A alma feminina
Chegara há pouco naquela cidadezinha perdida nas matas das Gerais.
Médico recém formado, dono dos invejáveis vinte e cinco anos de idade; época da vida em que se é rei e não se percebe.
Fora contratado para trabalhar no Programa de Saúde da Família,
trabalharia na zona rural, num pequeno distrito longínquo da sede do
município.
Nos primeiros dias, a notícia de que havia um jovem doutor se espalhou
pela cidade, alvoroçando o coração da moças casadoiras e namoradeiras do
lugar.
Extasiado com tanto assédio, começou a ter o prazer de ser bajulado e cortejado por todos na pequena cidade.
Feio não era, até pelo contrário, mas era tímido. Muito tímido por sinal.
E isso o impedira de ter tido as experiências com o sexo oposto comuns à
sua idade e a “posição social” que atingira, de repente.
Família pobre, estudando com todas as dificuldades que são lugares
comuns nesse país das injustiças, conseguira se formar com muito
sacrifício de todos, inclusive dele.
No Rio de Janeiro, enquanto seus colegas saíam à noite, nas baladas
cariocas, ele ficava em casa estudando ou dando plantões e mais plantões
para ajudar a pagar a faculdade.
Mulheres? Não as teve, exceto uma ou outra namorada que, ao perceberem
que o namoro se resumiria a um cinema no final da tarde ou um
refrigerante na porta da faculdade, rapidamente iam “cantar em outra
freguesia”.
Uma das coisas que o médico do Programa de Saúde da Família tem que fazer são as visitas domiciliares.
Normalmente, na zona rural, a realidade é muito diversa da que estão acostumados os urbanos doutores.
A simplicidade e a pobreza são lugar comum; mas a recepção com um
cafezinho ou com a fruta da época são freqüentes. Café com guarapa, como
é conhecido o caldo de cana nesses grotões.
Um bolo de fubá aparece, não se sabe como e é degustado com prazer verdadeiro e risonho.
Naquela região não era diferente, o que passou a dar ao nosso doutorzinho, uma nova dimensão de felicidade.
Numa das casas, morava uma senhora viúva com seus quatro filhos, dois meninos e duas meninas.
Maria Inês e Maria da Glória, duas meninas típicas da roça.
A mais velha, Maria Inês, com seus dezoito anos era mais tímida,
escondida sobre uma mão que ocultava os dentes precocementes estragados e
o sorriso doce da ingenuidade.
Mas quem chamava a atenção era Glorinha, menina ainda com seus catorze anos mal completados.
A primeira vez que a vira, reparara que ela não o olhava, sempre olhando para baixo.
A roupa de chita rasgada, mal ocultava os seios recém nascidos e rijos, seios que chamaram a sua atenção...
Os pés descalços, cheios de “bichos de pé”, diagnosticados como tungíase
pelo doutor, os cabelos sujos e desalinhados contrastavam com os seios,
belos seios emergindo por entre os rasgões do vestido.
Terminada a visita, o doutor retornou ao seu trabalho e à sua casa.
Nem mais se recordava da menina nem dos seios quando, um mês depois, foi comunicado de que iria retornar àquela casa.
Tudo como antes, tudo, as mesmas deficiências de vitaminas, a mesma
miséria, a mesma ausência de tudo, o mesmo chão de terra batida, com os
mesmos colchões e os mesmos cães dividindo o espaço com os habitantes da
casa.
A única diferença que repara foi na mochila escolar esfarrapada que, a menina, enrubescida, usava por sobre o ombro direito...
Mal sabia ele que esse era o único enfeite que ela dispunha..
MARCOS LOURES
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