com mil flores o jardim
033
Castelos construídos de um desdém,
Vazia madrugada, noite fria.
Vagando solitário, sem ninguém,
Minha alma vai morrendo, assim, vazia.
Quem teve nesta vida um doce bem,
E um dia se banhou em alegria,
Percebe como é triste ser alguém
Que morre, pouco a pouco, todo dia...
Perguntas: - Por que choras meu amigo?
As horas vão passando cruelmente,
Somente no meu peito, uma tristeza
E um sonho em que buscando um novo abrigo
Perdido em solidão, vou tolamente
Beber da seca fonte da incerteza...
034
Percebo em teu sorriso a falsidade
Que tanta vez encanta, mas destrói,
O amor quando demais, tudo corrói,
Permita-se viver à saciedade...
Não pude conviver com claridade,
O brilho nos meus olhos cega e dói,
Se os castelos na areia amor constrói,
O que me bastaria: lealdade...
Mas nada do que tive ainda resta,
A noite solitária e vã, funesta
Retrata o que sobrou de tantos anos...
A marca da pantera em minha pele,
Ao velho precipício, a luz compele,
Matando totalmente sonhos, planos...
035
Passos sujos de sangue nas calçadas,
Olhares tão vazios, vida à toa,
Ouvindo estes clarins nas alvoradas
O pensamento ao longe ainda ecoa...
E as mãos sem esperança decepadas,
O naufragar sem bóia da canoa,
Antigas esperanças derramadas.
A vida que eu julgara, outrora, boa
Mergulho numa insana correnteza,
Não tive e não terei força e destreza
Apenas caminhando contra o vento.
Sentindo o fogo ardendo nos caminhos,
Os dias que terei sempre sozinhos,
Matando pouco a pouco o sentimento...
036
E a noite
se alonga
até
eu te encontrar...
(ivi)
As horas vão passando lentamente,
Ponteiros do relógio torturando,
Há tempos que eu estou te procurando
Virás ao fim da noite, finalmente...
O tempo me contempla cruelmente
Pergunto desde sempre, como e quando
O dia nascerá suave e brando.
Porém a realidade chega e mente
Outra noite vazia, sem ninguém,
Apenas este frio que ora vem
Dizer que é tudo inútil, tudo vão...
Porque não poderia ser feliz?
Minha alma como velha meretriz
Ilude novamente o coração.
037
Se às vezes eu me iludo é por querer
Pensar na solução que nunca veio,
E tanto te desejo, quanto anseio
Em meio a desafios, percorrer
Os mares do sonhar e do prazer,
Olhando para a vida sem receio,
Desabaladamente, perco o freio,
Nem mesmo a realidade irá conter...
Mas quando tudo acaba e nada tenho,
Fechando novamente o amargo cenho,
Percebo quão inútil, fútil vida...
E ouvindo novamente a consciência
Eu perco finalmente a paciência
E dou minha batalha por perdida...
038
Um velho dinossauro em extinção
Que luta pelo arcaico classicismo,
A poesia é feita do cinismo,
Sem rumo, sem destino e direção.
O verso que hoje faço, sei que é vão,
Eu vejo o precipício e em tal abismo,
Vagando tolamente ainda cismo,
O soneto morreu de inanição...
Acaso poderia ainda crer
Nos velhos mandamentos, leis e normas,
Se tudo o que tu lês, logo deformas
Fazendo a poesia ao bel prazer.
Perdoe este animal agora extinto,
Esta realidade é o que ora sinto...
039
- NEGO
Fecho meus olhos,
vagarosamente...
Te vejo,
chegando a mim...
(ivi)
Apenas a fumaça do cigarro
Envolvendo os meus olhos sonhadores,
E quando da ilusão eu me desgarro
Procuro pela luz de outros albores.
As marcas do que fomos logo varro,
E teimo em meu jardim sonhar com flores,
A velha sutileza de um escarro
O tempo ressuscita antigas dores.
Quase que consegui fugir, mas morro,
A solidão em forma de socorro
Alia-se aos fantasmas que carrego.
Da vida, a melhor parte foi contigo,
Encontro nos escombros meu abrigo,
E teimando em viver, inda te nego...
040
Eram teus rios/
Em corredeiras das mãos/
Corpo e alma, conjunção./
Eram afluentes/
Em esverdeados olhares/
Minérios gravitavam espetaculares./
Eram teus líquidos/
Entre tua rigidez/
E a minha maciez./
Toques de eterno fluíam/
E incontidos liquefeitos/
Os versos na derme/
Represados em reversos/
Transmutaram-se dolentes/
Invadiram-me contentes./
Instante mutante, sinto-te aqui/
Como um mar jade passional/
Espumas de nós, carícias de sal. /
Karinna*/
Entranham-me teus mares azulados,
Salgando cada parte de minha alma,
Os sonhos tantas vezes mareados,
O vento toca a praia e já me acalma...
Mutantes sensações, frio e calor,
Dourando a minha pele o sol imenso,
Irradiando sobre nós, profano amor
Gigante como mar, profundo, imenso.
Tocado pela espuma, mansa areia,
Desnuda-se divina criatura,
A voz inebriante da sereia,
Imagem de delírios, de loucura...
Tomado por total sensualidade,
Do amor bebo a fatal felicidade...
041
Nosso Amor
sempre foi assim,
tu distante de mim
eu te amando
e me enganando,
cada vez mais...
(ivi)
Amar mesmo à distância, tramas tantas
Desígnios, descaminhos, vários mares
Ao mesmo quando tocas cedo encantas,
Espalhas por meus céus teus constelares.
Sidéreas maravilhas, me agigantas
Tornando os meus prazeres teus altares,
Avanças pela noite, nobres mantas
Perfeitas fantasias, mesas, bares...
E inebriadamente assim me entrego,
Por belos oceanos que navego,
Algozes esperanças são as guias
Que trago no meu peito escancarado,
E o quanto estou por ti, apaixonado,
Traduzem as mais simples poesias...
042
Que da palavra semeia amizade
Deixando em cada frase emoção
Rubrica como selo em qualidade
Sonetos que ponteia o coração
Os dias vão passando a vida encurta
Sem medo vou descendo na ladeira
As horas não trafegam com pergunta
Seguindo vão cortando a ribanceira
Até onde a caneta encontra espaço
A tinta desenhar notas em punho
Vou junto a ti criando passo a passo
Mesmo que o dia me traga empecilho
Na noite venha o sono em redemoinho
Há sempre um pedacinho pro teu mundo
sogueira
Tu tens este poder que me fascina,
Retiras empecilhos do caminho,
No olhar tão delicado da menina,
Poderes sem igual; neles me aninho
E busco interminável e rara mina,
Distante de teus olhos me definho,
A vida por si só já determina,
Aonde encontrarei repouso e ninho...
No quanto sou feliz em poder crer
Na doce fantasia de viver
Ao lado deste alguém que eu amo tanto...
Vencer as intempéries, ser mais forte,
Usando o sentimento como norte
Calando desde sempre a dor e o pranto...
043
Ouvir a ventania na janela
Estrondos, vários raios, fogo intenso.
O inferno num momento se revela,
E o dia assim transcorre, segue tenso.
O quarto transformado numa cela,
Na fuga, ansiosamente, teimo e penso,
Nas cores tão sombrias desta tela,
O abismo, precipício, enorme, imenso...
Assim, na tempestade de meus dias,
Distante de teus braços, sigo só,
Terríveis temporais e as agonias
Reduzem a esperança à simples pó.
Ouvindo da janela, a ventania,
Cenário que este amor nos propicia...
044
Às vezes sei que peco por excesso,
Ultrapasso as medidas, vou ao fundo.
E quando sei que errei, eu recomeço,
Girando o tempo inteiro, o velho mundo.
Aos poucos, vou fazendo algum progresso,
No quase o coração, é vagabundo.
Pois aprender é sempre um bom progresso,
E quando me interessa, eu me aprofundo,
Mas chega de conversa e venha aqui
Que todos os hormônios vão à tona,
Lembrar de cada beijo que te dei
É como renascer. Voltar a ti,
Tristeza, velha amiga me abandona,
E volto, num segundo a ser um rei...
045
O teu cadáver beijo com brandura,
Afasto então as moscas carpideiras,
As honras usuais e costumeiras,
A campa que te espera é fria e dura.
Depois de tantos anos de procura,
Das esperanças fiz tolas bandeiras,
As horas escorregam, vão ligeiras,
O amor? Não posso crer que exista cura.
Abraço mansamente o corpo inerte,
Bem antes que a verdade me desperte
Eu sonho com momentos que não tive.
Daqui a poucos dias, nada resta
Senão a podridão crua e funesta,
A morta, mesmo assim ainda vive...
046
Teimando em ser feliz, não poderia
Seguir outro caminho que não esse,
Sem ter dentro de mim, a alegoria
Que ao tempo queima e já floresce.
Receba cada flor, olvide o espinho,
Se nada do que temos valerá,
O quanto é necessário, de mansinho
Viver eternidade desde já.
Legado que carrego junto a mim,
Um tesouro forjado pela dor,
Haveria, talvez outro jardim
Porém monotonia furta a cor,
E gera este vazio inalcançável,
No temerário sonho, indecifrável...
047
Poder morrer de amor e renascer
Nos braços de quem foi e não voltou,
Na doce sensação deste poder,
O quanto de coragem me restou.
Afasto-me deveras do meu ser,
Já nem pergunto mais sequer quem sou,
Apenas noutra vida quero crer,
Florindo o que deveras não granou.
Vieste num momento sem igual,
Tomando a minha Vida plenamente,
Assolaste o meu peito, vendaval,
Porém logo partiste, sem demora.
Se eu vivo, é por que sinto, de repente,
Que a morte chegará a qualquer hora...
048
Ver no retrovisor a tua imagem,
Distante, porém forte e dominante,
Tentando prosseguir minha viagem,
Perdendo a direção a cada instante.
Disperso, penso ser uma miragem,
Que segue este cansado viajante,
Abrir minha janela, nova aragem,
Porém esta atmosfera é sufocante...
Escravizado, teimo na esperança
De poder romper logo tais correntes,
E quando esta visão chega e me alcança
Eu teimo em disfarçar, mas não consigo,
Os olhos seguem vagos quais dementes,
E a dura caminhada, enfim. Prossigo...
049
Jamais eu poderia imaginar
Tua nudez exposta em minha cama,
Há tempos que tentava te encontrar;
Mantendo sempre acesa a frágil chama...
Alvoroçado, passo a te buscar
Após interminável, longo drama,
Teu corpo sob os raios do luar,
A sede de te ter domina e chama
Imagem desbotada do passado,
Resíduos entre escombros do que fui,
Um verso no universo vaga e flui
O dia amanhecendo iluminado.
Um sonho e nada mais, simples migalha,
Que a voz da lucidez cedo atrapalha...
050
Ahh, que bom
que chegas,
assim me deixo
cair nos teus braços...
(ivi)
Chegaste num momento imprescindível,
Num improvável raio constelar,
Tomando toda a casa devagar,
Teu passo manso, quase inaudível.
Fizeste-me pensar ser invencível
Pousaste em minha vida e neste lar
Que outrora fora amargo e vago bar
Criaste um muro alto, intransponível.
No afã de ser feliz, tantos engodos,
Os erros cometidos, foram todos,
E tudo não passou de um ledo engano.
No frio desta imensa solidão,
Ouvir a tua voz? Um sonho vão,
Amor algoz, carrasco, desumano...
051
Não... Não cairei em seus braços.
Saudades ainda fere meu leito,
Maltrata, arruinando os enlaços
Na dor que tomou o meu peito.
Foste o meu amor primoroso,
E também o mais belo girassol,
E por ti, meu sentir foi fogoso,
Gasturas sentidas no vôo, meu rouxinol.
E hoje, deparo contigo querido.
No banco daquela mesma praça,
Na sombra que guardei teu lugar.
Tristeza é o que tenho sentido,
A letra sem tu não se enlaça,
Quero contigo o amor comungar.
Estela Maris
Querer amar-te além do que é possível,
Sentindo a imensa força de um desejo.
Um mundo sensual e tão incrível
É tudo o que nas cartas eu prevejo.
Ouvir a tua voz, sentir teu cheiro,
O arfar de teu respiro junto ao meu,
O sonho que é de amores mensageiro
Há tanto que este olhar já percorreu
Vencidos os temores e os receios,
Ser teu e não querer mais nada.
Sentindo a maciez dos belos seios,
Raiando do teu lado, esta alvorada
Que é como o anunciar de um novo tempo.
Sem medo. sem rancor, sem contratempo...
052
Depois de tantas curvas no caminho,
Perguntas sem respostas, erros vários
Momentos de prazer são temerários
Uma ave necessita de algum ninho.
Depois de perceber quanto é sozinho
Quem se deixa enganar por adversários,
Por gozos sem sentido, temporários,
O amor sem compaixão e sem carinho.
Nas ruas mais sombrias, caminhei,
Fazendo do prazer a regra e a lei,
Engodos cometidos, todos meus.
Encontro a solução na frágil cruz,
E entrego a minha vida a ti, Jesus,
Obrigado Senhor, meu Pai, meu Deus...
053
“O Pão de cada dia nos dai hoje”
Herdeiros do Teu Céu maravilhoso,
Quem desta realidade, teme ou foge
Jamais conhecerá tal pleno gozo,
Permita-me que eu sirva só a Ti,
Que cada ato traduza o Grande Amor,
Pois plena liberdade eu conheci,
Nos braços deste Eterno Redentor
Aberto aos desvalidos, acolhendo
Aquele que sofrendo, aprende amar
Nos olhos deste irmão reconhecendo
O Pai que nos ensina a perdoar.
Recobra minha vida com ternura,
Minha alma, seja em Ti, liberta e pura.
054
Senhor, os meus pecados pesam tanto,
Eu peço-te perdão, e de joelhos,
Os olhos marejados e vermelhos,
Cobri-me plenamente com Teu manto.
Durante a caminhada, quantas urzes,
Mentiras, falsidades espalhei,
Negando e renegando a Tua lei,
Amaldiçoando enfim as minhas cruzes.
Cordeiro que vieste em salvação
Trazendo para tantos, redenção
Escute o meu lamento, por favor.
Derrame Tuas bênçãos sobre mim,
Florindo de esperança o meu jardim,
Cevando a imensidão do puro amor...
055
Tudo posso Senhor, em Ti, meu Pai,
Pois Tu me fortaleces nas batalhas,
Tu és o meu Pastor; nas minhas falhas
Meu mundo nos Teus braços, jamais cai.
Vencer as tentações que são humanas,
Contando com o apoio do Senhor,
Deixando-me entregar ao grande amor
Na força insuperável que me emanas.
São tantas as fraquezas do meu ser
A pobre criatura criando asas
Pensando ter nas mãos pleno poder,
Entregue aos desvarios do pecado,
Pois entre, então, meu Pai, nas nossas casas
Caminhe, por amor, sempre a meu lado...
056
A chuva desabando no telhado,
Alagamentos vários na cidade.
O tempo totalmente alucinado,
Tempestas muito além da realidade.
Raios, trovões gritando em alto brado,
O medo pouco a pouco, tudo invade,
O mundo que sonhei já destroçado.
Não há na cercania quem não brade
E em meio a tal loucura, perco o rumo,
Os erros e pecados, quando assumo,
Perplexa calmaria toma a cena.
E o Cristo, Pai supremo, Deus e irmão,
Na força inexorável do perdão,
Um claro amanhecer, ao longe acena...
057
Entrego-me Senhor à Tua glória,
A minha vida está nas Tuas mãos,
Contigo conheci plena vitória,
Pois vejo Tua face em meus irmãos...
Mudaste num segundo a minha história,
Hoje sou farto campo, com os grãos
Que Tu já derramaste sem vanglória,
Os dias que passei deveras vãos,
Pensando ser o dono dos meus passos,
Ocupando Senhor, tantos espaços
Com a certeza de ser quase invencível.
Agora que Te aceito dentro em mim,
Percebo finalmente porque vim;
E o Paraíso passa a ser possível...
058
Ao ver florir as árvores que um dia
Plantaste no pomar de nossa casa,
Eu percebi o quanto a fantasia
Pode chegar, mas sempre, sempre atrasa.
Das cores que sonhei primaveris,
Apenas os resíduos dos amores
Fingindo novamente ser feliz,
Cevando dentro em mim antigas dores.
Reflito mais um pouco e nada tendo,
Somente este jardim, sem vida e cor,
Segredos do passado; não desvendo,
Tampouco sei falar se existe amor.
Apenas o florir deste arvoredo
Demonstra que este amor morreu bem cedo...
059
Perambulando, um pária coração,
Sem ter sequer paragem nem abrigo.
Vivendo por viver, sem direção
Desconhecendo o amor de um bom amigo.
Rondando bar em bar, nos lupanares,
Prazeres sem limite, sem pudor;
Na cama das vadias, os altares,
Comprando o que julgara ser amor.
Um velho vagabundo, sem destino,
Gargalha-se entre copos, súcias, putas;
No copo de aguardente eu me alucino,
As mãos na jogatina são astutas.
Porém pelas quebradas da cidade,
Jamais eu conheci felicidade...
060
São tantos os pecados que confesso,
Após as virações, o barco segue,
No amor e no perdão, tento o progresso,
Porém meu coração já não consegue...
Carrego no meu peito, a antiga chaga
Herdada desde o Gênese: o desejo.
Que nem mesmo a verdade plena apaga,
Apenas vislumbrando algum lampejo
De luzes nesta treva em que caminho,
Fazendo do pecado a minha história.
O meu final, decerto, tão sozinho,
A morte então será, última glória;
As bênçãos do Senhor; eu as perdi,
Num mundo que sem paz, eu concebi...
061
Perdoe por saber fazer sonetos,
Eu disso me envergonho, esteja certo.
Queria simplesmente os poemetos,
O meu caminho então seria aberto.
Maldito classicismo me persegue,
A métrica escraviza sem pudores.
Por mais que a consciência tola negue,
Eu mato o meu jardim, estrago as flores.
Talvez algum momento ainda possa,
Fazer sem velhas grades, poesia.
Uma alma libertária se remoça,
Enquanto a minha morre: velharia.
Queria a liberdade nos meus versos,
Teria em minhas mãos mil universos...
062
Na paz do Meu Senhor. Felicidade
Na beleza do sol que me ilumina
Num pássaro a voar, a liberdade,
Galope de um corcel balança a crina
No encanto que nos traz uma saudade
No riso delicado da menina,
No amor que nos transmite a claridade,
No brilho do luar, força divina.
Eu agradeço a Ti cada momento,
A vida que me deste, e mesmo a dor,
Que ensina, pois somente o sofrimento
Liberta o coração do ser humano,
Erguendo a minha prece ao Redentor,
Ao Pai, ao Criador, Meu Soberano...
063
Mantendo o coração aberto à vida,
Não temo tempestades nem procelas,
Rompendo do desejo, grades, celas,
Vencendo os dissabores desta lida.
Certeza da missão sendo cumprida,
As luzes revigoram velhas telas,
Abrindo do meu barco, todas velas
Etapa por etapa a ser vencida.
Contando com a força do Senhor,
Sabendo perdoar quem me magoa,
De peixes abarroto esta canoa
Que é feita na pureza deste Amor,
Sem ter sequer limites ou medidas,
Curando com perdão, velhas feridas...
064
Teu corpo convidando para a festa
Orgásticas loucuras noite afora,
Que a chama dos desejos logo empresta
A quem além de tudo, te ama e adora.
Invado este caminho e em cada fresta
Úmida delícia me devora;
O gozo que profano, sempre atesta
O fogo que nos queima e cedo aflora
Tomando cada poro. Calafrios,
Momentos mais felizes e vadios,
Ternura à flor da pele, e na fornalha
Queimando feito um louco, insensatez,
Entregue à fantasia e cupidez,
Na cama, o fogaréu, toma e se espalha...
065
Por tanto que eu te quis e não sabia
Que o amor tem dessas coisas, falsos brilhos,
Mentiras dominando velhos trilhos,
Negando a claridade, morto o dia...
O quanto que vivi na fantasia,
Sonhando com palácios, risos, filhos,
Grilhões entre correntes, estribilhos,
Canções que me falavam da alegria...
Mas tudo se perdeu, e num segundo,
Desaba sem defesas, o meu mundo,
Segredos espalhados pelo vento.
Joguei tralhas, mobílias na janela,
Rompendo sem pensar, a antiga cela.
Liberto o coração, meu sentimento...
066
Dançando noite afora, riso e gozo,
Beijando a luz da lua que irradias.
Um sonho divinal, maravilhoso
Ao som das mais sublimes melodias.
O tempo de viver é caprichoso
Se pleno de loucuras e alegrias,
Amor, louco prazer delicioso,
É tudo o que em verdade tu querias,
Porém logo partiste num cometa,
Vagando no infinito, no universo,
Deixando tão somente um triste verso,
Satélite procura por planeta,
Estrela que se foi pra não voltar,
Escurecendo o céu, cadê luar?
067
Pudesse ser poeta e te faria um canto
Aonde eu poderia expressar meu amor.
Ávido de ti, tomado pelo encanto
Ouvindo a tua voz, espécie de louvor
Eterna primavera, a luz que quero tanto
Sem medo de viver, entregue a teu calor,
Na força deste abraço, amada eu me agiganto
Enfrento a tempestade, apascentando a dor
Pudesse ter um dia, o beijo de quem amo,
Sentindo mansamente a doce calmaria,
Que a luz deste desejo, ao longe me anuncia
Como fosse um farol, que sempre quero e clamo
Realizando enfim, o sonho de um menino
Que diz felicidade em verso alexandrino...
068
Fazer da poesia o ganha-pão...
Mercadoria frágil, sem valor.
O quanto valeria uma canção
Que não falasse apenas de um amor.
Vivendo com meus pés presos ao chão
Sabendo que meu céu furtou a cor,
Esqueço em algum canto, o violão
E deixo, neste instante de compor...
Fazer outro plantão é o que me resta
Olhando a fantasia pela fresta,
Tirando da cabeça esta vontade.
Abrindo o bico, pobre passarinho,
Voando sem ter rumo, perde o ninho
E encontra em sua frente, a velha grade...
069
Falar do meu desejo por você
É simples redundância e nada mais,
Somente quem conhece, sabe e crê
Que tenho no seu corpo, o porto, o cais.
Na leve transparência, sensual,
A camisola aberta me convida,
O amor delicioso ritual,
O dom maior que tenho em minha vida
Saber reconhecer o seu perfume,
Falena que procura um raro lume,
Sangrando de desejos, gozo farto.
Falar de meu desejo, da vontade
De ter sempre a meu lado a claridade
Que toma à noite conta do meu quarto...
070
Tirando a tua roupa devagar,
Desnuda maravilha que domina,
Por mares tão gostosos navegar
Sabendo decifrar do gozo a mina,
Tocando a tua boca, te beijar,
A deusa dos meus sonhos, tão ladina,
A gata siamesa a me arranhar,
No cio que jamais finda, termina.
Entranho tuas grutas, mares, matas,
Deslizo na umidade das cascatas
E bebo cada gota desta fonte...
No encanto da sereia em minhas mãos,
Penetro calmamente doces vãos
E vejo o Paraíso no horizonte...
071
O mel que tu derramas me convida
Banquete inesquecível que teremos,
Delícia no teu corpo, consumida,
Prazer que há tanto tempo conhecemos..
Sacio-me em teu corpo, deusa nua,
Vertentes concebidas, penetradas,
E enquanto a nossa festa continua
A lua se derrama nas calçadas
O vento roça a pele e te arrepia,
Teu corpo em convulsões, doce loucura,
A língua viajante, vai vadia
E o fogo do desejo, uma tortura
Numa explosão de fogos de artifício
O amor feito em prazer, supremo vício...
072
Nas tramas do desejo, mais audaz.
Decifro os teus anseios, sou teu par
E quando nosso amor, louco se faz
Vontade de contigo caminhar,
Seguindo a noite inteira sem parar,
De toda insânia ser bem mais capaz,
O solo, no rocio fecundar
Depois poder dormir em plena paz.
Nas rotas delicadas me perder,
Vagando pela entranha do teu ser,
Sentindo o corpo todo em frenesi.
Encharco-me dos gozos que transpiras,
Acendo neste amor, divinas piras,
E morro pouco a pouco dentro em ti...
073
Colhendo cada flor que me ofereces,
Fazendo do meu quarto este jardim,
Certeza de que ouviram minhas preces,
O mundo renovou-se dentro em mim.
Lasciva, enlanguescente, deusa nua,
Estampa em sua face este sorriso,
Minha alma em conjunção, cedo flutua
Atingindo o Nirvana, o Paraíso...
Nas ânsias desde sempre decifradas.
Teus seios, minhas mãos, bocas e língua
Bandeiras entre sedas desfraldadas,
O amor não morrerá jamais, à míngua
Guerrilhas entre montes, vales, lutas
Invado tuas furnas, doces grutas...
074
Aguardo esta mulher que nunca vem
E temo que jamais eu a terei,
Enquanto a fantasia perde o trem,
Eu procuro encontrá-la noutra grei.
Por sendas mais diversas caminhei,
Resposta se repete: outro ninguém,
Não posso mais lutar, já me cansei,
Apenas o vazio me contém.
E a noite solitária se aproxima,
Quisera ter do amor alguma estima,
Agrisalhando os sonhos, nada resta...
Morrendo pouco a pouco, sigo só,
Retornarei sozinho para o pó,
Que a morte à vida em vão, pra sempre empresta...
075
Ourives da esperança, a poesia,
Entorna-se deveras sobre nós,
Não serei o que virá depois, após,
A noite que se fez amarga e fria.
Só sei que na verdade eu te queria,
O amor foi companheiro, mas algoz,
A dor da solidão se faz atroz,
E impede que ressurja um novo dia.
Na aurora da existência, perco o rumo,
Os erros que cometo, bebo o sumo,
E foge entre os meus dedos, mocidade...
Quem dera ouvir a voz melodiosa
Da deusa que se fez tão majestosa
E reina nos confins de uma saudade...
076
Maldigo a poesia que escraviza
E impede que eu consiga caminhar,
A morte num momento vem e avisa,
É hora de viver e não sonhar.
Se o céu com outras cores se matiza,
Escondo-me deveras neste bar,
Queria desfrutar da mansa brisa,
Porém a tempestade a me tomar
Causando uma fatal ebulição,
Rasgando com vontade o coração
Negando a realidade, me tomando.
E o dia que jamais reconheci,
Distante deste canto, por aí,
Tornando furioso o que quis brando...
077
Mereço alguma chance? Pois talvez
Queimando as velhas fotos do passado,
Recuperando aos poucos, lucidez,
Revejo o meu castelo destroçado.
O velho paletó já se desfez,
O risco de sonhar, deixo de lado,
É xeque-mate, a vida é um xadrez,
O reino, se existiu, foi dominado.
Não quero mais ouvir qualquer lamento,
Se devo prosseguir, sincero, eu tento
E em meio a tais escombros, um farol
Mostrando que além mar existe um porto,
E mesmo que ao chegar esteja morto
Trará pro navegante, um novo sol...
078
Esta ânsia
incontida
te chama
pra mim...
(ivi)
Ouvir o teu chamado me fascina,
Depois da tempestade esta bonança
Gerando novamente uma esperança
Que aos poucos toma a cena e me domina...
Revendo o teu sorriso de menina,
Voltando a ter os sonhos de criança,
Guardada nestes cofres da lembrança
A jóia tão sublime, diamantina...
Após as noites frias de sereno,
No encanto deste canto me alucino,
O mundo que julgara tão pequeno
Agora se agiganta, em perfeição,
Quem fora no passado, este menino,
Soltando as rédeas, livra o coração..
079
Não creio no Teu Deus que é vingativo,
Senhor que traz a lança em Suas mãos,
Soberbo criador, um ser altivo,
Chibata lanha as costas dos irmãos.
Não creio neste Deus que se apresenta
Matando quem discorda do que diz,
Quem ama com fervor sempre apascenta
Perdoa eternamente um aprendiz.
Não creio neste Deus destruidor,
Que outrora protegeu um povo apenas,
Que exige dos seus súditos louvor,
E faz cumprir na Terra duras penas...
Só acredito em Ti, Pai feito irmão
Que traz como bandeira; amor, perdão...
080
Neste meu viver
meu coração
só quer teu Amor...
(ivi)
Em vastas amplidões, nos infinitos,
Caminhos siderais, constelações,
Lançando bem distante loucos gritos,
Vagando sem destino ou direções.
Os dias que virão bem mais bonitos,
Valendo todo o bem dos corações,
Matando o que restou dos velhos mitos
Cevando em calmaria mil tufões.
Refém deste delírio que me toma,
Apenas teu sorriso manso doma
O impávido sonhar de um tresloucado.
Abrindo a minha porta, escancarando,
Sentir o teu perfume penetrando,
Profano, sedutor, mas delicado...
081
Difícil escapar desta artimanha
Que traça o coração humildemente
Vivendo como probo da façanha
Encanta-se por tudo lentamente
E pinta na lembrança tela viva
Com cores e matizes maviosos
É como numa peça que dá vida
Aos anos passageiros ardilosos
É como numa dança que bailando
Desfila toda graça e harmonia
Entrega toda alma vai moldando
Os passos que flutuam pela graça
Neste compasso recorro à poesia
E ao poeta compartilhar desta taça
sogueira
O amor, velha artimanha do querer,
Explode em mil pedaços quem deseja,
Tomando num segundo todo o ser,
Ao mesmo tempo acalma e já lateja
Vencido pelas ânsias deste insano,
Eu pude perceber que não sou nada,
Entregue aos descaminhos do tirano,
A minha vida aos poucos se degrada,
Aguardo após a chuva uma bonança
Que possa me trazer alguma paz,
Mas quando a vida e o tempo avança
Eu sinto-me em verdade um incapaz.
E deixo-me levar pela torrente
Atada nos meus pés, fria corrente...
082
Abutres devorando esta criança
Exposta na calçada, fome e frio,
Uma ameaça tosca que vã trança
Nas ruas e ladeiras, meio-fio.
Uma alma entorpecida desde cedo,
A vítima carrega algum punhal
O corpo apodrecido, um arremedo
Do que se diz justiça social.
Autoridades tomam providência,
O rabecão transporta esta indigente
Livrando desde cedo a consciência
Apascentando assim, a toda gente
Que volta do trabalho, da labuta,
Liberta do perigo, morta a puta...
083
Carbônica estrutura em harmonia
A vida se refaz da própria morte,
E traz por solução um novo aporte
Que é sempre renovada a cada dia.
A tosca humanidade concebia
O acaso como fonte, rumo e norte,
Sem perceber eterno cada corte
Que a nossa consciência desafia.
Seria por acaso esta existência?
Tolice e prepotência tão somente,
É necessário ter a consciência
Ciência do improvável puro acaso.
O refazer se faz numa semente,
Gerada e geratriz dentro de um prazo...
084
As tardes tropicais, primaveris,
Canários entre as flores no quintal,
A força da esperança, velha atriz
Refaz a maquiagem triunfal.
Quando horizonte, aos poucos, resta gris,
E a noite preparando o ritual,
O coração – tolice- inda me diz
Da lua que sonhara magistral.
As mãos tateiam vagas pela cama,
Apenas o fantasma de um amor,
O corpo neste espaço se derrama,
E sem respostas, durmo, solitário.
Suando, exposto ao vão, torpe calor,
Calando o encanto triste do canário...
085
A minha mocidade, morta e louca,
Batendo novamente à minha porta,
Roçando feito o vento, a minha boca,
O frio da saudade, vem, recorta...
Minha esperança, tosca e pouca,
A vida se apresenta amarga e torta,
A voz da adolescência me treslouca
E o sonho morre torpe, e o sonho aborta.
As rugas e o grisalho do cabelo,
Inverno se prepara, frio e gelo,
O fim se aproximando, e o sonho ronda...
Quem dera se pudesse um oceano,
Num ir e vir infindo, louco, insano,
E o tempo travestido em uma onda...
086
Pudesse ter teus lábios num momento,
Um beijo sensual e sem defesas;
Das ânsias do desejo simples presas.
Numa explosão de terno sentimento.
Quem sabe aplacaria este tormento,
Levados pelas fortes correntezas,
Tocados por delírios e surpresas,
O tolo coração exposto ao vento
Tomado pela força da loucura,
No amor que me sacia e me tortura,
Apago os meus engodos corriqueiros
E vestido de estrelas, sigo à toa,
À tona, à flor da pele, uma alma voa.
Aguando de esperanças meus canteiros...
087
O amor preparando o meu Calvário,
Cavando com paixão, sem compaixão,
O tempo se tornou meu adversário,
O quase tantas vezes disse não.
Seria muito bom, novo fadário,
Mas quando te percebo, solidão,
Eu vejo quanto o gozo é temporário,
Ouvindo por resposta, o velho não.
E teimo persistente, nesta insana
Procura pela noite soberana
Que um dia me trará bela alvorada.
Olhando pra mim mesmo, nada creio,
O quanto desejei, cruel anseio,
Transmuda-se de novo, resta o nada...
088
O homem a perder-se, sem noção
Do propósito de vida e assim
De um lindo começo, o triste fim;
O Pai sofrendo com sua ingratidão.
Onde era pra ser paz, desunião
Seu habitat destrói feito cupim
Pisoteia toda a flor do seu jardim
Em atos que o distanciam do perdão.
As normas do Criador ficam de lado
Sem ver que assim carrega grande fardo
Resultante da desobediência.
Sem a noção do que é pedir clemência
Cego de ambição cultiva o horror...
Um dia se verá com o Criador.
Josérobertopalácio
No olhar do Criador, a compaixão,
Olhando para os vermes que criou.
Se todo o sacrifício foi em vão,
Apenas a miséria se espalhou.
Nas mãos do meu pastor, a exploração,
A ovelha que sem rumo desviou,
Perdendo a eternidade no porão
Que a farsa eclesiástica gerou.
Neste eclipse total, farta cegueira,
A renda ao fim do culto, uma bandeira
Expondo esta nudez da alma profana
Do vendedor da falsa pedraria,
Na Igreja do Senhor, patifaria,
O que importa, afinal, vendeta e grana...
089
Pobre soneto morre a cada dia,
Cultura nacional? Farsas à vista,
Quando ouso dizer: patifaria,
No olhar do que se diz real artista,
Terrível, sem controle, maresia,
Por mais que a consciência ainda insista,
Na métrica, cadência, tal sangria,
Prepara pro futuro, esta surfista.
Não vejo contra-senso nisto tudo,
Olhando de soslaio, fico mudo,
Assim caminha a nossa humanidade.
A força dos quadris é bem maior.
Poeta morre à míngua, e o que é pior,
Na bunda da vadia, a eternidade...
090
Se dobras o cabo da Boa Esperança,
Se agora és talvez, ou faz de conta;
Lembrar da juventude, não é afronta
Sobraram os rastros de tua andança.
E velho, voltarás a ser criança
Os passos devagar; mesma conduta...
Feliz se o carinho não te falta.
Velhice! A reta final de nossa andança.
O fim de tudo: a morte, com certeza.
O que virá depois, de sobremesa?
Josérobertopalácio
Quem sabe eternidade? O que me importa?
Não tenho as ilusões do cristianismo,
Se existe após a vida, nova porta,
Ou mesmo um precipício, algum abismo...
A pele que se enruga inda suporta
A curva sem temor, mesmo cinismo,
História que num átimo se corta,
Seria necessário o realismo?
Medonhas criaturas infernais,
Angélicas canções, vagos espaços.
Não quero nem pretendo muito mais,
Por isso ser feliz, obrigação,
De quem tem com a vida estreitos laços,
E deixa bater firme o coração...
091
Não quero o sacrifício de quem amo,
Tampouco tais mentiras da paixão.
O pouco que inda faço sonho e tramo,
O rio invade o mar, inundação.
Se teimo no arvoredo em cada ramo
Eu vejo o meu fantasma rente ao chão,
Sendo o que não seria ainda clamo
Talvez por qualquer motivo ou solução.
Só sei que nestas sendas, vendas trago,
Desejo pelo menos que o afago
Não seja simples farsa, velho engodo.
De tudo que se diz amor demais,
Não ouço mais a voz dos vendavais,
E compro esta metade pelo todo...
092
Imagens falam mais do que poemas,
Dourando esta manhã, sol irradia
Procuro com palavras raras gemas,
Nenhuma se compara à pedraria
Exposta nos penhores da Natura,
Diversidade feita por um Deus,
A mansidão da brisa, tal ternura,
Contrasta com os raios sobre os breus.
Porém o Criador ao ver exposta
A sua criatura aos maus profetas,
Enquanto a liberdade é decomposta
Só resta a fantasia dos poetas,
Imaginário tolo, mas sutil,
Tornando a realidade menos vil...
093
Quero tua vida,
assim,
repleta de Amor!!
(ivi)
Queria estar repleto deste amor
Que um dia me ensinaste, mas perdi
O rumo que levava sempre a ti,
A voz já se calou, pobre cantor.
Bastando a primavera sem a flor,
Em meio a fantasias, concebi
O que pensara outrora estar aqui,
Num cântico supremo de louvor...
Mas como ser feliz se na verdade,
A fome toma conta da cidade
E a humanidade expõe a face escura.
Não me basta talvez um novo grito,
Olhando fixamente pro infinito,
Cansado desta vã, frágil procura...
094
Quem dera se Coelho ou Surfistinha,
As vespas são de fogo, rabugentas,
As cores do meu céu; já não aguentas,
Preparo o rebolado pra festinha.
No pouco que me resta, ainda tinha
Palavras mais sutis ou violentas,
Enquanto as bundas tremem, seguem lentas
As Musas enfrentando esta galinha.
Na Arcádia, os acadêmicos e o chá,
Velhuscos rebolando o cha-cha-cha,
A musa da novela fica nua.
O beijo da mulher perde o segredo,
Portela desfilando o novo enredo,
Catulo se escondendo, mata a lua.
095
Neste céu
de Amor,
nuvens bailam,
encantadoras,
suaves,
perfeitas...
(ivi)
As nuvens passeando pelos céus,
Vagando, bailam mansas e suaves,
Cobrindo a terra toda em claros véus,
Os pensamentos seguem como naves...
Perfeitas maravilhas ditam sonhos,
E tornam tal cenário inesquecível.
Os dias tão sublimes e risonhos,
É peno que isto tudo é perecível...
Olhando para a esquina e seus mendigos,
Quem dera menos joios, bem mais trigos,
Vislumbro outro planeta, outra verdade.
Mas sei que sendo simples sonhador,
Não posso traduzir o vero amor,
Tampouco imaginar a eternidade...
096
Cansado, este amor que só maltrata
Trocado em miúdos, em descompasso
Agoniza sem força, entregue ao lasso
Sem saber se sai, ou fecha a porta,
Só vê o passado que o espelho retrata
Segue em guerra, no grito e no braço
Tentasse ajustar sintonia e passo
Salvando o pouco que inda lhe resta.
Talvez voltassem festa e alegria!
Tirando as duvidas do: (Gosto ou não?)
Caindo na real, matar a ilusão.
E tendo a certeza, amor deslanchava
Seguia seu rumo, não mais entravava
Viajando ao astral da melhor fantasia.
Josérobertopalácio
Arcaico romantismo, uma tolice,
O gozo de um prazer é momentâneo,
De tudo o que eu disser e o que se disse
Não vale este retrato que é instantâneo.
Num três por quatro feito em preto e branco,
Documentando o fato, perco o rumo,
Sentado na pracinha, o velho banco,
Erráticas mentiras eu assumo.
Agora o que me resta, algum motel,
Viagra é combustível, amor, farsa
A lua se derrete, é de papel,
A lírica poesia, tão esparsa
Derruba quem pensou ter novamente
Um canto de Vinicius preso à mente...
097
Quem vive de lembranças é museu,
Saiba que já dei volta por cima...
Aquilo que escapou; se escafedeu,
Não sirva pra manchar a minha sina.
Acendeu minha ilusão que ascendeu,
Amanheceu e a claridade já me anima
A mente se refresca em belo clima,
Chegou um vento novo, arrefeceu.
A mesa sem banquete, não vê ceia
Não deu pra alimentar nosso destino...
Aranha se enrolou na velha teia.
Eu vou puxar o carro vou embora
Paguei o que comprei; meu desatino...
Vou livrar-me deste amor fora de hora.
Josérobertopalácio
Depois de aposentado, o coração
Resolve novamente travessuras;
Requenta o velho amargo chimarrão
E teima no banquete das doçuras,
Porém o diabético sertão
Afoito às mais estranhas diabruras
Acende o fogareiro da paixão,
E os gozos vão virar simples torturas...
Perdoe este soneto, minha amada,
As mãos já calejadas te machucam,
Jamais reviverei outra alvorada,
É simplesmente um ato de ousadia
Imagens do passado me cutucam
Bulindo com a arcaica fantasia...
098
Meus versos, conteúdos tão ecléticos,
Discorrem sobre fatos corriqueiros
Ainda que pareçam até patéticos
Os faço, viajantes, mensageiros.
Murmúrios, burburinhos; pelos ventos
Levados ao tempo ao espaço,
Mantidos em minha linha, assim traço.
Pra paz e pro amor, grandes ungüentos.
São alegrias aos corações tristes
Um alento ao sofredor que ainda insiste
Em dizer que a poesia não vingou.
E sendo um poeta, um sonhador,
Com os astros, meus parceiros, em sintonia;
Amor e dor se fundem em poesia.
Josérobertopalácio
Versejo sobre o quase que não tive
E mesmo sobre o tudo que me resta
Revejo cada porto aonde estive,
E teimo em navegar falsa floresta.
O velho marinheiro sobrevive
Comendo na verdade o que não presta,
Por mais que a realidade inda me prive
Carcaça da poesia é tão funesta.
Perebas espalhadas por aí,
Falando do quintal que nunca vi,
Da roupa que quarou Mariazinha.
Mereço alguma chance? Não mais creio,
Descubro da velhaca cada seio
Pensando que ela ainda fosse minha...
099
Vê se muda este amor de aparência!
Decorado em revistas semanais;
Não agüento escutar mais os teus ais,
Nem tão pouco entender tua ciência.
Ache outro prá encher a paciência;
Vá embora e não olhe para trás.
Feche a porta e não volte nunca mais
Com este amor desprovido de freqüência.
Telefone ponha anúncios em jornais,
Ofereça o dinheiro e pague mais.
Se um outro suprir a minha ausência
Aproveite e se case na seqüência;
Já te amei mais agora eu quero é paz.
(Herivaldo Ataíde)
Eu quero qualquer coisa que me alente,
O cheiro do café tomando a casa,
Gostoso igual amor, quando esta quente,
Depois que esfria o tempo tudo atrasa.
Felicidade em velho é sempre urgente,
Senão a realidade se defasa,
Prazer que é mentiroso é penitente
Do antigo fogaréu, nem mesmo brasa.
Estrelas despencadas como seios
Tocando a minha mesa, que banquete!
Soldado que pensara ser cadete
Trazendo no cantil os seus anseios,
Sou menos do que nada, mas resisto,
Se alguém de perto olhar, logo despisto...
100
Meu velho companheiro, eis a verdade,
Política no mundo é sempre igual,
A todo instante vejo um festival
Aonde o que domina é falsidade.
Petista se vestindo de tucano,
Tucano se disfarça em “democrata”,
O que interessa a todos: ouro e prata,
O povo vai entrando pelo cano.
Mas tendo a liberdade pra berrar,
Cabrito mais cabreiro fica esperto,
Olhando na verdade, bem de perto,
Botando assim as coisas no lugar,
Melhor a claridade que uma escura
Noite aonde domina a ditadura...
101
As esperanças abrem suas asas
Abarcam ilusões que inda carrego,
E mesmo que pareça surdo e cego,
Caminho sem temor por sobre brasas.
Olhando aqui de cima, vejo as casas,
E mares sem fronteiras que navego,
O tempo nestes sonhos, eu emprego,
Mergulhando em piscinas sempre rasas...
Quebrando a minha cara vez em quando,
Fazendo da emoção, minha senhora,
A sorte se esfumaça e já demora,
Enquanto o meu castelo desabando
Prepara para o fim, num terremoto,
E o amor vai se tornando mais remoto...
102
Descora-se a esperança, verde claro,
Nesta aquarela resta a negritude,
Enquanto não mudarmos de atitude,
Felicidade é um dom ausente ou raro.
Usando cada verso, hoje declaro,
Que mesmo que o cenário ainda mude,
O coração humano, sendo rude,
Prepara tão somente o desamparo.
Vagando pelas ruas, velhas gralhas,
Carcomidas crianças, toscas tralhas,
Nas mãos dos idiotas e canalhas,
Enquanto nas esquinas, as navalhas,
Cometendo de novo antigas falhas,
Cobrindo a humanidade toscas malhas...
103
A humanidade mostra em sua história
Que os erros se repetem e o poder
Trazendo ao vencedor intensa glória
Ao derrotado traz duro sofrer.
Assim imagem tosca e merencória,
Que a todo instante sempre posso ver
Divide a sociedade e tem na escória
A grande maioria a apodrecer;
Porém nada pior que a ditadura,
No absolutismo a morte do pensar,
A mão que traz a rosa com brandura
Exposta às vis correntes, velha cruz.
Por isso, vejo a luz a libertar
Emanada dos olhos de Jesus...
104
Ao ler este diálogo percebo
Que tudo nesta vida é perecível,
O amor que não podia nem concebo,
Escreve seu final de modo incrível;
A moça necessita do mancebo,
O canto do desejo é sempre audível,
E desta realidade eu também bebo
Meu coração também é corruptível.
Bastando um bom molejo nos quadris,
E o riso sem vergonha da morena,
Meu peito se demonstra meretriz
E acende este pavio sem juízo,
O rosto da sacana vem e acena,
Se eu provo do sabor, decerto biso...
105
Amor divino é certo a solução
Ação que a derrubar tanta barreira
Arranca a arma à mão e ao coração
Acende em brilho mor, doce fogueira...
E dá comida à boca, ao seu irmão
Cuidado pra curar as cicatrizes
Dos lanhos das chibatas, injustiças
Descuido e exploração das meretrizes.
Olhar que vê além da pura imagem
E chega ao cerne, abraça a humanidade
Sabendo do valor de cada ser
É ato que conclama esta verdade
Que pago já, reclama acontecer
Mas onde, no vivente esta vontade???
AnaMariaGazzaneo
O amor que nos ensina Jesus Cristo
É feito de um eterno perdoar,
É nesse imenso amor que sempre insisto,
E nele, intensamente mergulhar.
E quando na esperança, e paz, invisto,
Percebo quão possível é lutar,
Por isso, e tão somente é que resisto,
E dessa fonte é feito o meu cantar.
Que a força soberana e tão imensa
Do amor comande todos os destinos
Que não haja mais guerra ou desavença
Que toda humanidade viva em paz,
Tenhamos a pureza de meninos,
Somente o amor divino satisfaz;
106
Amor, um velho barco sem comando,
Navega pelos mares, vai ao léu.
De pássaros sem rumo, velho bando,
Na frágil esperança do papel.
Se contra a correnteza vou remando,
Não tendo quase nada em meu farnel,
Minha alma vai pesando em contrabando,
O doce de um deseja amarga fel.
E resta tão somente um passo em falso
Que o amor prepara então seu cadafalso,
E deixa-nos de herança esta masmorra.
Aguardo qualquer porto mais seguro,
Cevando sobre um solo árido e duro,
Sem nada que me salve ou me socorra,,,
107
O sol raia tramando um novo dia,
E brilha no horizonte, soberano,
Escaldante calor já se anuncia,
Na claridade plena, imenso engano.
Outrora um frágil sonho de alegria,
Errar é na verdade sempre humano,
Porém se um novo cais se concebia,
A lua no cenário abaixa o pano,
E muda, num instante, negritude,
O quanto que te quis muito e amiúde
Após o entardecer, vira sol-pôr;
Quisera pelo menos, um nuance.
Bem antes que o olhar, luar alcance,
Distante, morre ao longe, nosso amor...
108
Disfarço vendo a praça onde o amor
Mostrou-me sua face traiçoeira,
Momentos de alegria e de rancor,
A vida é uma eterna ratoeira.
Chegasse mais distante, aonde for,
Espinhos vão tomando esta roseira,
E o tempo que passei a teu dispor,
Explica esta esperança derradeira.
Acendo uma fogueira, e vou à luta,
Derramo a querosene sobre o chão,
A mão da insensatez, demais astuta,
Esculpe a fantasia que geraste,
Vagando sem destino, coração,
Carrega o enorme peso do desgaste.
109
Não te dou mais arrego, seu danado
E digo sim quem é meu novo encanto
Deus Grego faz de mim anjo em pecado
Despenco ao seu olhar, sagrado manto...
Nos braços deste deus, me perco insana
Nem me lembra teu nome, vou perdida
E não resisto em mim, ardente a chama
Por certo um novo amor me faz bandida.
Com Marcos sei que sou bem mais feliz
Pois ele me completa. Empate ao jogo
Enquanto o teu prazer me nega fogo...
Azar o seu e tarde o teu lamento
Teu Ás, foi tentação, mas não aguento.
Com Marcos... Convulsão que quero em bis!
Ana Gazzaneo
O beijo que me deste está marcado
Qual fora cicatriz em minha face,
Desejo dentro da alma tatuado,
Sem nada que o impeça nem embace.
Prazeres conheci, agora vago,
Sem nexo sem destino, pária sou.
Buscando das estrelas um afago,
Meu tempo, na verdade já passou.
Colhendo os velhos frutos, podridão,
Minha alma gangrenada, se apodrece,
Enquanto busco nova solução,
O fim entre meus dedos, me apetece.
Riscando os meus cadernos, velhas folhas
Diabetes traz aos pés, terríveis bolhas...
110
Porque a dor do amor
É para ser vivida
Quem nunca a viveu
Possui a alma encolhida
Quem nunca sofreu
Nunca há de ter outra saída
A não ser navegar no mar
Feito um barco à deriva...
Karlinha
Um barco sem timão, rosa dos ventos,
Naufraga no oceano da ilusão,
Por mais que sejam belos os momentos,
De que vale viver sem ter paixão?
Enfrento, com amor, vários tormentos,
Trazendo para mim, toda a amplidão,
Esqueço que já tive sofrimentos,
Encontro finalmente a solução.
Navego no teu mar, em calmaria,
Aporto nos teus braços, todo dia
E sigo a minha vida em plena paz.
Mal cabe no meu peito, esta vontade
De ter eternizada a claridade,
Que roubo deste olhar, suave, audaz...
111
Toque-me, sinta o tremor das mãos.
Não diga nada,
Deixe o brilho do olhar nos anunciar,
Enquanto unas num doce acariciar.
Perceba o fogo da paixão,
A alegria que toma meu coração,
Num suspirar que tua presença é a razão.
Só então descobrirá meu insano desejo,
Na alma que por ti, faz festejo.
E descobrirá minha vontade,
Nesse amor de verdade.
Sem contratempos, sem regras, sem rancor,
Toque a delicada pele da face,
Mergulhe em meu lábios.
Ai então saberás que por você, meu amor nasce.
Estela
O gosto da maçã em tua boca,
Deliciosamente expõe a vida,
Que mesmo parecendo, às vezes louca,
Missão que com vigor quero cumprida.
Encontro no teu cais, as mansas docas,
Escondo-me dos breus em meio aos braços,
E quando mil prazeres vens e alocas,
Ocupo mansamente os teus espaços
E sigo pareado com a sorte,
De ter felicidade, sendo teu,
Amor igual ao nosso de tal porte,
Humanidade nunca conheceu.
Riscando minha pele, tuas unhas,
No muito além do quanto tu supunhas...
112
Tarde nublada,
sem tu aqui,
tristeza em mim...
(ivi)
Agrisalhada tarde, escura vida.
Não tendo mais sequer algum motivo
Que possa reverter a vã, perdida,
Estrada em caminho e sobrevivo.
Minha alma pelo tempo apodrecida,
Outrora um caminheiro mais altivo
Agora segue só, sórdida ermida,
De todos os meus sonhos já me privo.
Relendo os velhos livros do passado,
Histórias em que amor se fez intenso,
Na senda bela e flórea, doce prado,
Antigo gargalhar, simples saudade,
Mas tudo em que, deveras, hoje penso,
Esconde desta tarde, a claridade...
113
Ouvia a voz do vento convidando
Ao manso caminhar entre as estrelas,
As aves, como plêiades, num bando,
Guardadas na memória, posso vê-las...
Um dia fui feliz e isto me basta,
Agora a vida leva seus enfeites,
Enquanto a poesia, assim se afasta,
Morrendo sem prazeres e deleites.
Sonhar que um dia eu possa reviver
Momentos tão suaves do passado.
No quando tive tudo e pude crer
No amor, meu companheiro e aliado.
É pena que a semente não vingou,
E a fonte sem motivos, já secou...
114
Qual o vôo que carrega confiança
Onde pousar palavra que liberta
Qual estrada que leva na distância
Mensagem que meu coração decreta
Viajo livre vôo sem ter caverna
Nenhum pouso retido neste agora
Minha alma tão livre quase hiberna
Sem laços vou segundo rumo a fora
Não vejo nenhum lago pra repouso
Palavras que viajam verso e prosa
São sombras que faz da mente pouso
Teus versos ladeados têm beleza
Pra todos que em ti vê o talento
Os meus vão afolhados. Fico presa
Sogueira
Ourives das palavras, a poeta
Desfila seu talento. Embevecido,
Eu bebo da beleza tão completa,
Do canto pelo encanto amado, ungido.
Quem dera se pudesse ter a glória
De ter a companhia desta amiga,
A vida não seria merencória
Pois nela a poesia, já se abriga.
E neste desfilar raro e fecundo,
De fartas maravilhas que tu crias,
O pária coração de um gira mundo
Encharca-se de luz e fantasias...
E, tolo num momento eu quis tentar
Também cada palavra lapidar...
115
Peguei a tiracolo minha viola
Sai por aí na estrada do saber
Gastei logo do sapato a sola
Os dedos roliços por escrever
Na mente a rima não recuou
Outro poeta pecou de ler
Eu aqui cantando teu amor
Pensei no sertão distante
Uma casinha no centro, verde
Onde as matas colhiam antes
A pureza do ar campo e rede
Na varanda de espaço gigante
No coração a paz sem a sede
Das horas em ritmo ambulante
Sogueira
O velho violeiro coração
Cantando qual canário no quintal,
Aprende pouco a pouco esta lição
E traz a esperança em seu bornal.
No dia mais feliz da criação,
Bom Deus nos deu o Recital,
Do pássaro liberto, na emoção
Que aplaca com ternura, todo o mal.
Espalhas nos sertões duros bravios,
Na forma de cordel ou desafios
A imensa maravilha que se emana
Da voz de um passarinho, soltas asas,
Cobrindo de alegria nossas casas,
Tornando a fantasia soberana.
116
Cevando alguma forma de ilusão,
Bebendo da esperança atroz, maldita,
Há tempos esquecido o meu verão,
Inverno terminal, aos poucos, grita.
A morte nos umbrais faz seu serão,
História tantas vezes mal escrita,
O corpo segue em decomposição
O passo claudicante delimita.
E volto aos meus primórdios, tento crer
Que ainda tenho a sorte em meu poder
E sonho com brinquedos de criança.
A foto amarelada, o riso franco,
O amor quando existiu, em preto e branco,
Reside nos escombros da lembrança.
117
Agrisalhada tarde, escura vida.
Não tendo mais sequer algum motivo
Que possa reverter a vã, perdida,
Estrada em caminho e sobrevivo.
Minha alma pelo tempo apodrecida,
Outrora um caminheiro mais altivo
Agora segue só, sórdida ermida,
De todos os meus sonhos já me privo.
Relendo os velhos livros do passado,
Histórias em que amor se fez intenso,
Na senda bela e flórea, doce prado,
Antigo gargalhar, simples saudade,
Mas tudo em que, deveras, hoje penso,
Esconde desta tarde, a claridade..
118
Revejo os meus quintais na primavera,
Ilhado neste quarto, apartamento,
O verso que compus, traduz espera,
A salvação virá, qualquer momento.
Resisto bravamente, sorte mera,
E mesmo ser feliz, ainda tento,
Naufrago no teu mar, minha galera,
E busco vez em quando, um novo invento.
Mas vendo estas paredes no horizonte,
Queria com a vida última ponte
Perdi os velhos elos da corrente
Trancafiado aqui, neste lugar,
Revejo o meu quintal e vou buscar
Algum retrato fusco em minha mente...
119
Meus riscos, só rabiscos, fossem bem
Levassem meu afago a ti, querido
Eu creio me faria bem também,
Mas sofro, este limite é meu castigo...
Palavras correm tolas pelas linhas
Meu choro derramado embebe o riso
Tão longe vai, distante o paraíso...
Tocasse a tua face, as entrelinhas...
ANA MARIA GAZZANEO
Orquídeas florescendo no jardim,
Percebo que inda resta alguma luz
Brilhando vagamente dentro em mim,
Pesando volta e meia, imensa cruz.
Refaço este caminho de onde vim,
E ao nada, minha vida me conduz,
Acendo este pavio, este estopim,
Revivo cada sonho ao qual me opus.
E creio ser possível ver meu filho
Correndo pela casa novamente,
Ultrapassando em paz outro empecilho
Abrindo estes portais rumo ao futuro.
Olhando bem de perto, fixamente,
Há traços de horizonte além do muro...
120
Driblando os meus fantasmas, sigo à toa,
Refém dos desenganos e mentiras.
O coração recende a pão e broa,
Do quanto quis amor, sobraram tiras.
E quando ao longe, o mar, canções entoa,
Flutua o pensamento e nele giras,
A vida que eu sonhei, quisera boa,
Sem medos ou rancores, velhas iras
Acaso se viesses me verias
Desnudo de esperanças e alegrias
Ferrenho lutador perdendo o rumo.
Mereço alguma chance? Ledo engano,
Do quanto quis viver, inda me ufano,
Da morte da ilusão, eu bebo o sumo...
121
Preciso do Senhor, pois sou pequeno,
A força pra vencer as tentações,
Procelas, tempestades e tufões,
Trague para mim um tempo ameno...
E quando nos prazeres me enveneno,
Perdendo assim o rumo e as direções,
Aplaque as mais temíveis ilusões,
E mostre um mundo manso e mais sereno...
A vida, este milagre que nos deste,
Traçando os seus caminhos entre os breus,
Trazendo-te Senhor, Meu Pai, Meu Deus,
Na paz que nos aquece e nos reveste,
Vencendo as velhas lutas do passado,
Num mundo libertário, transformado.
122
O olhar apaixonado de quem sonha
Perdido no horizonte; busca alguém,
E quando a noite chega e a lua vem,
Redonda, gigantesca, mas tristonha
A madrugada corta e tão medonha
Traduz a realidade e diz ninguém
Do nada que minha alma inda contém
Amor sendo figura vã, bisonha...
Dedilho um bandolim, falo do nada,
A seca se espalhou dentro de mim,
A música que ouvira está calada,
E fecho minha porta, finalmente,
Seguindo a minha história, vou assim,
Até o plenilúnio engana, mente....
123
Quem dera se bastasse algum momento
Nas curvas tão fechadas desta vida,
Não quero transportar velho lamento
Sabendo desta história já perdida...
Amor que fora outrora meu sustento,
No olhar de quem conhece e assim duvida,
Trazendo viração, singra o tormento
E aporta na emoção torpe, fingida.
Revelo os meus canteiros e cantares,
Por onde, sem saber tu caminhares
Espalho os meus rosais, tirando espinhos
Jamais tu percebeste, nem quiseste,
Se apenas a nudez inda reveste
Rapinas os meus sonhos, pobrezinhos...
124
Sumo de versos tão sublimes
Palavras vertendo o belo ser
A sorte está lançada, vai voando
Carregando consigo bem querer
Medos, rancores, velhas iras
Que aqui se criam e se dissipam
Esperanças e alegrias vão soprando
Assim é a vida, doce é a lida
Karlinha
Ainda guardo em mim as belas flores
Que um dia tu cevaste em meu canteiro,
Os sonhos sempre foram multicores,
Usando os mil matizes do tinteiro.
Contigo caminhando aonde fores,
O tempo vai depressa, é tão ligeiro,
Promessas renascendo nos albores,
No encanto que derramas, verdadeiro...
Meu derradeiro canto será teu,
Se o mundo no teu mundo se perdeu
Encontro finalmente a solução...
Os versos que compões; maravilhosos,
Tornando os prados meus mais olorosos,
Tocando bem mais fundo o coração...
125
Vieste como um vento, um temporal,
Tomando toda a casa, num instante,
E o fogo deste olhar, raro e brilhante,
Trazendo uma alegria sem igual,
No eterno festejar de um carnaval,
Imagem tantas vezes fascinante,
Num belo ritual, doce e constante,
O amor reinando pleno e triunfal.
Porém, a tarde cai e a noite vem
Trazendo os seus fantasmas e mistérios,
E ao fim da madrugada, sem ninguém,
Do quanto outrora fui nada mais resta,
Dos festejares lutos vis funéreos
A porta se fechou, não restou fresta...
126
Que fresta que nada
Tudo é festa!
Todos os ais viram carnavais
E rir é o que nos resta
Karlinha
Vestindo a fantasia da ilusão,
Sorrisos estampando cada face,
Por mais que a vida doa ou mesmo embace,
É hora de viver cada emoção.
No quase fui feliz, não há senão,
E mesmo que a verdade nos desgrace
Aprendo a me virar noutro disfarce
Dançando junto à imensa multidão...
Olhando para os lados, outros tantos,
Hipnotizados caem pelos cantos,
Na louca gargalhada dos palhaços.
Vibrando sem porquês, querendo mais,
Bijuterias feitas carnavais,
Tropeço nos meus próprios, tolos passos...
127
A história não perdeu-se, ela resiste,
ao impacto, aos tropeços da estrada.
E te digo, não é uma história triste,
tem amor, tem alegria em revoada.
Neste canto está minh'alma apaixonada,
que se mostra como nunca, um dia, viste.
A história não perdeu-se, ela resiste,
ao impacto, aos tropeços da estrada.
Te oferto este amor que em mim existe
e uma rosa, a mais linda e perfumada.
Vamos juntos te peço, ah, não desiste,
nosso amor é belo qual contos de fada.
A história não perdeu-se, ela resiste.
HLUNA
Há tempos que preciso te dizer
Dos vales e montanhas que enfrentei
Buscando ter nas mãos, nosso prazer,
Errante caminheiro que sem lei
Seguia por desertos e planaltos,
Vagando cordilheiras e oceanos,
Encontrando percalços e ressaltos,
Cevado por delírios sempre insanos.
Avanço noite afora nesta busca
Que um dia me trará felicidade.
E quando a luz da lua toca e ofusca,
Eu bebo a me fartar da claridade.
E vejo num segundo todo o céu,
Contido na beleza de um rondel....
128
Trago
sempre
no peito
este Amor
que tenho
por ti!!
(ivi)
Se eu trago dentro em mim algum prazer,
É por saber que existes, saiba disso.
Mantendo o coração, frescor e viço,
Um rio de esperança a se verter,
Toando bem mais forte, me faz crer,
Que vale sempre a pena o compromisso,
Jamais serei, tu sabes, mais omisso,
Ao fundo no horizonte, quero ter
A imensa vastidão do amor sincero,
Que é tudo que deveras eu venero,
Ao aplacar as dores costumeiras.
Fazendo dos teus olhos, belos guias,
Eu quero me entranhar nas fantasias,
Mais belas, mais sutis e verdadeiras...
129
Arcar com minhas dúvidas, seguindo
O passo em direção ao fim do dia.
Promessa de um lugar que quero lindo,
Entre meus dedos frágeis se esvaia.
As violetas mortas nestes vasos,
Os quadros embaçados, velhas telas,
Preparam-se na curva meus ocasos,
Fotografias toscas e amarelas...
Somar nada com nada é o que me resta,
Vestígios nos escombros de minha alma,
A verdadeira chama, hoje funesta,
Somente a solidão inda me acalma
Pois dela vou sugando a poesia,
Numa fugaz e torpe, vã orgia
130
Mal posso disfarçar meu sentimento
na vida um caminheiro sem descanso,
E quando uma vitória, tolo, alcanço,
Explode o coração, frágil momento.
Os erros do passado, meu lamento,
A busca por qualquer novo remanso,
Aos poucos claudicante, penso, avanço,
Num passo cada dia bem mais lento.
Serpentes são comuns e corriqueiras,
As urzes tão freqüente, costumeiras,
As pedras fazem parte destas sendas.
Pudesse, pelo menos, descansar,
Quem sabe até, poder crer e sonhar
Que amores sejam mais que simples lendas...
131
Vencer os meus temores, ser feliz,
Recebo o vento manso no meu rosto,
Eu sei quanto esperança é meretriz
Coleto em profusão, tanto desgosto,
Distante, muitas vezes, do que quis,
O sonho que restou já decomposto,
A vida a cada instante volta e diz
Do velho coração, frágil e exposto.
Morrer talvez pudesse me acalmar,
Sem mares nem luar, vagando à toa.
E enquanto a mocidade ainda ecoa
As rugas de minha alma, devagar,
Tornando este cenário mais real,
Expressam desta farsa, ato final...
132
Espero após a chuva, uma bonança
Que possa traduzir fecundidade,
Assim caminharia humanidade
Trazendo ao sonhador, uma esperança.
Colheita traduzindo uma festança
Reinando sobre nós, felicidade,
A vida necessita de umidade
A terra só produz quando descansa...
Ao ter esta certeza, vejo em Deus
A solução final, a redenção,
Florindo com beleza a criação.
Certeza de luzeiros entre os breus,
Fomento de uma eterna sintonia
De um tempo todo pleno de harmonia
133
Olhar atrás da porta e nada ver
Sentir a brisa mansa da manhã
Entrar pelos esgotos, perceber
Que a história, na verdade fora vã.
As árvores começam florescer
Promessa frutifica um amanhã,
Porém sem ter mais nada a merecer,
Minha alma é suicida talibã.
Ouvindo da razão, algum apelo,
Tentando derreter a neve e o gelo
Resquícios de um passado mais atroz,
Ninguém sabe dos erros cometidos,
Afloram-se, sem nexo os meus sentidos,
E tento ouvir a minha própria voz.
134
De seu pensamento
Extraio seu intento
E agora?
Desandar-me sem demora
Ou
Tornar-me seu tormento?
Karlinha
Tu és o meu alento nas procelas,
Ao mesmo tempo vens e me enlouqueces
Enquanto desabrigas já me aqueces
Dicotomia rara que revelas.
Dominas meus caminhos e desandas,
É Norte que me faz perder o rumo,
Nos braços eu me entrego e logo esfumo,
As noites de tempesta, restam brandas.
Conheço cada passo que tu dás,
Seguindo tua sombra e sou capaz
De mergulhar sem medo nos teus mares.
Porém eu desconheço o teu destino,
E frágil como fosse algum menino,
Procuro-te nos bares, nos altares.
135
Quanto não cabe em mim
Os luares nos bares
Nas ruas, malabares
As músicas, os olores
As dores de amores
- cores carmim
Dizia ser sempre tua
Lua desnuda
Sem véu nem grinalda
O mel que ainda falta
Cultivo em seu jardim:
Volta pra mim...
E no que resta
Nada é festa
Andanças, tantas mudanças!
Incerteza de um passado
Que retorna como um fado
Pobre de mim
Karlinha
Mal sabes quanto quero teu querer,
Depois de mil andanças, percebi
Que tudo o que desejo encontro em ti,
Dominas os meus sonhos sem saber.
A tua ausência rima com sofrer,
Notícias, procurei além e aqui,
Voltaste e num instante revivi
O quanto me trouxeste só prazer.
Nas ruas e calçadas, nas cidades,
Nos bares, nos sertões, becos vielas,
Cevando em profusão tantas saudades,
Vagando sem destino, sem paragem,
Agora que a presença me revelas,
A vida se renova em mansa aragem...
136
Meu bem
O sopro foi mais além
Quisera eu ser sua querida
Porém, nossa sorte em disparada
Causou-nos somente feridas
Falácia maldita
Querência deslavada
Lágrimas desmedidas
Ai, meu bem
Estou aquém
E sem
KARLINHA
Mal sabes quanto custa uma saudade,
De ti, este cruel distanciamento,
Parece uma terrível crueldade,
Lembrar do nosso amor, cada momento.
Carrego dentro em mim, esta verdade
Palavras são levadas pelo vento
E quando esta lembrança chega e invade,
Ao velho coração resta o lamento...
Cada soneto meu diz o teu nome,
Resume o sentimento que me doma,
E quando o dia chega e o sonho some,
Resisto simplesmente, nada além,
Meu mundo em tuas mãos, quisera soma,
Mas o simples vazio me contém
137
Se no meu peito
O peso é demais
Na minha alma
A paz, incapaz
Perdida a andar
Eu reconheço
Para que sonhar
Se há recomeço?
KARLINHA
Prossigo o caminhar e reconheço
Que embora existam pedras no caminho,
Há sempre o renascer e o recomeço
Inebriante e doce, suave vinho.
Após cada momento de tropeço,
Erguendo o meu olhar, não vou sozinho,
O amor é muito além de um adereço,
E nele, com coragem, eu me aninho.
Sentindo o aproximar de um novo sol,
Bonanças prometidas, claro dia,
Olhando bem de perto este arrebol,
Reverto o meu destino e volto a ti
Estrela soberana que me guia,
De magnitude igual, eu nunca vi...
138
Para que sapatear
Se o amanhã é o melhor
Não se sabe o que virá
Tanto faz se em dó menor
Engasgos, tropeços e escorregões
Nessa vida só carrego
As mais tenras emoções:
Cotações
Corações
Infindas desilusões...
KARLINHA
Por mais que sejam simples ilusões
Sonhar é derrubar velhas correntes
A vida é toda feita em turbilhões
Momentos de prazer são infrequentes,
Tomados por imensas emoções
A faca carregando entre meus dentes
Exposto às mais diversas tentações,
Aguando da esperança vãs sementes.
Eu creio no amanhã, e disso vivo,
Alívio para as dores costumeiras,
O coração aberto, o peito altivo,
Vertendo pelos poros, farto amor,
Espinhos são parceiros das roseiras,
Mas vale, com certeza, cada flor...
139
A solução
É a resolução
Do verbo em transição
Amar
Posto em ebulição
Nata da emoção
Poetar sonhando
Com sofreguidão
Viver sem discrição
De ter amado
Tanto a ponto
De
Desandar
O que estava
Pronto
E
Ponto
KARLINHA
Amar é ter nas mãos um infinito
Regendo constelares maravilhas
Seguir por cada estrada que tu trilhas
Certeza de um lugar bem mais bonito,
O amor não é somente um frágil mito,
Unindo num momento, simples ilhas,
Que outrora se distavam várias milhas
Gerando diamantes do granito.
Na força imensurável deste encanto,
Imensas alegrias ditam pranto,
Renasce dos escombros, primavera.
Amar é ser escravo e estar liberto,
Por mais que o caminhar pareça incerto
Apascenta a temível, dura fera...
140
Fim do dia que chega
Todo dia a mesma agonia
Saber que o que é seu não é meu
E o que é meu é só teu
Perda irreparável, tão negra
Quanto o fundo da noite
Que se espreita
Que tristeza, tanta tristeza
Fugaz na sorte, aspereza
Foi-se na poesia, tosco mote
Karlinha
O quanto desejei poder ser teu,
Fantasmas do passado perseguindo,
E tudo o que sonhei já se perdeu,
O amor, dura sangria, se esvaindo...
Cerzindo com estrelas, novo céu,
Vagando por espaços siderais,
A lua deslumbrando um claro véu,
Porém felicidade diz jamais...
Vencido pela ausência de teus olhos,
A negritude toma este cenário,
Aonde quis mil flores, vejo abrolhos,
O tempo de sonhar tão temerário...
E tudo que queria, num segundo
Perdeu-se neste torpe, tosco mundo..
141
A vida em seus mistérios traz o brilho
Que ofusca o meu olhar e me inebria,
Seguir com emoção sublime trilho
Que leva após a noite ao claro dia.
Alheio aos temporais, seguindo em frente,
Arisco caminhando entre penhascos,
No olhar a mansidão pura e clemente
Venenos esquecidos, velhos frascos.
Ascendo ao infinito e num instante,
Recebo da esperança a doce brisa.
Lapido com prazer tal diamante,
E a mão que acaricia, suaviza.
Por mais que seja farta a escuridão,
Espalhas claridade na amplidão...
142
Minha alma se prepara pro jazigo,
Eterno companheiro de meus ossos,
Os erros se amontoam, vão comigo,
Pecados, todos meus, são também nossos.
Amortalhando o corpo que se vai,
As lágrimas fingidas de quem fica,
O pouco do que fui assim se esvai,
Na morte a vida flui e se edifica
Remotas as lembranças, vida em vão,
Olhando de soslaio, vejo o fim,
Quisera ser semente, e deste grão
Brotasse nova vida, pois assim
Eternizando o mote/ vida e morte,
Seria bem diverso, o frágil Norte...
143
Decifrando os mistérios deste encanto,
Presença inesquecível de nós dois.
Realçando sutil o raro encanto
Vivendo a eternidade do depois
Depondo sobre nós as suas mãos,
O amor nos presenteia com a sorte,
Após tantos momentos, tristes, vãos,
Encontro nos teus braços o meu Norte
E vibro de emoção por ser apenas
Teu par na caminhada pela vida,
Manhãs que surgiram bem mais amenas,
E a dor há tantos anos esquecida.
Abraço tua sombra e tua imagem,
Perfaço ao Paraíso, esta viagem...
144
Sereno coração nega aparências
E vive da esperança mais sutil,
Deixando para trás tolas pendências
Aguarda outro momento em que gentil
Consiga ultrapassar cruéis abismos,
E teima em ser feliz; pobre imbecil,
A vida se traduz em cataclismos,
A cada nova curva o mesmo ardil.
Não quero me enganar, sigo sozinho,
Tristezas coletadas, mais de mil,
Avinagrando assim, o doce vinho,
Meu elo com a sorte se partiu.
E tudo o que mais quis, um céu anil,
Espalha-se outonal, em pleno abril...
145
Por mais que sejam simples os teus versos,
Eu vejo uma verdade insofismável,
Pudesse ter nos olhos, universos,
Talvez jamais seria tão amável.
Meus braços nos teus braços vão imersos,
Num mundo mais gostoso e confortável.
Antigos sentimentos tão dispersos,
Encontram um caminho navegável
Nas tramas deste amor que prezo tanto,
Que tem na sutileza seu encanto.
E sendo desta forma, me fascina,
Ao velho navegante aberta a fresta
O sol que adentra forte, já me empresta
O verso generoso da menina..
146
O gosto do pecado nos teus lábios
Profanas e divinas emoções
Nos versos fabulosos que compões
Delírios por si só, cruéis e sábios.
Perdendo os astrolábios, à deriva
Meu barco num naufrágio anunciado,
E o velho coração enamorado,
Mantém uma esperança alerta e viva.
Consolidado amor que assim nos farta,
E quando a poesia nos domina,
Jogada sobre a mesa, cada carta
Prevê um novo tempo de alegrias,
Nas mãos tão delicadas da menina,
Eu vejo o amanhecer de raros dias.
147
Eu trago dentro da alma esta certeza
Que um dia me fará, talvez, feliz.
Do amor eterna marca e cicatriz,
Que tento disfarçar, leda destreza;
E pondo as velhas cartas sobre a mesa,
Eu tenho na verdade mais que quis,
A velha poesia, meretriz
Desfila desdentada e sem leveza.
Riscando os céus encontro este cometa,
Que ronda qual satélite o planeta
E volta para o espaço sideral.
Mais vale o rebolado da mulata
Na imensa procissão tão insensata
Nos dias infernais do carnaval...
148
Batendo as minhas asas, vou a ti,
Das Minas para o Sul, verão inverno,
O quanto desejei amor eterno,
E muitas vezes, tolo, me perdi.
O verso que levava eu esqueci,
Porém estou vestindo um novo terno,
Se o imenso sentimento assim hiberno
O resto está na carta que escrevi.
Vou bêbado de luz, pobre falena,
Repito novamente cada cena
E abraço tuas sombras, teu recado.
Olhar pela janela e criar asas,
Voando vou liberto sobre as casas,
Até chegar enfim, ao teu reinado.
149
Não posso suportar tal sofrimento,
Antítese que atada pelo umbigo,
Transformando no inferno este momento
Num visgo que me atrai ao inimigo.
Imagem carcomida de um amor,
Que segue decomposta, mas nos ata.
Quisera ser, de fato, um bom ator,
Fingir; porém a vida me maltrata
E cospe no meu rosto, co’ironia
Apodrecendo os sonhos do passado,
Pudesse enfim conter esta sangria,
Soltando com vigor, um grito, um brado,
Tu és, eis a verdade uma alma gêmea,
Nas ancas os delírios de uma fêmea...
150
Há tempos que te devo este soneto,
Perdoe minha irmã, pela demora.
A distração é um erro que cometo,
Porém o meu amor jamais tem hora.
Mas saiba que me orgulho de poder
Dizer a todo mundo que te gosto,
Na batalha diária posso ver
A alegria estampada no teu rosto,
Da mãe zelosa, amiga e companheira,
Um simples pleonasmo, mas és mais
Andrea; em tua força costumeira
Tu dás a segurança de um bom cais.
Mesmo distante, trago-te comigo,
Além de teu irmão, sou teu amigo...
151
Lutar contra as diversas intempéries
Seguir de peito aberto, destemido.
As falhas, reconheço, são em séries,
Porém; já basta! Dou-me por vencido.
Quisera ter nas mãos um novo dia,
Criar da poesia, algum lugar,
Pasárgada; distante, fenecia,
Cometa que se foi não vai voltar...
Mas tento disfarçar e ser moderno,
Contemporâneos passos, velho abismo.
Lançando-me sem medo neste inferno,
Vagando sem paragem, louco, cismo.
Lutar contra a corrente, ah quem me dera...
A morte com sarcasmo à minha espera...
152
Chamando de meu louro este urubu
Trocando assim as bolas, vou em frente,
Mas” eu vou acabar ficando nu”,
Dormindo nas marquises, indigente.
Quem sempre se apressou e comeu cru,
Queimou a sua boca em prato quente,
Botafoguense vive jururu,
Porém um sofredor é insistente.
Você não me quer mais, mas e daí?
Amanhã nascerá e um dia
Talvez vá me querer quem não queria
Afinal, tanta coisa eu mereci,
Viver de uma ilusão, querida amiga,
Não enche de ninguém, sua barriga...
153
Menina requebrando na calçada,
Libido da galera vai a mil,
A turma fica toda alvoroçada,
Razão da vida está neste quadril.
Cadenciando o passo, ela percebe
Que todo mundo segue o requebrado,
Em cada olhar guloso que recebe,
Aumenta, com certeza o rebolado..
E assim caminha toda a humanidade,
Nas ancas generosas da mocinha
Filosoficamente eis a verdade,
Quem dera a piriguete fosse minha?
Tomando uma cerveja bem gelada,
Lembrando-me da moça da calçada...
154
Viver sem ter prazer, imenso tédio...
Vazio coração não tendo jeito,
Fingindo muitas vezes satisfeito
Procura na esperança algum remédio.
E tento disfarçar com placidez,
Um diamante falso, nada além
E quando a noite chega, insônia vem
Mergulho na completa insensatez.
E tomo mais um gole, outro cigarro,
Nas fimbrias da ilusão, logo me agarro
E finjo ser feliz... invento um caso
E bebo da alegria, esta falsária,
Minha alma vagabunda, simples pária,
Prepara-se afinal pro meu ocaso...
155
Quisera ter as mãos mais puras,
Sem marcas das sangrias e pecados.
Pudesse acreditar em tantas curas,
Cevar a fantasia em belos prados.
Por mais que minhas noites são escuras,
Os céus que procurei tão estrelados,
Distantes das maldades e torturas,
Os dias seguirão mudos, velados.
Fechando uma porteira, deixo além
O quanto desejava ter no bem
A solução final em plena paz.
Porém a cada dia, mais me afasto,
Fazendo do prazer o meu repasto,
Que nunca, na verdade, satisfaz..
156
A moça dos meus sonhos não me quer,
Deseja multidões, porém vou só.
Sereia no formato de mulher,
No pensamento sempre dando nó.
Vestido transparente e bem curtinho,
O vento faz a festa da galera,
Andando devagar, vai de mansinho,
Desfila pelas ruas. Quem me dera!
O amor tem destas coisas, sabes disso,
A gente quebra a cara vez em quando,
A moça não deseja compromisso,
Porém se bobear estou casando...
Ainda bem que a idéia está no forno,
Não tenho vocação para ser corno...
157
Se o meu vocabulário é mesmo chulo,
Perdoe se não sou tão erudito,
Na vida me virando em cada pulo,
Porém jamais ganhei alguém no grito.
Batráquio vez em quando sei que engulo,
Se vejo confusão, eu logo evito,
Mulher comprometida? Eu nunca bulo
O que falam de mim é simples mito.
Tomando uma cachaça vez em quando
Cerveja é muito cara pro freguês,
Dinheiro nunca chega ao fim do mês.
E desse jeito, amigo, vou remando,
Do jeito e da maneira que Deus quer
Topando qualquer coisa que vier...
158
Vou vendendo o meu peixe deste jeito,
Fazendo um arremedo de soneto
Que embora saiba nunca ser perfeito
É feito com carinho e com afeto.
Nos erros costumeiros que cometo,
Algumas vezes, minto e me aproveito,
E quando noutros braços me arremeto,
Pretendo na verdade ser aceito.
Passando pela vida simplesmente,
Fazendo do meu verso, meu abrigo,
Palavra muitas vezes delicada
No fundo, sei que engano a minha mente,
Tocando um velho tango tão antigo,
Pois de funk, me perdoe não sei nada...
20000
Agora sou poeta, finalmente,
São vinte mil sonetos, nada além,
Falando com orgulho me faz bem
Um futuro brilhante se pressente.
Ganhar muito dinheiro, virar gente,
Até comprar um carro, ser alguém,
Usando Boticário, viu neném,
Ficar muito famoso, simplesmente.
Maior que Chitãozinho e Chororó,
Fazer muito sucesso na tevê
Dar entrevista no Caderno B
Na Ana Maria Braga, sem ter dó,
Não tendo mais inveja da surfista,
Agora, minha amiga, estou na pista...
20001
Eu agradeço a tua paciência
De poder escutar tanto lamento,
No fundo, meu amor é coincidência
É pura proteção, simples invento.
Meu verso tendo métrica e cadência
É coisa de velhusco, mas eu tento
Mudar este formato noutro assento,
Que seja de melhor conveniência.
Olhando pro teclado, assim, de banda,
A coisa num momento se desanda
E volto ao velho ritmo, isto é um vício.
Fazendo outro soneto, de repente,
A mão sendo teimosa e persistente,
Aumenta sem querer, o precipício...
20002
Chamaste pra comer um caviar
E beber um champanhe. Quê que é isso!
Mineiro acostumado com chouriço
Não pode tais frescuras suportar.
Comer um escargot? Eu caio fora,
O tal do caramujo é bem nojento,
É coisa de magnata o tal invento
Que mesmo que não goste diz que adora.
Prefiro a cachacinha no boteco,
Casquinha de siri, um bom torresmo,
E peço, sem demora, o repeteco.
Em Minas ou Paris, eu sou o mesmo,
Um velho caipira lá do mato,
Não suporta decerto este “bom trato”.
20003
Num beco sem saída me deixaste
Que faço se não sei falar inglês?
Eu sei que na verdade tu tentaste,
Mal reparaste a cara do freguês...
Só saio do lugar se houver guindaste
Minha alma é de um eterno pequinês
E peço mais depressa que se afaste
A velha tentação de ser burguês...
Vestir com galhardia um terno novo,
Usar uma gravata borboleta,
Perder uma fortuna na roleta,
Prefiro a fedentina do meu povo,
Fumando o meu cigarro que é de palha,
Levando pra onde eu for a minha tralha...
20004
Sou xucro e na verdade nunca chique
Do proletariado sou com fé,
Odeio uma madame com chilique
Estou acostumado a andar a pé.
Se russo fosse então, simples mujique
O meu sapato vive com chulé
Meu barco há muito tempo foi a pique
Para driblar problemas, sou Pelé...
As dívidas que tenho nunca pago,
Vou me virando assim de qualquer jeito,
Às vezes um cigarro, ou bebo um trago
Churrasquinho de gato é sobremesa.
Porém se sou amigo, sou do peito,
Sei que o melhor ataque é a defesa....
20005
Faltava pelo menos a presença
Daquela que se fez a mais gostosa,
A noite que passamos foi tão tensa,
Depois de certo tempo, a gente goza.
Amor não é decerto uma doença,
Tampouco, te garanto, perigosa,
Porém não sei de nada que convença
A moça tão gentil e melindrosa.
Um cheiro no cangote, um cafuné,
Jurando tanto amor, não adianta.
Cansado de tomar um pontapé
Eu viro minhas costas e me mando,
Não vou ficar parado feito planta,
Ela não quer, só fica provocando...
20006
No porto dos milagres, orações,
Clamando pela paz, grana e saúde.
Fugindo da doença e do ataúde
Pedindo novamente mil perdões.
De volta ao velho cais, embarcações,
Repetindo esta cena que amiúde
Procura por um Deus que sempre ajude,
Lançando para o Céu, lamentações...
A missa vem bem antes do forró,
Chamego de morena é tentação,
Mas Deus é muito bom, sei que tem dó
Da pobre criatura sem juízo.
Arrependido, peço outro perdão,
E arrombo este portal, do Paraíso...
20007
Queria simplesmente ter alguém
Em quem pudesse sempre confiar,
Poder chamar, às vezes, de meu bem
E que ajudasse amiga, a caminhar.
Enquanto a vida passa e ninguém vem,
Procura alguma imagem decifrar,
No olhar que vejo aqui, ou mais além,
Porém já me cansei de te esperar...
Levando a minha vida deste jeito,
Acordo de manhã, faço o café,
Não perco as esperanças, tenho fé;
À noite quando só, triste me deito,
A insônia minha antiga companheira,
Desnuda já se entrega, vem inteira....
20008
Completamente bêbado de luz,
Fazendo da esperança o meu Calvário
Imagem que este espelho reproduz,
O rosto, velho, triste e temerário...
Ninguém pode conter o calendário,
A mocidade ainda me seduz,
O mesmo sentimento de um otário
Que faz da fantasia sua cruz.
Remendos me servindo de colchão,
Pedaços amputados pelo tempo.
Sem juba e desdentado, este leão
Ainda pensa ter algum poder...
Rugindo sem parar é passatempo
Pra quem inda tem tempo pra perder...
20009
A vida tem compasso
Tudo que vai volta um dia
Com ou sem abraço
Sem ou com revelia
Karlinha
Nas voltas que este mundo sempre dá,
Aguardo esta chegada tão querida
Daquela que mudando a minha vida,
Pra sempre no meu peito brilhará.
Estrela que procuro desde já
Vagando pelos céus, está perdida,
Espero solitário nesta ermida
Até que a redenção retornará.
E quando tu voltares, tu verás
O quanto que levaste a minha paz,
Deixando tão somente o sofrimento.
Porém a porta aberta sinaliza
Bem, vinda tu serás, suave brisa
Que aplacará enfim, o forte vento...
20010
Inglês não é problema
O amor é poliglota
De língua ele entende
Karlinha
Linguagem do prazer, universal,
A pele diz bem mais que mil palavras,
Pois toda recompensa é natural,
Depende da maneira que tu lavras.
No olhar, o brilho é sempre um traidor,
No toque, no perfume, nos sentidos,
Aflora sem defesas, pleno amor,
Num turbilhão sublime das libidos,
O amor não tendo dono nem juízo,
Traduz perfeitamente a liberdade,
Chegando sem perguntas, sem aviso,
Reinando sobre toda a humanidade
Por isso não resista um só segundo
Não há força maior em todo o mundo...
20011
Viver sem amor
Não é um suplício
Poetar é factício
Karlinha
Sem fogos de artifício, sem balões,
Os dias são iguais, seguem seus rumos,
Quem não provar do amor, nem de seus sumos
Jamais conhecerá ebulições.
Na lava que derrama tal vulcão
Razão para a real fertilidade,
Perdendo desde sempre a mocidade,
Será precocemente um ancião.
Garimpo sentimentos vida afora,
Lapido diamantinas esperanças,
E quando a gema rara vem e aflora,
Eu volto a ser criança neste instante,
Pagando com prazer velhas fianças
Olhando destemido, sempre avante...
20012
No céu purpurina
Lua cheia se esparrama
Convexo ilumina
Karlinha
Num êxtase supremo, a lua plena
Prateando horizontes num clarão,
Ao longe, em seus reflexos ela acena
Tomando num segundo esta amplidão.
Observo embevecido a rara cena,
E bebo a fantasia em profusão
A noite transcorrendo tão serena,
Inundando minha alma de emoção
Expressa a perfeição da natureza,
Desfilando no céu tanta beleza,
Cobrindo com seu manto os tristes breus.
Ao ver este cenário, um aprendiz,
Sabendo só por ser que é tão feliz,
Se rende à Criação de um imenso Deus.
20013
Para quê rima
Quando o verso se complica
Me explica o reverso
Karina
A vida é poesia por si só,
Em versos lapidados com perícia,
Trazendo para todos a delícia
Que é feita e que é refeita deste pó.
Beleza de viver sempre se explica.
Sem ter necessidade de poemas,
Por isso, companheira, nada temas,
Que a sorte de sonhar já te faz rica.
E se poeta eu fosse, eu te garanto,
Que beberia sempre desta fonte,
Do sol que raia imenso no horizonte
Refazendo decerto o velho encanto
Do renascer da vida em manso afã,
No rotineiro brilho da manhã.
20014
Eu só falo o carpires...
Puxei prosa cum mineiro
Mas mexi com um vespeiro
Já picada umas deiz veiz
O caboclo é disconfiado
Fala até in Libanês
Cus seus sonetu afiado
Senta o pau à milanês!
Porisso fico calada
E só pego ele de jeito
Bem jeitoso o meu confeito
Eu sei qui nufim lhi agrada
Silencioso a comer quieto
Sem sequer pio na viola
O mineiro inté me enrola
Viro a língua do dialeto...
Ana Maria Gazzaneo
Coração tem artimanhas
Velhas manhas de mineiro
Que por trás destas montanhas
Já conhece o mundo inteiro,
Caipira, sim senhor
Sem vergonha do que falo,
De tanto falar de amor
Viola criando calo,
Cantador jamais se cansa
De sonhar com quem deseja,
Minha mão grita esperança
Quando o coração lateja...
É por isso que eu te quero,
Meu amor por ti, sincero...
20015
Trazendo a minha morte aqui comigo,
Da velha companheira não escapo,
Não tento nem sequer algum abrigo,
Servindo de mortalha qualquer trapo.
Só quero no final, o abraço amigo
E mesmo que coberto de farrapo,
Não quero mais correr este perigo
Meu nome estar na boca de algum sapo.
Mergulho sem saber se vou voltar,
Só quero é conhecer o grande mar,
Que nunca tendo volta, sempre afunda.
Mas, por favor, me enterre em cova funda,
Não quero, sim senhor facilitar
Senão vem urubu bicar a bunda.
20016
Quisera transformar a humanidade,
Andando nos esgotos e sarjetas,
Fugindo desta insana claridade,
Entrando nos bueiros, suas gretas.
A podridão recende à realidade,
O corpo carcomido das ninfetas
Vendido nas esquinas da cidade,
Mostrando com vigor velhas facetas
Do humano coração, súcia imperfeita
Que traz a demoníaca emoção,
Lavrando formidável sensação
Da qual a nossa carne já desfeita
Esmera-se na pútrida promessa
Que a cada novo parto recomeça...
20017
Olhando pras campinas que corríamos,
Decifro os meus momentos mais felizes,
Infantes, dos amores aprendizes,
Da vida, muito pouco nós sabíamos.
E tantas aventuras sem maldade,
Apenas o sorriso de quem pensa
Ter tido a mais sublime recompensa
No beijo a traduzir felicidade.
O tempo, este vilão, tudo transforma,
Mudando a direção dos nossos barcos,
A vida inexorável nos deforma
E o que foram farturas, hoje parcos,
Denotam quão fantástico é sonhar,
À luz tão soberana do luar...
20018
São tantas incertezas, mas eu tento
Vencer as tentações e estar alerta,
A vida vai cumprindo o seu intento,
Minha alma a cada sonho, mais desperta.
Cansado de saber do sofrimento
A vida de quem ama é tão incerta,
Aguardo pelo menos um momento
Aonde a fantasia faça a oferta
E trague pelo menos a ventura
De ter antes da minha sepultura
Ao menos a alegria de saber
Que existe neste mundo amor sincero,
É tudo, finalmente o que mais quero,
Um arremedo, ao menos, de prazer...
20019
Não ligue companheiro para as críticas,
Pois quem faz estará exposto a tudo,
Às vezes eu prefiro ficar mudo,
Não posso suportar verdades míticas.
Palavras que destroem, sendo líticas
São soltas sem sentido, mas, contudo,
O povo sendo assim, bem mais miúdo,
Adora baboseiras analíticas.
Abaixo este hermetismo que campeia,
O chute só é bom quando na veia,
Velhacos e velhuscos tão boçais
Preferem jogar pedras em quem voa,
Não sabem comandar uma canoa
E querem destruir o porto, o cais...
20020
Segredo que procuro desvendar.
Pista que me deste lendo o soneto
Às vezes a mensagem vem sondar
O coração não entende do enredo
Quando de ti por uns dias me ausento
A palavra acompanha a mensagem
Só mesmo pela escassez de tempo
Mas nosso duo leva na bagagem
Recito em ocasiões especiais
Aos sábados No Templo da Poesia
Na terça pediram reprisa orais
Deveras, muito eu quis e não quiseste?
Entender na distância tal agonia
Teu canto para mim é como prece
sogueira
Estendo as minhas mãos à companheira
Que há tanto me acompanha em aventuras
Na busca da poesia verdadeira
Ajudando a vencer as amarguras
Que a vida me prepara. Mensageira
Da paz que acalentando traduz curas,
Querida, na palavra costumeira
Explodem-se magias e ternuras.
Candura neste olhar abençoado,
Doçura em tua voz. Ir a teu lado
É sempre estar em boa companhia.
De Fortaleza a Minas, num momento,
Eu sinto a maciez de um suave vento
Na forma da mais bela poesia..
20021
Quando
eu chegar,
quero
te abraçar,
beijar,
amar...
(ivi)
Beijar a tua pele, ser contigo
O mais feliz dos homens, eis meu sonho,
E quando a fantasia eu te proponho,
Encontro o paraíso que persigo.
Se sinto no teu corpo o meu abrigo,
Um verso enamorado, enfim, componho,
Esqueço deste mundo tão medonho,
E a paz feita em prazeres, eu consigo.
Eu quero amanhecer no teu regaço,
No doce acalentar de um manso abraço,
Deitado sob a luz de um raro sol,
Assim em meio à farta claridade,
Eu beberei total felicidade
Que reinará por todo este arrebol...
20022
Dos velhos descaminhos eu me afasto,
Adentrando por becos sem saída,
O antigo coração, singelo e casto,
Arroubos de loucura, eis minha vida.
O braço já cansado das batalhas
Em ilhas tão distastes, novos mundos,
Quando esperança enfim, sorrindo talhas,
Encontro estes abismos mais profundos.
Levando nos meus olhos a certeza
De um dia poder ser bem mais que amigo,
Em meio a mais perversa correnteza,
Não temo nem sequer algum perigo
Pois se que ao aportar nos braços teus,
Meus versos não serão jamais ateus...
20023
Amiga, a velha sombra me acompanha,
Ausência tão presente pra quem ama
Há tempos vou seguindo a velha sanha
Inútil coração inda reclama.
Atravessando o mar, céu e montanha,
Mantendo sempre acesa a tola chama,
Minha esperança frágil, tão tacanha
Aguarda o reviver da antiga trama.
A cama já desfeita há tantos anos,
Guardando estes segredos: desenganos,
Degredos deste tosco sonhador.
Pudesse reviver, ah quem me dera,
Ausente há tanto tempo, a primavera,
O frio é desde então, desolador...
20034
Pudesse transformar sons e matizes
Criasse um horizonte multicor,
As tardes não seriam jamais grises,
Deslizes de um eterno sonhador.
Florescendo em minha alma uma esperança
De um dia ser feliz completamente,
E enquanto a vida passa a idade avança,
A dura realidade me desmente.
Olhando para trás, vejo o futuro,
Semeio em solo agreste, não desisto.
Por mais que se apresente tão escuro,
Num belo amanhecer ainda insisto,
E o velho seresteiro, canta à lua
Que plena toma o céu, e ali flutua...
20035
Viver sem ter comigo esta presença
Que tanto me apascenta é estar vazio,
A solidão imagem vã e imensa,
Tiritando meus ossos... tanto frio.
Aonde encontrarei felicidade?
Inútil caminhar sem ter alguém
Que possa me trazer a claridade
Que apenas o amor vivo contém.
Arrisco alguma frase, mudo o tema,
O pensamento voa; chega a ti,
Se contra a correnteza, a vida rema,
O que mais deseja, enfim, perdi.,..
Restando este silêncio interminável,
E um mundo sem prazer, abominável...
20036
Diversos precipícios enfrentei
Na dura caminhada pela vida,
Abismos com meus pés, tolo criei,
Porém cada batalha foi vencida.
Poder contar com todo o teu apoio
Seguir contra as marés, ir adiante,
Aprendo a separar trigo do joio,
Ouvir cada palavra que agigante
Podendo discernir o bem e o mal,
Somente na amizade encontro, enfim,
As forças pra cevar no meu quintal
O amor que florirá todo o jardim,
Poder ser teu amigo e companheiro,
Um diamantino brilho verdadeiro...
20037
Trazer-te junto, sina divina,
Poder pensar em ti com liberdade,
Velejo em água mansa e cristalina
Chegando ao raro cais: felicidade...
O amor não se encontrando em cada esquina,
É sempre bela e nobre raridade,
No teu sorriso calmo de menina,
Certeza de total tranqüilidade.
Trazer-te junto a mim, tudo o que quero,
Vivendo um grande amor, sendo sincero,
Realizando os sonhos de um poeta
Que tendo a fantasia por abrigo,
Dos sonhos de alegria, um tolo amigo,
Mantém sua esperança como meta...
20038
Chegando de mansinho, a bela lua,
Mudando este cenário, toma conta,
E quando no horizonte ela desponta,
Deitando sua prata sobre a rua,
A dura realidade nua e crua,
Que o dia a dia amargo já nos conta,
E ao frágil sonhador, o desaponta,
Enfrenta a fantasia, mas recua,
Rara argentina deusa soberana,
Passeia sobre o céu, nobre cigana,
Tocando os corações enamorados.
Argêntea maravilha desde então,
Entorna-se tocando esta amplidão,
Prateia divinal, campos e prados...
20039
Dominas os meus sonhos plenamente,
És a atriz principal de cada cena,
Tomando já de assalto a minha mente
E a noite então se torna mais serena,
Momentos de prazer são raridades
Porém dás a certeza de delícias,
Quando os meus pensamentos tu invades
Me envolvendo afinal em mil carícias.
Ouvir a tua voz, sentir teu cheiro,
Encanto sem igual que me fascina,
Aos sonhos, num mergulho, vou inteiro,
Imagem de mulher, nobre e divina.
Porém ao acordar, a solidão,
Me diz que todo o sonho foi em vão....
20040
Fazendo do meu verso o travesseiro,
Deitando sobre as pedras da ilusão,
O sono sendo amigo e conselheiro
Aplaca qualquer fúria ou turbilhão,
Exumo o que restou de um sentimento
Que outrora foi sustento e agora fere,
O dia transcorrendo amargo lento,
Por mais que a fantasia, sonhos gere.
Afasto-me de ti, velha quimera,
Andejo coração não tem paragem,
Amar é aplacar, domar a fera
Tentando decifrar qualquer mensagem
Nos olhos de quem tanto desejei,
Distante do que outrora imaginei...
20041
São simplesmente sonhos sem proveito,
A ventania deixa suas marcas,
Por mais que tente ser por ti aceito,
Distantes, noutros mares, minhas barcas..
Revendo cada engano, o meu defeito,
Palavras de carinho são tão parcas,
Enquanto a fantasia faz seu pleito,
Dilúvios de ilusão destroem arcas,
Perdidas alegrias, nada resta
Sequer algum sorriso, triste intento,
Enquanto a poesia desembesta
Desvendo os descaminhos que criamos,
Poeira vai tomando o seu assento,
Dos velhos arvoredos, sequer ramos..
20042
Não vejo outra saída nem tampouco
Um dia desejei novas estradas,
O amor que nos transforma pouco a pouco
De súbito dará suas guinadas,
De tudo o que queria, quase louco,
As mãos em outras rotas vão atadas,
Gritando o coração, feroz e rouco,
As horas de alegria estão caladas.
Revejo o que sonhara em cada rosto,
E o peito do poeta estando exposto
Avança sobre as toscas ilusões,
Devoro o que sobrou da sobremesa,
E vago pela noite sem defesa,
Atado aos mais diversos, vis grilhões...
20043
Por tanto que eu sonhei com claridade,
Vivendo a liberdade em plenitude,
Vagando em meio à vã realidade,
O sofrimento foi tão amiúde,
O pensamento rompe qualquer grade,
Sem ter quem a verdade fria mude,
Encontro o mundo amargo que me enfade
Esvaziando assim o velho açude.
A lua derramando o falso brilho
Enganos professados, solidão,
Chegando ao triste abismo que hoje trilho
Imagem desfocada toma a cena,
E a lua que domina esta amplidão,
Luzes de neon, morta, me acena...
20044
Gerânios na janela, violetas,
Relembro de Florbela e suas dores,
O amor vagando espaços, mil cometas
Traduz melancolia, frias flores.
As tardes agrisalham o horizonte,
O sol já se escondeu e não virá,
Bem antes que amanhã, claro desponte,
O mundo num rompante mostrará
Nestas roxas gloxínias que cultivas
As folhas deste antigo malmequer,
Quem dera as esperanças sempre vivas
Nos olhos tão sombrios da mulher
Que um dia fez-se Musa e de repente,
O fim da amarga vida, já pressente...
20045
Durante a noite fria, solidão:
Quimera e companheira de outras eras,
Reflete a mais completa escuridão,
Saudades são terríveis, duras feras...
Amores desfilando em procissão,
Passado traduzira primaveras,
Restando da esperança um fino grão,
Semente que decerto degeneras...
Porém a noite traz esta surpresa,
O teu perfume toma toda a casa
Do gélido pavor, delírio e brasa,
E contra a mais temível correnteza
O vento leva o barco ao porto brando
Do corpo da mulher que estou amando.
20046
Viver a poesia deste instante
Aonde poderia ser feliz?
Cigarras na janela um irritante
E incômodo barulho nada diz.
Quem fora no passado minha amante,
Descansa sobre cada cicatriz,
Deslizo no infinito galopante,
Acordo e do meu lado, a meretriz
Que o nome se perdeu na madrugada
Num copo de aguardente, no vazio.
A vida a cada posso se degrada
E apenas restarão sombras, neblinas,
E o vento que me chama, vai vadio,
Trazendo um sol opaco nas colinas..
20047
Bebendo as amarguras de um amor,
Restando em minha boca o fel de um beijo,
O quanto quis falar de algum desejo
Que se perdeu, venal navegador.
De todos os delírios, o mentor,
Apenas o vazio que prevejo
Será meu companheiro, mas eu vejo
As réstias de um fantástico sol-pôr.
Opondo-me às insânias da paixão
Ainda teimo em crer que a lucidez
Trará qualquer instante de razão.
Meus versos são apenas o retrato
Do amor que há tanto tempo se desfez,
E em meio aos vendavais fingiu-se grato...
20048
Alérgico aos deslizes da paixão
Efervescências tolas, não as quero
Ferrenho lutador jogado ao chão,
Com amargas palavras me tempero.
O fogo que inda chama; uma abrasão,
Jamais viria inteiro sendo mero,
Milagres vão ditando a direção
Levando ao vão futuro tosco e fero.
Abraço cada sombra que deixaste,
Encarno mil espectros de um passado
Aonde persistindo num contraste
Trouxemos ao cenário este torpe ato.
E quando fui um tolo apaixonado,
Cuspiste estejas certa neste prato...
20049
Pedaços recolhidos pelas ruas,
Escombros dentro da alma, uma carcaça
Que segue o seu caminho e quando passa
Expõe duras verdades nuas, cruas.
Ausente qual espectro continuas
Perdeste a juventude e toda a graça,
Apenas a figura triste e lassa
Que um dia refletiu mais de mil luas...
Desvio o meu olhar, sigo adiante,
O mundo este velhaco e vão farsante
Ensina estas lições; melhor sabê-las.
Também na lama vês este reflexo
Que contraria enfim razão e nexo,
Expondo o brilho frágil das estrelas...
20050
Num cálice de vinho, o teu reflexo,
Refaz todo um passado em que pensara
Que a vida sendo nobre, bela e cara,
Matasse o que restara de um complexo
Do amor, quem sempre foi simples anexo
O brilho finalmente despontara,
Sendo a felicidade frágil, rara,
Teria o meu viver enfim, um nexo...
Mas quanto deste absinto que bebia
Seria simplesmente alegoria,
Um verso feito em vão, sem ter sentido.
O cálice esvazio e num momento
O que fora prazer vira tormento,
E o que pensei cristal, está partido...
20051
Refaz-se a vida a cada novo dia,
O tempo curará estas feridas,
As estações renovam tal magia,
Estradas sem calor, ora floridas.
Do amor que tantos risos prometia,
Palavras que já foram esquecidas,
Renasço noutro sonho, fantasia,
As dores do passado estão vencidas...
Assim vou aprendendo com o tempo,
A cada nova curva um contratempo,
Depois acerto o passo novamente...
Carrego dentro da alma cicatrizes
De antigos dissabores e deslizes,
Mas, cevo com prazer cada semente..
20052
Apenas um sorriso e nada mais,
A nossa despedida foi assim,
Ausência de esperança no jardim,
Matando as velhas flores, meus quintais.
Os dias sem te ter são sempre iguais,
Viver desta ilusão, pobre de mim.
Queria muito além, mas de onde vim
Antigos dissabores são fatais.
Feneço a cada dia sem saber
Que rumo ou direção irei tomar,
Apenas aprendendo a desamar
Aprendi finalmente que perder
Permite-me encontrar cada pedaço
Nos versos sem calor que agora faço...
20053
Decifro os teus desejos mais audazes,
Entranho por caminhos delicados,
Olhares que se tocam são vorazes,
Tesouros descobertos, encantados.
Gotículas que bebo, teu rocio,
Numa explosão divina correnteza,
A fêmea se entregando em pleno cio
O macho avança sempre com destreza
E encontra em tuas furnas a umidade
Matando a nossa sede de prazer,
Banhado por teus gozos quando invade
Vivendo a maravilha do querer.
Carícias e suores no depois,
No Paraíso feito por nós dois...
20054
Falando deste amor tão verdadeiro
Eu creio ser possível o amanhecer
Envolto em tais colunas de prazer,
Entrego-me ao querer, mergulho inteiro,
Um dia que surgindo alvissareiro
Domina plenamente todo o ser,
E passo às belas flores recolher,
Plantados com carinho em meu canteiro.
Eternamente teu enquanto és minha,
E quando o fim da tarde se avizinha
Eu olho para trás e vejo o brilho
Da vida que passei junto contigo,
Enamorado então, quero e prossigo
Na luz que se expressou em cada filho...
20055
Por sobre estas montanhas azuladas
O sol desembainha seu dourado
As nuvens são sublimes almofadas,
Meu horizonte, enfim, iluminado.
Permite que se sonhe com um dia
Sem tempestades, raios e procelas,
Deitando sobre mim a Poesia,
No olhar tão delicado que revelas.
Somente ser feliz, isto me basta,
Ouvindo o canto livre dos canários
Minha alma segue em frente, pura e casta,
Distante dos fantasmas temerários
Que outrora dominaram minha mente,
E o amor se faz inteiro, finalmente...
20056
O amor que fora antigo companheiro
Demora-se distante e não vem mais,
O beijo que sonhara, o derradeiro,
Demonstra que serei feliz jamais,
Revendo a tua imagem nesta sala,
Em leve transparência recoberta,
O velho coração então se cala,
Porém insano amor volta e desperta.
Durante a vida inteira em que cevara
A paz que um grande bem proporciona,
A sorte que a velhice sempre ampara,
A deusa que de uma alma já se adona,
Tornando o fim da história mais suave,
Porém a solidão, enorme enclave...
20057
Metáforas não bastam pra dizer
Que o nada foi o todo que restou
Do amor que tantas vezes me tomou,
E vejo pouco a pouco fenecer.
Um verso mais gostoso de fazer
Falando deste tanto que encantou,
Agora que meu mundo desabou,
Apenas os escombros recolher.
Jogado nalgum canto desta casa,
Poema que tentei fazer pra ti,
Porém cada palavra eu esqueci
É cinza o que julgara fosse brasa,
Acendo este cigarro e na fumaça
A imagem do que fomos inda embaça...
20058
Reflito neste espelho os dissabores
Em cada novo sulco, nova dor
Guardando do passado seus rancores,
Matando desde sempre cada flor.
Os medos são meus últimos penhores,
Da sorte quem me dera ser mentor,
O céu já não tem brilho, sequer cores,
Matizes tão diversas de um amor...
Olhando da janela do meu quarto,
Da tal felicidade que descarto
Sequer a simples sombra me acompanha.
Mentindo pra mim mesmo sigo avante,
A morte chegará e num instante
A partida afinal, estará ganha...
20059
Quero te dar o dia mais feliz
Inesquecível sonho aflora em mim,
Ao ter o teu prazer, querer teu bis,
Beber em tua boca o doce gim,
Ao longo desta vida , bem te quis,
Depois que estás aqui, percebo enfim,
Que amor se mostra assim desde a raiz,
Ao florescer sublime em meu jardim.
Nas horas mais tristonhas, solitárias,
Relembro de teus lábios e sorrio,
Qual fora a correnteza desço o rio
As águas enfrentando pedras várias
Até chegarem calmas, mansa foz,
Moldando o grande amor que existe em nós...
20060
Falasse de outra coisa que não essa,
Desejo, peles, corpos e delírios,
O tempo vai cumprir sua promessa,
E vencerei ao fim, toscos martírios.
Serena me acompanhas, companheira,
Aninhas teu caminho junto ao meu
Quem tem uma esperança por bandeira
O sabor da batalha conheceu.
E viu nascer o sol atrás dos montes,
Depois de tantas nuvens, grises céus,
Maravilhosamente belos horizontes,
Descerram com carinho alvos véus
Após a dura lida ainda estás
Tramando a noite calma feita em paz...
20061
Qual fora tatuado em minha pele,
Dois corpos num só corpo sem fronteiras
À plenitude do prazer o amor compele,
Do jeito que desejo que me queiras.
Selando este corcel vencendo estrelas,
Atravessando céus sinto o infinito,
Aprendo as tuas marcas, recolhê-las
Criando um novo mundo mais bonito.
Num rito que se toma em perfeição,
Dançando sobre mim, bela cigana,
Esqueço qualquer rota, e na amplidão
O coração liberto ainda plana,
Me afogo nos teus mares e teus rios,
Entrego-me ao calor destes rocios...
20062
Debaixo do tapete escondo os erros,
E tento disfarçar velhos enganos,
Mudando a direção de antigos planos,
Condeno os meus amores aos desterros.
Olhando sobre os montes, altos cerros,
Perdi as ilusões que há tantos anos
Geraram sentimentos desumanos.
Definham nos velórios, meus enterros,
Cravando no meu peito a fina espada
Da dura realidade, sem defesas,
Imagem na retina preservada
Passagens encontradas, fins inúteis,
E aprendo que vencer as correntezas,
No fundo são apenas gestos fúteis...
20063
O vento arrepiando a minha pele,
Tua presença amada, ele anuncia,
E a fúria doce e intensa me compele,
Prazer inigualavel anuncia.
Sentir no teu arfar farto desejo,
As noites em volúpia transcorridas,
Alcanço o patamar que louco almejo,
As noites delicadas e curtidas
Tatuo no meu corpo a tua imagem,
Vislumbro um novo tempo, mais suave,
Pensando muitas vezes em miragem,
Minha alma se liberta como uma ave
Atado a tal pantera, este corcel,
Desvenda maravilha, alça o Céu.
20064
Amiga, é necessário o caminhar,
Em meio aos vendavais e turbilhões,
O tempo nos ensina a derrotar
Com calma, os mais temíveis furacões.
Servindo a quem se deu por tanto amar,
Arrebentando em paz, tantos grilhões,
No mágico poder do perdoar,
Enfrento a fúria louca dos leões...
Um simples carpinteiro, sendo rei,
Mudou a humanidade. E o sacrifício
Do Deus tão destemido deu início
Ao tempo feito em Graça; o que era lei
Passou a ter sentido tão diverso,.
Da aldeia se espalhou pelo Universo.
20065
À métrica obedeço, é natural,
Cadenciando o verso, o meu soneto
Mantendo a sua base estrutural
Talvez o erro maior que ora cometo.
O vento vai levando a minha nau
E quando sobre o porto me arremeto,
Eu trago dentro da alma, o céu e o sal,
Às vezes solitário ou num dueto
Permito-me brincar com as palavras,
Sabendo assim cevar diversas lavras,
Usando o meu rastelo, poesia.
Falar do amor sincero ou da amizade,
Da dor que imaginei, da realidade,
Do mundo que minha alma, tola cria...
20066
Quando a vi desfilando seus brilhantes
Raios sobre um divino céu desnudo,
Num lácteo perfilar de diamantes,
Confesso, embevecido, fiquei mudo;
Momentos tão fantásticos, instantes
De um sentimento raro, imenso e agudo,
Percorrendo infinitos delirantes
Caminhos onde tonto e lúdico me iludo,
Vislumbro a pequenez do humano ser
Diante desta imensa realidade,
Imagino quão frágil é o poder
De quem se imaginando soberano
É nada e tenta ter toda a verdade.
Num ledo e sem sentido desengano...
20067
Ouviste minha voz, tua bondade
Expondo um coração maravilhoso
Aonde há profusão de liberdade
Explode num porvir mais venturoso.
O sentido real de eternidade
Por mais que o mundo seja belicoso,
E a natureza humana se degrade
Levando a um final tempestuoso
Entre trevas, dissabores e tropeços.
Permites os diversos recomeços
Qual fora uma bonança pós tempestas;
Neste emergir em meio a vagas tantas
É que afinal conquistas e me encantas
Aparando serena vis arestas.
20068
Olhando as flores secas no canteiro,
Refaço a minha história, pois é nelas
Que vejo quanto o amor, o derradeiro,
Fenece em cada frase que revelas.
O tempo destruindo por inteiro
Fotografias toscas que amarelas,
Matando o que restou de verdadeiro,
Constrói a cada ausência duras celas.
Sou triste e nada deixo por herança,
Senão tolos sonetos em que falo
Do amor imaginário e se me calo
É que carrego vivo na lembrança
Um verso de esperança malfadado,
Dizendo dos engodos do passado...
20069
Durante tanto tempo quis sucesso,
Poder ter o meu nome eternizado
Fazendo dos meus versos, o começo
De um tempo que sonhara consagrado.
E quando em esperanças recomeço
Trazendo a poesia do meu lado,
Percebo quão fui tolo, e num tropeço
Eu vejo ser inútil o falso agrado,
Desnudo-me e não tendo outro caminho,
Percorro a minha senda, vou sozinho,
Recolho apenas pedras e vazios.
Um velho sonetista, um vão poeta,
Que teve a fantasia como meta
Jamais conhecerá nobres estios.
20070
Amor que falsas luzes já me trouxe,
Inebriante forma de sonhar,
É como se a verdade ainda fosse
Um rio em que pudesse navegar,
O quanto desta vida pensei doce,
Agora ao perceber seu paladar,
Embora muitas vezes me remoce,
Matando as esperanças devagar,
Etéreo coração, vida é cilada,
Celeiro de ilusões, a poesia
Trazendo pelo vento a voz amada,
Ecoa em meus ouvidos, melodia
Que tanto me embriaga quanto engana,
Tramando a noite opaca e soberana...
20071
Jamais permitiria a dor fatal
Que tanto me persegue e me consola,
O amor sendo por vezes divinal,
Ao mesmo tempo adoça enquanto imola.
Versejo sobre os medos que carrego,
Herdados de uma mocidade vã,
Caminho entre os espinhos quase cego,
Porém sem desistir do louco afã
De um dia ser feliz, pura tolice,
Mas não me cansarei desta batalha
Se a dura realidade me desdisse,
Andando sobre o fio da navalha.,
“No jardim aonde voam borboletas,
Não esmaguem as belas violetas”.
( versos finais de Marcos Coutinho Loures
FLORBELEANDO
20072
Deitada nesta cama de hospital,
Alvos lençóis escondem a ferida
O amor que fora outrora magistral
Esconde os dissabores de uma vida
Que aos poucos vai chegando a seu final
Aguardando silente a despedida
A pena se mostrando capital
Retrata a realidade em vão cumprida.
Sinais vitais, mentiras encobertas
Oculta por debaixo das cobertas
Aquela que se deu sem mais perguntas,
Sua alma se declina agonizante,
Com a graça divina um belo instante
As nossas estarão, pra sempre juntas...
20073
Rastejo entre as sarjetas, ledo verme,
Acasalando sonhos e mentiras,
O corpo se esgueirando quase inerme,
Minha alma derrotada, expondo as tiras,
Carcaça do que fora quase humano,
Avanço pelo esgoto, chego ao nada,
Apodrecida sorte, desengano,
A farsa finalmente desvendada,
Imagem degradada que, funesta,
Apavorante expõe velhas feridas,
Quem fora no passado simples festa
Esconde-se em vielas, vãs ermidas,
E amou, durante tempos, foi feliz,
Funérea realidade contradiz...
20074
Celebro as desventuras e os engodos,
Preparo com carinho a sepultura
Ao emergir sem medo nestes lodos,
Encarno dos meus sonhos, a escultura.
As bodas prometidas no porvir,
Os lábios apodrecem beijos vãos,
O quanto quis e nada pude ouvir
Aborto ao semear últimos grãos.
Abraço os desenganos tão nefastos,
Na fria lividez que ora me espera,
Aos vermes preparando bons repastos,
Das errôneas paixões, cultivo as feras
Que um dia devorando esta carcaça
Que a vida vai curtindo enquanto esgarça...
20075
A noite chega gélida e vazia,
Apenas a lembrança vai rondando
Fantasma do que outrora fantasia,
O mundo num segundo desabando.
Saudades do que amor louco dizia,
O velho coração segue hibernando,
Na ausência da suprema poesia,
Quem dera inda soubesse aonde e quando,
Nas ondas deste mar, perdi você
Porém minha alma tola ainda crê
Que um dia voltarei a ser feliz...
Velejo por estranhas ilhas, portos,
Os sonhos que julgara, agora mortos,
Derramam suas nuvens num céu gris..
20076
Pudesse te tocar, imaginário.
Distante de meus braços, quem és tu?
O amor que se transforma em relicário
Delírio de um desejo, um corpo nu
Por vezes quase o roço. Mas me foge,
Vagando por estrelas e cometas,
Carrego em meu bornal, levo no alforje
Cultivo no jardim, tais violetas
E bebo deste estranho ritual
Inebriante anseio que domina.
Imagem deslumbrante e virtual,
Sublime maravilha, etérea mina.
Fartar-me da doçura desta fonte
Que escapa dos meus olhos, no horizonte...
20077
Teu corpo sensual semi-despido,
Suave transparência belos seios,
Caminho tantas vezes percorrido,
Gerando desde sempre mil anseios.
Seduzes num sorriso que convida,
A noite se transforma em pura festa
Por Dionísio-deus delícia ungida,
Que intensa fantasia nos empresta.
Por sobre estes lençóis, sedas, cetins,
Os lábios se tocando; te desnudo
Desejos e delírios carmesins,
Sem medo e sem pudores vale tudo,
E Baco embevecido, então sorri,
Decifrando os quereres que há em ti...
20078
Luxuriosamente em minha cama,
A lânguida presença desta amante,
Que num sorriso audaz convida e chama,
A um louco descaminho delirante.
Retiro tua roupa peça a peça,
Até poder te ter inteira e nua,
Sem nada que nos cale ou que me impeça
A festa sem limites continua,
Avanço por fronteiras invasivo,
Num ato de loucura e de prazer,
E o corpo que se dá convidativo,
Orgástico se deixa convencer
E assim, sem ter defesas nem pudores,
Vislumbro estrelas tantas, multicores...
20079
Insone, percorrendo a madrugada,
Apenas solidão por companheira,
A noite transcorrendo em vão, gelada,
O vento penetrando na soleira,
Parece que ouço passos nesta escada,
Quem seja alguma alma forasteira
Miragem pela ausência provocada
De uma esperança tola e derradeira...
Num átimo revejo novamente
Aquela que se foi pra nunca mais.
O olhar de um tresloucado, sempre mente
A vida não faria esta surpresa,
E sinto-me deveras feito presa
De emanações sombrias, espectrais...
20080
Teria alguma chance se eu pudesse
Seguir de peito aberto, destemido,
Um velho coração que se oferece
Sem nexo, sem juízo e sem sentido.
A vida sendo assim, como uma prece,
Um livro que jamais seria lido,
Enquanto a poesia que se tece
Condena-se ao vazio, ao triste olvido,
Levasse pelo menos, desta vida,
Os olhos de esperança de quem amo,
Missão eu já teria por cumprida,
Mas nada disso tenho em meu poder,
Se o arvoredo quebra cada ramo,
Só resta ao tolo amor, apodrecer...
20081
Eu falo dos amores como quem
Viveu tal esperança a vida inteira,
Cansado de buscar, não ter ninguém,
Apodreceu inerte esta roseira
Que um dia imaginei toda florida,
Perfumes invadindo a minha casa,
Assim também passei a minha vida,
Um pássaro podado e já sem asa
Cativo deste sonho, liberdade,
Amanhecendo só, bebendo o sol,
Imaginando plena claridade
Servindo – quem me- dera, de farol...
E trago no meu peito, a amarga treva,
Lá fora, eternamente sempre neva..
20082
Delícia é ter você junto comigo,
Nas loucas brincadeiras noite afora,
Um velho passageiro se demora
Ao encontrar ali, seu manso abrigo.
A pele bronzeada é um perigo,
E quando em fantasias se decora,
Chamando pra festança: Vam’embora!
Unindo meu umbigo ao seu umbigo,
A gente não descansa um só segundo,
Vagando o pensamento me aprofundo
Descobrindo a ciência do querer.
Brincar de pique esconde, rala e rola,
Minha alma ganhando asas já decola,
Pois sabe: se perdendo, irá vencer...
20083
Eu trago em meu bornal constelações
De sonhos numa plêiade fantástica,
Minha alma junto ao sonho queda espástica
Fixando meu olhar nos meus grilhões.
Irrompem frente a mim, aos borbotões
Milhões de nebulosas, rara plástica,
Quem dera a vida fosse tão elástica
Coubessem várias novas direções
Estrelas caberiam nos meus versos,
Por mais que fossem tantos universos,
O quanto é poesia? Um infinito.
Do canto do noturno bacurau,
Ao navegar planetas nesta nau
Fazendo do poema, um brado, um grito...
20084
Remotos mundos, vastos infinitos,
Titânicas vontades, medos tantos,
Orgásticas loucuras, vagos ritos,
Altares em fulgores, rudes cantos
Dos lúbricos desejos, fartos mitos,
Fazer de lupanares, sítios santos,
Erguendo dos meus erros, nunca citos,
Um fabuloso mar de desencantos.
Qual serpe que em meu corpo vaga, insana,
Tua nudez expõe fartos pomares,
Delírios de romãs, deusa profana
Nos lábios carmesins, brasas em chamas,
Permito-me seguir pelos vagares
Em que esfaimada e lânguida, reclamas...
CRUZESOUSEANDO
20085
Fartando-me dos sonhos mais ingratos,
Riscando os vãos espaços, sigo louco,
E o quanto desejei, pensara pouco,
Não bastará jamais para teus pratos.
Freqüentando minha alma, moscas, ratos,
Não quero a liberdade nem tampouco
Fazer-me de ignorante ou mesmo mouco
Fingindo não saber dos toscos fatos
Que rondam nossa vida. Em tal cenário,
Imaginando um raro lampadário
Encontro a escuridão como resposta.
Amar-te é me perder e sem defesas
Tornando as poesias mais obesas,
Com a verdade nua, inteira, exposta...
20086
Viver a fantasia de um momento,
Sentir que estás aqui, mesmo distante,
Num mundo tão diverso e delirante,
Apenas restará medo e lamento.
Nas mesas destes bares me arrebento,
A velha prostituta provocante,
O tédio, este vazio a cada instante,
Amiga solidão tomando o assento...
Viver a fantasia de ser teu,
O amor que há tanto tempo se escondeu
Perdido entre os olhares mais ausentes
Quebrantos e fantasmas me rondando,
Pergunto desde sempre como e quando.
Mas, tola fantasia, também mentes...
20087
São pequenos detalhes nada mais,
Apenas o que resta deste sonho,
Em cada novo verso te proponho
Momentos que bem sei, terei jamais.
As roupas penduradas nos varais,
Eterno anoitecer; sinto o medonho
Espectro que rondando, vai tristonho,
Quem dera ancoradouro, porto ou cais,
Mas vivendo o naufrágio deste amor,
Percebo quão é frágil o sonhador
Que pensa ter nas mãos o seu destino.
Detalhes, tão somente o que sobrou,
Do mundo que depressa desabou,
Levando ao mais completo desatino.
20088
Jogada nalgum canto de minha alma
Cravada feito cruz; beira de estrada,
Do quanto fora outrora resta o nada,
Somente este vazio, ora me acalma...
Vestindo de ilusões, velho palhaço,
Os ventos me guiando pelas ruas,
Estrelas são estradas, deusas nuas,
Ausência se traduz em cada abraço
Fazendo do meu peito, tolo ninho,
O medo de morrer, seguir sozinho,
Antigo companheiro; vem comigo
A tua traição, dura ferida
Sangrando cada curva desta vida,
Condena-me ao terror do desabrigo...
20089
Ao ver tua beleza constelar,
Luzindo num momento fabuloso,
O mundo se tornando luminoso,
Permite ao coração, raro cantar.
Vislumbro a maravilha a nos tomar,
A noite em perfeição, supremo gozo,
Vestida de luar, num caprichoso
Delírio que permite-me voar
Seguindo cada rastro, imensa luz,
Que ao ápice dos sonhos me conduz,
Tramando uma real felicidade.
Miríade fantástica, divina,
Presença que sublime, me ilumina,
Enchendo-me de rara claridade...
20090
Pudesse te tomar entre meus braços,
Dançando entre os luares e as estrelas,
No manso progredir de nossos passos,
Belezas tão difíceis de dizê-las.
Desfilas transparências, belos seios,
Fulgores sensuais, loucas vontades,
Seguindo sem pudores, sem receios,
Deixando para trás tolas verdades,
Num átimo ser deus e ser cativo,
Vibrando em convulsões deliciosas,
Viver este delírio que ora vivo,
Fartando-me de gozos quando gozas,
Valsando entre cometas, galerias,
Bebendo nos teus lábios, fantasias...
20091
As noites que passei te procurando,
Buscado cada passo que deixaste,
Pelas ruas noctâmbulo rondando
Farejo cada pedra que pisaste
Saber que te perdi, mas não sei quando,
A treva dentro da alma faz contraste
Com tanta claridade me tocando,
A vida me tornando um tosco traste...
O vento suspirando diz teu nome,
Porém como um fantasma logo some,
Deixando o teu perfume em minha pele,
Qual fora da esperança algum convite,
O sonho enfim navega sem limite,
E ao Éden feito braços, me compele...
20092
Entre os beijos mais loucos, nosso amor
Durante tanto tempo foi a luz
Que levando-me à loucura sem temor,
Se fez o Paraíso sendo a cruz.
Dos corpos nos lençóis, delírios nus,
Espécie de tortura e de louvor,
Na insânia de um tormento que conduz
A um deslumbrante mundo multicor...
Bailando sobre arestas e fagulhas,
No abismo que entorpece e me mergulhas
Fantásticas imagens, explosões...
Fazendo deste amor, tortura e glória,
Mudando a calmaria desta história
Alucinante gozo de tufões...
20093
Tocar tua nudez com meus desejos,
Teu corpo tatuado em minha tez,
No amor feito em loucura que se fez
Delírios, fantasias, loucos beijos...
E a deusa sensual, languidamente
Abrindo os seus caminhos me convida,
A celebrar em gozos, nossa vida,
Num mar feito em prazeres, indecente.
A fêmea que convulsa, me sorri,
Estrela dominando este cenário,
Demonstra a maravilha que há em ti,
Fenomenal bacante, intensa e rara,
No doce ritual, quase diário,
Um frêmito domina e assim me ampara...
20094
Pudesse dominar este planeta
Que há muito capotou, perdeu o senso,
Fazendo do prazer uma muleta,
Deixando todo mundo sempre tenso,
Teria em minhas mãos a doce seta
Que este Menino Deus, poder imenso,
Fazendo deste Amor, a sua meta
Teimando contra a dor, no fim eu venço.
Transformaria o Rio num remanso,
Na placidez suave da lagoa,
Gigante multidão de gente boa,
Porém se tal poder eu não alcanço,
Eu peço pelo menos, pela paz,
Porém nem disso o mundo, hoje é capaz...
20095
Retiro a tua roupa devagar,
Dançando sobre mim, baile divino,
Sorrindo com tesão, a provocar,
Usando este fascínio feminino...
Nas grutas e nas tocas mergulhar,
Bebendo o teu orvalho cristalino,
Cada detalhe teu, vou decorar,
Eu tanto quanto aprendo, já te ensino.
E jogo o mesmo jogo, sem vitórias,
Os risos e os orgasmos, nossas glórias,
Na louca sedução, deusa sacana,
Decifro os teus anseios, toco os seios,
E sem medos, receios; sigo os veios
Da divindade lúbrica e profana...
20096
Desejo o teu desejo simplesmente
Vibrante e sensual, doce delícia,
A cada novo toque, com malícia,
A noite se tornando mais ardente,
E tudo se transforma de repente,
Dilúvio de prazeres, sem notícia,
Aumenta a cada beijo, outra carícia,
Na intensa maravilha que se sente.
Invado os teus caminhos encharcados,
Delírios por loucuras provocados,
Atiças, transparente, meus anseios.
Depois, adormecido nos teus braços,
Estreito com carinho nossos laços,
Minha cabeça pousa entre teus seios...
20097
Roçando a tua pele, um arrepio,
Convite para a noite que se vem,
Dois corpos embalados pelo cio,
O amor que nos domina e nos contém.
Um novo Paraíso assim recrio,
No templo delicado de meu bem,
Teu corpo, generoso e tão macio,
O pensamento voa mais além
E chega ao mais fantástico recanto,
Vasculho sem pudores cada canto,
No encanto de ser teu e nada mais,
Estremecendo, insano de prazer,
Tomando num assalto todo o ser,
Como fossemos nós, dois animais...
20098
Deitados sobre a seda dos lençóis,
Fomentas as vontades mais audazes,
Teus olhos me orientam; dois faróis,
A lua numa noite, quatro fases,
Perdidos entre panos, tresloucados,
Encontro logo o mapa do tesouro,
Gemidos e sorrisos tão safados,
Decifram tão divino ancoradouro.
E douro-me em teus raios, sol brilhante,
Rainha feita em serpe, deusa nua,
O corpo se enroscando provocante,
Enquanto o nosso jogo continua,
Até que num espasmo sem igual,
Cumprimos nosso santo ritual...
20099
Gostosa esta fadinha tão safada,
Lambidas e chupões, beijos, tesão,
Olhar cheio de gula; assim tarada,
Incêndio assegurado no colchão...
Penetro tua gruta, está molhada,
Provoco esta divina inundação,
Deliciosamente a louca Fada,
Segura esta varinha de condão.
Fazendo então misérias nesta cama
Expondo um furacão com seus quadris,
Eu quero mais um pouco, peço bis,
Olhando sorrateira ela me chama,
Divino fogaréu, bela sacana,
Reinando em meus delírios, soberana...
20100
Acolhes com teu corpo o meu cansaço,
Descanso nos teus braços, sou feliz,
Entrego-me ao delírio do regaço,
Vivendo o grande amor que sempre quis.
Conheço cada parte, traço a traço,
Decifro os teus segredos mais sutis,
Assim ao apertar o estreito laço,
Enfrento os temporais e seus ardis.
Não deixo de querer esta querência,
Que possa me trazer total demência,
Mas vale quanto preza uma alegria.
No bem de amar demais, além do mais,
Aprendo com os nossos rituais
A crer ser realidade a fantasia...
20101
Seguindo cada rastro que tu deixas,
Percorro os infinitos, vago mares,
Encontro o Paraíso nos altares
Deitando sobre os sonhos, deusas, gueixas...
Carrego em minhas mãos, este astrolábio,
Buscando entre as tempestas, nosso barco,
O quanto no passado, foi tão parco,
Fazendo o meu viver mais pleno e sábio.
Tateio entre os penhascos e rochedos,
Vestígios que me contem os segredos
Aonde se escondeu minha sereia?
Seguindo estas pegadas, vou em frente,
Até quem sabe um dia, de repente,
Encontre-te desnuda em plena areia...
20102
Amei-te muito além do que devia,
Pecados que cometo, vez em quando,
O tempo muitas vezes, nos guiando
Confunde a lua cheia com o dia.
Nos momentos fugazes de alegria,
O mundo parecendo bem mais brando,
Porém o dia a dia me ensinando,
Que tudo não passou de fantasia..
Amei-te muito mais do que me amaste,
Depois, sei que é comum algum desgaste,
Mas nunca imaginei não sobrar nada...
A lua que julgava eterna e clara,
Por entre nuvens foge e desampara,
Negando qualquer forma de alvorada...
20103
Apenas um espectro e nada mais,
A sombra de quem tanto desejei
Caminha pela casa; noutra grei
Está quem não verei aqui jamais...
Lembrando-me de ti, ouvindo o vento,
Em que momento, amada, eu te perdi?
Só sei que em plena dor não te esqueci,
Estás presente em cada pensamento...
E quando estás comigo, sou feliz,
Preciso acreditar que voltarás.
Somente assim terei alguma paz,
Sanando o que sobrou, a cicatriz,
E vejo-te desnuda em minha cama...
Mas logo a realidade vem e chama...
20104
Neste soneto em forma de oração,
Eu venho, de joelhos, Te pedir,
Ó Pai maravilhoso, o Teu perdão,
E a paz sendo o meu guia no porvir.
Por mais que venha atroz a tentação,
Que eu possa com tal força resistir
Apascentando assim o furacão,
Que dentro da alma cisma em residir.
Perdoe se julgava-te feroz,
Um Deus que fosse sempre vingativo,
Porém ao escutar a minha voz
Eu creio-te um Amigo, um grande Pai,
O Deus que agora vejo, está bem vivo,
Enquanto o velho austero já se vai...
20105
Que Deus tenha a piedade de nós todos,
Errantes caminheiros sobre a Terra,
Embrenhados nos charcos e nos lodos,
Distantes da verdade que se encerra
No olhar de um Deus pacifico e amigo,
Na voz de um Criador, amante raro,
Carrego-te Senhor, junto comigo,
Tu és o meu caminho e meu amparo.
Um tolo pecador, por ser humano,
Eu peço-te perdão, arrependido,
E reconheço em Ti, meu Soberano,
A luz que sempre guia um ser perdido,
E louvo-te, Meu Pai nesta oração,
Simples forma de amor e adoração...
20106
Eu Amo-te Senhor dos desgraçados,
Que deu-se em sacrifício à raça humana,
Por maiores que sejam meus pecados,
Eu creio no poder que o amor emana,
Os homens vagam tolos pelas ruas,
Fazendo da riqueza sua glória,
Esquecem das lições que foram Tuas,
Jogadas nalgum canto da memória.
Eu faço meu louvor à santidade
Daquele que se fez homem também,
E sempre valorando a liberdade,
Mostrou todo o poder que vem do Bem.
Eu amo-te Senhor feito em perdão,
Tocai com puro Amor, meu coração...
20107
A morte dominando este cenário,
Olhando para as fotos eu revejo
O velho propulsor do Amor, desejo,
Perdido nas gavetas, neste armário.
Agora, o coração tão solitário,
Apenas o final triste, prevejo,
Enquanto no passado fui andejo,
Não passo deste velho, tolo, otário.
Exposto como um símio no zoológico,
O trágico somente se fez lógico,
Na prática, o final será bisonho.
Mendigo algum carinho, vil palhaço,
Por entre estes neons, trêmulo passo
Buscando um tosco escombro de algum sonho...
20108
Deixaste alguns resquícios nesta casa,
A sombra de um passado que revivo,
Enquanto o coração segue cativo,
E esta saudade tola ainda abrasa,
O tempo nunca para nem se atrasa,
Restando ao pensamento estar altivo,
Porém de mil perguntas eu me crivo,
Lembrar do nosso caso ainda apraza.
Chegando do trabalho, anoitecer,
Ouvir a tua voz sentir teu cheiro.
O coração batendo mais ligeiro,
Quem dera se eu pudesse te esquecer.
Ainda restaria alguma chance,
Antes que a morte enfim chegue e me alcance...
20109
Um velho e belicoso coração
Saudoso das intrigas do passado,
Provoca no meu peito, a frustração,
De quem não teve a sorte do seu lado.
A moça mais bonita do balcão,
Sorriso até simpático e safado,
Verdade vem me dando um safanão,
Sossega o velho pito seu tarado...
Botar minha viola neste saco,
Se já fui bom no assunto, hoje me calo,
Se até fui professor e não fui fraco
Não sei mais dos meandros deste rio.
Presente pras criança é meu embalo,
O galo quando canto, agora pio...
20110
Limpando estas gavetas, encontrei
As cartas que escreveste noutras eras,
Se as loucas fantasias geram feras,
Agora, bem mais tarde, eu me cansei.
Chegando seis da tarde, a noite vem,
E o tempo de sonhar inda consola,
Mulher quando coloca a camisola,
É pesadelo certo. Tudo bem...
A vida preparando esta armadilha,
Uma arapuca a mais, pois sei são tantas,
Minha nudez; garanto que me humilha,
A clava que era forte, hoje é pendão,
Ao urinar, depressa tu te espantas,
Ao ver molhado assim, o meu dedão...
20111
Lacaio dos mais tolos preconceitos
Eu faço o meu poema e metrifico,
Por isso tantas vezes mortifico,
Eu sei que são velhuscos meus conceitos.
A velha poesia dá direitos
Por isso não vou mais pagar tal mico,
O pau que vê Francisco dá no Chico,
Sejamos todos nós, por Deus aceitos.
Se eu tenho esta mania que me custa
De ter uma palavra mais robusta,
Escuto a maciez da bela brisa,
Minha alma, muitas vezes, feminina,
Sem nexo se acostuma com rotina,
E a métrica velhaca, ela reprisa...
20112
Ao ver a bela moça melancia,
A mão foi se assanhando, sem vergonha,
Menina tão bonita e tão risonha,
Transmite ao velho sonso uma alegria,
Enquanto com delicias fantasia,
Minha alma mesmo sendo esta pamonha,
Já sonha com lençol, colchão e fronha,
E a mente novamente rodopia...
Daria com certeza minha vida,
Ou o que resta dela, pois sei pouco,
Bancando sem juízo um velho louco
Acorda a antiga força adormecida,
E mesmo sendo a moça tão arisca,
Um beliscão na bunda,a mente arrisca...
20113
Bocage perto dela vira santo,
A moça só desfila palavrões,
Usando alguns modernos ou nem tanto,
São vários, na verdade seus bordões.
O rosto, delicado, é um encanto,
Precisas ver de perto seus peitões,
Declama poesias de Camões,
Porém abriu a boca é puro espanto.
Que belo contra-senso o dessa dama,
Com pós-graduação e doutorado,
Não faço com certeza nenhum drama.
Mas aprendi com ela este rosário,
Se bem que palavrão bem colocado,
Às vezes é um mal tão necessário...
20114
Eu sou botafoguense e isso me faz
Ter toda a paciência deste mundo,
Sofrer sem ter descanso, sou capaz,
Nas teias de uma dor eu me aprofundo,
Pois ser botafoguense é ter nos olhos,
O brilho da esperança imorredoura,
Por mais que no jardim surjam abrolhos,
Da estrela solitária o céu se doura.
Vencendo ou empatando até perdendo,
Não temo te garanto; o sofrimento,
Paixão é muito além de um tolo adendo,
Bem mais do que saber da luz do sol,
Viver sem ter porquês cada momento,
Amando sobretudo o futebol...
20115
Não posso reclamar do deus amor,
Amigo muitas vezes traiçoeiro,
Se às vezes nos parece redentor,
Em outras um velhaco trapaceiro.
Nem posso te dizer da imensa dor
Que sempre acompanhou; o tempo inteiro,
Também eu recolhi a bela flor
Cevada com carinhos no canteiro,
Não posso desdizer da minha sorte,
Cicatrizei em vida todo corte,
Tristezas, conheci. Tive prazer...
Mas sinto, neste instante; te asseguro,
Sem ter qualquer tormento ou mesmo apuro,
Simplesmente, é vontade de morrer.
20116
Minha alma, velha pária sem repouso,
Esgueira-se entre as pedras das calçadas.
Um sonho mais audaz; por vezes, ouso,
Porém as minhas pernas, tão cansadas.
O pensamento vaga entre ladeiras,
Estúpido poeta; quis amores,
As dores tão comuns e costumeiras
Enquanto os sonhos são frágeis atores...
Procuro na sarjeta algum recanto,
Aonde repousar minha alma inerme,
Até as ratazanas, desencanto,
Expulsam tal espectro, amaro verme...
Só me restam as águas poluídas
E as velhas ilusões apodrecidas...
20117
Houvesse decifrado teus anseios,
Jamais mergulharia noutros mares,
Vislumbrar na beleza de teus seios
Além dos mais audazes patamares.
Saudade retornando aos velhos veios
Revive dos amores, seus altares,
E os dias que se foram tão alheios,
Pudesse-me embeber nestes luares
Desejos incontidos; noite insana,
Tua nudez domina soberana,
E o mesmo Paraíso conhecido.
Amanhecer diante tal cenário,
Banquete inesquecível que, diário,
Exalta sem pudor, deusa libido...
20118
Satânica ilusão, cevando uma alma,
Que um dia desejou felicidade,
Somente a tempestade ainda acalma,
Quem vaga pelas noites da cidade.
Erguendo o mesmo brinde à louca sorte,
Entrego-me aos demônios, sem defesa,
Aguardo ansiosamente a minha morte,
Servir em tal banquete, sobremesa.
Orgástica festança toma o inferno,
Sonoras gargalhadas de bacantes,
Em meio a tal tumulto; a barca aderno,
Mergulho em tais orgias fulgurantes
Olhando bem distante, em louco afã,
A imagem soberana de Satã.
20119
Na guerra do diabo contra Deus,
As armas do demônio são mais fortes,
Cristãos que na verdade são ateus,
Sem rumo desconhecem próprios Nortes,
Das várias tentações, grandes aportes,
Tocando tanto crentes quanto hebreus,
Medalhas; coleciona em tais esportes,
É Cristo entregue às mãos dos fariseus...
Pelejando o Capeta é invencível,
A força do demônio sempre incrível
Somente uns três ou quatro inda resistem.
E o pobre Deus capenga, solitário,
Conhecendo tão bem seu adversário,
Aplaude os poucos loucos que inda insistem...
20120
Viajo por palavras, frases, riscos,
Arisco coração faz mil bobagens,
Devoro da ilusão fartos petiscos,
E guardo as esperanças nas garagens,
Aragens em viagens tão dispersas,
Expresso cada sonho em algum verso,
Nas ondas, as estrelas vão imersas,
Rondando pelo céu, vago universo.
Mas trago lá de Minas este queijo
Que vale da morena, um doce beijo,
E a foto de Itabira amarelada.
Rodando algum pião, amarelinha,
Minha alma descartável não se alinha
Com “jogos de botões sobre a calçada”.
20121
Quem dera se eu tivesse algum talento,
Defenderia algum no fim do mês.
Fazendo estes rabiscos até tento,
Não tenho um só sujeito por freguês,
Se eu fizesse algum funk prum jumento,
E maltratasse o pobre português,
Eu teria sucesso neste intento,
Mas com merecimento? Sim. Talvez.
Mas Deus por sacanagem quis brincar,
Fazendo este imbecil, um sonetista,
Por mais que eu ande livre pela pista
Não vejo mais ninguém querer dançar.
Teimoso, mesmo assim, melhor ser só,
Do que cantar a eguinha pocotó...
20122
Deliciosamente a moça deita,
Expondo as maravilhas, mais audaz,
Enquanto o meu olhar já se deleita,
Eu imagino entrando assim por trás...
Brincando com teu fogo, gozo certo,
As línguas vão fazendo os espetáculos,
E tendo o teu caminho todo aberto,
Os dedos penetrando são tentáculos...
Rebola sobre mim, num louco encaixe,
Depois te peço, manso, que se abaixe;
De quatro, este rodízio te fascina,
Na frente ou por detrás, é tão gostoso,
Explodo num momento em farto gozo,
E encharco com meu leite a tua mina...
20123
Periga ser feliz quem tanto quis
E se entregou inteira, sem frescura,
A moça que bancava santa e pura,
Na cama uma louca meretriz...
Querendo novamente, pede bis,
E a noite se clareia, mesmo escura,
O sexo, te garanto, traz a cura,
Se não tomar cuidado: mais um petiz...
Rebola seus quadris, fazendo a festa,
Cavalga requebrando, intensamente,
Aproveitando o tempo que inda resta
Não deixa pra depois e vem com tudo,
Donzela com relances de serpente,
Se precisar, querida, eu sempre ajudo...
20124
Fingindo-se de sábio, o velho otário,
Desfila um caminhão de teorias,
O paletó guardado num armário
Aumenta com certeza, valentias
Minerva perto dele, faz vergonha,
Sujeito carrancudo e peçonhento,
Pois qualquer babaquice que componha,
Espalha como bosta em pleno vento.
Coitada da narina de quem passa,
Quem sabe alguma coisa achando graça
Desta famigerada figuraça
Que guarda seus escritos como taça,
Embora carcomidos pela traça
Confunde um bom uísque com cachaça.
20125
Eu peco por pensar. Isso é demais,
Melhor seguir o chefe da matilha,
Vivendo solitário aqui nest’ ilha,
Melhor do que jantar entre chacais.
Varrendo os pensamentos, mero lixo,
Abraço o que restou de poesia,
O quanto que me sobra de alegria,
Não basta para encher um parco nicho.
Entre alfarrábios bebo algum poema,
Nasci noutra ninhada, de outra gema
Jogada nalgum canto, sem valor.
Se em versos quero dar o meu recado,
Percebo quando o rumo está errado,
Mas teimo em baboseiras tais, compor...
20126
A carta que mandei seguindo anexo,
Explica muito bem o que passou,
Se o tempo em plena curva capotou,
O que restou de nós, somente sexo.
Eu sei que o assunto assim, fica complexo,
O amor pra variar, já se enganou,
Vibrando como fosse um belo gol,
No final da partida, foi sem nexo...
Jogando esta toalha, caio fora,
Perdoe minhas últimas mentiras,
Rasgando a minha carta em várias tiras,
Eu peço-te licença e vou embora,
Fugir para Pasárgada, quem sabe?
Antes que o temporal, venha e desabe.
20127
A serpe fez misérias com Adão,
Assim nos conta a Bíblia, no começo.
Fazer com seu trabalho o próprio pão,
Será que sou culpado? Isso eu mereço?
Se for pensar em Evas, vale a pena,
Pagar pelo pecado de vovô,
Porém algo me diz que é falsa a cena
Não passa, na verdade de um caô.
Chamego de morena: ô troço bão,
Já diz a mineirada sem pudor,
Deitada peladinha em meu colchão,
Peço desculpas, sou um pecador...
Um cheiro no cangote é covardia,
Serpente tão ladina, já sabia...
20128
Mangueiras no quintal, infância boa...
O tempo faz das suas covardias,
Deixando para trás as melodias,
Naufrago sem querer minha canoa.
Um dia sem ter nada, fico à toa,
Envolto nas antigas pescarias,
Agora são ligeiros os meus dias,
Sirene nos ouvidos inda ecoa.
Depois, ônibus cheio, fome tanta,
Mulher já me aguardando faz a janta
E no cotidiano, sobrevivo...
Quem dera se menino ainda fosse,
Falar desta que me trouxe,
Do fundo da lagoa, um peixe vivo...
20129
Ouvindo-te peidar aqui no quarto,
Recordo-me da sílfide divina,
Que um dia conheci, em plena esquina,
Passado que em verdade não descarto.
O amor traz as belezas feito um parto,
Mas tem sua magia que fascina,
Aquela que já foi bela menina,
Deixando o meu olhar de luzes farto,
Agora se tornou a peidorreira,
Obesa e desdentada, mentirosa,
É triste o fenecer da bela rosa
E ver o resultado desta história,
Ainda bem que resta na memória
A imagem delicada e tão formosa...
20130
Chegando de manhã, outro pileque,
Desculpa esfarrapada? Nunca mais.
Chamado de pilantra e de moleque
São coisas, na verdade, bem normais.
Desconta no boteco um novo cheque,
Estrelas coletadas nos bornais,
Quem fora centro avante encara o beque
São lances tão comuns e tão banais...
E o casamento segue deste jeito,
Para a sociedade um par perfeito,
A dama e o cavalheiro tão gentis...
Enquanto o seu marido está na farra,
Num sonho mais audaz ela se agarra,
Deseja ser viúva e meretriz...
20131
Chegando o carnaval, a moça pira,
Rebola o tempo todo lá no ensaio,
Donzela se transforma na vampira,
No conto da princesa não mais caio.
Enquanto sem parar a Terra gira,
Do sexo, na verdade sou lacaio,
Usando no desfile fina tira,
Um corpo que provoca até desmaio...
Depois de uma semana, tudo acaba,
Cada macaco volta para a taba,
E a moça vai posando de donzela
Porém ouvindo o som da batucada,
A santa vai ficando abandonada
E o furacão de saias se revela...
20132
Eu sei que isto parece sem valor,
Ficar perdendo tempo com poemas,
Seria bem melhor trabalhador
Se andasse pesquisando uns outros temas.
Por mais que eu te pareça um vagabundo,
Não tendo muito coisa pra fazer,
Prefiro viajar por este mundo,
Usando a fantasia para ter
Nos olhos estas praias tropicais,
No balançar sutis dos coqueirais,
Fechando os olhos, viva a liberdade!
Porém sei que amanhã, é um novo dia,
Sem sonhos, sem mergulho ou poesia,
Imerso na loucura da cidade...
20133
Fechando a minha porta aos devaneios,
Não deixo mais a musa chegar perto,
Agora eu aprendi ficar esperto,
Tampouco me empolgar com belos seios...
Falando francamente sem rodeios,
O que restou de tudo, este deserto,
Porteira coração ficando aberto,
Os olhos de quem quero estão alheios.
Ó Musa, com licença, caia fora,
A luz que tu emanas não decora,
Garanto não serei sequer gentil,
Cansado da ilusão, feito um panaca,
Minha alma aqui parada, agora empaca
E manda a Musa à puta que a pariu...
20134
Esvaziando a tarde, a noite traz
Estrelas e luar e botequins,
Os toscos corações tupiniquins
Ainda vão sonhando com a paz.
Enquanto o Tio Sam, velho voraz,
Espalha os herbecidas nos jardins
Os meios justificam torpes fins,
E o boi seguindo a vaca, segue atrás...
Eu fico embasbacado quando vejo
A tola socialaite no Amaury,
Desculpe, na verdade isto dá pejo.
A pobre burguesia brasileira,
Trazendo Nova Iorque para aqui,
Importa de Paris qualquer besteira...
20135
Um dia eu acordei numa banheira,
Ressaca violenta, porre homérico,
Ao ver a situação, a companheira
Lançou seu costumeiro grito histérico.
Às vezes me fazendo de exotérico,
Eu imagino assim, qualquer besteira,
O amor que a vida trouxe, foi genérico,
Cansei de perturbar esta parteira
E assim fiz coleção; sete guris,
Não sou tampouco alegre nem feliz,
Mas gosto de brincar com as palavras.
Melhor seria ser agricultor,
Fazendo alguma coisa de valor,
Cuidando com carinho de outras lavras...
20136
Teria alguma chance finalmente
Se tudo fosse assim, como sonhei,
Se cada novo dia despertei
Tomando esta ilusão, invade a mente;
E quando a realidade chega e mente,
Castelo desabando mata o rei,
Assim é da existência, a sua lei,
Por mais que outro caminho o sonho tente.
Levando uma pancada, sigo em riste,
Não vejo mais motivos pra ser triste
Se existe a negação, terei um sim...
Durante tanto tempo persegui
As marcas que levavam até ti,
Mas hoje estou liberto, até que enfim!
20138
Fazer deste soneto um tanto hermético
Usando vãs palavras. Ser pernóstico,
No fundo não tomei nenhum emético,
Nem vou fazer sequer outro prognóstico
Por ser, como já sabem, diabético,
Não sendo nem beato nem agnóstico,
O fim que ora pretendo, mais estético,
Já não permitira um diagnóstico.
Nascido nas entranhas das Gerais,
Um bom caboclo nunca é confiado,
Se o botequim não vende mais fiado,
Decerto ali não compro nunca mais,
Um coração mineiro e caipira,
Nos olhos da ilusão, decerto mira...
20139
Levanta o adormecido pelo tempo,
Revive a clava forte do passado,
Causando reboliço, o passatempo,
Tornando o cidadão bem preparado
Pras lutas e batalhas mais heróicas,
Vencendo o baixo astral, reforça a lança,
Mulheres não precisam ser estóicas,
Pois Mesmo quando a idade, aumenta e avança.
Salvando os casamentos de um ocaso,
Enriquecendo os donos de motéis,
Vovô já me garante ter um caso,
Os velhos desempenham bons papéis...
O herói que na verdade nos consagra,
Atende pelo nome de Viagra...
20140
Quem dera se possível liberdade
Alçando os infinitos que pretendo,
Se os olhos; no futuro ainda estendo,
Rotina nos destrói e tudo invade.
Quisera ter a tal serenidade,
Ou pelo menos, risos revivendo,
O amor que tanto quis está morrendo,
Não restará enfim qualquer saudade...
Fazendo do meu verso último apelo,
Quem sabe derretendo assim o gelo
Renasça a primavera deste amor.
Medonhas tempestades ou marasmo,
O riso sem prazer, puro sarcasmo,
Sem orgasmo que venha redentor...
20141
Usando os artifícios da ilusão,
Andei forjando sonhos mais audazes,
Somente por resposta o mesmo não,
Na mão jamais detive tantos ases.
Em cada poesia que me trazes,
Eu vejo o mesmo mote: solidão,
Os dias voam rápido, vorazes
Não mudam nem sequer de direção.
Seriamos felizes, quem me dera.
Ouvindo o belo canto da esperança,
A vida nos devora, louca fera,
E nada deixa em troca, só saudade.
Escombros que carrego na lembrança,
Do que pensara ser felicidade...
20142
Caminho entre as escarpas da ilusão,
Penhascos, pedregulhos, precipícios.
Minha alma rastejando no porão
Carrega dentro dela velhos vícios.
Um corpo condenado à podridão,
Conhece muito bem os seus ofícios,
Quem sabe o crematório... Este carvão
Exploda em vários fogos de artifícios...
Audaz, tentei tocar falsos altares,
Vibrando em discussões, freqüentei bares,
Em tristes lupanares, me entreguei,
Agora, carcomido pela vida,
Um pária preparando a despedida,
Vociferando insano grita: amei!
20143
Pudesse amor com sua galhardia
Tocar os corações mais resistentes,
A vida transbordando poesia
Os sonhos tão felizes quanto ardentes.
Um pássaro em sonora melodia
Apascentando os pobres penitentes,
Enquanto o amanhecer já se anuncia,
O sol em raios fulgidos e quentes.
A seta do Menino feito deus,
Atingindo por alvo os olhos meus,
Condena-me ao sofrer doce e risonho,
Traçando o meu destino, muda o Fado,
E aquele por deus Eros alvejado,
Mergulha sem defesas neste sonho...
20144
Se tudo nesta vida vem do acaso,
O passo sempre trôpego de uma alma,
Que o tempo condenou ao vago ocaso,
Jamais teria a sorte que me acalma.
Durante tantos anos, sem ninguém,
Incríveis vastidões, meu pensamento,
Agora que esta noite ao longe vem,
Percebo o ressurgir de um sentimento
Que outrora fez-se morto em minha vida,
Distante das retinas tão cansadas,
Poder chamar alguém: - Minha querida,
Sentir da mansa brisa tais lufadas
É como o renascer de uma alma pálida
Gerando esta esperança de crisálida...
20145
Vendido num prostíbulo, Jesus,
A carne carcomida expondo os ossos,
No olhar quase infantil expõe a cruz,
Que é feita pelos erros, teus e nossos.
Inóspita figura esta carcaça,
Sorri com a inocência de um petiz,
A multidão ignora quando passa,
Olhando de soslaio este infeliz.
Antigos vendilhões e cafetinas,
Expondo esta chagásica criança
Que segue semi-viva nas esquinas,
Rapineiros burgueses; fria lança,
Imensa confraria, torpe e omissa,
Seguindo para a Igreja. Hoje tem Missa...
20146
Durante tanto tempo angustiado,
Sonhando com alguém com quem tecesse
Um mundo pelos anjos resguardado,
Num amor que enfim tivesse e nele cresse.
Um velho passageiro deste trem,
Busca nas estações felicidade,
Que cisma tantas vezes, nunca vem,
Vagando pelas ruas da cidade.
Um dia ainda havia de chegar
O amor que desejei a vida inteira,
No qual pudesse sempre confiar,
A deusa carinhosa e feiticeira
Chegando de manhã, café com pão,
À noite em pura seda, a refeição...
20147
Esboço algum sorriso, mesmo irônico,
O caos já se aproxima finalmente,
O mundo cada vez se mostra hedônico
Vivendo por prazer tão simplesmente.
Nas ruas; formigueiros sem destino,
A multidão servindo de moeda,
O sol, sessenta graus, seguindo a pino,
A cada novo passo, espero a queda.
E vejo nos congressos, velha súcia,
Vendendo o que restou de uma inocência,
Crianças com seus bichos de pelúcia
Astúcia devorando sem clemência
Os sonhos de um País, de um novo dia,
Que este poder tão podre negocia...
20148
Não me resta senão falar dos sonhos,
Se a vesga realidade toma a cena,
Por mais que a tarde venha tão serena
Os velhos pensamentos são medonhos.
Na antiga garatuja, o meu retrato,
Esgares que pensara simpatia,
A morte que, teimoso, o tempo adia,
Um dia no jantar será meu prato
Servido em pura e fina porcelana,
Talheres prateados, riso falso.
O amor, esta cruel zarabatana
Prepara um confortável cadafalso,
Bem antes que esperança tola morra,
Serei trancafiado em tal masmorra...
20149
Na lúdica presença da esperança
Vagando entre milhares de mentiras,
Por mais que na verdade ainda firas,
Carrego tua imagem na lembrança.
Andando sobre os cacos da vidraça
Quebrada há tantos anos: ilusão,
As dores em terrível procissão,
Enquanto a velha banda toca e passa.
A moça da janela, foi-se embora,
Fugiu com um antigo caminhoneiro,
Se uma alma de poeta ainda chora,
A moça ri no Rio de Janeiro.
E o preço do passado é ser careta,
Lugar de sonhador é na sarjeta...
20150
Pressinto que esta noite não virás,
Embora esteja sempre à minha cama,
Terei algumas horas mais de paz.
Mas sei inevitável esta trama...
O teu olhar faminto e até voraz,
Prenunciando o fim, comédia e drama,
Eu sei que a liberdade sempre traz,
Porém minha alma tola, inda reclama,
Pudesse resistir mais alguns dias,
Mas tudo tem seu tempo, eis a verdade.
Realizei algumas fantasias,
Porém a maioria se perdeu,
De tudo o que ficar; sequer saudade,
Apenas o vazio, treva e breu...
20151
Fazer deste soneto um manifesto
Na luta tão inglória por justiça,
Se ao sonho muitas vezes eu me presto,
Não tenho sequer forças nesta liça.
Mas vale registrar o meu protesto,
Minha alma não será; decerto omissa,
Um risco de esperança; ainda atesto,
A flor que ontem plantei agora viça...
E assim caminha a insana multidão,
Repete os mesmos erros do passado.
Pensando tão somente no seu pão,
Jamais verá o bem multiplicado,
Pois se Ele já nos trouxe esta lição,
O mundo permanece assim: calado...
20152
Elevo o pensamento ao Meu Senhor
E peço tão somente por justiça,
Embora caridoso, o Redentor,
Já não suporta tanta gente omissa.
A ação é que reflete o pleno amor,
Não é sentando a bunda numa missa
Que o mundo agradará tal Criador,
Cansado de sangrar tanta injustiça.
Eu peço algum juízo pelo menos,
Aos homens, raça podre e sem valia,
De orgulho e de soberba vivem plenos
Fazendo do dinheiro e do Poder
A meta que se busca todo dia,
Vendendo o pobre Cristo, sem saber...
20153
Pudesse compreender o imenso amor,
Seria então, quem sabe mais feliz,
Se a própria realidade nos desdiz,
Espinho justifica a bela flor.
O velho coração de um cantador,
Olhando para a lua sempre quis,
Sanar com farta paz a cicatriz
Gerada, muitas vezes pela dor.
Assaz maravilhosa; tal quimera,
Ao mesmo tempo mansa e louca fera,
Jamais se deixará domar, por certo.
O amor que tem em si a liberdade,
Por ter a mais complexa divindade,
Encharca de esperanças o deserto...
20154
Já não suporto tanta hipocrisia
Desta sociedade envilecida,
Um mundo tolo e à parte que se cria
Demonstra uma alma tosca apodrecida.
Ao proletário resta esta sangria,
Que a cada novo dia é revendida,
Suprema morbidez, com vilania,
Jamais será decerto enfim vencida.
Por ser também o sonho do plebeu,
Contaminado povo sem pudor,
Medalhas carregando quem venceu
E se tornou também outro burguês
Sem ter sequer juízo de valor
Somente muda a face do freguês...
20155
A minha voz é quase solitária,
Mas tanto que repito estas imagens,
Quem sabe não serão simples miragens
Belezas tão sutis em alma vária.
Eu sei que para ti eu sou um pária,
Que teima em prosseguir nestas paragens,
Se o pensamento faz outras viagens,
Não quero crer que seja temporária
A sorte que bendiz quem faz do amor
Além de um simples ato passageiro,
Um mote que acompanha o tempo inteiro
Sabendo da alegria, o seu sabor,
Caminho pra sonhada eternidade
Libertadora chave, a da Verdade.
20156
A solidão tocando meus umbrais,
Qual vento que me chama à realidade,
Dizendo, velho corvo, nunca mais,
A vida será plena de verdade...
Momentos que julgara tão banais,
Agora uma sublime raridade,
Amei, foi meu grande erro, até demais,
Agora vivo à sombra da saudade...
Procuro serenar minha alma triste,
Porém o vento volta, e ainda insiste
Qual ave que agourenta não se vai.
A tarde vai passando e a noite vem,
De novo, eternamente, sem ninguém,
E o que era uma esperança já me trai...
20157
Persigo estas pegadas que deixaste
No caminhar por entre movediças
Areias, constatando tal contraste
Com as palavras vãs e corrediças.
Chegando de mansinho no teu quarto,
Pegando em tuas mãos, beijando o rosto,
Se agora de teus sonhos eu me aparto,
Ainda pelas ruas sigo exposto,
Mostrando a minha face carcomida,
Carcaça de um fantasma solitário
Que embora pelo tempo; apodrecida,
Ainda busca um gozo temporário.
Mereço alguma chance? Nada disso,
O brilho em meu olhar já não tem viço...
20158
Olhando mansamente para ti
Minha alma sorridente se desnuda,
Refaço cada passo que perdi,
A vida em esperança então se escuda.
Famélica ilusão que eu alimento,
De ter algum momento de alegria,
Girando pelo etéreo, o pensamento,
Buscando num sorriso a estrela guia.
Querências que se tocam, num milagre
Professam mesmo encanto, sendo iguais,
E tendo o grande amor que nos consagre,
Superam-se tolices tão banais
Surgindo outra manhã, divino sol,
Dourando tudo em volta, no arrebol...
20159
Sentir o teu calor em cada abraço,
Fomento de alegria para uma alma,
Que ao ter a mansidão de um raro laço,
Durante a tempestade já se acalma,
Erguendo um brinde à sorte de poder
Viver extasiado, sem temores,
Sabendo a cada instante reviver
Canteiros recobertos pelas flores,
Num átimo se faz da primavera
Uma estação que mostra a claridade
Suprema que em minha alma doma e impera,
Levando ao pensamento eternidade.
Extrema sensação de bem estar,
Podendo finalmente, em paz, te amar...
20160
A morte me aguardando numa esquina,
Jamais me angustiei, eu te asseguro,
Por mais que o coração pareça duro,
Palavra que o final inda fascina.
A vida pouco a pouco nos ensina,
Tentando ultrapassar um alto muro,
Passando por problemas, tanto apuro,
A solução final se determina.
E quando enfim fecharem-se meus olhos,
Cansados desta lida; dos abrolhos,
Terei enfim a paz que persegui.
Saber que a minha morte gera a vida,
Minha última missão será cumprida,
Valendo até por isto estar aqui...
20161
Amiga, eu quis matar este poeta
Que cisma em maltratar o português,
Quem tem a fantasia como meta
Esquece quando chega a sua vez,
Porém a companhia tão dileta
De amigos, este sonho já desfez
A minha brincadeira predileta,
Soneto, mais um pouco, sou freguês...
Remando mesmo contra esta maré,
Mantendo algum resquício de uma fé
Que possa permitir uma abertura.
Sabendo que o mercado hoje é fechado,
Aqui eu vou mandando o meu recado,
Sem grilhões, sem temor e sem frescura...
20162
O teu perfume está tão entranhado
Em minha pele e mesmo dentro da alma,
Imagem sempre viva de um passado,
Aonde eu aprendi, ternura e calma.
Vencer os dissabores, Doce Fado,
A tua poesia sempre acalma,
Um velho coração aprisionado,
Esquece nos teus braços qualquer trauma.
E vive tão somente por viver
Sem ter que responder perguntas tolas,
Tendo a felicidade de saber
Reconhecer o trigo em tanto joio,
No vento em que me tocas, e me assolas,
Encontro, em paradoxo, forte apoio...
20163
Guardando neste cofre, coração,
Momentos divinais que conhecemos,
No cálice da sorte em que bebemos,
A vida na completa libação.
Inebriadamente esqueço o não,
E teimo navegar com frágeis remos,
Pois sei que desde quando nós nos vemos,
O amor: a mais perfeita embarcação.
Enfrentando este mar forte e bravio,
Sementes de esperança cultivadas,
As hortas da ilusão, por Deus aradas,
Vencendo qualquer medo ou desafio.
Cevando esta alegria, tenho o fruto,
Que em fartas refeições, cedo desfruto...
20164
Satânica presença desvirtua
O antigo caminhar ingênuo e franco,
A serpe se despindo e bela, nua,
Tornando o pensamento frágil, manco.
Tentando controlar as emoções,
Tolice, pois humano sou falível,
Quem há de resistir às tentações
Final vai se tornando previsível.
Sou vítima de toda esta magia
Que trazes no molejo dos quadris,
Quisera ter poder, resistiria,
Mas mesmo obediente sou feliz,
A deusa rara sílfide esta ninfa,
Senhora e dos anseios paraninfa...
20165
Opacas as estrelas que deixaste
Conforme a caminhada, a luz se apaga,
A vida abrindo a boca, amarga draga,
Provoca fatalmente algum desgaste,
Meus dentes já caíram, não restou
Sequer algum molar, pobre canino,
Porém de tão teimoso ainda vou
Seguindo as velhas trilhas de um menino,
Que fez do seu quintal, o Paraíso,
Mangueiras em florada, uma promessa,
O tempo vai roubando o meu juízo,
E a doce meninice recomeça.
Moleque coração perdendo o senso,
Querendo o renascer do amor intenso.
20166
Feliz de quem caminha contra o vento,
Sem ter os preconceitos imbecis,
Liberto, seja sempre o pensamento,
Mesmo que isto acarrete a cicatriz.
A liberdade é um bem demais sangrento,
A morte sendo adubo pra raiz,
A paz que após virá serve de alento,
Tornando bem mais claro um céu tão gris.
Nos tempos de silêncio e de tortura,
As marcas das chibatas, paus de arara,
Democracia plena é jóia rara,
Por mais que a vida seja amarga e dura,
As mãos que se cortaram nesta luta,
As flores enfrentando a força bruta...
20167
Se o caso for descaso, caso logo,
Ocaso de esperança é noite fria,
Nos braços da mulher bela me afogo,
Bebendo cada gole, poesia.
Nas minhas orações, decerto rogo,
E peço alguma forma de alegria,
E quando em teus abraços eu me jogo,
Delícia sem igual me propicia
O fato de ser teu me faz mais forte,
O amor é pedestal, dando suporte
A quem deseja um tempo mais tranqüilo,
Por isso é que entre estrelas tão brilhantes,
Teus olhos, os mais puros diamantes,
Por entre mil neons, feliz desfilo...
20168
Falando sério, eu tento ser feliz,
Enfrentando as arengas desta vida,
Uma alma tolamente enternecida
Eternamente frágil, aprendiz.
Encontro a cada esquina a meretriz
Difícil com certeza a sua lida,
Nem sempre a recompensa merecida
Por sua atuação de grande atriz.
Mensagens que recebo; dos jornais,
Notícias requentadas nos diários,
Os dias transcorrendo sempre iguais,
Aquela poesia que escrevi,
Deixada nas gavetas dos armários
Demonstra todo amor que existe em ti...
20169
Pedindo uma licença e prosseguir,
Adentro labirintos, desenganos,
Nem mesmo o ensinamento dos decanos
Garante que inda possa conseguir...
Quem dera em minhas mãos, o meu porvir,
Assim calcularia bem meus planos,
Meus erros tão comuns, simples, humanos,
Não me deixam por vezes reagir.
Celebro então à vida e me embriago,
Vendo a realidade em cada trago,
No gosto da aguardente, a solução.
Serpenteando sonhos e vazios,
Alheio aos mais complexos desafios,
Pressinto por resposta o mesmo não.
20170
Servindo de joguete para a sorte,
Nos becos sem saída desta vida,
Ao ver rondando aqui, a doce morte,
Preparo a cada dia a despedida...
Serenamente enfrento qualquer corte,
Alimentando sempre esta ferida,
Jamais encontrei um rumo, um Norte,
A minha história há tanto está perdida...
Levando para o túmulo meus sonhos,
Envolto em pesadelos tão medonhos,
As portas de um inferno, em vida eu abro.
As órbitas vazias; nada resta,
Senão a maravilha que se empresta,
Derradeiro retrato, em paz, macabro...
20171
Há tanto procurei a liberdade
De ter em minhas mãos o meu futuro,
Agora que a incerteza chega e invade,
Percebo quanto o chão se fez tão duro.
O velho coração, tolo e maduro,
Carrega nos bornais tanta saudade,
E quando se vestindo com apuro,
Procura demonstrar serenidade...
Mas tudo não passou de um tosco engodo,
Confundo alguma parte com o todo
E moldo uma escultura falsa e vã.
Mesquinharias foram companheiras,
As horas escapando tão ligeiras,
Negando as mãos da frágil tecelã.
20172
Eu fumo mais um trago/suicida,
No fundo, o que desejo é um bom final,
O corpo já cansado, nega a vida,
Estúpido e vazio este jogral,
Rasgando cada parte, eis a ferida
Expondo o meu instinto mais boçal,
Difícil recomeço; velha lida,
Tramóia sem motivos; sou banal.
Esgueiro-me entre as trevas, serpenteio,
Tecendo as mesmas teias, nada levo.
E quando alguma planta ainda cevo,
Apenas o vazio, ainda veio,
Perene sensação de invalidez,
A vida se mostrando estupidez...
20173
Felicidade rara se revela
Num toque carinhoso que trocamos,
Emoldurando o sonho, bela tela
Que aos poucos com denodo nós pintamos...
Assim nosso destino em paz se sela,
Da forma tão serena que sonhamos...
Meu barco em calmaria abrindo a vela
Até chegar ao cais onde aportamos
Tramando um novo dia que virá
Brilhando eternamente, desde já,
Sabendo que nós somos tão felizes
Cuidando deste amor que é rara mina,
Que tanto me conquista e me fascina,
Num céu de raras cores e matizes...
20174
A Musa que era bela e tão risonha,
Singela maravilha: perfeição,
Agora, garatuja que medonha
Assusta qualquer pobre cidadão.
Admito, fui um cabra sem-vergonha,
Pulando muitas vezes, o portão,
Mas juro, não pensava ser pamonha,
E ter sob controle a direção...
Depois que eu descobri a safadeza,
Mulher é a rainha da destreza,
Não pude, meu amigo, ficar mudo.
Se toda a vizinhança fez a festa,
Protuberância nasce em minha testa,
De fato, com certeza, sou chifrudo...
20175
Arrasto-me entre os becos, sorrateiro,
Percurso repetido todo dia.
Se outrora, por amor, me dei inteiro,
O que restou: a noite vaga e fria.
Dos sonhos, um eterno garimpeiro,
Entregue à delicada fantasia,
Se agora entre os esgotos, eu me esgueiro,
Procuro na sarjeta, poesia.
Amando sob estrelas, bebo a lua,
Encontro tua sombra pela rua
E finjo acreditar no grande amor.
Aos poucos, agrisalham-se os cabelos,
Quem dera, teus carinhos inda tê-los,
Do esterco nascerá enfim a flor?
20176
Eu vim lá das Gerais, de Muriaé,
Trazendo dentro da alma esta esperança
Que posso te dizer maior que fé
Do forte caminheiro que se lança;
Podadas minhas asas, vou a pé,
Porém jamais termino tal andança,
Alheio aos pedregulhos; chego até
O sonho mais audaz, permite, alcança...
Escalando montanhas, vejo planos,
Mesmo que isto demore vários anos,
Eu chegarei ao fim da caminhada...
Levando no bornal a estrela guia,
No coração a imensa fantasia,
Que ao fim de tanto andar, dará em nada.
20177
Mandei minha esperança para o inferno,
Coitado do Capeta, este infeliz,
Se em vida sobrevivo ou mesmo hiberno,
O jeito é carregar como se diz,
O peso que carrego, sendo eterno,
Minha alma esta velhaca meretriz,
Imitando o modelo do meu terno,
Puído, destroçado, este infeliz...
Não quero mais saber de tantos sonhos,
Tremenda babaquice, uma ilusão,
Me arrebentando sempre, vou ao chão,
Destroços que inda sobram são bisonhos,
Mandando esta esperança então pastar,
Quem saiba, enfim consiga caminhar...
20178
Um beliscão na bunda da morena,
Um sonho realizado. Eu te garanto
Que repetir de novo a mesma cena,
Seria perigoso, mas nem tanto.
No Senador sentar um pescoção,
Chutando este traseiro avantajado,
Roubando uma carteira do ladrão
Que os outros elegeram deputado.
Fazer o que me der sempre na telha,
Sem ter qualquer temor, ser verdadeiro,
No fundo Satanás aqui se espelha,
Garanto que o Capeta é brasileiro.
Se o Papa fosse mesmo carioca,
Qualquer bobeira dada, ele maloca...
20179
Bicuda na saudade, vamo’embora
Que o tempo faz questão de não parar,
A fantasia serve como escora,
Senão não fica nada no lugar.
A redenção, garantem, não demora,
Melhor ficar sentado e se calar,
Se uma alma caipira sempre chora,
A plantação inteira vai salgar.
Cansado de te ouvir falar besteira,
Reclama o tempo todo e nada faz,
A gente vai ficando na rabeira
E o páreo nem ao menos começou,
Quem quer, deseja muito vai atrás,
Fui reparar direito: terminou...
20180
Eu vim pra complicar sua cabeça.
“A mosca que pousou na sua sopa”
Quem não repara e vê logo tropeça,
O barco naufragando, pois sem popa.
Eu jogo minhas mãos para o infinito,
Imito o Redentor, abraço o mundo,
E quanto mais eu quero e me exercito,
Na merda que me cerca eu saio imundo.
Vagabundo poeta sem ter eira,
Falar de um grande amor? Já me cansei,
Escrevo qualquer tosca baboseira,
Na teimosia, nunca vencerei.
Ser brasileiro é mais que privilegio,
É repetir matérias no colégio...
20181
Na boca da botija perco o lance,
É tremedeira certa em minhas pernas.
Por mais que minha idade sempre avance
As velhas fantasias são eternas.
Com a maior beldade, algum romance,
Palavras carinhosas e tão ternas,
Sonhar com a riqueza que não veio,
Voar por infinitos sem ter asas,
Vislumbro da vizinha o belo seio,
Construo a cada dia cem mil casas.
Encaro qualquer coisa sem receio,
Andando assim descalço sobre brasas.
Um velho coração de longe acena,
Aguarda pela ponte de safena...
20182
O tempo, indiferente não tem pena,
Inexoravelmente me atropela,
Jamais repetirá a mesma cena,
A vida nunca para e se congela.
Cabeça é bem teimosa e concatena
Tentando se soltar da triste cela,
Corcel feito esperança, alma serena,
A liberdade toma e logo sela.
Assim vou caminhando contra o vento,
Domando esta minha alma pueril,
Voando sem limite, o pensamento,
Passeia no quintal, brinca liberto,
De um tempo mais amigo e mais gentil,
O que restou? Somente este deserto...
20183
Somando os nossos erros: fim de jogo,
O amor não resistiu aos temporais,
Foi pouco o que pensara ser demais,
Fumaça simulava tanto fogo.
Em cada nova prece, em cada rogo,
Momento que pensei fenomenais,
Era somente o vago e nada mais,
Acostumado à dor ( sou Botafogo)
Impávido; resisto à tentação.
E quando o novo dia clarear,
Num belo amanhecer, imenso sol,
O refazer dos sonhos, da ilusão,
Tomando no meu peito o seu lugar,
Vencendo as duras trevas, meu farol...
20184
Vieste redentora após tempestas,
Florada inesquecível, primavera.
Depois do sofrimento, é longa a espera,
O coração vibrando em belas festas.
Abrindo no meu peito, tantas frestas,
A vida que em desejos se tempera,
Apascentando a dor, temível fera,
Acalentando o sonho que ora gestas.
Mantendo o meu olhar neste horizonte,
Matizes divinais; vejo o teu rosto,
Ao brilho destes raios sigo exposto,
Descubro do prazer, sagrada fonte,
Erguendo um raro altar ao deus Amor,
Entregue ao teu sorriso, sedutor...
20185
Romper velhas algemas e correntes,
Arrebentando assim duros grilhões,
Vagando entre as vazias multidões,
Qual turba incontrolável de dementes.
Romper todas as normas, cada lei
E ter a liberdade de voar,
Renasço mansamente, devagar,
Angústias do passado; sufoquei.
Encaro qualquer curva ou precipício,
Abrindo o meu caminho a qualquer custo,
Sabendo da verdade desde o início,
Num mundo tão cruel; amargo e injusto,
Eu sei quanto é difícil o renascer,
Porém ninguém irá mais me conter...
20186
Longínquos os rincões onde esperança
Firmou seu pensamento em noite clara,
E quando o grande amor já se declara,
A vida, sem ter freios sempre avança.
Levando na guaiaca esta lembrança
Da prenda mais bonita, jóia rara,
A minha montaria que me ampara,
Aos longes das coxilhas sonhos lança.
E pego mil estrelas com as mãos,
Os dias que vivera todos vãos,
Agora são promessas de alegria.
Viver cada momento inesquecível,
Tornando o imaginário mais plausível,
Num mundo mais perfeito que se cria...
20187
Pudesse em cada olhar, belo luzeiro,
Vagando entre mil trevas, sem cansaço,
O peito sempre aberto, pantaneiro,
Nas marcas que ficaram deste abraço.
O vento tantas vezes companheiro,
Nas mãos, com precisão, mantendo o laço,
O sonhador voraz e costumeiro,
Conhece desta estrada cada traço.
Estrelas que me guiam noite afora,
Fogueiras acendendo, boa janta,
Minha esperança viva, cega e tanta,
Enquanto a fantasia me decora,
Eu bebo do ribeiro, água tão clara,
E o sonho, aventureiro, os pés, ampara...
20188
O custo da esperança é a tristeza,
Do nada conseguir após a luta,
Ao ter a solidão por sobremesa,
Eu sinto quanto a vida se faz bruta.
Uma alma necessita ser astuta,
Vencendo qualquer forte correnteza,
Porém quando insegura, ela reluta,
Naufraga sem mostrar qualquer destreza.
Versando sobre o quanto que te quis,
Riscando o quadro negro, apago o giz,
E deixo este vazio na parede.
Percebo quanto estúpido é sonhar
E volto a realidade devagar,
Do mar que imaginei sobre a sede...
20189
Joguete em tuas mãos? Não mais aceito.
A mesma velha história: solidão.
Levando sempre o barco do meu jeito,
Perdendo ancoradouro e direção,
Um timoneiro tolo, me deleito,
Fazendo da esperança meu colchão,
Mas quando a noite chega e então me deito,
Recomeçando a mesma viração.
O tédio toma conta disto tudo,
E sei que não bastava algum romance,
Com olhos sedutores eu me iludo,
E jogo os velhos dados, pobre sorte.
Sabendo que não tenho qualquer chance,
Cultivo sem remédio, o velho corte...
20190
Eu sei que até parece compulsão,
Mas não consigo mais sequer deter
Desfilo no teclado o coração,
E teimo novamente em escrever.
Pudesse semear com cada grão
Um belo e mais tranqüilo amanhecer,
Porém a poesia é escravidão,
Grilhões que não consigo mais romper...
Vencer os meus fantasmas, quem me dera,
Seguindo esta ilusão, doce pantera
Que me devora sempre, e me deglute.
Por mais que eu queira enfim, algum descanso,
Na doce calmaria de um remanso,
Não tenho dentro em mim, ninguém que escute.
20191
Usando esta bengala, poesia,
Esqueço dos pecados e das dores,
Enquanto uma esperança fantasia,
O céu reflete luzes multicores...
Na plenitude, imerso em alegria,
Esqueço deste circo dos horrores,
Que se renova sempre a cada dia,
Algoz realidade mata flores.
Se fores o que penso que tu és,
A vida irá mudando de viés
Terei da chuva uma bonança.
Cansado de lutar sem ter remédio,
A sorte modifica o velho assédio,
Promessa de uma vida bem mais mansa...
20192
Com toda a paciência, o pescador
Aguarda um beliscão, algum sinal,
Quem lavra com carinho cada flor,
Conhecendo os mistérios de um quintal
Entende o que declaro por amor,
E ter um belo prêmio no final,
Um mundo mais tranqüilo a te propor,
Porém queres eterno carnaval...
A velha mineirice que me entranha,
Cercando no horizonte uma montanha
Contendo cada passo mais audaz
Impede que eu mergulhe sem temores,
E perca na alvorada seus albores,
Num erro tão freqüente e contumaz...
20193
Bom, já coloquei mais de mil e trezentos textos aqui. É mais do que suficiente pra provar minha incompetência como escritor, risos. Já posso me dedicar a outras coisas com a consciência tranquila. Vou perder menos tempo escrevendo "poesia" e gastar mais estudando direito e praticando artes marciais que é mais negócio pra mim. Um abraço aos meus amigos leitores. Té mais.
Jimii
Concordo com você, meu companheiro,
A velha poesia agonizante
Jogada na lixeira do banheiro,
Morreu de pneumonia galopante.
O fato de ser pobre e brasileiro,
Não tendo qualquer pose de elegante,
Mandando um ser pensante pro chuveiro,
É goleada certa do farsante...
Fizéssemos pagode invés de versos,
Na fama e no dinheiro, então imersos,
Teríamos sucesso, com certeza.
Mas Deus nos deu maldita inteligência,
E até quem sabe alguma competência,
Faltou-nos certa dose de esperteza...
20194
Atados pelos mesmos ideais
De sermos libertários sonhadores,
Do amor que nós queremos muito mais,
Mantendo tão distante, velhas dores.
As horas vão passando sempre iguais,
Invernos prometendo seus rigores,
Auroras maviosas, boreais,
Os pássaros libertos beijam flores.
Bebendo da beleza de teus sonhos,
Entorpecido, faço este soneto,
Momentos certamente mais risonhos,
Em luzes tão diversas, farto brilho,
Um belo amanhecer, eu te prometo,
Vencendo qualquer medo ou empecilho...
20195
A CRIAÇÃO DA XOXOTA SEGUNDO MARIO QUINTANA
Sete bons homens de fino saber
criaram a xoxota, como se pode ver:
Chegando na frente, veio um açougueiro,
com faca afiada deu talho certeiro.
Um bom marceneiro, com dedicação,
fez furo no centro com malho e formão.
Um terceiro, alfaiate, capaz e moderno,
forrou com veludo o lado interno.
Um bom caçador, chegando na hora,
forrou com raposa a parte de fora.
Em quinto chegou sagaz pescador
e esfregando-lhe um peixe, deu-lhe o odor.
Um sexto, bom padre da igreja daqui
e benzeu-a dizendo: é só pra xixi!
Por fim o marujo zarolho e perneta
chupou-a, fodeu-a e chamou-a: BUCETA
GOLBERY CHAPLIN
Pois com tanta presteza divinos artistas
Criaram do vazio a maravilha,
Que serve de atração e de armadilha,
Belezas tão sutis e jamais vistas.
É obra de velhacos comunistas,
Diriam ditadores de outra trilha,
Porém minha alma livre, esta andarilha
Persegue a dita cuja em suas pistas...
Palavra tão gostosa de dizer
Além de nos trazer tanto prazer,
Beleza sem igual além da cota,
Bendita a criação de tal figura,
Que a difusão da raça ela assegura,
Divina e tão fantástica XOXOTA...
20196
Cometo este pecado: sou poeta,
E pago uma alta conta só por isso,
Se o carro deu defeito, algum enguiço,
Palavra nada vale nem completa,
Pra música moderna dou a seta,
Ultrapassado e velho, sou mortiço,
Porém jamais serei calado e omisso,
Ainda tenho a Musa como meta.
Revendo os meus conceitos, sigo em frente,
A vida de um escriba penitente
Não vale quase nada no Brasil.
Mas tendo alguns amigos, isto basta,
Enquanto a poesia morre e pasta,
O peito ainda quer ser varonil...
20197
E viva a sacanagem, pois sem ela
A vida fica um saco, com certeza.
Por mais que a poesia seja bela,
Um pouco de malícia e sutileza
Tempera qualquer texto e nos revela,
A mão de quem escreve com destreza.
Gostoso este banquete, bela a tela,
Porém prefiro sempre a sobremesa...
Ser sério num país igual ao nosso,
Eu juro até que tento, mas não posso,
Pra que falar de morte e de ferida,
Das falcatruas todas do Congresso,
Se na verdade o sonho não impeço,
Tornando mais suave a dura lida...
20198
Esteio que sustenta todo ser
Permite que eu prossiga; assim, liberto,
A poesia feita com prazer
Oásis de emoção toma um deserto;
Não sei como seria sem poder
Manter o coração exposto e aberto,
É tanto o desejar de um bem querer
E tê-lo, com certeza aqui por perto.
Porém, a poesia abandonada,
A pérola perdida em lamaçais,
É flor que sendo enfim pisoteada
Ainda traz perfume ao meu canteiro.
Pintar tais aquarelas magistrais,
Usando mil matizes do tinteiro...
20199
O chifre
Como podes sentir, meu caro amigo,
o chifre nasce sem nenhuma dor.
Não é como criança, vem com umbigo
e sempre é obra do Grande Criador.
O chifre vem até do inimigo,
do compadre, do vizinho, do Monsenhor.
A maioria dos homens, "nem te ligo",
não dá câncer, é simplesmente indolor.
Tem uns que usam como contrapeso
da cabeça, não atrapalha nada;
pelo contrário, na porrada sai ileso!
E o poeta em cima deles faz poesia
e se encanta e se embevece na trepada:
e a musa pula a cerca todo o dia!
GOLBERY CHAPLIN
Por mais que fosse amigo e carinhoso,
Com toda bem querência deste mundo,
Que sei ser tão complexo e caprichoso,
Por isso mesmo tolo e vagabundo,
A Musa não comporta único gozo,
Deseja todo amor, cego e profundo,
Que seja milionário ou andrajoso,
Poema delicado, ou mesmo imundo,
A Musa se entregando sem barreiras,
A cama dos Camões e dos Bandeiras
Até do tosco Loures, faz visita.
Eterna meretriz, doce e safada,
Bastou ser num momento provocada
Se entrega sem limite esta bendita..
20200
É triste o fim da história em nosso caso,
Dos sonhos só restaram pesadelos,
A vida se aproxima de um ocaso,
A neve vai tomando meus cabelos...
Viver cada momento intensamente,
Sentindo tal prazer que nada apaga,
Num carrossel mergulho a minha mente,
Diante desta deusa, fada e maga.
Porém nada na vida é infinito,
Assim caminha o mundo; disso eu sei,
Por mais que fosse raro e tão bonito,
O amor não resistiu à velha lei.
Mais vale pela sua intensidade
Do que por uma tosca eternidade..
20201
NÃO DEIXE O AMOR PASSAR
Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
CARLOS DRUMOND DE ANDRADE
Quando te vi passando pela rua,
Num dia de domingo, sol a pino,
Se o pensamento voa e até flutua,
Talvez veja selado o meu destino,
Imaginei-te logo, bela e nua,
Delírio que garanto diamantino,
Minha alma neste instante, toda tua,
Voltando num momento a ser menino...
O coração parando por segundos,
Trazendo para os sonhos tantos mundos,
Vagando sem parada, liberdade...
Tomado por intensas emoções,
No sonho feito amor: revoluções
E a mansa sensação de eternidade...
20202
Eu te amo porque te amo,
CARLOS DRUMOND DE ANDRADE
Amor não necessita de motivos,
Motiva por si mesmo a própria vida.
O fato de podermos estar vivos,
Às tramas de um amor já nos convida.
Mistérios insolúveis, mas pra que?
É sempre necessária a explicação?
Somente por haver nele se crê
Qual fora libertária embarcação
Vagando sem destino nem paragem,
Naufrágios enfrentando, destemor.
Buscando na esperança nova aragem,
Assim vai caminhando o grande amor..
Não me pergunte mais por que te amar;
Tentei, mas não consigo te explicar...
20203
Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.
Agostinho Neto.
Qual fora um simples réptil eu rastejo
Por entre estas vielas mais escuras,
Um ser que quase humano, ainda almejo
Não ter por alimento as amarguras.
Aprendo a sufocar qualquer desejo,
As terras que cevei; áridas, duras,
Dos restos, meu repasto, mas eu vejo,
Que as uvas já estão quase maduras.
Sem luz ou claridade, levo a vida,
Um pária simplesmente e nada mais,
Por mais que o dia a dia sempre agrida,
Resisto nos esgotos, ratazana...
Minha alma tendo a sorte dos chacais,
Talvez seja algum dia, ainda humana...
20204
Em flórea senda segue a poesia,
Na lira do cantor, na serenata,
Por mais que a madrugada seja fria,
O sonho é companheiro que arrebata
E faz com simples letras alquimia,
Tornando uma existência bem mais grata,
Uma aguardente doce que vicia,
Embora muitas vezes insensata...
Falar do amor imenso, encantador,
Gritar contra injustiças, ser feroz,
Podendo libertar, soltar a voz,
A cada novo a se compor,
Pedaços espalhados pelas ruas,
Das almas sem defesas, puras, nuas...
20205
Ser Poeta!...
É fazer corajosamente um desafio.
A. Pinto
Usando cada verso como espada,
Enfrentando os leões de nossas almas,
A cada nova frase libertada,
Matamos, com certeza, velhos traumas.
Desafiando a vida, a própria sorte,
Facetas desiguais, porém unidas.
Cantando; destemido, a dor e a morte,
Viver num mesmo corpo várias vidas
Assim é ser poeta, um ser estranho,
Que falso, tanto mente quanto cria,
Fazendo do prazer seu maior ganho,
Desnudando a verdade insofismável,
Parindo sem temor, a poesia,
Criando um novo mundo mais amável...
20206
Quando ela dorme, assim, imóvel, bela:
...Eu dos seus sonhos estou tão distante,
Que nem parece que estou junto dela.
ABDIAS SÁ.
Tua beleza rara e estonteante
Fulgura e traz a lua ao nosso leito,
Poder ser teu amigo e teu amante,
Tornando o meu viver bem mais perfeito.
E quando adormecida, eu me deleito,
Viajo ao infinito e neste instante,
Já crendo por Bom Deus estar aceito,
O pensamento segue tão distante
Teus sonhos, não consigo decifrar,
Quem dera se eu pudesse adivinhar
Porém é bem melhor ficar assim,
Nos braços carinhosos de Morfeu,
Quem sabe o personagem não sendo eu
Ausente e indiferente então a mim..
20207
Sonho: desces a mim de um céu de algas e rosas,
Abgar Renault
Fantásticos caminhos que percorro,
A cada novo sonho: liberdade.
Num mar de fantasia, me socorro
Da dura e tão cruel realidade...
Vagando entre as estrelas e oceanos
Nas flores do canteiro, o teu perfume,
Intrépido enfrentando desenganos,
Alçando cordilheiras vou ao cume.
Num átimo sou rei e sou vassalo,
E Pégaso, liberto é meu cavalo,
Mergulho entre as estrelas e corais.
O mundo cabe todo nos meus braços,
São firmes e flexíveis estes laços
E os loucos devaneios são normais...
20208
Na orla da noite ornada
de luzes senta-se o Rio
Abelardo Romero
À noite vendo as luzes refletidas
Nas águas deste rio, te imagino,
Por entre mil estrelas vãs perdidas,
Aquela que domina o meu destino.
E trazes como a lua, um brilho farto,
Imenso plenilúnio da esperança,
O amor do qual jamais; em vida aparto,
Prepara o louco arqueiro a sua lança.
E entregue, sem defesas, sem temores,
Aos raios infindáveis desta estrela,
Por entre fartos brilhos multicores,
A cada nova noite irei revê-la,
Nas águas deste rio, uma sereia,
Que todo este arrebol, bela, clareia...
20209
Na estrada deserta,
um simples cair de folhas
quebrou o silêncio.
HAIKAI DE ABEL PEREIRA
Silenciosamente, a tarde cai,
Não há qualquer sinal de movimento,
O tempo mansamente já se esvai,
A imensa placidez doma o momento.
Sequer o pensamento me distrai,
O dia segue assim, calado e lento.
Ao vate transmitindo um bom haicai
Mas, de repente surge um manso vento
No deserto da estrada o vento toca
Numa paisagem árida e agreste
As folhas de um carvalho e de cipreste
Quebrando este silêncio e então provoca
Do sepulcral vazio um reboliço,
Trazendo ao fim de tarde, um manso viço...
20210
soa
como um rio
um murmúrio
ABÍLIO TERRA JUNIOR
Ouvindo a tua voz, distante e alheia,
Soando simplesmente como um rio,
Imaginário sonho que incendeia,
Tornando um grande amor, meu desafio.
Entregue sem defesa a essa teia,
Um mundo mais feliz; às vezes crio,
Enquanto a fantasia vã campeia,
O coração espera um belo estio...
Murmúrios aumentando a intensidade,
Anunciando enfim, felicidade
Ao tolo sonhador, frágil poeta.
Que um dia se fez rei, e sem castelo,
Usando da palavra, o seu rastelo,
Tendo numa alegria o rumo, a meta...
20211
Carinhoso apelido para a tal
Chamada perseguida por alguém,
A fonte de prazer de uma vestal;
Confesso que sem ela sou ninguém.
E quando a tarde chega e a noite vem,
Fazendo um verdadeiro carnaval,
Mineiramente digo: é bão tal trem
A deusa feita amor: fenomenal,
Algumas cabeludas ou carecas,
Também sendo chamadas de xerecas,
Dominam com certeza a humanidade.
E viva uma xoxota bem cuidada,
A todo cidadão tão bem agrada
Decerto assim será na eternidade...
20212
A morte, esta insensível companheira;
A mais fiel de todas, com certeza,
Às vezes tão feroz e mais ligeira
Impede qualquer forma de defesa...
Arranca toda nossa lucidez,
Dominando o cenário, velha audaz,
E quando vem chegando a nossa vez,
Levando finalmente a mansa paz
Deixando tão somente este vazio,
Silêncio sepulcral e tumular,
Na eterna noite, imenso e duro frio,
No decompor da carne, devagar,
Apenas a ossatura como herança,
Sequer qualquer resquício de lembrança...
20213
Mergulho no vazio de teus olhos,
Os restos de meus sonhos apodrecem,
Nem mesmo as minhas mãos inda obedecem,
Protegem-me somente estes antolhos...
A morte seria a solução e tenho fé
Que não mais tardará, e isso alivia
Trazendo algum resquício de alegria.
Saudade da fazenda e do chalé,
Liberto o meu cavalo, sem arreios...
Selando uma ilusão, até pensei
Que um dia cavaleiro ou mesmo rei
Teria sem segredos e sem freios,
Nas mãos a mais real felicidade...
Porém o que restou: simples saudade...
20214
Espalho os meus escombros pelas ruas,
Meus restos, simplesmente e nada mais.
Verdades que aprendi; ferozes cruas,
O amor não voltará, nunca, jamais...
Decrépito fantasma perambula,
A chuva fina molha meu rosto,
O vento frio chega e açula,
Retalhos do que fui, sigo exposto...
Deitando sobre folhas na marquise,
Procuro algum abrigo na aguardente,
Por mais que uma esperança ainda vise,
O mundo se turvando de repente...
Sonhando com prazer amor e sorte,
No acolhedor abraço, vejo a morte...
20215
Carrego a velha cruz feita esperança
A vida com desdém me nega sorte,
A fome de sonhar ao longe lança,
Pousando em minhas costas, leda morte.
Há tanto que perdi meu rumo e Norte,
Somente a solidão ainda alcança.
A cada novo dia, o velho corte,
Vivendo tão somente da lembrança
De um tempo em que pensava ser feliz.
Manjares e banquetes, risos, festas...
O tempo como fosse meretriz,
Levando para sempre as ilusões,
O frio penetrando pelas frestas,
Invernos eternais matam verões...
20216
Na velha prostituta, uma resposta
Às vãs divagações sobre justiça.
Na carne sem valor e decomposta,
Rapineiros desejos de carniça.
A solidariedade assim exposta,
Num prato de comida; numa missa,
O mundo continua a mesma bosta,
E a multidão se mostra sempre omissa...
Na velha prostituta desdentada
Milhares de prazeres, todos falsos
A perna, por ofício, arreganhada,
Velhice que aos quarenta mostra cem,
E Cristo em calvário e cadafalso,
Vendido num altar está também...
20217
Ao fumar uma pedra, a liberdade!
Esqueço as chicotadas e chibatas,
Amigas verdadeiras, mas ingratas,
Paranóias, mergulhos em cascatas...
Voando sobre as ruas, seus neons
Milhares de matizes, loucos sonhos,
Prazeres sem limites, gozos bons,
Por mais que os dias sejam tão medonhos...
Repito outra viagem, quero mais.
Num belo carrossel, montanha russa,
Sentidos exaltados, vago astrais,
Vontade a cada pedra mais se aguça...
E vejo a hipocrisia dos canalhas,
Nos olhos o pavor, cede às navalhas...
20218
Paixão, esta cagada irresponsável
Que tanto imbeciliza quanto dói,
Depois de certos dias, intragável,
O tempo; inexorável, a corrói.
Um tolo prisioneiro na armadilha,
Ainda tenta; estúpida saída,
O falso diamante também brilha,
Porém antes que a morte, enfim, decida,
Eu pego os meus retalhos; vou embora,
Quem sabe e tem juízo não demora,
Apaixonadamente um imbecil,
Eu vejo a realidade neste espelho,
Que aquele olhar tristonho e tão vermelho,
Agora foi à puta que o pariu!
20219
Me apodrecendo aos poucos, me aviltando,
Matilhas, podres súcias, traficantes.
Queria ser feliz, sem onde e quando,
E ter em minhas mãos, belas amantes,
O preço que se paga é muito caro,
Mas Foda-se, preciso dar um tempo,
Olhando aqui de cima, às vezes paro,
Um tiro de fuzil, um passatempo,
Eu sei que a morte vem nalguma esquina
Numa invasão qualquer; batata assando,
Centenas e milhares, nosso bando,
Só sei que um dia vem, mas não sei quando,
E a parte que me cabe, a cova rasa,
Decerto não demora, nunca atrasa
20220
Caminho carcomido; estou mais velho;
Os dedos engelhados, minhas rugas,
Escondo-me da vida; escaravelho,
Imaginando sempre as mesmas fugas,
Fugaz, a vida passa num segundo,
Rastejando entre vermes sou mais um,
Um frágil passageiro, um vagabundo,
Vazio, quem me dera ser algum...
Mas quando a noite vem e traz os sonhos,
Reinados e castelos, mares tantos,
Adormeço entre braços mais risonhos,
Porém realidade anunciada,
A cântaros, tomando tantos cantos,
A vida se anuncia na enxurrada.
20221
A morte anunciada há tantos anos...
Se fui feliz um dia, me esqueci.
Altares de ilusão, tolo, eu ergui,
Apenas tão somente desenganos.
Os erros cometidos, sei que humanos,
Viajo por estrelas, chego a ti,
Na tosca fantasia me perdi,
Momentos que vivi; loucos, insanos
Traduzem muito bem este vazio,
Restando tão somente um vão fastio,
E o gosto apodrecido da maçã
Que um dia imaginei no meu quintal,
Da sorte eternamente um marginal,
Que sabe quanto a vida se fez vã.
20222
Prazeres sem amor são costumeiros,
São raros os amores verdadeiros,
Infelizmente a vida segue assim,
Criando este vazio dentro em mim.
As guias das calçadas, travesseiros,
Mergulho nos abismos corriqueiros
Sem ter as esperanças de um jardim,
Só sinto vir chegando, manso, o fim...
O pouco que carrego na bagagem,
Dizendo de um amor, tosca bobagem,
Somente animalesco ritual,
Quem dera em algum canto eu encontrasse
Alguém que este caminho, em paz, mudasse,
Paixão tosca mentira, vã, banal...
20223
Perdoe se eu chamei a perseguida
Por nome mais sutil, mais delicado,
Estando muitas vezes escondida,
Jamais seria a fonte do pecado.
Porém tal gente obtusa, emburrecida,
Usando um mais sutil palavreado,
Deixando uma alma livre aborrecida,
Coloca em minha boca um cadeado.
Chamá-la então de vulva, eis minha sina,
“Espero que ninguém reclame agora”
E viva a poesia cristalina
Tati Quebra Barraco sem demora:
Em termos de calor e de fogão,
Daku é com certeza, a solução...
20224
Fiz tantas e tamanhas barbeiragens
Que a cada nova curva, capotei.
Perdi durante as quedas as bagagens.
Por ser um sonetista, me estrepei.
Quem dera se eu cantasse sacanagens,
Asneira no Brasil, já virou lei,
O corpo vou encher de tatuagens,
Mensagens de paixão, escreverei,
Fazer quem sabe a letra de um pagode,
Virar um forrozista não dá bode,
Fingir que sou cornudo... Agora eu vejo
A solução tá dada. Vamos nessa,
Que o tempo não demora e já me apressa,
Eu vou virar chifrudo sertanejo.
20225
Paixão é duradoura ou temporária,
Não nego que quebrei a minha cara,
Medindo o seu valor: conta bancária,
Quem tem alguma grana sempre encara.
Eu pobre cidadão com alma otária,
Mal vejo uma morena e já dispara
O coração; loucura temerária,
Ferida com certeza o tempo sara;
Mas deixa cicatrizes tão profundas,
Jamais valorizei caras e bundas,
Preferindo a real sinceridade.
Não adianta ser apaixonado,
Se o cabra nunca foi bem abonado,
Bolso cheio: a paixão é de verdade!
20226
Eu aprendi depressa a ser herói,
Voando sobre as casas, liberdade...
O tempo, a fantasia, se destrói.
É dura pra quem sonha, a realidade.
Eu tenho que parar com os cigarros...
Também tomar algum tranqüilizante,
Nas ruas enervadas, tantos carros,
A morte se aproxima a cada instante...
Minha visão, aos poucos, distorcida,
A luz se opacifica, mato a lua.
E o resto do que um dia chamei vida,
Frente ao mundo real, cede e recua.
Rabisco na parede; a garatuja
Reflexo de minha alma, amarga e suja...
20227
Andarmos pareados vida afora,
Nas germinais ideias, a colheita,
Que o olhar embevecido se deleita,
Enquanto o ser sensível logo aflora;
Certeza de beleza toma a flora,
Na poesia pelos sonhos feita,
Enquanto uma esperança nos espreita,
O medo de viver já vai embora.
Sonatas, danças, valsas, tempos bons...
Os céus mais azulados, raros tons,
A gente mergulhando sem defesas...
Porém maturidade traz à mesa,
Além deste banquete a sobremesa,
Matando os velhos vícios das tristezas...
20228
Apago o que sobrou desta comédia;
Juntando os meus escombros, pouco resta,
Não quero transformar numa tragédia,
Aquilo que em verdade, lembra festa.
Nas frestas dos portais de um grande amor,
O vento faz estragos, sobra nada.
Estive o tempo inteiro a teu dispor,
Minha alma tantas vezes enganada.
Ardendo em pleno inferno, após a morte,
Pois se da minha; inferno tu fizeste,
Espero que o demônio te suporte,
E retribua tudo o que me deste,
Caricatura tosca, uma ilusão,
Que um dia ousei pensar ser solução...
20229
O ocaso deste amor se deu depressa,
Sequer posso dizer que fui feliz,
Coloco pra aplacar esta compressa,
Porém o dia a dia me desdiz.
Deduzo então: jamais eu soube amar,
Se eu pude nesta vida dar um passo,
Talvez fosse melhor tempo passar,
Abrindo noutra trilha um novo espaço.
Mas certamente dizes que me adoras,
Lapidas os cristais quais diamantes,
Sorrisos tão sarcásticos, farsantes;
Até se preciso sei que choras.
Mas logo vem com toda esta ironia
Falando deste amor bijuteria...
20230
Apago os refletores deste estádio,
O jogo terminou, não deu em nada,
Ou vendo na tevê, ouvindo o rádio,
História muitas vezes mal contada...
Chegamos ao empate que querias,
No fundo, somos todos tão iguais,
Se um dia devoramos iguarias,
Depois, as sobremesas são banais.
Relevo muita coisa e tu também,
Mas; chega! É fim de papo, não rolou.
E enquanto o coração aguarda o trem,
O viaduto imenso desabou.
Juntando enfim os mortos e feridos,
Os lances decisivos, esquecidos...
20231
Juntando os cacarecos do que fomos,
Mal farei uma colcha de retalhos,
Tentei novos caminhos, mil atalhos,
A fruta se partiu em vários gomos,
O livro do viver tem em seus tomos,
Cristais, rubis, topázios e cascalhos,
São frágeis, do arvoredo, os finos galhos,
Mentiras mal contadas; sempre fomos...
Pecado é ter nas mãos e jogar fora
Quem sabe não pergunta e faz agora,
O tempo nos castiga se eu vacilo.
Imaginaste; em mim, forte leão,
Porém sei que tiveste a decepção
Ao reparar que sou simples bacilo...
20232
Vontade de morrer! Cansei dos sonhos.
Dos trapos que reúno; minha herança,
Vomito em podres versos a esperança,
Os dias simplesmente são medonhos...
Mergulho em cada copo de aguardente,
Os risos, gargalhadas, facas, tiros...
Disparando o ponteiro, conta-giros,
Quem sabe alguma curva, de repente...
Eu peço mil perdões pelos engodos,
Não passo de um pedaço que disforme
Entranha a cada dia mais nos lodos,
Um pântano sem fim, gigante, enorme...
Vontade de morrer... Cansei da vida,
Há tanto e a cada dia; destruída...
20233
Olhando as várias faces deste prisma
Chamado raça humana, é que percebo
Que a cada novo dia, mais eu bebo
Do Velho Criador, que vaga e cisma
Gerando em cada vida, nova história,
A morte é necessária, disto eu sei.
Por ser na realidade a maior lei,
O fato de viver, per si: vitória!
Não creio nas Igrejas e profetas,
Tampouco nestes padres e pastores,
Vendendo o mesmo Deus em várias cores,
Eu adivinho assim, as suas metas...
Aquele que nasceu na estrebaria,
Vestido de sangrenta pedraria...
20234
Não quero ser pernóstico, nem sou,
Apenas faço rimas, nada mais.
O tempo; mal percebo que passou,
E os versos se tornaram desiguais...
Vestir as tais sandálias da humildade,
Sem ter qualquer orgulho do que faço,
Não me importa se tenho qualidade
Se é fino ou se mais rude; cada traço,
Apenas como um simples passarinho,
Eu quero a liberdade pra cantar,
Fazendo do meu verso, casa e ninho,
Voando sobre as frutas do pomar.
Não tenho pretensões; não quero a fama,
Muita estrela reflete-se na lama...
20235
Falar de poesia, não consigo,
Estou me decidindo: vou ou fico
Palavra mais perfeita, a que persigo,
Depois de certo tempo; pago é mico.
Se eu gosto ou se desgosto, nunca digo,
Melhor do que privada, um bom penico,
Ecologicamente; assim prossigo,
Se toco no urtigal, aí pinico
E venho depois disso te mostrar
Que vale mais a pena, no escritório.
Usando com cuidado este mictório
Do que em plenos rios urinar.
Pois politicamente mais correto
É dar-se por inteiro a cada inseto...
20236
Jamais esconderia a cicatriz
Que exponho, tatuada em minhas costas,
Por mais que eu enfrentasse estas encostas
Eu nunca poderia ser feliz.
Grumete de emoções, um aprendiz
Perdendo com a vida, mil apostas,
Cortado e desfiado em várias postas,
Somente encontro a paz na meretriz
Que segue pelas ruas, maltrapilha;
Se a vida, a cada dia mais me humilha
Eu tento respirar, mas não consigo.
Encontro algum consolo neste gim,
Matando o que restou dentro de mim,
Em plena tempestade, inda prossigo...
20237
Erguendo a velha taça desbotada,
Troféu da adolescência tão distante,
Se o grande amor se foi, não deu em nada,
Sobrou esta ilusão, cruel amante.
Por terras insalubres, semeada,
Jamais prosseguirei, pois adiante
Uma armadilha sempre preparada,
Num riso tão audaz e provocante...
Mas, solitário lobo; enfrento a rua,
Reflexos na calçada, imensa lua,
Eterna companheira dos dementes.
Houvesse algum momento de alegria;
A noite talvez fosse menos fria,
E as tocas onde escondo-me mais quentes...
20238
Expresso em vãs palavras meus anseios,
Um tempo de justiça, a paz divina.
Aonde sejam tolos os receios,
E a Terra, jóia rara e cristalina.
Perdoe, Grande Pai, o desvario
De teu rebanho insano e tão voraz,
A vida é por si só, um desafio,
Somente o Amor Perfeito satisfaz...
Que a Graça do Senhor não abandone
As almas pueris dos pequeninos,
A imensa multidão, à noite insone,
Expondo nas esquinas seus meninos...
E o Cristo vendo tanta podridão...
Não lhe bastou a crucificação!
20239
Eu quero a tradução do amor supremo,
Que sendo sem medidas, nada cobra;
Jamais economiza, sempre sobra
Ao lado deste amor. Eu nunca temo.
Por mais que seja astuto, o velho Demo.
A força de quem ama nunca dobra,
Amor que em caridade se desdobra
Trazendo ao navegante barco e remo...
Sabendo perdoar, sem ter cobranças,
Na doce ingenuidade das crianças
Certeza que herdarei Seu Reino, Pai...
Distante dos astutos vendilhões,
Vencendo os meus desejos, turbilhões.
No Amor que sempre doa e nunca trai...
20240
Fazendo dos meus sonhos passaportes
Que possam me levar aos mais distantes
Caminhos tão diversos, vários Nortes,
Esqueço os velhos tempos delirantes.
Trazendo nos meus olhos tantas mortes,
Amores são promessas inconstantes,
Sanando devagar profundos cortes,
As tolas ilusões, velhas tratantes...
Cansado de lutar, peço o descanso,
Adivinhando ao longe este remanso,
Com flores espalhadas no jardim...
Porém em um segundo, tudo muda,
Nos olhos do Meu Pai, encontro ajuda
E vejo o paraíso dentro em mim.
20241
Viver intensamente um grande amor,
Fazendo da alegria nosso mote,
Enquanto o tempo passa sem temor,
Felicidade chega e dá seu bote.
Refaço o meu jardim, cultivo a flor,
Espero que este olhar tão lindo note,
No mar das ilusões, navegador,
Sonhando com prazer que nos adote...
Caminho libertário nos ensina,
Que a imensa claridade cristalina
Expressa a paz suprema e procurada.
Porquanto no nascer desta crisálida,
A vida se tornando bem mais cálida,
Mantém a nossa estrada iluminada...
20242
Acordo de manhã, manteiga e pão
O cafezinho fresco e o riso falso,
Há tempos que me encontro no alçapão,
Andando sobre brasas, vou descalço.
Prossigo então em outra direção,
Mas vejo tua sombra em meu encalço,
No início, com total sofreguidão,
Agora, a cama vira cadafalso.
Será que todo amor é sempre assim?
Princípio prenuncia o mesmo fim,
Afino o violão e canto à lua.
Que, estúpida, boçal inspiradora,
Derrama sua prata enganadora,
E iludindo os otários, continua...
20243
Do velho comunismo inda carrego
As doces ilusões da mocidade,
Mudando de uma vez a sociedade,
Um ideal de vida que não nego.
Agora, caminhando quase cego,
Eu consumo qualquer banalidade,
Desfilo pelas ruas da cidade
E em mares tropicais- férias- navego.
Um toque de burguês, de consumista,
Eu tenho mil amigos neste Orkut
Enquanto o contra-senso, o mundo incute
O que sobrou do antigo comunista
Do velho coquetel, o molotov,
Agora é morango: tome, prove...
20244
Divina a sensação de ser poeta,
Brincando com as frases, pensamentos,
Vivendo com prazer tantos momentos,
Fazendo da ilusão, suave meta
E quando a minha vida se completa,
Esqueço a realidade e seus lamentos,
Os versos são benditos, são ungüentos,
No peito, o vendaval logo se aquieta...
Cativo de um amor que me liberta,
Mantendo esta porteira sempre aberta,
Alerta o coração, fico à vontade.
Não sou um menestrel, falta talento,
Porém ao escutar a voz do vento,
Transformo cada sonho em liberdade.
20245
Deixei o meu lirismo na varanda,
Quarando as esperanças sob o sol.
E quando a fantasia já desanda,
Realidade nega o seu farol.
Aí a maionese já desanda,
Domingo, na TV, tem futebol,
No fim, o coração, gritando manda.
Domina tudo em volta no arrebol.
Em vez de ver o Bota no Engenhão,
Coloco a camiseta e o bermudão,
E vou com a madame pro Recreio...
Tivesse então coragem de dizer,
É melhor me mandar e te esquecer,
Meu saco já ficou pra lá de cheio..
20246
Eu bebo cada gota do veneno
Que, irônica destilas com sarcasmo,
Aonde imaginara mais sereno,
Morrendo pouco a pouco no marasmo,
O sonho, no começo, doce e ameno,
A cada noite um gozo, num espasmo,
Lirismo tão hipócrita; condeno.
Na vida há muito mais que algum orgasmo.
Quisera fosse lúdico hoje é trágico,
No início todo amor parece mágico,
Depois desmascarados sentimentos,
Ofensas que trocamos são normais,
E os dias se repetem tão iguais,
Belas declarações morrem lamentos...
20247
Afogo as esperanças na aguardente,
Demências e delírios ditos sonhos.
A vida, hipocrisia, sempre mente,
Os resultados; sei que são medonhos.
O amor que imaginara pertinente
Promessa de outros tempos mais risonhos,
Agora; sendo um tolo penitente,
Meus dias são vazios e bisonhos.
Aperte as minhas mãos, vamos embora,
Que é tempo de pensar em primavera,
Quem sabe não pergunta nem demora,
Apenas mergulhando no infinito,
Aplaco a furiosa e louca fera,
Fazendo dos prazeres, belo rito...
20248
Postulo além de póstumas festanças.
Não quero sequer fama nem dinheiro,
Ao percorrer a vida em mil andanças;
Sereno como o velho caminheiro
Que traz no seu bornal, as esperanças,
De um dia mais feliz e verdadeiro
Aonde as maravilhas, brilhos, danças,
Não passem de um momento corriqueiro.
Não quer um epitáfio nem poemas,
Apenas a certeza de que um dia,
Usando os já puídos, toscos temas,
Com toda a mansidão que é minha barca,
Eu fiz um arremedo de poesia,
Deixando em certo alguém alguma marca...
20249
Um dia imaginei os braços fortes
E protetores armas do Brasil,
O grande entre os gigantes dos esportes,
A pátria tão amada e varonil.
Não peço, por favor que me confortes,
Nem mando para a puta que pariu,
Homenageio apenas tantas mortes
Causadas pela corja escrota e vil
Velhos torturadores, tal canalha,
Que a nossa Pátria mãe inda agasalha,
Escória sub-humana, putrefata
Apodrecidas almas, tristes vermes,
Que as larvas devorando suas dermes,
Sejam as companheira na bravata...
20250
Que seja tão bem vinda a sacanagem
Delícias sensuais, corpos colados,
Pudesse na total vagabundagem
Curtir nossos desejos mais safados...
Quem dera prosseguir nesta viagem,
Por belos e distantes, raros prados,
Sabendo que censura, uma bobagem,
Esconde o coração, tão mal-amado.
E viva esta sutil sensualidade,
Que é feita em transparências, contra a luz,
A moça deliciosa que seduz
Conduz o pensamento à liberdade,
Se existem, sei que têm, bisbilhoteiros,
Que vão desafogar-se em seus banheiros!
20251
Não quero a morte estúpida e cruel
De um bêbado no centro da cidade,
Apenas vou cumprindo o meu papel,
Divirto qual palhaço. Rompo grade.
Às vezes produzindo um doce mel,
Deslizo na maior sensualidade,
Por outras, bilioso, puro fel,
Eu tento aqui pintar a realidade...
Nem mesmo eu me conheço, nem o quero,
Se sou tão pacifista quanto fero,
Sou bipolar; mas isso é poesia
Vendendo assim meu peixe envelhecido,
Eu te garanto, um pouco carcomido,
Fazendo outro soneto: velharia..
20252
Poeta que é poeta dá chiliques,
Jamais aceitaria uma verdade,
Prefiro esvaziar mil alambiques,
Deixando para trás a mocidade.
Correndo, vez em quando dou meus piques,
Porém a panturrilha estendendo, arde
Quem dera ter coragem, romper diques,
Reconheço: eu nasci um tanto tarde...
Às vezes me belisco e assim acordo,
Navio sem ninguém seguindo a bordo,
Depois de certo tempo, sempre afunda.
Também só de pirraça fico em pé,
Quem fica de joelhos, eu dou fé,
Pra toda vizinhança mostra a bunda...
20253
Sou louco, isso eu admito e não retruco,
Enfiando a cabeça num buraco,
Queria ser um deus, decerto Baco,
No fundo, com certeza outro maluco.
Jamais vi espingarda nem trabuco,
Do jovem sonhador, restou um caco,
Mas mesmo assim, garanto ainda o taco,
Umedecendo a santa, farto muco.
História de mineiro não tem fim,
Porém quando o caboclo é mais teimoso,
Destino se mostrando caprichoso,
Acende este pavio, este estopim,
Aí é um corre-corre e pra escapar
‘Tou fora deste pega pra capar...
20254
Perdoe-me Senhor se eu me perdi
Nas várias tempestades da paixão,
Por isso de joelho estou aqui,
Pedindo, arrependido o teu perdão...
Às tantas tentações, sempre cedi,
Agora que percebo, tudo em vão,
Eu peço, encarecido, Pai, a ti
Um pouco, pelo menos de atenção.
Qual fora um desvairado sem limites,
Não aceitando nunca os bons palpites,
Um pária sem ter eira nem ter beira
Fazendo das calçadas, travesseiro,
Prevendo este momento derradeiro,
Espero que o Senhor, inda me queira...
20255
Que resta ao sonhador senão miragens,
Imagens de um passado que não tive,
Se o velho seresteiro sobrevive,
O pensamento embarca em mil viagens,
Trazendo as mais sublimes paisagens,
Sem nada que me impeça ou que me prive,
Lugares onde em sonhos, eu estive.
Porém ao acordar, simples bobagem,
A vida tão normal e rotineira,
Nos ônibus lotados e nos trens,
Mas quando chega a noite, logo vens,
A terna e delicada passageira
Que aliviando tanto minhas dores,
Retirando os espinhos, ceva flores...
20256
Jamais aceitaria tal chantagem,
Eu não me arrependi de ter errado,
Se o vento foi demais, virou tornado,
Agora é simplesmente mansa aragem.
Se eu fiz e nunca nego, esta bobagem,
Segredos; não pedi. Ficou guardado
Dentro do velho terno amarrotado,
Aquela carta em forma de mensagem...
Rasgando estas loucuras, juventude,
Mudando de repente de atitude,
Tenho minha cabeça sempre erguida.
Mas vejo o que retrata o nosso amor,
O tempo este cruel demolidor,
É como a velha carta carcomida...
20257
Quem dera ter a sensibilidade
Proporcionando à vida, sentimentos.
Tampouco tenho alguma habilidade,
Meus passos na cidade seguem lentos.
Promessas? Tantas fiz, mas a saudade,
Ainda me atormenta em seus lamentos,
Os olhos de teus olhos tão sedentos,
Buscando em pleno dia a claridade;
Usando esta moldura: coração,
Um tolo marinheiro segue a bordo
E quando solitário, enfim acordo,
Procuro pela tal embarcação,
Perdida em algum cais, porto seguro,
Sem ter a fortaleza de um amor puro...
20258
Sou mesmo um carcamano, isso não nego,
Grosseiro sem um pingo de moral,
Apenas tão somente um animal,
Jamais em algum canto, em paz, sossego.
Antigas maldições; inda carrego,
Sem luxo e sem refino, sou boçal,
Porém jamais terei cara de pau,
Tampouco vou bancar o surdo e o cego.
Nas coxas da morena, a perdição,
A saia levantada pelo vento.
Eu juro que fingir ainda tento,
Mas meu olhar não tem educação,
E vendo essa calcinha branca e bela,
Eu penso em sua dona, mas sem ela..
20259
Recebo o teu recado e me transporto
Em meio a mil nenúfares flutuo,
Qual fora adolescente, eu me comporto,
E trêmulo, me calo, e logo suo.
O amor que tu me dás; eu não mereço,
Um pária simplesmente, um vagabundo,
Pecados sem perdão, já te confesso,
Meu podre coração, tão torpe e imundo.
Um verme que rasteja nas sarjetas,
Um bêbado jogado nas calçadas,
Eu te amo, mas amor jamais cometas
Tais atitudes tão precipitadas.
Não podia, mas sendo enfim honesto,
Confessando os meus erros, eu não presto!
20260
Fui pego de surpresa; uma arapuca,
A moça mais gentil do meu trabalho,
Agora descobri, que esta maluca,
Ta louca para ver o meu ---aralho.
Amor quando demais sempre machuca,
Procuro a vida inteira algum atalho,
Porém quando esta moça me cutuca
Eu me imagino entrando no seu ...alho.
A par destas insanas discrepâncias,
Esqueço as naturais, sedes, ganâncias,
O amor exige um par que seja homólogo.
Sou simples vagabundo sem guarida,
Menina assim bonita e tão querida,
Precisa consultar algum psicólogo...
20261
Me deste de presente este penico,
Um tanto enferrujado, mas bonito,
De noite quebra um galho, quando aflito,
Caindo um temporal, em casa eu fico.
Desculpe se te dei o pó de mico,
A minha mãe brigou e me deu pito,
Agora eu descobri que tanto agito,
Pinica tanto quanto eu me pinico...
Parece que vem chuva por aí,
O papo está gostoso, mas vou nessa,
Mineiro desconfia mais depressa,
No conto do vigário eu não caí,
Mas deixe de conversa, eu vou embora,
Quem ri demais, no fim: o que mais chora..
20262
Quem brinca com fogueira se dá mal,
Mineiro com mineira; desconfio,
Perdendo da meada, logo o fio,
Levando o meu pescado no bornal.
Motel no interior é matagal,
Vamos devagarzinho e sem um pio,
Prometo um carrossel, um rodopio,
Quem já provou achou sensacional...
Cuidado, quem avisa é gente amiga,
Costuma neste mato ter formiga,
Daquela sem vergonha, a lava-pé,
Meu bem está gostoso esse forró,
O trem se ficar bom, levanta o pó,
Mas pode vir tranqüila, vem na fé...
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