quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cena de sangue num bar...

Cena de sangue num bar...


Aquela tarde foi decisiva. Esperara o telefonema de Neuza durante a semana toda, e nada...

Nada de Neuza, nada do amor tantas vezes jurado e sonhado. Chegara a querer Neuza mais que a própria vida.

Vida, que vida? Amores são coisas passageiras, fazem passar o tempo, assim como o tempo faz a gente esquecer.

Esquecer como? As noites, tantas noites, a embriaguez de Neuza, o copo de cerveja esvaziado a cada instante, a vida passada nos braços e nos desesperados pesadelos.

“O amor, quando é demais, ao findar leva a paz”, mas não é somente isso, levou a vida.

O tempo congelado, a vida congelada, o emprego se danara, a esperança também.

Restara somente um sabor, o jiló da vida dera o amargo mote para uma existência sem sentido, sem paz, sem futuro.

Apenas uma coisa restara, a vingança.

Vingaria, de qualquer forma, custasse o que custasse.

A magia da esperança se tornara no desencanto da perda, da pedra incrustada no peito, na alma, no que restasse...

Ao descobrir, tempos depois, que Neuza estava namorando um velho amigo, tudo desabou de vez.

Logo ele, a quem tanto dera apoio, nos momentos mais difíceis, amigo do peito, amigo... O peito, a faca, a vida rodando, girando como se fosse uma roda gigante, no parque sem graça da infância recordada, na destruição do que antes construído com muita dedicação e luta.

A rosa vermelha, a boca vermelha, os bares, o Campari, sem amparo, no doce amaro das noites.

A sinuca passara a ser o ganha pão, as apostas, as perdas e danos da lida transformadas em porres homéricos, em pileques gigantescos, onde Neuza rodava, girava e o sangue...

O gosto da vingança estava na boca, ruminado, único norte, único rumo...

Sabia que Neuza iria ao parque, ao bar, ao mundo, e a esperava.

Num momento, os dois rodando, girando, sentados no bar. Na esquina, no bar, o vermelho da rosa colocada sobre a mesa, na toalha vermelha, as cadeiras vermelhas, a mesa...

No momento final, a faca erguida, veio toda a vida, desde a criança pobre, à chefia do departamento, abandonada, jogada fora...

E, num instante, a face avermelhada pela embriaguez, a desesperança, a gravidez de Neuza denotava a vida que viria, a esperança que não mais lhe pertencia e a faca...

Uma só bastou, a pontaria era boa, o sangue pela boca, o coração aberto...

Aberto o peito, sobraram os gritos apavorados de Neuza, e o medo estampado no rosto do namorado.

Marcos Loures

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