Depois da curva da estrada
Nunca mais quero saber dessa cidade, nunca mais, nem que tudo mais se acabe, que o mundo se desespere, nada mais me trará de novo essa cidade.
Ficando atrás da curva da estrada, perdida entre montanhas que nem mais serão minhas, nunca seriam minhas, minas de água límpida, turvadas pelas minhas tristezas, perdidas pelo tempo, entre tantos entretantos e poréns...
Nasci na esquina da rua do Sol, com a rua da Lua, filho de um anoitecer ou de um sonho frustrado de uma menina apaixonada pelo príncipe que nunca houve, somente o ronco forte do motor indo embora, voltando para o reino de onde veio, velho e acabado reino, em busca de outras princesas.
Pai que não sei, mal sei o nome, talvez nem saiba mais, nem interessaria tanto para ele quanto mais para mim, solitariamente esquecido na pequena cidade entre as montanhas de Minas.
Minas, de Gerais a tão restritas, minas de minério de ferro, água ferruginosa engasgada na garganta, minha garganta na garganta da serra, da serra mineira, escondida depois da curva da estrada...
Fui crescendo, crescida a mágoa, mãe desaguando no rio, suicídio me contam, mas não sei bem, talvez o gosto da água ferruginosa tenha conseguido calar a voz desafinada que me embalou...
Embalado para presente, qual cavalo troiano, fui rolando de casa em casa, por acaso uma aceitou.
A última que procuraram, acho que em meio a um sem número de diachos, no outro lado do riacho, casa de pau a pique, vida a pique, serra a pique.
Pique esconde, escondido do tempo, brincando rápido que senão a vara queima, marmelo, doce de marmelo, vara de marmelo, queimando nas pernas do moleque safado, pilantra, sem vergonha...
Vergonha traz lágrimas, doem os braços, os abraços negados, os ossos quebrados, pernas amarradas, embira e breu. Talas e varas estaladas nas pernas, em conjunto, reativa a circulação.
Na circular dos meus sonhos de moleque, pés de moleque na boca dissolvendo, o solvente trazendo delírios na adolescência, dando a coragem para a enxada, para o peso do arado, árduo e pesado para o moleque franzino. Hinos evangélicos no final de semana, entre tantos cultos, inculto cresci.
Cresci não, espichei.
Pichado por todos, mãos de piche, negras e ossudas, calejadas, calendário, época de plantar, depois do arado, planta dos pés ferida, feitas de cravos sob as canelas finas, finais, finalizando o esqueleto andante.
Ardente sol, tonteiras e aguardentes, as mágoas ardentes desaguando nos poros, nos olhos, nos dentes esquecidos a cada dia nos cantos da roça.
Dentes de alho para afastar mau-olhado, mas olhar para quê, o quê, quem?
Motos e carros, carros de boi são raros, somente as motos e os motivos: mortes, mortes de tio e tia, as primas e primos, primeiros a terem a primazia, depois dos tios, do açoite.
Açoite e costas magras, costelas expostas na estrada que me chamava.
As marcas das pancadas nunca mais saíram, nem as cicatrizes na pele, pele e osso, colosso de tosse...
Tosse diária, febre de tarde, ardendo tanto, molhando cama e lençol, preguiçoso, vagabundo, vadio, tuberculoso...
Seis meses de tratamento, nove meses para nascer, filho de Maria de Fátima, única louca, meu filho...
Aborto, para sorte de todos, inclusive da criança, principalmente dela...
Fátima era tonta, tão tonta quanto feia, mas a aveia de pobre é capim.
Na veia, depois de tanto, transfusão, confusão, profusão de pragas e palavrões, a sina abre a esperança.
Partir para longe, onde o bonde da sina não me encontre, longe dali, por onde? Qualquer lugar, desde que longe...
Onde vou, sei lá, só sei que a curva da estrada me liberta, melhor o incerto que essa certeza, melhor a morte sem mortalha, que o amargo da serralha, que ficou nessa serra..
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