terça-feira, 20 de julho de 2010

42301 até 42400 SONETOS

001


“Que se ri dos meus pálidos receios”
Sem meios, tanto alisa como amassa.
Sua graça quer se unir aos meus anseios
Seus rodeios fazem feio nesta praça.

Por pirraça me provoca aperreios
Meus devaneios a dizerem: isso passa
Basta uma taça de vinho nos seus seios
Tenho meios de fazer a festa nossa.

O caldo engrossa como pirão na panela
E a cadela se entrega a unha e dentes
Seus repentes a entrançar nossas canelas.
Com jeitinho domo a rainha da favela.

Esta morena com o perfil de uma dama
É devassa quando está em minha cama.

Josérobertopalácio
Verso entre aspas: Vinicius de Moraes


Deliciosamente a mais profana
Enquanto se reveste em santidade,
Na fúria de um desejo que me invade
Pureza travestida de sacana,
E a noite sem juízo já se dana
O amor chegando assim à saciedade,
A dama mais gentil da sociedade
Desnuda em minha cama não me engana,
Assim esta bacante insaciável
Além de qualquer tom imaginável
Entrega-se aos furores mais carnais,
Depois em raras taças de cristais
Banquete em talheres bons, de prata
Pras sociais colunas se retrata.

002

Delírios de um poeta enamorado
Falando das estrelas, luas, sóis
Enquanto um novo mundo tu constróis
Ainda permaneço em tal sobrado
Nas velhas cercanias de um passado
Procuro tua imagem, meus faróis
Vagando por distantes arrebóis
O coração em festa engalanado.
O tempo se passou e nada disto,
O quanto do que é morto ainda insisto
E bebo luas falsas de neon,
Quisera ser diverso o verso meu,
Porém a claridade se escondeu
Apenas este sonho em velho tom.


003


Dos bares, serenatas, noite afora,
Os velhos violões aposentados,
Os ermos mais distantes e passados,
Aonde a poesia ainda ancora.
A lua merencória se demora
Nos olhos pelos brilhos arranhados,
Os sonhos muitas vezes destroçados
Saudade teima e nunca vai embora.
Beber deste cenário aonde um dia
O amor em novas sendas se veria
E o verso declamando esta ilusão.
Arquétipos já mortos, nada além
Da velha fantasia ainda vem
Em dissonantes tons, a multidão...


004


Já não mais cabe o verso nestes dias
Aonde a realidade dita regras
Enquanto os sonhos tolos; desintegras
Cenários mais felizes; utopias.
E quando tu querias novos cantos
As velhas melodias regravadas
Ainda velo em vão as madrugadas
E delas vejo apenas desencantos.
Aonde um violão inda se escuta
Em raros luscos fuscos, poucos bares
São como se encontrasse alguns altares
Em meio à fúria insana, louca e bruta
Envelheci, mas não envileci,
E a primavera ainda trago aqui.

005


Procuro por sertões dentro desta alma
Arcaica e na verdade discordante,
O que deveras vejo e se adiante
Apenas só me arranha e não me acalma,
Os olhos que sabiam cada palma
Deste futuro agora degradante
Não vêm mais a sombra delirante
Do sonho apodrecido em velho trauma.
Erguendo o meu olhar, o que eu diviso
É como do vazio, um tosco aviso
Falando do cenário aonde um dia
Um velho camarada magistral
Sonhando com luar fenomenal
Um sonho sertanejo entoaria.


006

Ocaso do que fora um sonho, apenas,
Cenário degradante de uma vida
Há tanto num rascunho definida
Em horas dolorosas e pequenas,
Enquanto ao longe ainda concatenas
E tentas encontrar mera saída,
A parte que me cabe, destruída
Já não traduz paragens mais serenas.
Neste outonal caminho sem retorno,
O dia se mostrando sempre morno
Adorno da esperança, a lua cheia,
Em névoas e fumaças tão diversas
E além sem percebê-la segues, versas
Alheio ao semimorto que o rodeia.

007


Ultrapassando em mim o que inda havia
Do mofo enternecido de um passado
O corte a ser decerto aprofundado
Marcando em tons mais claros, fantasia.
Mergulho em torpe mar, nesta heresia
E tento me livrar deste sobrado
Quintal ou meu canteiro bem cuidado,
Herdade que de fato não havia.
Veredas desgastadas de um amor
Agora envolto em trevas e bolor,
É necessário sim o renovar-se,
Ousar e não deixar morrer em vida
Ao isolar-me enfim em tosca ermida
É necessário ao menos, um disfarce.


008

Aonde houvera apenas incerteza
De um tempo mais feliz, hoje sei bem
Que nada na verdade inda contém
Senão meu pasmo olhar, tola surpresa,
E bebo desta torpe sutileza
E nela o mesmo nada me convém,
O sonho se apresenta qual desdém,
E a morte sendo exposta sobre a mesa.
Banquete para corvos, rapineiras,
E quando ainda trago das roseiras
Espículas diversas, mero sonho.
O manto já puído de outras eras
Reavivando a fome das panteras,
Gerando este cenário mais bisonho.

009



Ultrapassado vate em liras tantas,
Fantoche simplesmente eu perambulo
Entulho de um passado; dissimulo
O passo quando além tu te levantas,
A vida se prepara e noutro pulo
As pedras rolam fartas; não te espantas
E apenas ao romper as velhas mantas
Somente o que há de novo, eu não engulo.
Ousando no soneto em classicismo,
À beira do ridículo, inda cismo
E sinto este ar deveras poluído,
Ouvido acostumado com som nobre,
Assusta quando além ouve e descobre
Apenas vicejando um vão ruído.


010


Negar a minha própria provisão,
Cantis abandonados pela casa,
A sorte no que tenta e não se embasa
Gerada pelos medos que virão
Ousando no passado e desde então,
A vida noutro tanto já se atrasa,
Isolo-me qual fora em qualquer Gaza
Cercado pelo novo; este ancião.
Precocemente amargo, e até quem sabe,
Sabendo que em verdade não mais cabe
O rito aonde um dia se fizera,
O morto-vivo andando sem destino,
Ao verso apodrecido determino
O passo que algum porto, ainda espera.

011


Os trâmites legais da poesia
Permitem navegar em águas tais
Que mesmo quem desdenha dos cristais
No fundo farta luz bem que queria.
Ousar em crer na farta sincronia
De versos bem ritmados desiguais
Ou crer nas dissonâncias virtuais
Tentando refazer o que não via.
Somar ou dividir, multiplicar
Noções fundamentais de matemática,
Assim como em verdade na temática
Desnuda-se o que tento ao versejar,
Estar atento aos novos não mais basta,
Tornar a tradição em morta ou gasta
Jamais irá moldar do nada um altar.

012


Acrescentar um verso ou mais ou menos,
Negar a forma há tanto; consagrada
Não quer dizer deixar após, o nada
Nem mesmo se entranhar em tais venenos.
Os dias não são grandes nem pequenos
A vida por si só determinada
E nesta realidade demonstrada
A poesia tem os seus acenos.
Não vejo mais sequer algum motivo
Que impeça de tentar, e nisto eu vivo
A repetir sem mesmo me cansar,
Obedecer à forma não traduz
A falta mais completa enfim de luz
Poema não se compra num bazar.


013


Esgoto-me na busca pelo fato
De ter ou não sentido o que ora escrevo,
E sei que mesmo nunca ser longevo
Não deixa de existir este retrato,
Se algum verso vetusto eu já resgato
Ou mesmo no novel ainda atrevo,
O fato é que decerto ainda devo
Pensar nesta nascente ou num regato;
Olhar a imensidão de um mar tão grande
Não basta nem permite que me abrande
Ao ver a confusão imposta agora,
Se arcaico ou tão prosaico este mosaico
Escrevo em português, não aramaico
O sentimento enfim é o que se aflora.


014


Já não comportaria mais em mim
Depois de tantos anos de batalha
Ousar manter nas mãos qualquer navalha
Inúteis fantasias de estopim.
O corte desenhado em meu jardim
Apresentando às vezes qualquer falha
No quanto o pensamento me atrapalha
O verso retratando de onde eu vim.
Não posso controlar minhas raízes
São fortes e se bebem tais matizes
Jamais eu poderia revertê-las,
A minha noite é plena de luares
Por mais que novos rumos tu tomares,
Pirilampos não são; amiga, estrelas.


015


Nos pórticos diversos da poesia
Há tanto espaço amigo para tantos,
Não bastam se teimar em desencantos
O morto novo ser não mais traria,
O canto se transforma em agonia
E nele os meus delírios são quebrantos,
Mas quando no carpir em falsos prantos
A sorte não traduz hipocrisia.
Nascendo como fosse natural
Um verso não é bom sequer é mal,
Apenas existindo por si só.
O todo se esvaindo em tal estrada
Por vezes noutra senda desenhada
Mantém, tenha a certeza, o velho pó.


016


Acordo meus sentidos quando vejo
O morto se fazendo de bem vivo,
E tanto quanto posso, eu sobrevivo
Apenas da vontade, de um desejo.
E quando algum caminho; ainda almejo
Não quero e nem sou sequer cativo
Somente descrevendo eu já me crivo
Do sonho feito em velho realejo.
Não tendo esta comum genialidade
De transformar o sonho em realidade
Nem mesmo ousar tocar no mais sagrado.
Por vezes se te agrado ou desagrado,
Jamais foi meu intuito e na verdade,
Repito o mesmo passo relembrado.

017

Queria ter talvez noutra faceta
O dom de discernir sem usar rima,
Olhando de soslaio e lá de cima
Além do vicioso que acometa
E ser talvez do verso algum cometa
Vagando sem destino ao léu e ao clima,
Mas quando a realidade se sublima
Não vou cumprir sequer o que eu prometa.
Falsário? Na verdade até pareço,
Quem sabe meu sonhar seja adereço
Defesa de um incauto aventureiro,
Porém a liberdade de expressão
Traduz os novos rumos que virão
Cevando como eu quero este canteiro.


018

Em átomos, moléculas, matéria
Presume o perpetrar em solo ou ar
A lei em tal constância a se mostrar
E demonstrando assim nossa miséria.
Por mais que noutra face veja; quere-a
Diversa da real, nada a mudar,
O todo se resume ao parcelar
Partícula em partícula, libere-a.
Num somatório etéreo a vida é feita
Também o inanimado se deleita
Com tais princípios meros e constantes,
O que fazer então de seres vis,
Banais e muito além do que se diz,
Minúsculos arquétipos gigantes?

019

Ouvir a voz que nunca mais ouvira
Desconsolando o velho camponês
Que ao perceber além do que se fez
No olhar impenetrável da mentira,
Aos poucos cada sonho se retira
E nele se demonstra em altivez
O mesmo caminhar da estupidez
Retalha a fantasia tira a tira.
Cinzel que há tanto em solo alabastrino
Gerara a fantasia, não domino
E tento em tal disforme criatura
Qual fora algum primata mais audaz,
Mostrar o que a ciência sabe e faz,
Verdade irrefutável? Não perdura...


020

Em holocaustos tantos pude crer
Na nova dimensão da vida humana,
E quando se aproxima ou mais se dana
A mesma busca insana por prazer.
No novo caminhar, o envelhecer
E tudo na verdade se profana
Ao mesmo tempo a fúria soberana
Transforma qualquer messe em vão poder.
Presenças demarcadas pelo fato
Do morto ou semimorto que resgato
Nos gládios tão constantes desde o eterno,
Depois vêm estas tais religiões
Aonde teus açoites tu me expões
Dizer de algum futuro e turvo inferno?


21

Não mais eu poderia desfrutar
As tantas emoções já desgastadas
As costas entre tantas vergastadas
Sangrentas madrugadas a aflorar,
No quanto enrubescera este luar
Marcando com terror as madrugadas,
Negando o azulejar das alvoradas
Sem eira nem talvez mero lugar,
Esgoto minha força em tais cenários
E sei dos meus caminhos e estuários
Morrendo a cada instante um pouco mais,
O quanto acreditar após a queda
Na teia que a verdade sempre enreda
Gerando os botes frios e letais?

22


Um pária pelas ruas na penumbra
E o tempo amaldiçoa quem seguir
Por entre as cercanias de um porvir
Que apenas a mortalha já vislumbra,
O quanto se acostuma à própria bruma
E nisto sei deveras tanto em ti,
O quase que há bem pouco eu consegui
Transcende ao mar por onde esta alma ruma,
E o cântico saudoso em consonância
Deveras já se esgota noutros termos,
Os tantos caminhares pelos ermos
E a vida noutra face em turva estância.
Espreito como fera encurralada
E vejo no final, o mesmo nada.

23


Olhando de soslaio mal percebo
O quanto acreditara e não pudera
Apascentar em mim esta quimera
O sonho deslindando algum placebo,
E bebo em goles fartos, a esperança
Que tanto ainda vive; espúria e turva
O passo a cada esquina; volta e curva
E ao mesmo desvario já se lança.
Extraio dos meus ermos a sombria
Lembrança que se entranha dentro da alma,
Meu sonho se transforma em mero trauma
E a noite a cada instante mais se esfria,
Vacância de ilusões negando o passo
Aonde apenas sigo e me desfaço.

24


Um dia acreditara em novas luzes
E até me bendizia deste fato,
Porém quando o fantasma; em vão resgato
Ao mesmo tom de outrora me conduzes,
As ondas repetindo velhas urzes
E nelas o meu eu sempre retrato,
E quando noutro estio, o vago prato
Expõe farta verdade em frias cruzes.
Os tempos se repetem. Gerações
Mutantes noutros termos, mas iguais,
Os seres tão divinos, canibais
E neles os teus egos; decompões.
Acreditar então na raça humana?
Primata sem caráter que se ufana.


25


Angustiosamente a vida traça
Esparsos dias entre trevas fartas,
E quando desta cena tu te apartas
Do passo que tentavas; vã fumaça,
A realidade em si eu sei, escassa,
As horas entre sonhos não descartas,
E jogas sobre as mesas tuas cartas
Sobreviver ao menos dita a taça.
Lauréis aos vencedores do vazio.
Ao menos sei das curvas deste rio,
Embora não consiga navegar.
O errático fantasma de um poeta
Que tenta e na verdade não completa
Distando do que tanto quis alçar.

26

Esgarço minha voz enquanto tento
Sentir qualquer prenúncio de emoção,
Os dias com certeza não trarão
Sequer a menor sombra deste vento,
E bebo a cada instante o desalento,
Vestindo a mesma face do bufão,
E perco sem saber a direção
Enquanto muitas vezes, desatento.
Escória do que fora quase humano,
Por entre os meus escombros já me dano,
E esgoto de minha alma apodrecida
Transcende em roedores, mil insetos,
Meus erros mais sutis, males secretos
Dominam cada passo desta vida.


27

Não quero e não mereço melhor sorte,
O vasto caminhar perdido há tanto
E nesta face escusa não fui santo
E sei que a morte enfim, venha e conforte.
Esboço do que um dia quis mais forte,
O pasto se transcorre em desencanto
Dantesco caminhar e me adianto
Ao vândalo desenho de meu norte.
Resumo de momentos mais sofridos,
Os dias na verdade já perdidos
Espelham o que trago dentro em mim,
Desenho desdenhoso de um lamento,
E quando alguma luz ao longe eu tento,
Eu sinto o tempo chega, agora ao fim.


28


Ecléticos momentos, noites vagas
Esgarces são comuns no sonhador
E quando se pensara em refletor
Apenas os temores; inda afagas
Desdenhas teus caminhos, meras plagas,
O cerne da questão gerando a dor,
Deitando meu olhar neste sol-pôr
No olhar de quem me acerca; vis adagas.
A derrocada exposta nesta ausência,
A vida não merece mais clemência
E a consistência espúria da verdade
Expondo a minha estrada em tom venal,
Restando para a morte algum degrau
Aonde em turbulência o medo invade.


29


Aporto em cais diverso do que um dia
Pensara ser deveras o seguro,
E quando com terrores me amarguro
O canto se transforma e o sonho adia,
Ainda poderia em poesia
Viver outro cenário e até procuro,
O céu que imaginara; agora escuro
Sequer alguma messe me traria.
A trama em desenredo, o medo exposto,
As marcas desta ruga no meu rosto
Espelho traduzindo a mera escória.
Nefasta realidade me domina
Aonde quis a vida esmeraldina,
Apenas negrejando merencória.


30

No cerne da questão ser ou não ser
E tendo caminhadas discordantes
Por onde noutro tempo me adiantes
As marcas dolorosas do prazer.
Pudesse pelo menos poder ver
Olhares entre falsos diamantes
Ao menos que pudessem; radiantes
Tramar um novo e manso amanhecer.
O marco mais atroz em cicatriz
Desvenda o quanto enfim decerto eu quis
E nada dessedenta este desejo,
O riso em ironia desta espúria
Felina em ares turvos de penúria
É tudo o que inda em volta, cismo e vejo.

31


Se as dúvidas humanas são eternas,
Também os seus anseios e emoções
Assim ao mergulhar aonde expões
Com luzes tão sutis tuas lanternas
No quanto em tais verdades sempre externas
Percebo congruentes direções
E os ritos que inda fossem anciões
Traduzem dores fartas, noites ternas.
Os erros desta tola humanidade
Há tanto se repetem num degrade
Constante e sem desvios consistentes,
E assim ao me impregnar em velharias
Adentro os mais modernos destes dias
Percorro sem sentir; mesmas vertentes.

32

Do absinto ao mais moderno entorpecente
A vida não se faz de forma vária
A ausência de evidente luminária
Aonde da verdade o tom se ausente,
Repete a mesma história e impunemente
A humanidade segue temerária,
Qual fosse; em criação, a pior pária
Em superioridade imprevidente.
A luta por poder dinheiro e sexo
De toda a nossa história, este reflexo
Desde o tacape à bomba mais possante,
Espelho de um sobejo Criador?
É muito para um pobre trovador,
Ao ver cenário torpe e degradante.

33


Jogado nos esgotos da existência,
Um ente tão “amado” poderia
Ao ver a face espúria, hipocrisia
Gerar tão torpe face da excrescência?
Não quero acreditar na virulência
De um deus que tal imagem mostraria
E quando se bendiz na sacristia
No olhar do sacerdote outra impudência.
Tentar adivinhar ou mesmo crer
Que tem no olhar qualquer torpe poder,
É tanta prepotência deste clero,
Vendendo algum perdão, cria o pecado,
E o pobre carpinteiro aprisionado,
Mantendo o seu olhar, sombrio e fero.


34


Apaziguar a fera que continhas
Bebendo do sacrário se indulgente,
O quanto da verdade não se atente
Palavras mais exatas não são minhas,
E quando vendes tu as vagas vinhas
Vinagre como fosse o mais pungente
Transforma qualquer ser num tolo crente
Faltando-te deveras as asinhas.
Em teológicas vergonhas ditas
As sendas como fossem infinitas
E vendes cada espaço deste eterno.
É fácil produzir o céu e o inferno
Depois distribuir para a gentalha
As armas para a torpe e vã batalha.

35


Pedágio para a salvação humana,
Cobrado por humanos? É verdade...
Assim caminha a torpe iniqüidade
No olhar de quem deveras mais profana.
O quanto deste nada já me dana
Num manto aonde veste a divindade
E nele cada pasto mais degrade
O farto delirar que desengana.
Os donos do futuro em despotismo
Gerando a cada queda novo abismo
Metendo os seus bedelhos mais infectos
Tentando se adonar em tais aspectos
Diversos; mas deveras eu insisto,
Do todo que se forma eclesiástico
Em tom funesto ou mesmo até bombástico,
Apenas salvação, eu vejo em Cristo.

36


Desde que o mundo é mundo o mundo vê
Imundo este fantoche mais sombrio,
E quando se aproxima novo estio
Não sabe ou finge até qualquer por que.
Sedento por sangria já não crê
No fato mais escuso; e seca o rio,
Depois em tom terrível, desvario
Procura santidade. Mas cadê?
A solidariedade? OBRIGAÇÃO!
Assim honestidade também é,
Porém ao se adonar da crença e fé,
Transformam o normal numa exceção,
Não és este canalha tão somente;
Canalha em tons sagrados não desmente.

37


Igreja em concordata? Eu nunca vi.
Negócio garantido, sem um risco,
O olhar deste pastor é mais arisco
E nele sem pudor me converti.
Vender o que jamais eu conheci,
Cobrando pelo etéreo, bom petisco,
Um passo para além, eu mesmo arrisco
E sei que deste jeito eu chego a ti.
Até na tua própria identidade
Eu meto o meu nariz, e julgo o fato,
Com dízimos resgato, é tão barato,
Não deixo este demônio se apossar
Do todo que tu tens, desejo e gozo.
E assim ao ser perfeito e majestoso,
Após a morte tens um bom lugar.

38


Não quero mais perdão, já não suporta
Minha alma mais conselhos de imbecis.
Os quantos erros tantos ledos, vis,
Já não cabem sequer na minha porta.
E quando a realidade não comporta
O que talvez me faça mais feliz,
O todo que em pedaços contradiz
Ao descaminho vago ora se exorta.
Exporto algum perdão e santidade,
Milagres vês aqui, bem à vontade,
E todos comprovados pela fé.
Ofertas eu aceito de bom grado,
Se não pagar o dizimo? É pecado.
É preciso engordar a Santa Sé.


39


Jocosa criatura se endeusando.
Irônica figura caricata.
E quando neste deus já se retrata
O podre criador se maculando.
O vento na verdade é bem mais brando
E o peso verga tanto que maltrata
E tanto se imagina a cena ingrata
Deste primata vil pavoneando.
Nudez valorizada nas revistas,
E quando ainda vêm os moralistas
Amor somente quando no escurinho.
E mesmo assim em parcas provisões.
Assim conquistarás os teus perdões
Cuidado com o olhar santo e vizinho...

40

Joguete nestas mãos bem mais imundas,
Senhores do pecado e do perdão,
Assim ao se fazer religião
E nelas não mostramos nossas bundas
Porquanto em tais palavras te aprofundas
E vês a caricata solução
Motivo para riso e diversão,
As cenas de outras tantas oriundas.
Um deus tão vingativo e mais venal,
Reinando sobre tudo lá do astral,
Um mero expectador, senhor do vício,
Usando camisinha e até gozando
Deveras condenado ao mais infando,
Jogado ao fogaréu, ao precipício.


41

Escracho e demoníaco cenário
Causado pelo medo, e em tal desdém
Apenas o que tenho ou inda vem
Expressa o meu olhar atroz e vário,
O sonho quantas vezes, necessário
E dele sou deveras um refém,
O gesto desalenta e sei também
Do corte noutro tento imaginário.
Alhures quis a paz que não viria
E nesta falsidade a pedraria
Lapida ouro de tolo tão somente,
E o gosto pela vida se esvaindo,
Aonde o meu caminho presumindo
O fim que a cada instante se apresente.


42


Aonde poderia e já me esgarço
Não tendo mais apoio sigo alheio
Aos ritos costumeiros e rodeio
O passo na medida em que o disfarço,
Escasso sonhador; meros escombros
Carrego dentro da alma ainda que
O pouco quando exposto não se vê
Pesando a realidade sobre os ombros,
E nestes dias fúteis e banais
Os cantos noutras eras mais audazes,
Agora em tons diversos tu me trazes
Cenários discrepantes, desiguais.
Escusas não resolvem o dilema,
E a vida se transforma e já me algema.

43


No crocitar das tontas ilusões
Esgoto o meu delírio e não repito
O tanto quanto outrora foi finito
E nele tens apenas as expressões
De quem não conseguira nem senões
E o quanto trago em mim, frio granito
Bebendo deste céu onde acredito
Ainda se percebam gerações,
Escapo do temor da morte enquanto
No fundo me preparo e sei do tanto
Vazio que terei após a queda,
Caminho para novas sendas veda
Quem tanto se fez tolo; vida afora
E apenas o non sense ainda explora.

44


Simbólicos carinhos; desatento
Olhar sem horizonte nada diz,
E o velho caminhar segue este triz
E nele o que se mostra é sofrimento.
Ainda vez em quando cismo e tento
No restaurar dos ermos, aprendiz
Tentando redimir a cicatriz
Liberto e até presumo o pensamento
No prazo em concordância com os falsos
Delírios que entranhassem cadafalsos
Esparsos passos sigo rumo ao nada,
E quando a noite vence o medo e ri
Eu vejo que deveras sinto aqui
Apenas o temor de outra lufada.

45


Não pude e nem talvez inda pudesse
Sentir qualquer momento em gozo quando
O mundo na verdade se inundando
Da velha incompetência que se tece,
O quanto deste nada se obedece
E o risco noutro quadro anunciando
A queda mais constante me tomando
E não resolve nada, nem a prece.
O frio dentro da alma, o medo atroz
A sensação do rio sem a foz,
Num estuário espúrio e vagabundo,
Aprendo com os traumas mais vorazes
E neles outros tantos tu me trazes
E desta multidão em dor me inundo.



46




Te quero e sonho o encanto
De ver-me do teu lado
Vivendo o sentimento
De amor, doce legado
No fado que me coube.

Tornar em realidade
Desejo tão antigo
No tempo uma vontade
Negada e que persigo
E realizar não soube.

Te quero e em desespero
Reluto em prosseguir
A vida é sem tempero
Desisto de seguir
O rumo sem sentido
Sem ter você comigo.

Te quero e quero tanto
Que vivo desse sonho
Nem sei dizer o quanto
Te quero e enfim me enfronho
No sonho de te amar
Viver essa alegria
Perder-me em teu olhar
Viver a poesia
Que expressa o meu sonhar
Que borda em fantasia
Desejo de te amar!

Ana Maria Gazzaneo

Desejo de te amar insanamente
E crer neste momento indescritível
O amor ao se entregar, inesquecível
Tomando sem defesas corpo e mente,

Ainda quando além já se pressente
Presença abençoada deste incrível
E nobre sentimento imperecível
Em todos os instantes; envolvente.

Amar é ter nos olhos liberdade
Sabendo deste tanto que ora invade
Domina por completo o pensamento

E quando te sentindo junto a mim,
Beleza incomparável; sinto enfim
De todos os meus sonhos, suprimento.


47



“Os carinhos que nunca a outra daria”
Eu queria em seu rosto: Meu afago!
Mas eu vago a deriva em nostalgia
E a apatia em meu peito faz estrago.
A alegria eu persigo, tomo um trago
E meu amargo transparece em simpatia
E sem te ter em minha companhia
Só te peço meu amor: volte logo!
E te rogo e confesso o meu sofrer
Podes crer que no vago desta cama
Só inflama esta vontade de te ter.
Vem ao jogo onde o Ás se junta a Dama,
Desvenda esses segredos e não saia,
Mas sem tramas. Somos da mesma laia.

Josérobertopalácio
Verso entre aspas: Vinicius de moraes

Ao sermos tão iguais em quase tudo
O amor em consonância dita o rumo
E quando nos teus braços me acostumo
Deveras noutra face enfim, iludo.
No jogo sem defesa eu me transmudo
E tomo da esperança todo o sumo,
E nesta maravilha tomo aprumo
Amor que nos protege qual escudo,
Porém ao mesmo tempo determina
Ausência de alegria e na surdina
Atua como fosse espúrio e vão,
Nesta esquizofrenia a vida trama
E molda a realidade em riso e drama,
Na variável tosca direção.

48

A vida tão amável do teu lado
Por vezes muda o jogo e num instante
O que se imaginara radiante
Agora num olhar duro e isolado,
O sonho; há tanto tempo naufragado,
Por mais que novo dia se adiante
E mostre novo rumo doravante,
Jamais esquecerei nosso passado.
O corte cicatriza, mas tatua
E a pele ao se mostrar inteira, nua
Demonstra em face turva este quelóide.
Amor por tantas vezes esquizóide
Esgota-se em loucuras ou fastios
Em turbulentas águas, claros rios,


49


Na palidez do olhar de quem procura
Ao menos um instante de prazer
E sabe ser difícil perceber
Enquanto a vida dita tal tortura,
Bebendo a me fartar tal amargura
Pudesse pelo menos te dizer
Da caminhada em meio ao vão querer
Buscando qualquer sombra de ternura.
O caos ocasionado pela queda
Enquanto no vazio a vida enreda
E o passo se aproxima do final,
Esgoto meu caminho e me desnudo
O tempo se mostrando tão miúdo,
Ao fim não resta mais nenhum grau.

50


Em flores; desenhado este canteiro,
E sei que no passado só daninhas
Enquanto as esperanças não continhas
O mundo se perdia por inteiro,
Agora ao cuidadoso jardineiro
As horas consagradas, nossas, minhas
E nelas com certeza te avizinhas
Usando este cenário corriqueiro.
Aprendo com as ânsias do passado
A ter a paciência necessária,
A vida de outra vida imaginária
Garimpa e em cada sonho lapidado
A jóia mais sobeja e sem igual
Transporta no seu âmago o floral.


51


A lua como um bálsamo divino
Deitando alabastrinos raios toma
Este ambiente enquanto o sonho doma
E neste desenhar eu me alucino,
No quanto no passado este menino
Que a vida a cada instante ousa e assoma
Rompera da ilusão qualquer redoma,
Num novo caminhar pré-determino.
E sigo sob as teias do luar
Até quando em teus olhos mergulhar
Reflexo desvendado em tom tão claro,
E o amor que nos sacia sem demora,
Deveras todo passo; em luz decora
Enquanto um sonho raro; em ti declaro.


52


Entre as mansas tardes de um amor
Aonde se adivinha a noite em lua,
A divindade expressa bela e nua
Tomando este cenário sem rubor,
E o quanto enamorado a me propor
Enquanto a vida assim teima e flutua
O amor se extasiando já cultua
De todo este canteiro a rara flor.
Enaltecendo em versos a esperança
Na qual e pela qual a vida avança
Gestando este momento incomparável,
E sendo assim o dia mais suave
O coração liberto feito uma ave
Atinge muito além do imaginável.


53


Na escuma em plena areia, bela diva
Deitando esta nudez em tons morenos,
Os dias se mostrando mais amenos,
Minha alma sem defesas é cativa
E quando de esperanças já se criva
O olhar depois de dias tão pequenos
E neles entranhando-me venenos
A sorte tão dorida quanto esquiva.
Apresentando em ti o raro brilho
No quanto sou feliz e nisto eu trilho
Além da imensidade de um momento,
E tendo em meus caminhos tal sirena
A tez sobejamente mais morena
Na brônzea maravilha me acalento.


54


Marés diversas trazem para a praia
Beldades entre fúrias e procelas,
E quando tu desnudas e revelas
Superna fantasia tanto atraia
O olhar que enamorado já se espraia
E neste caminhar adentro celas
E delas mergulhando aonde selas
O amor que num delírio ora desmaia.
Escassos dias onde fui feliz,
Em avidez agora tanto eu quis
Beber a me fartar tanta beleza
E sinto-me levar sem que eu resista
Enamorado envolto em tal conquista,
Tocado pela rara correnteza.

55


Um anjo se mostrando em rara cena
Na delicada face, tons suaves
E neste delirar amores, naves
O próprio sofrimento se serena,
A vida que pensara tão pequena
Apenas ao sentir as duras traves
E quando em claridades tu me laves
A lua se desnuda agora plena,
E o corpo saciado em teu prazer
Num delicado instante passa a ter
Além do que pensara noutras eras,
Vestindo esta novel e bela tez
Meu corpo no teu corpo se desfez
Ao florescer em nós as primaveras.


56

A vida sendo às vezes tão amável
Permite uma ilusão, mesmo que apenas
Demonstre noites calmas ou amenas
Depois da tempestade incontrolável,
O amor se nos meus sonhos é tocável
Quando acordado vejo meras cenas
E logo noutra face tu me acenas
E dizes deste nada em vão, palpável.
Arisco este menino dita a sorte
E quando nada além mais me conforte
Somente apodrecendo o grão espúrio.
Do imenso e mavioso e bom marulho,
O quanto encontro após; ledo eu vasculho,
Não passa nem sequer de algum murmúrio.

57


Ao leito se entregando sem saber
Sequer do que virá; dia brumoso,
O tempo tantas vezes caprichoso
Desenha a turbulência ao bel prazer,
E nisto dominando todo o ser
Decerto em tom dorido e mais penoso,
O canto se mostrou lamurioso
E o risco volta a cada anoitecer.
A solidão adentra em minha porta,
E o sonho pouco a pouco se deporta
E nada se anuncia, senão isto,
Porém mesmo vacante eu sou tenaz
Sabendo que a verdade nada traz,
Ainda sem sentido algum, insisto.

58


Rebanhos de ilusões vagando à toa
Os sonhos não permitem mais escolha
A vida se transforma nesta bolha
Que ao longe sem sentido ora revoa,
E a sorte aonde outrora fora boa
Agora noutra face se recolha
Outono esmorecendo cada folha
E a sensação liberta não ecoa.
O manto renegando a claridade
A bruma traduzindo esta saudade
De um tempo que jamais irei rever,
Meu horizonte expressa em tal neblina
O quanto a vida apenas determina
Matando pouco a pouco em desprazer.


59


As sedas e cetins, nossos lençóis
E neles os momentos mais felizes,
E agora quando a vida tu desdizes
Deveras meus caminhos; já destróis
E nesta inconseqüência perco os sóis
E bebo das terríveis várias crises
Acumulando na alma cicatrizes
E nada em troca ainda em paz, constróis.
Reverso da medalha a vida traz
Ausência do que um dia mais tenaz
Julgara ter nas mãos, mas eu perdi,
E o todo se transforma no vazio,
Assim a cada passo eu me desfio
E chegando; frangalhos, junto a ti.

60


Não posso descansar após a luta
A vida não permite tal momento
E quando alguma messe em vão eu tento
A sorte feito um mouco nada escuta.
A vida muitas vezes sendo bruta
Explode em solidão, em desalento,
E quando bebo assim o sofrimento,
Caminho mais distante, a alma reluta.
Expresso no vazio de meu verso
O quanto recebi deste universo
E jogo enfim o olhar neste horizonte
Aonde em sombras vejo o meu futuro,
E o tempo se anuncia mais escuro
Sem ter sequer um brilho que se aponte.


61


Verão deixou saudades no meu peito,
E quando se aproxima esta estação
Os olhos com certeza lembrarão
Do amor em fantasia, raro feito,
E solitário, às vezes quando deito
Sabendo dos vazios que virão,
Não tendo mais sequer a direção
O vento se perdendo deste jeito.
Resulto dos meus ermos mais audazes,
Porém só turbulência enfim me trazes
E negas o que fora alguma luz,
O sol já se perdendo em meio às trevas
O resto de esperança além tu levas
E ao mais distante ocaso, o amor conduz.

62


O vento perfumando esta janela
Trazendo da roseira cada aroma,
A sorte na verdade já me doma
E o amor que tanto quis brilha e revela
Dourando em esperança a clara tela
E nela o que se fez antes, redoma,
Agora com ternura em paz me toma
Futuro desejado; a vida sela.
E o todo se transborda num momento
Deixando para trás o sofrimento
E alheio aos mais doridos descaminhos
Um pássaro cansado, sem destino,
Nos braços de quem amo eu determino
E tramo em mansidão, sobejos ninhos.


63


Cintila dentro em mim esta vontade
De um dia mais tranqüilo aonde eu possa
Viver toda a ternura, imensa e nossa,
Sabendo deste encanto que me invade,
Risonho desenhar felicidade
E neste caminhar a vida adoça
E tanto do que eu creio ora se endossa
No passo sem temor à liberdade.
É como se decerto ainda ouvisse
Diversa maravilha sem mesmice,
E o canto enamorado de um canário
Moldando em tez sublime e maviosa
Traçando em melodia verso e prosa,
Um dia muito além do imaginário.


64


Silêncio dominando este arrebol,
A face mais audaz da fantasia
Aonde tanto amor já se recria
Deixando em evidência o enorme sol,
E todo o sentimento agora em prol
Do quanto em nós visível alegria
E nada mais deveras poderia
Calar esta beleza em tal farol.
Excêntricas loucuras? Nunca mais.
O passo entre os momentos desiguais
Levando ao mesmo rumo: enternecido
Cenário aonde tudo se condiz
E deixa o meu caminho mais feliz,
Legando o sofrimento ao ermo olvido.


65


A flor se abrindo inteira na manhã
Mais desejosa e clara que pudera
Traçando a tão perfeita primavera
Deixando no passado a tez malsã
Aonde a dolorida e temporã
Loucura de uma triste e vã espera
Mostrasse a fria presa da pantera
Moldando em dor temível tal afã.
Esqueço dos meus erros, prenuncio
Um dia aonde o peito antes vazio
Bebesse à saciedade esta esperança
E o tanto que se mostra mais sublime
A cada novo canto além se estime
E o mundo em claros tons, ora se lança.


66


Por mim nada me impede
Da entrega sem medida
Viver o que concede
O fado desta vida.

Deitada nos teus braços
Sentir felicidade
Rompendo os frios aços
Da dor e da saudade.

Amar-te indefinido
Me embrenhar no afago
Que atiça o meu sentido
Do qual eu me embriago

Teu cheiro, teu sabor
Tua presença amada
Te beijo com amor
Me entrego apaixonada.

ANA MARIA GAZZANEO


Amar-te infindamente e perceber
O quão maravilhoso este caminho
Aonde do apogeu eu me avizinho
E bebo cada senda do prazer,
Tecendo a fantasia eu posso ver
Qual pássaro distante do seu ninho
O sonho mais audaz e te adivinho
Deitada já desnuda a me beber.
Num átimo mergulho nos teus braços
E sinto os meus anseios antes lassos
Agora em polvorosa tão somente
No ardente caminhar que se desenha
E a vida num instante sabe a senha
Decifra os meus anseios plenamente.


67


“Essa mulher é um mundo! Uma cadela”
Um dia ela mente, outro, ela jura,
Diz que não trai, mas não confio nela;
Paixão com ingratidão, ela mistura.
Tem vezes que até me desconjura,
Seu coração é duro igual moela.
Será que o amor tudo atura?
Então se justifica eu gostar dela.
Assim eu vou levando de mansinho,
Um dia tomo peia, outro, carinho
E empatam a afeição versos tapa.
Se esta é a minha sina, eu encaro
Na cama ela me paga, e é caro
E os dias nós riscamos, assim, do mapa.
Josérobertopalácio
Versos entre aspas: Vinicius de Moraes.


Esta mulher é tudo,
Ao mesmo tempo santa
Enquanto já garanta
O passo onde me iludo
E se puder eu mudo
E sei que a sorte espanta
Profana se adianta,
Deixando quase mudo.
Risonha a desgraçada
A vida alvoroçada
Não cansa de domar,
Espúria em santidade
Vadia diz saudade
De noite a se entregar.

68

Presumo quando creio
No olhar mais ardoroso
Depois este enganoso
Caminho diz alheio
E quando inda permeio
O canto com teu gozo
Percebo o doloroso
Delírio em devaneio,
Quem dera fosse vida
Assim já dividida
Entre desejos vários,
Mas logo determinas
As rotas em esquinas
Em rumos temerários.

69

Na tarde modorrenta
O sono se aproxima
Fastio dita o clima
E nada me apascenta
A vida não agüenta
E mata a velha estima
Ainda mais se prima
Por ser tão virulenta.
O risco de sonhar
E crer nalgum lugar
Aonde exista a paz
Não deixa que se veja
A sorte malfazeja
Porquanto tão mordaz.


70

A chuva diz frescor
E traz a mansidão
Enquanto no verão
Dispersa este calor
No tanto em claro amor
Os dias mostrarão
Diversa solução,
Ou mesmo algum sabor,
Porém quando em neblina
A tarde determina
Rancores tão terríveis
E assim logo se vendo
O amor quase remendo
Em dias mais sofríveis.


71


Penetro em descaminhos
Mistérios onde eu possa
Ao perceber a fossa
Arrancar os espinhos
Dos dias mais mesquinhos
Quem sabe a sorte endossa
E quando não remoça
Espreita os meus daninhos,
Esgoto o verso quando
O dia se tornando
Deveras mais cruel,
Extraio deste encanto
Apenas o quebranto
E espalho o canto ao léu.


72


Reclinado ao desejo
De quem não me queria
Pudesse em letargia
Falar do quanto vejo
E nada mais almejo
Senão a melodia
Que trague novo dia
Ou mostre algum lampejo,
Cerzir do nada o quanto
Parece que me encanto,
Mas logo ressabio,
E o verso que se exalta
No fundo sente falta
Ao se entregar ao frio.


73


Dormir neste momento
Após a tempestade,
Quem sabe até me agrade
Aplaque o sofrimento,
E quando além eu tento
O sonho não degrade
E deixe a claridade
Num ar bem mais atento,
Vestir esta emoção
E crer que inda virão
Momentos mais felizes,
Mas quando mais eu pude
Em diversa atitude
Tu vens e contradizes.

74


Turvando o meu anseio
Espúria criatura
E quando mais procura
Deveras perco o veio
E sigo além e alheio
Enquanto não se cura
Bebendo da loucura
Aonde a paz rodeio.
Legado mais venal
De quem não quero o mal,
Mas nunca quis meu bem,
O amor quando se nega
A sorte sendo cega
Também nada contém.


75


Num indolente sonho
O amor não poderia
Gerir a fantasia
Gerando um ar bisonho
E quando me proponho
Procuro em alegria,
Porém mera utopia,
O mundo é tão medonho.
O risco de viver
Ou mesmo crer prazer
Persiste enquanto a luz
Ao menos pude então
Sentir esta emoção
Que ao nada me conduz.

76


Roubar cada emoção
E crer ser mais feliz
No quanto nada fiz
E nada mais farão
Quem tenta coração
E sabe a cicatriz
No todo contradiz
Os ermos da ilusão,
Gerando o descaminho
Andando tão sozinho
Não posso mais a paz,
E sei que assim se faz
O tanto quanto note
Quem quebra cedo o pote.


77

Adormecer na tarde
E crer na bela lua
Deitando imensa e nua
Aonde não se aguarde,
O passo então retarde
E bebe enquanto atua
E além sempre flutua
Ainda sem alarde.
O corte o medo e o fardo
O passo que resguardo
E a queda se anuncia,
Assim chegando a noite
O amor já não se acoite
E mata a fantasia.



78

Nos sonhos mais febris,
Delírios, meus anseios
Em belos, firmes seios
Desejos; peço bis
E quanto mais te quis
Em riscos, ritos, veios
Os dias sem rodeios
Além da cicatriz
Girando a cada instante
Momento fascinante
Bebendo em fonte rara
Amar e ter a sorte
Que trame nosso norte
E um Éden se escancara.


79


Procuro teus espasmos
Frenética loucura
E quanto mais perdura
A sorte em tais orgasmos,
Sem medos ou sarcasmos
Os tempos de amargura
Agora com ternura
Matando estes marasmos.
Viceja dentro em mim
Bem mais do que um jardim,
Suprema primavera,
O amor quando sacia
Deveras a alegria
Maior do que se espera.


80


Guerreira conquistando
Aos poucos cada passo
Aonde quer e faço
O verso transbordando
E nisto desde quando
Caminho em ti já traço
E ocupo cada espaço
E nisto me entregando.
Sem medo do que um dia
Trouxesse ou se faria
Entranho em teu caminho,
E quando sou assim
Amor ditando em mim
O rumo que adivinho.


81

Inundo as fortalezas
E sorvo cada instante
Do quanto é fascinante
Seguir tais correntezas
E ver já sem defesas
Quem sabe doravante
No amor que se agigante
Sem medos ou surpresas.
Excêntrico poeta
A vida me repleta
Na vida que me dás,
E quando te entranhar
Inteiro este luar
O mundo enfim em paz.

82

E ganho na derrota
Vencido pelo amor,
Sabendo este sabor
Que em ti, querida brota
Acerto prumo e rota
E beijo tal calor
Em clara e bela flor
Que o sonho já conota.
Noctívago, deveras,
Em meio às vãs quimeras
Singrando em rua escura,
Agora que eu te tenho
A vida em raro empenho
Jamais, pois me amargura.


83

Sem medo do castigo
Nem mesmo sem pudor,
Viceja em nós o amor
Além de mais que amigo
Cerzindo o raro abrigo
Tramado com calor,
E vejo em ti a cor
Do sonho que persigo,
Andores e promessas
Aonde tu começas
Endereçado a ti
O todo que busquei
Encontro nesta grei
Que agora eu conheci.


84

Avanço tuas rotas
E sinto esta vontade
Do tempo em que se agrade
E nele também notas
O quanto sou só teu
E tanto já me orgulho
Aonde há pedregulho
Estou neste apogeu,
E vago sem temer
Espinhos nem o cardo,
O passo eu não retardo
Rumando ao teu prazer
E sei bem quando e onde
O amor ora se esconde.


85


Em cada novo passo
A vida traduzindo
Cenário mais que lindo
Aonde o sonho eu traço
E quando além desfaço
O rumo noutro infindo
O eterno então deslindo
E vago em farto espaço,
Restando do que outrora
Mostrara e não vigora
Apenas um detalhe,
O amor refaz a vida
E traz sem despedida
A trama que não falhe.


86


Roçando meu desejo
Esbarro com o meu,
O amor neste apogeu
E nele eu também vejo
O quanto mais almejo
E o tempo concedeu,
Meu mundo se perdeu
Em belo e raro ensejo.
Certezas de que um dia
A vida me traria
Bem mais do que eu mereço,
E sei também decerto
Que o peito estando aberto,
Amor sabe o endereço.


87


As rocas encontradas
Não impedindo ao fim
Amor ancora em mim,
E sabe das estadas,
Em noites rebeladas,
O tanto quando eu vim,
Acende este estopim
E traz suas granadas,
Batalhas em lençóis
E nelas me constróis
Diversos paraísos,
Um mundo que é só nosso,
A cada verso endosso,
Em ritos mais precisos.


88

Servindo de ternura
A quem se fez também
Sabendo o que contém
Amor rara loucura
A vida assim perdura
E gera novo bem
Aonde me convém
A glória em tal ternura,
Arcando com os passos
Depois dos dias lassos
Anseio cada instante
E nele se agigante
O que já sei demais,
Em dias divinais.


89

Aguardo o nascimento
Do sol sempre ao teu lado,
Albor anunciado
E nele o sacramento
Aonde me alimento
Do tanto desejado
E assim já desenhado
O mundo em tal provento,
Ascendo ao infinito
E um dia mais bonito
Deveras amanhece,
O quanto ora te anseio
Num tempo sem receio
Tecendo esta benesse.


90

Que trama nosso amor
Senão a mesma luz?
O quanto reproduz
Transcende em rara cor
E gera tal sabor
Marcante em contraluz,
E quando em ti me pus
Eu pude: sonhador.
Agora em ti eu sinto
O sonho outrora extinto
Enfim revigorando
O passo rumo ao tanto
E neste belo encanto
O manto se formando.


91

Matando e me tornando
Refém desta vontade,
E nela sempre agrade
O tempo claro e brando
O amor que desde quando
Com rara claridade
No todo já me invade
Rumo determinando,
Marcando em tom sereno
O quanto quero pleno
O gozo mais audaz,
Assim nos satisfaz
Saber que a cada instante
O amor mais se garante.

92


Eu não temo má sorte nem quimera
Ao mergulhar nos braços de quem ama
A noite e se transforma em viva chama
No ardume deste amor que nos tempera,
Ascendo ao mais sobejo onde se espera
A vida renovando a velha trama
E quanto mais audaz o passo clama
Maior temperatura amores gera.
E o cântico sublime se entoando
Num ar bem mais suave quase brando,
Vagando pelo espaço de um momento,
Em ti eu entranhando e se permite
O sonho bem maior que algum limite,
E neste caminhar eu já me alento.


93

Apenas acredito em cada instante
No qual amor se mostra sem temores,
E seja da maneira como fores
Verás o meu olhar mais fascinante,
E sigo com ternura e doravante
No todo desenhado em claras cores,
Deixando muito além falsos pudores
O amor sem ter limites me agigante,
Transcorre em cada artéria um sangue nobre
Quando em amores vivos se recobre
A vida de um poeta enamorado,
Tecendo com ternura o que se faz
O sofrimento alheio fica atrás
E o dia surge imenso e ensolarado.


94


Quem vive e sobrevive neste enredo
Percebe a consonância de um anseio
Ao perpetrar a vida em raro veio
E neste tom maior eu me concedo,
O amor nos preparando desde cedo
E nele cada passo que eu rodeio
Vagando sem destino e sem receio,
Não tendo nem sequer qualquer segredo,
A sorte se explodindo a cada toque
E o quanto deste encanto se provoque
No atento caminhar a vida inteira,
E quando mais feliz se permitira,
Distante dos engodos, da mentira
A dita se transforma em companheira.


95


Transforma em vencedor o amor que toma
A vida de quem tanto padeceu
E agora ao perceber este apogeu
Entorpecido adentra em leve coma,
Não cabe o sentimento na redoma
Aonde o desenredo se teceu,
E o mundo passa a ser inteiro meu
Enquanto o coração, amores doma.
Não pude e não teria mais vontade
De crer e de sentir mera saudade
Alheio aos mais dispersos passos vãos,
E quando me permito tal cultivo
Do amor com esperanças eu me crivo
E faço dos meus cantos, vários grãos.


96


Amor já sem fastio adentro quando
Encontro-te decerto enamorada,
E a sorte desenhando a mesma estrada
O dia com vigor nos clareando
O todo se transforma e me tomando
Não deixa no final mais sobrar nada,
Somente a vida assim anunciada,
E o novo caminhar revigorando.
Meu passo sem temor, seguindo firme,
No quanto cada dia reafirme
O sonho mais feliz, amar e ter
Nos olhos a beleza desta fonte
Que a cada novo dia mais aponte
Os rumos decididos do prazer.

97


Jamais suportaria a letargia
Do amor que não se basta e nem procura
A remissão dos erros nem a cura,
Deixando para trás a fantasia,
E quando nos teus braços eu me via,
Tomado pelos gozos da candura,
A sorte se transcorre e já perdura
Tocando com vigor uma utopia.
Cenários tão diversos vida afora
Amor ao renascer nos revigora
E traz em cada olhar outro caminho
Anunciando assim a solução
De todos os dilemas que virão,
Colhendo cada flor, esquece o espinho.


98


Os potes já vazios da esperança
Não valem quase nada, mas eu posso
Revigorar o sonho sendo nosso
No passo aonde o sol imenso alcança
E quando se mostrara em tal pujança
O canto pelo qual o verso endosso
E bebo esta emoção, dela me aposso,
Ousando acreditar nesta fiança
Do amor em traços firmes, raras teias
À noite, na calada me incendeias
E sorvo cada instante em luz sublime,
O gozo se adivinha e nos remete
E mais do que pensei amor promete
E gera a fantasia que suprime.


99

Essências divinais; tem este que
Deveras nos domina a vida inteira
E quando se aproxima a derradeira
Vontade é que decerto mais se vê
O mundo aonde outrora a dor reinava
A sorte em tez sombria, simplesmente,
E agora aonde amor já apresente
Supera mansamente qualquer trava,
E o gozo incomparável deste fato
Explode em emoções quando te vejo,
E mais do que se fora algum lampejo,
Nas tramas deste encanto eu me resgato
E alçando o paraíso nos teus braços
Meus dias não serão decerto lassos.

100

Das pernas; entrelaces noite afora
E o gozo se anuncia com vigor,
Moldando o paraíso multicor
Aonde esta vontade já se ancora,
E o medo do viver que me apavora
Agora se transforma em tal louvor
Bebendo deste encanto, o sonhador
O rumo para a messe em paz decora.
O quadro se tornando em transparência
O amor em tal delírio e sem clemência
Devasta e não respeita uma fronteira.
Nas tramas deste encanto sem igual,
O dia se tornando divinal,
E a glória passa a ser tão costumeira...

Nenhum comentário: