sábado, 19 de março de 2011

RUMO À LIBERDADE

No cabo da minha enxada
Eu criei meus nove filhos
Percorrendo a mesma estrada
Entre novos, velhos trilhos,
Cada dia outra passada
Em terror, temor e brilhos,
Quando a sorte desejada
Superasse os empecilhos,
Não podendo mais conter
A vontade de voar,
Onde pude conceber
O caminho adentrando ar
Nele está o meu prazer,
Tanta coisa a conquistar.


2


Dos sessenta me aproximo,
O cabelo embranquecido
Superando pedra e limo,
Tanto chão já percorrido,
Vou mirando aquele cimo
E decerto eu não duvido,
Do que tanto quero e estimo,
Meu destino a ser cumprido.
Nada mais eu poderia
E talvez mesmo quisesse
Quem sabendo de outro dia
Do que passa já se esquece,
Mas comigo a teimosia
Hoje trago que nem prece.

3


Vez em quando escuto a voz
Que comanda o pensamento,
E sabendo mais veloz
O caminho que ora tento,
Nada tendo contra nós
O diverso sentimento,
Já não quero nada após
Nem sequer um cumprimento,
Vou seguindo a minha sina
E conforme Deus quiser,
Outra sorte me fascina,
Não deixando outra qualquer
Dominar quem me domina,
Venha o vento que vier.

4

Preparei a vida inteira
Um caminho aonde eu pude
Desenhar nesta ribeira
A verdade em amplitude,
Vou subir outra ladeira,
Já perdida a juventude
Quer e mesmo não queira
Minha sorte ninguém mude.
De menino enfim sabia
Que meu mundo sempre traz
O caminho em fantasia
E se mostra mesmo audaz,
Noutro tempo se veria
O que ninguém tenta e faz.

5

Da viola cada corda
Conhecendo muito bem,
A saudade já recorda
Do que fora e nada tem,
Outro passo segue à borda
Do tormento quando vem,
E se o coração acorda
Perco o rumo e perco o trem,
E por isso não compensa
Nem sequer algum momento
Onde a sorte em recompensa
Seja o quanto me alimento,
Vida atroz, decerto extensa,
Feita em luz e sofrimento.

6

Pelo tempo que procuro
Devo ao menos prosseguir
Sendo o chão decerto duro,
E distante o que há de vir,
Já não faço mais seguro
O caminho a resumir
O desenho onde afiguro
Tanto sonho a repartir.
Vejo o olhar deste menino
Procurando em claro céu
Entre as asas do destino,
Descortina a vida o véu
E se vejo e me fascino,
Coração vira corcel.

7


Já criei a filharada,
Sou avô e não desisto,
Outra noite desenhada
Caminhando sempre nisto,
Percorrendo a mesma estrada
É por ela que eu existo,
Cada estrela desenhada
Traz o sonho e assim persisto.
Conseguir a liberdade
Depois de ser tão escravo
Quando bebo a claridade
Meu caminho eu já não travo,
Outro tempo em realidade
No meu peito em paz encravo.

8

Recebendo no meu rosto
Este vento tão macio
Sem saber qualquer desgosto
Outro tempo desafio,
E se sei da vida o gosto,
Bem nas margens deste rio
Pensamento já proposto
Com certeza eu não adio,
Pois olhando os passarinhos
Nesta bela arribação
Outros dias, novos ninhos,
Todo instante, outra emoção
Sem saber dos tão mesquinhos
Desejares do patrão.

9

Liberdade, liberdade
Onde está que ora procuro
Nesta mesma claridade
Ou também no céu escuro,
Não me importa o quanto agrade
Ou decerto se é seguro
O momento quando agrade
Superando qualquer muro,
Na cidade ou no sertão
Outro passo procurando
Qualquer sonho ou diversão
Neste mundo desde quando
Novos dias mostrarão
Meu caminho desvendando.

10

Jamais tive em minha vida
A certeza que hoje tenho,
E se sei da despedida
Tanto quero este desenho
Feito além desta saída
E no fim eu me contenho
Vejo a história a ser cumprida
No calor em desempenho,
Não podia no passado,
Meninada já cresceu,
Hoje o sonho revelado
Noutro sonho concebeu,
Meu destino já traçado
Num caminho todo meu.

11

Vou seguindo o meu caminho
Da maneira que puder,
Mas agora vou sozinho
Sem ter filho nem mulher
Como fosse um passarinho
Libertando o que se quer,
Noutro canto eu já me aninho
Seja como Deus quiser,
Asas; crio a cada dia
E também nada se tema,
Outro sonho mostraria
Já não tendo alguma algema
Vida imensa então teria.

12

Tempo traz esta vontade
E jamais eu me perdi
Onde vejo a claridade
Com certeza estou ali,
Na lavoura a faculdade
Devo tudo que aprendi,
Nesta enxada o que me agrade
Traz o sonho que eu vivi,
Sempre encontro cada rastro
Dos meus passos pela vida,
No momento aonde alastro
Minha sorte resumida,
O desejo já não castro,
Liberdade tão querida.

13

Nada mais me segurasse
Nesta vida sem proveito
O meu mundo em desenlace
Já se faz bem do meu jeito,
Demonstrando a minha face
Coração vai satisfeito,
E sem ter nenhum impasse,
Meto as caras e abro o peito,
Falta pouco, subo o monte
E de lá tudo se vê
Liberdade no horizonte
Minha vida tem por que,
Quando o coração aponte,
Não pergunte nem cadê.

14

Desta vida na senzala,
Tanta terra em aridez,
Coração agora fala
E descreve o que tu vês,
Noutro passo não se cala
E seguindo sem talvez
Mais depressa que uma bala
Com completa sensatez,
Mergulhando no futuro
Libertado do passado,
Novo tempo eu asseguro
E não sou mais este gado,
Meu caminho que procuro
No destino já traçado.

15

Na beirada do penhasco
Vou abrindo a minha estrada
Já cansado do carrasco
Terei minha esta invernada
Do meu todo resta o casco.
Na verdade quase nada
Com certeza já não masco,
Nesta tarde ensolarada;
E depois de tanto açoite
No costado. A voz que agrade
Nem espera pela noite
Quero ter a claridade,
Da esperança que me acoite
Pulo em rumo à liberdade!

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