domingo, 10 de outubro de 2010

22653 até 23500

22653

O amor que nos domina nunca acabe,
Pois sendo de eternal composição,
Vibrando irracional, meu coração
Já dentro do meu peito não mais cabe,

De tantas fantasias ele sabe,
E vive a cada dia uma erupção,
Jamais suportaria coação,
Nem mesmo quem dos sonhos já se gabe,

O preço da paixão é muita dor,
Quem sabe desfrutar desta verdade
Não deixa de cantar em seu louvor

Por mais que sangre a vida, sigo em frente,
Buscando a mais real felicidade,
Que a sorte de te amar, tempesta, enfrente...


22654
Nada mais me lembra o fim do mundo
Do que esta noite feita em solidão
E quando mais nos sonhos me aprofundo
Encontro este vazio na amplidão,

Pudesse ter nos olhos, vastidão,
Beleza sem igual, dela me inundo
E faço do meu peito vagabundo
Um novo amanhecer, raro clarão...

Vencer os dissabores; dia a dia,
Tocado pelas cores da poesia
Que molda este futuro que pretendo,

O amor não tem vergonhas nem pudores,
Espalha em seus caminhos, dores, flores
Não pensa no futuro, ou dividendo...


22655
Acaba-se o velório e mal começo
A ter as velhas chagas extra-sonhos,
E os versos mais audazes e medonhos
Causando a quem escreve este tropeço

Se nada do que fiz sequer mereço
O beijo que não veio; vãos bisonhos
Abrindo-se aos meus pés, verbos tristonhos
Dizendo de um possível reconheço.

Apreço quem se mostra por inteiro,
Meu canto nunca sendo verdadeiro
Esgota-se em si mesmo, falso drama,

E o peso da consciência? Não me atrevo
A cada nova esquina, desço o trevo
E o corte se moldando, aos tombos clama...


22656


A noite vem trazendo intensidade
Nos atos que cometo, amores faço,
Repito com certeza qualquer traço
Que possa nos trazer felicidade,

Aonde houvera outrora falsidade,
Fugindo sem temor deste embaraço,
Sem ranço, sem mentiras, eu te abraço
E passo a desejar tranqüilidade...

Houvesse mais um tempo pra falar
Do quanto se entregando à lua, ao mar,
Azulejando em paz a nossa vida

A luz que me irradias, seu reflexo,
Distante de qualquer bom senso ou nexo,
Guiando pela noite, enlouquecida...


22657
Descendo na estação; perdendo o trem,
Seguindo meu instinto, quebro os vasos,
Os versos se fazendo quase ocasos,
A noite não virá nem me convém

Falar das velhas tralhas; sou ninguém,
Meus dias inda são meros acasos,
Convivo com desprezos e descasos,
Mas sei que novamente, volta o trem...

Abençoadamente a mente, mente
Remete ao que jamais fora possível,
E enfrento neste trilho algum desnível,

O quadro se desmancha claramente,
Pressinto que Itabira não houvera
Tampouco a velha Minas, não me espera...



22658


O amor nos transformando a cada dia
Merece muito mais do que um soneto,
Nos sonhos; busco a paz e me arremeto
Aonde imaginara a calmaria,

Perpetuando a noite, em fantasia,
Os erros mais comuns; sei que cometo
Quem vive na cidade esquece o gueto,
Minha alma sempre quis periferia.

Agora ando distante destes bares,
Sonhando com teu rio, lagos, mares,
Num porto mais alegre e mais seguro,

Se eu pudesse ancorar, teria a paz,
O amor que na verdade, encanto traz,
Aquele que deveras eu procuro...


22659
Seguindo desta forma, torpe e avesso,
Algozes encontrando a cada dia,
O verso que talvez não poderia,
Servindo como norma ou adereço,

E os erros que não faço, reconheço
Pedindo o teu perdão, nada faria
Não fosse um pormenor, a poesia
Quimera à qual me entrego em franco apreço.

Sentindo as tuas mãos quais de veludo,
Por vezes, poucas vezes eu me iludo,
Contudo sigo em frente esta jornada

Que sei se derrapando a cada curva,
Enveredando estrada amarga e turva,
Após tanto seguir, dará em nada...




22660
Opaco sentimento, torto sonho
Que enquanto houver desejo ainda tento,
Vivendo o dia a dia sempre atento,
Um tempo mais audaz, quero e componho,

E a cada amanhecer me decomponho,
Visão quase satânica eu sustento
Vibrando a cada morte, o sentimento,
Vagando em mar estranho e tão medonho.

Ocasos onde outrora quis aurora,
A sorte de viver não se demora,
A morte sorridente se aproxima...

O beijo da mulher que nunca veio,
No tempo de sonhar, sobra o receio,
Não tendo uma oração que me redima...



22661
Intrépida visão do louco inferno,
Demônios invadindo minha tela,
O barco se perdendo, rompe a vela,
O amor que deseja ser eterno

Ao menos se pudesse ser mais terno...
Porém em rispidez já se revela,
A noite que buscara bem mais bela,
Tão gélida, um fantasma agora hiberno.

E sinto que termina minha andança
Marcando com meus dentes a esperança
Audaz que na verdade foi vazia...

A chuva redentora nunca veio,
Garoa se entornando, sigo alheio,
Enquanto a minha sorte em vão se estia...


22662

Gargalha-se da cena um vão palhaço,
Aonde este bufão buscara o encanto
De quem ao se entregar se fez em pranto,
O mundo rechaçando qualquer traço,

Pudesse caminhar, porém eu passo
E deixo tão somente em algum canto,
O verso que traduza algum espanto,
Mudando com certeza este compasso.

E trago as mãos unidas; como em prece,
O coração fantasma me obedece
E segue seu destino rumo ao mar.

Vertendo esta fatal hemorragia,
A vida determina e não se adia
A morte vem aos poucos me tocar...


22663

Silenciosamente a noite passa,
Anúncios de tempestas são enganos,
A paz tão necessária não disfarça
E os dias modificam tolos planos,

A roupa já puída, em cada traça
Banquete desejado; rotos panos,
O canto em desafino e se esfumaça
O que pensara sacro, mas profanos...

Acaso se não tenho mais saída
Eu deixo a minha porta aberta e tanto
Desejo; pelo menos, nova vida,

Mas ermo, prosseguindo este vazio,
A cada falso verso, mais me encanto,
E bebo a tempestade em desafio...


22664


Meu corpo se sacia em tuas redes,
E bebe cada gota, até o fim,
Matando as minhas fomes, ledas sedes,
Vieste, redentora, até que enfim!

Não quero mais falar do meu passado,
Tampouco me interessa se há futuro,
Estando o tempo inteiro do teu lado,
O amor deslinda tudo o que procuro.

Versando sobre nós, a poesia
Se molda nos teus braços, tua boca,
E vivo desta forma, qual queria,
Meu rio em tua foz, já desemboca,

Inunda-se em prazer interminável,
Deixando-me deveras, mais afável...


22665


Elétricas correntes nos unindo,
Versando sobre o fogo que nos ata,
O medo na verdade não maltrata,
Amanhecer deveras sempre lindo,

E mesmo paraísos; já deslindo,
Penetro cada ponto desta mata,
E a vida se derrama em tal cascata
A dor por outro lado, se esvaindo.

No quanto te desejo, uma certeza
Que envolve esta verdade insofismável,
O mundo do teu lado, mais amável,

Envolto em raros fios de beleza
Que a sorte se fazendo tecelã,
Um dia emoldurou em louco afã...

22666


Vieste mais audaz e até feroz,
As garras sinuosas da pantera,
Que há tanto me deseja e a longa espera
Aumentando deveras tom de voz,

A boca que procura; margens, foz,
O renascer da antiga primavera,
O verso mais distante da quimera,
O tempo me encantando; antes atroz

Agora se deslinda em tal pureza,
Mudando de cenário esta beleza
Entorna-se sutil em nosso quarto,

Convite para festas, danças, valsas,
E quando o paraíso em cantos alças,
Do corpo desta deusa eu não me aparto...


22667


Saudades entranhando matas, ruas,
Encetando mentiras prazerosas,
Saudade traz nas mãos, espinho e rosas,
Marcantes fantasias bebem luas,

E quando se desnudam; rotas, nuas
Visões paradisíacas tu gozas,
Porém saudades seguem caprichosas,
Nos braços destas loucas, tu flutuas...

Resisto quando as vejo ou pressinto,
No cálice uma aguardente, ou um absinto,
Inebriante forma de matar.

Partida se refaz em nova face,
Saudade proibindo algum esgarce
Uma ilusão somente, a fomentar...


22668


Uma amizade feita em progressão,
Numa exponencial soma, agiganta,
A tantos em verdade logo encanta,
Jamais permitirá, pois, divisão.

Aprendo a matemática lição
Que nos moldando a vida em força tanta,
Aquieta o coração de quem se espanta,
Mudando desde já, formatação.

Quem tantos descaminhos; conheceu,
Ao ver quanto é preciso, percebeu
Que a sorte só se dá pra quem se entrega

Sem medo, sem discórdia, em realidade
É feita dos primores da amizade,
Que em mares mais suaves já navega...



22669


Amar tem seus caminhos, bem os sei,
E quanto mais audaz for nosso passo,
Ganhando a cada dia mais espaço
Aonde tu quiseres, estarei.

Já nao me importa mais se há regra ou lei,
Nas mãos da poesia eu me desfaço,
E quando a fantasia insano eu traço,
Mergulho neste mar onde te achei,

Sereia que invadindo a minha praia
Raríssima expressão do amor sem fim,
Alvissareira luz de meu jardim,

A lua se derrama e assim se espraia,
Na alvíssima beleza desta diva,
Deveras maviosa, rara e altiva...


22670



Chegaste como luz a redimir
Os dias onde a treva dominara,
A imagem desta jóia, bela e rara,
Estende-se infinita ao meu porvir,

Pudesse nos teus braços dirimir
A dor que inda carrego, dura e amara,
Minha alma no teu corpo já se ampara,
Caminho que aprendi a dividir,

Servindo ao nosso amor, como um cativo,
Se agora na verdade estou mais vivo
Permita-me falar de tanto apoio

Que deste qual suporte para mim,
A fonte inesgotável trouxe assim,
A vida para outrora morto arroio.


22671


Escrevo como quem libertando a alma
Prossegue bem mais leve pela vida,
Na lavra que cultivo, uma saída
Apenas a palavra inda me acalma,

Vencendo o que pensara amargo trauma,
A história entre mil tomos dividida,
A sorte emoldurada ou esculpida
Nas mãos de quem descreve; extrema calma;

Dos salmos e dos cânticos, louvores,
Poemas e romances, fantasias,
Aonde desvendando os meus amores

Permito-me enlevar ao mais distante,
E quando maravilhas também crias,
Nas mãos lapidaremos diamante...



22672


Apego-me aos momentos mais felizes
Aonde num bailado, em festa e riso,
Presença de um momento em que, preciso,
Legamos ao passado, cicatrizes,

Jamais cometeremos tais deslizes,
É necessário então sem ter aviso,
Reflito cada cor que ora matizo,
Ouvindo calmamente o que me dizes.

A sorte se azuleja em raios tantos,
Bebemos da alegria e seus encantos,
Fartando-nos de belas fantasias.

E teimo em navegar por calmas ondas,
Embora este futuro; eu sei que sondas,
E encontras todo amor que tu querias...



22673


Jamais perceberia alguma falha
Se não fosse preciso navegar,
Enfrento com denodo esta batalha,
Mas como se não tenho mais o mar,

Não tendo nem sequer onde atracar,
O cais tão inseguro me atrapalha,
Exposto às fortes ondas, naufragar,
A sorte anda no fio da navalha.

Macabras emoções, vagas gigantes,
E o túmulo; eu concebo por instantes,
Funérea fantasia diz que não.

O vento tanto açoita este saveiro,
Salgando uma esperança por inteiro,
Nos olhos, formidável furacão...


22674

Não tenho mais qualquer expectativa,
Meu tempo se esgotando aqui na terra,
História desvalida que se encerra,
Apenas o vazio ora me criva.

Manjares e banquetes, sorte priva,
O olhar que tenramente a vida cerra,
A máquina, infalível já sem emperra,
O corte foi profundo. Ausente Diva,

Ao menos embarquei na poesia,
O quanto foi plausível fantasia
Vivendo cem mil anos num só dia.

Ocasos se derramam, sonho cria
Mesmo que não havendo um novo dia,
Carrego em paradoxo esta alegria...


22675


Meu nome se eterniza em cada verso,
Granizos e nevascas, enfrentados,
Os dias entre sangues derramados,
Assim eu me inseri neste universo,

Um médico, um poeta, um ser disperso,
Que faz das alegrias, duros fados,
E beija as ilusões, feitas pecados,
Num mundo inexistente, sigo imerso.

Acórdãos; respeitei e não desdisse
O que fora previsto por mil astros,
Se o barco não tem mais sequer os lastros,

Tentar navegação, uma tolice,
Percebo que o final já se apresenta,
Maré antes tão calma, violenta...


22676


Prefiro a liberdade dos meus cantos
Aos velhos desencantos da prisão
A cela que detém minha ilusão,
Expresso na emoção, expondo em prantos,

Acaso se vieres, noutros tantos
Caminhos procurando a direção,
Adentro o mar com minha embarcação,
Abrindo então as velas, campos santos.

Arcar com meus pecados é preciso,
Assim é precioso navegar,
Buscando nas profundas deste mar,

Andrômeda, ou quem sabe o Paraíso,
Fomento esta esperança, mesmo inglória,
Quem sabe no final reste a vitória...


22677


Fazendo de um soneto uma arma branca
Que possa perfurar as consciências,
Os homens se entregando às coincidências,
A história jamais foi leal e franca,

A sorte que me eleva e me desbanca,
Causando em vida torpes penitências
Não ouve nem sequer toscas clemências
Demência que domina já desanca.

O quadro se mostrando tenebroso,
O rio poluído e caprichoso,
Invade suas margens, tudo inunda.

E o corpo do mendigo me anuncia,
A mão da humanidade em heresia,
Tornada a cada dia; mais imunda...


22678


No peso que roubaste, vendas fartas,
Mentiras que pregaste; falsos ritos,
Os dias prometidos mais bonitos,
De Deus a cada dia mais te apartas,

A sorte em mão vadia; assim descartas
Astutos têm caminhos vãos, finitos.
Não adiantarão sequer teus gritos,
Na mesa já rolando dados, cartas...

O fim que se aproxima é tão medonho,
A morte na verdade um belo sonho,
O sofrimento expressa esta vingança,

E o vento se demora, mas revolta,
A mão da fantasia já te solta,
Rompendo a podridão feita aliança.


22679


Culpado? Eu não serei por desvarios
Cometidos por quem tanto bem quis,
Agora do demônio, um aprendiz,
Descarta a solidão, bebendo os rios,

E vaga no beiral, rompendo os fios,
A sorte se tocando por um triz,
No olhar tão decidido do infeliz
Estorvos se tornando desafios...

Mecânicas diversas provocaram
A tua amarga e triste capotagem,
Amigos que decerto te encontraram

Erguendo proteções que ora desprezas,
No inferno, ao encontrar tua hospedagem,
Jamais escutarão as falsas rezas...


22680

O beijo prometido que não veio,
Conforme no passado me disseste,
Mudando a direção, vou sem receio,
Atrás da poesia que fizeste

Falando deste encanto; um belo meio
Por onde desfilaste e compuseste
Um mundo bem melhor, sem ser agreste,
Usando a fantasia de permeio.

O quadro que pintaste; alentador,
A lua de Catulo sobre nós,
O amor que outrora fora duro algoz,

Agora se transforma num louvor,
E assim ao ver tão belo este lampejo,
Esqueço se me deste ou não teu beijo...



22681


O sexo é necessário e com carinho
Não deve ser de todo desprezado,
A besta que falou que era pecado,
Decerto se acabou, ermo e sozinho.

Quem bebe do sagrado e raro vinho,
Percebe que o prazer proporcionado,
Deveras deve ser abençoado,
E segue sempre em paz este caminho.

Na leve transparência, a sedução,
A lânguida figura que se espalha,
Enfrenta loucamente esta batalha

E dando corda à sua sedução
Reinando sobre nós, maravilhosa,
A feminina deusa, voluptuosa...



22682


Naufrago os pensamentos em teus mares,
Marés que eu enfrentei para te ver,
Aonde poderia perceber
Estrelas desfilando em mil lugares,

Por onde caminharas, onde andares
Espere que decerto; irei saber,
Vibrando com ternura este meu ser,
Portando o coração, vários radares.

Andares e edifícios, altas horas,
Momentos de prazer, não demoras
Que a vida não espera, e quero ainda

A noite se aproxima e é toda nossa,
Teu lábio carmesim, divino adoça
E torna nossa história, rara e linda...


22683


Talvez não fosse ainda minha vez,
Quem sabe noutro tempo ou noutra vida,
Ainda me restando a lucidez
Por mais que a história esteja em vão perdida,

O quanto deste amor já se desfez,
Não vejo e nem pretendo uma saída,
Renovo esta esperança todo mês
E tudo não passou de despedida...

Houvera alguma voz que me guiasse,
E a vida não traria tal impasse,
Mas sigo caminhando em ponto cego,

Portanto não me venha com falácias,
Espreite atocaiada; pois audácias
A cada novo dia em mim carrego...


22684


Vontade de sentir o teu perfume,
Tocar a tua pele lentamente,
Por mais que a vida banhe de ciúme
Deixando o coração quase demente,

O amor com suas armas de costume,
Reabre em cada solo esta semente,
Dourando feito um sol em farto lume,
Futuro alvissareiro se pressente...

Beijar-te e decifrar os teus anseios,
Descendo pelo colo encontro os seios
E neles me demoro; com malícia.

Após a descoberta de um tesouro,
Desfruto deste raro ancoradouro,
Aonde frutifica tal delícia...



22685


Procuro algum mecenas; sonho falso
Aonde nada existe, o que fazer?
Apenas sobrará um cadafalso,
Mentiras disfarçadas de prazer,

Poeta deve andar sempre descalço
E agradecer se tem o que comer,
A vida a cada dia outro percalço,
Abraço o meu talento até morrer

Quem sabe noutra vida, algum arcanjo
Escute a poesia e com seu banjo
Fazendo a melodia; enfim permita

Que uma alma sem destino, vagabunda,
Aos poucos com carinho se aprofunda
E possa lapidar qualquer pepita...


22686

O coração servindo de morada,
Um ninho que te acolhe a cada dia,
Por mais que a noite surja leda e fria,
Aqui terás decerto uma pousada,

Permanecendo em paz; não tema nada,
O sol já se espalhando agora cria
Um novo amanhecer em poesia,
A sorte sendo sempre desfraldada

Na voz que tanto alenta e pacifica,
O amor que sem temores edifica,
Ardências e loucuras, pormenores...

Entenda que te adoro e necessito,
Do encanto que me dás; divino rito,
Só peço, minha ausência nunca chores...


22687


Expresso em poucos versos este canto
Que encanta e me tomando faz a festa.
O amor vai se espalhando em todo canto,
Invade qualquer ponto, qualquer fresta,

E desta fantasia, tanto quanto
Puder beber até que o sonho empresta
A lua que dormita e que ora resta
Deitada sobre o céu, divino manto.

Aportam-me diversas maravilhas,
E destas vou seguindo raras trilhas
Podendo desvendar cada segredo,

Aonde me encontrar, feliz e calmo,
Minha alma declamando cada salmo,
Trazendo plenitude a tal enredo..


22688


Jamais eu deixaria de querer-te.
Estrela vespertina que clareia
Mais forte do que a lua, mesmo cheia,
Imenso o meu prazer por conhecer-te

E o bom de descobrir e de saber-te
Enreda a minha vida, bela teia,
E mesmo quando a sorte segue alheia,
Nos braços deste encanto a recolher-te;

Escuto a tua voz, música e métrica
A vida em tua ausência, sempre tétrica,
Pudesse te tocar a todo instante

Servindo qual vassalo a tanto amor,
Um novo mundo ora avassalador
Desnuda este caminho deslumbrante...


22689


Ouvindo a voz do vento te clamando
Adentra os meus umbrais, tomando a cena,
O verso que emolduras; sendo brando,
Entrega-se à loucura imensa e plena,

Versando sobre o sonho, este comando
Passando às tuas mãos, a vida acena,
Aos poucos cada vez me dominando,
Tornando a minha vida mais serena,

Ourives da esperança, sonhos crias,
E neles entornando as fantasias,
Permites que eu ainda creia em Deus,

Vencer os mais diversos desafios,
Enfrento turbilhões em meus navios,
Legando ao nunca mais qualquer adeus...


22690


Apedrejado andara por esquinas,
Um pária sem descanso e sem guarida,
As horas vão passando e mal dominas
O que restou deveras desta vida

Entregue sem qualquer defesa, as sinas
Repetem velha história que esquecida
Ainda sob as mãos de quem fascinas,
Expressam; dos silêncios, a mordida,

Acaso não teria serventia
Aquele que se fez em pleno dia
Apenas um fantoche e nada mais,

Ouvindo este marulho, o timoneiro,
Encontra a solução neste saveiro
Deixando para trás o porto e o cais...



22691


Apreço até que tenho e não descarto
O jogo em que perdi novas veredas,
Dos sonhos; tão simplórias alamedas,
Distante dos meus olhos, cada parto,

E quanto mais ausente, mais me aparto,
E espero que afinal, tu me concedas
As mãos que tanto quis; divinas sedas,
Do amor, tal disparate, andara farto,

Mas quando renasci em tuas mãos
Os dias que se foram, toscos, vãos
Agora se transformam noutra face,

Não deixe que este sonho, o tempo cale,
O amor em cordilheiras; sabe o vale,
Visão quase ferina, não se embace...


22692


Senhor perdoe os erros que cometo,
Arrependido; estou prostrado aos pés,
Rompendo dos desejos as galés,
Aos braços salvadores me arremeto,

Na forma de oração simples soneto,
A vida percebera de viés,
Provando esta amargura, feita em féis
Fiéis momentos ora te prometo,

Deixando para trás o desamor,
Perdoando deveras quem maltrata,
Minha alma se liberta e se desata,

Nas mãos deste meu Santo Redentor,
E agora tão somente em ti, existo,
Tu és o Meu Amigo, o Pai, o Cristo.



22693


Acerto este ponteiro e não me atraso,
O tempo não promete temporal,
A sorte sonegando o seu aval,
A vida se transforma num descaso;

O dia se perdeu, além do prazo,
Não quero fazer bem sequer o mal,
Apenas desfrutar o carnaval
Que agora vai chegando ao seu ocaso.

Permita que eu te fale de ilusão,
O barco sem ter rumo ou direção
Condena-se ao naufrágio, simplesmente.

Enquanto houver a força no meu peito,
Jamais me sentiria satisfeito,
São ecos destes versos de um demente...


22694


Acerto este ponteiro e não me atraso,
O tempo não promete temporal,
A sorte sonegando o seu aval,
A vida se transforma num descaso;

O dia se perdeu, além do prazo,
Não quero fazer bem sequer o mal,
Apenas desfrutar o carnaval
Que agora vai chegando ao seu ocaso.

Permita que eu te fale de ilusão,
O barco sem ter rumo ou direção
Condena-se ao naufrágio, simplesmente.

Enquanto houver a força no meu peito,
Jamais me sentiria satisfeito,
São ecos destes versos de um demente...


22695


No quase nada além de um simples se,
O tempo não espera, segue adiante,
Percebo que deveras não se crê
No quadro desenhado, mero instante,

Por mais que ainda insista sem por que,
A lua nascerá mais radiante,
E beijo este passado, provocante,
Sem ter sequer saber onde e cadê?

Partilhas; não concordo ou participo,
O medo de viver; quando antecipo,
No oráculo desvendo este segredo.

Tentáculos tocando a minha pele,
Ao louco desafio me compele,
E ao fim não restará sequer degredo...


22696


Perplexo, procuro quem me entenda,
O soldo que recebo não compensa,
O medo traz a sua recompensa,
Mudando a realidade, feita em lenda,

Coloco sobre os olhos, negra venda,
E deixo a solidão numa despensa
E quando condenado à vã dispensa.
A história sem disfarces se desvenda...

Outrora, forte e belo cavaleiro,
Agora tão somente um resto em vida,
Jogado feito cinza num cinzeiro,

Apodrecido sonho, nada levo,
Sequer terei decerto a despedida.
Por isso ao vão retorno não me atrevo...



22697


Servir a quem não serve para nada,
Mesquinharias tolas, sei de cor,
Não sendo nem melhor e nem pior,
A porta do viver escancarada,

O mundo que queria bem maior
Que apenas esta negra e fria estrada,
Minha alma sem defesa e condenada,
O tempo de viver é bem menor.

Resumo minha história num soneto,
Nasceu, cresceu e morre sem poder
Dizer dos erros todos que eu cometo,

Arcando com pecados e mentiras,
O quanto me restando do viver,
Aos poucos, sem remorsos tu retiras...


22698


Arcar com meus engodos, simples fato
Que possa permitir a salvação,
Adentro mansamente este regato,
Batizo meu tão frágil coração

O mundo num segundo então retrato,
Não quero e não suporto coação,
Acerto desde sempre o mesmo trato,
E bebo sem saber a solução...

Orgásticas loucuras? Meu passado,
Agora nada tenho senão isso,
A flor que desfolhada perde o viço,

O Medo em minha face emoldurado,
O corte tão profundo; cicatriza,
O imenso vendaval, suave brisa...


22699


Na porta ouço bater em noite fria,
Procuro uma resposta, nada diz,
O vento simplesmente? Bem que eu quis,
Porém a mão que toca, me esvazia

E enquanto a minha vida se esvaia,
Ouvindo novamente este infeliz
Que teima no portal; a cicatriz
Reabre-se deveras em sangria.

O medo se transborda num sorriso,
O toque repentino é impreciso,
Apenas algum gato em noite escura...

Mas quando abrindo a porta, e nada vendo,
Segredos do passado; vou revendo,
A morte novamente me procura...


22700

Salvando os meus poemas num disquete,
Quem sabe noutros tempos serão lidos?
Deixá-los simplesmente nos olvidos,
Mudando este formato, outra maquete,

A mesma velha história se repete,
Poetas são deveras esquecidos,
E os versos entre folhas, vão perdidos,
A vida segue pela bola sete.

Não quero esta desgraça como herança,
Exijo de meu filho um algo mais
Que ter o dom da vida e da esperança

Sabendo que ao final ninguém alcança
Sequer ancoradouro, porto ou cais,
Morrendo sem deixar nem mais lembrança...


22701

Pareciam se unir terras e céus
Numa volúpia enorme, incandescente,
Nos olhos do terror, os fogaréus
A chama em tuas mãos, iridescente,

A lua desvendando claros véus,
Deitando suas pratas no poente,
Vagando mil cometas; sempre aos léus,
Ilhéu em fantasia, penitente.

Espero alguma curva que não vem,
Tampouco o meu caminho se faz reto,
Pudesse ter o olhar bem mais discreto,

Talvez ainda visse, ao fundo alguém,
Mas; entretanto a sorte nada diz,
E o mérito se perde em tons mais gris...



22702


Pareciam se unir terras e céus
Numa volúpia enorme, incandescente,
Nos olhos do terror, os fogaréus
A chama em tuas mãos, iridescente,

A lua desvendando claros véus,
Deitando suas pratas no poente,
Vagando mil cometas; sempre aos léus,
Ilhéu em fantasia, penitente.

Espero alguma curva que não vem,
Tampouco o meu caminho se faz reto,
Pudesse ter o olhar bem mais discreto,

Talvez ainda visse, ao fundo alguém,
Mas; entretanto a sorte nada diz,
E o mérito se perde em tons mais gris...



22703


A noite entre meus fúnebres penares
Alvíssaras; esconde em seus vazios,
E os medos permanecem entre os fios,
Distante, sempre ausente meus amares;

Volver a cada canto, em tais lugares,
Aonde em profusão, angústias, frios,
Andando pelas ruas, vários bares,
E os olhos dos incautos, vãos, vadios...

Arcar com desenganos e mentiras
Enquanto em vários pontos, sempre atiras
Estirado na praça, o corpo inerte,

E incrível que pareça inda se ri,
Cadáver dos meus sonhos; vejo ali,
Enquanto a podridão ainda verte...


22704


Vagando entre o meu ser e o não seria
Se a vida fosse apenas mais complexa,
O fato de não ter a alma perplexa
Espelha no meu caso, a poesia,

Que volta e sem revolta, sempre adia,
O que a verdade em si já não indexa,
Imagem espelhar, nua, reflexa,
Expressa o que melhor se poderia

Falar de uma Pessoa que é plural,
Idolatrando a vida com mil vidas,
Das águas que salgaram todo o mar,

Imensos turbilhões, que em Portugal,
Diversas e tenazes, mas queridas,
De quem ao ser Pessoa soube amar...


22705

Alvorada outra vez não veio e o frio
Reflete o que nós somos e viemos
Trazendo desde sempre, num vazio
Que agora, sem desculpas, mais bebemos.

E quando alguma estrofe; inútil, crio,
Expondo já desnudos velhos Demos,
Os trâmites legais, eu desafio,
E o fato de sonharmos; esquecemos...

Negar o que já fomos não resolve,
E a terra quando o vento em vão revolve
Apenas estas folhas outonais.

E o que mais desejara se perdendo,
A morte sendo um grande dividendo,
Os dias que vivemos; são jamais...



22706


Meus restos são apenas esta escória
Que agora percebeste em solo agreste,
Ouvindo cada conto em que vieste,
Guardado em algum ponto da memória,

A sorte se desfralda em rara glória,
O medo sem porvir, terrível peste,
O quanto de carinho não me deste,
A vida jamais foi satisfatória...

O quase dominando cada passo,
Ao largo da ilusão, ando sozinho,
E quando o meu anda diz descompasso,

Percebo quão inútil caminhar,
Vencer mil pedregulhos, meus espinhos,
Teimando em ter nos olhos, teu luar...


22707


Das cinzas do que fui, tépido sonho,
Renasço como fosse um morto-vivo,
Do beijo que procuro não me privo,
O vento que virá mesmo medonho

É bom e assim desejo, e te proponho,
Não tendo mais sequer verso agressivo,
O mar aonde eu pesco e crivo
O arpão dos pesadelos, vai tristonho,

Mas vejo em tuas ilhas, a paragem
Aonde procurara uma ancoragem,
Coragem pra seguir viagem; paz;

E o verso que elaboro com clareza
Expondo e refletindo tal beleza,
Permite a caminhada mais audaz...


22708


Redivivo; eu me vejo em poesia
Arcando com meus velhos ideais,
E os ventos tão somente temporais,
Enquanto mais distante a maresia.

O verso que talvez o sonho cria,
Desfia pelas ruas, seus varais,
E os ossos sepultados nos quintais,
A porta da verdade não se abria,

Solucionando os termos que não sigo,
O peso do passado, verso antigo,
Colhendo com meus dedos decepados.

Segredos que virão já não resistem,
E o quanto meus amores não persistem,
Mudando de repente tristes Fados...



22709


Murmuro tão perplexo quando escuto
A voz de um trovador que desanima,
Enquanto em vida houver, amor e estima,
Jamais nos vencerá, temor mais bruto,

A velha poesia anda de luto,
Por vezes esquecida, se lastima
E quando relembrada, assim por cima,
Apodrecem decerto cada fruto.

Não vejo mais saída para quem
Durante a vida passa e nunca vem
Ouvir de um bardo o som do violão,

A sacra melodia se perdendo,
E o tempo de viver, simples adendo
Matando o que sobrou no coração...


22710

Esse rasgar de seda é verdadeiro
E não vai denegrir nosso trabalho.
Os fatos transparentes que ora espalho
Podem ser comprovados por inteiro.

Se eu digo que a dormência é mal certeiro
Quem pode duvidar ou meter malho?
Será só carta fora do baralho
Tão certo como és mestre qual oleiro

Que molda o barro com exatidão
E em cada obra põe o coração.
Avante, ó rimadores e prosistas!

Encantai esse mundo, sois artistas!
Derramai poesia com coragem!
Enfrentai, desse mundo, a vil voragem!

Ronaldo Rhusso

Cortando a solidão, a poesia
Embarca com denodo em raros barcos,
Distante dos tormentos, criando arcos
Aonde um novo tempo se desfia,

O verso se desnuda em fantasia,
Embora os bons momentos sejam parcos,
Ronaldos são bem poucos, mas são marcos
Que fazem do viver pura alegria.

Assim sem nada além de um verso puro,
Um canto em amizade, um hino à vida,
Se em meio a tantos males me depuro

E vejo com vigor esta saída,
Quem dera se também a humanidade,
Levasse a poesia à santidade...


22711


Belas, nítidas; formas que, sutis
Emaranhados tomam céus e luzes,
Desenho no papel, imagens vis
E corpos entre espadas, ferros, cruzes.

O beijo prometido, nunca quis,
Tampouco os meus delírios que conduzes
Por trilhas me fizeram mais feliz,
Nas mãos de quem carinha, seus obuses...

E o quadro se repete a cada cena,
Mergulho no vazio e me enveneno
Bebendo cada gota que me dás,

A praça se expressando em lua plena,
O quanto te desejo, sendo ameno,
Talvez ainda reine alhures, paz...


22712


Estrelas que surgiam neste céu
De leve transparência e luz serena,
A dor que do passado, me envenena,
Enceta na verdade o seu papel,

O vento em tempestade tão cruel,
Uma alma sem juízo, ele apequena,
E quando a madrugada se faz plena,
O azul renascerá; tomando o véu.

E apenas o que fomos; já guardado
Nos ermos da memória, restará,
E o tempo de viver, rebrilhará,

Deixando o céu outrora tão nublado,
Da forma que ansiando mais desejo,
Uma escultura feita em azulejo...


22713


Num céu de puro anil, encontro a luz
Que tanto precisara num momento,
E o quanto ao grande amor, já me conduz,
Não resta no meu peito algum lamento,

Liberto e sem censura, o pensamento
Olhando para a face de Jesus,
Descubro em Seu olhar supremo alento,
Não quero mais saber de dor e cruz.

Pra poder ter Amor, sem sacrifícios,
Não vejo nos grilhões, os meus ofícios,
Da santa inquisição quero distância,

Pois tenho A Liberdade de saber,
Que com Tua palavra irei vencer,
Mantendo um firme passo com constância...



22714


Não temo estes demônios, frágil bando
Que segue por igrejas e covis,
Aos crédulos e ingênuos assustando
Com gritos e outros atos pueris;

O verbo se fez claro e dominando,
As toscas criaturas ocas, vis,
Enquanto no Meu Cristo me espelhando,
Olhando de soslaio, são sutis...

Ouvindo a voz que clama o coração
De quem se fez amor, pleno perdão.
Vigio sem temer a Satanás...

O quanto Deus é Pai e Criador,
Apenas meu poema, irei compor,
Usando como base amor e paz...



22715


Rastejo meus momentos mais impróprios
Arcando com os cortes que virão,
Os versos que pensara quase sóbrios
Mudando novamente de estação,

Sem pele, sem disfarces que inda cobre-os
Seguindo pelo trem, cada estação
Fazendo com sinos velhos, dobre-os
Perpetuando a morte vã lição...

Descubro meu reflexo e dele bebo
Arcanas e infelizes maravilhas,
Alçando por enquanto o que concebo,

Recebo de teus braços, ato falho,
Enquanto o sangue exposto ainda talhas,
A mão se decepando, espesso galho...



22716


Débeis e fátuas, claridades raras
Durante uma vida feita em lança e fogo,
Não posso suportar mais este jogo,
No qual as dores fartas são mais caras,

E quando em versos belos vens e amparas,
Procuro uma esperança, e como um rogo
Declaro o meu desejo ou desafogo,
E incrível que pareça sanas, saras...

Os ermos que vivi; freqüentes vãos,
Os dias nada mais representavam
Senão as vagas noites, velhos grãos

Que em terra mergulhados, abortavam
Os sonhos que num tempo foram meus,
Agora vão imersos nestes breus...


22717


Derramam-se clarões por onde passo,
Fantasma de mim mesmo, sonhador
Bebendo cada gota deste espaço,
Esgarço-me envolvido em franca dor.

O peso do viver, grande cansaço,
A morte um bem cruel e alentador,
Não deixa mais sequer um fino traço,
Do quanto fui outrora; a decompor.

E o verme que me beija e lambe a pele,
Adentra-se voraz e se sacia.
À fúria do desejo se compele

E enquanto me devora, expondo os ossos,
Permite-se num ato de alegria,
Mergulhos nos escombros, podres poços...



22718


Nas plantas ao redor da sepultura,
A vida se refaz pós-podridão,
E aonde se pensara em noite escura,
Refeito este caminho num clarão,

No fátuo fogaréu, bela moldura,
Minha alma se esvaindo deste chão,
Eleva-se discreta a certa altura,
Buscando tão somente uma amplidão,

Do corpo decomposto o gás metano,
De todos os meus sonhos, soberano,
Jamais se enganará, pois bem mais leve,

E aos céus que procurei por toda vida,
A mão bem mais audaz, já de partida,
Ao infinito além; etérea atreve...


22719


Línguas de fogo, labaredas várias,
Os sonhos esfumaçam; ritos tantos,
As horas sem destino, procelárias,
Apenas nos teus olhos, meus encantos,

As cordas se arrebentam; almas párias,
Secando com ternura antigos prantos,
As ondas se revezam, são sectárias,
E entornam farto sal por vários cantos.

Assim neste oceano em que te encontro,
Audaz e frágil lua avermelhada,
Após a vida inteira em desencontro,

A sorte num momento, anunciada;
E parto sem defesas, alço estrelas.
Sabendo desde agora já contê-las...


22720


Fosfórico fantasma me persegue
Durante a madrugada em que te busco,
E quando me encontrando em passo brusco,
Somente a realidade que sonegue,

E sigo sem saber o quanto entregue
Atrás desta parede em lusco fusco,
O amor que fora outrora mais patusco,
Agora sem demora, não prossegue...

Arguta fantasia de tocaia,
O vento me levando à tua praia,
Sereia que seria se viesse.

Mas como já não vens, sigo sozinho,
O mar que se dourara, em pleno espinho,
O sonho em tempestade se oferece...


22721


Ao se cruzarem no ar, espera e dor,
O tempo se nublando, chuva e frio.
O quanto se fez mal e pecador,
Pacato cidadão, num desafio,

Estia com certeza o grande amor,
E passando decerto, o medo a fio,
Arcando com seus erros, sonhador,
Aos versos e aos temores, já me alio.

E quando me apodero da alegria,
Ouvindo a voz do vento me chamando,
Outrora mais bravio, agora brando,

Nem tudo que imagino, mais queria,
Somente o teu calor, mas nunca estás,
Ausente de meus olhos, luz e paz...



22722


A terra e os astros seguirão seus rumos
Em meio a tantos vagos no universo,
Assim como também meus tristes versos
Bebendo da tristeza, gozos, sumos,

Buscando em tempestades bons aprumos,
O canto que ora trago, mais diverso,
E o mundo que sonhei, segue disperso,
Perversos os caminhos; grandes grumos.

E o peso da esperança não me cabe,
Assim como a ilusão, antes que acabe
Termina com meus sonhos, mata a sorte.

Vencido e sem ter forças, só, prossigo,
Não tendo no caminho algum abrigo,
Restando tão somente o frio e a morte...


22723


Vendo a aurora nascer em brilhos tantos,
Roubando à luz do sol, raros matizes,
Percebo quanto em vida, são felizes
Os que bebem deveras tais encantos,

Ausente dos meus olhos, desencantos,
Não passam de pequenas cicatrizes,
E quando ouvindo o canto em que me dizes
Do amor que se tanto, em claros mantos

Deitando a minha sorte sob o sol,
Qual fora um helianto enamorado,
Girando sempre em busca do farol,

Teus olhos espelhando tal beleza,
De tal maneira sinto-me cercado,
Que olvido qualquer dor, medo ou tristeza...


22724


Sentindo-me decrépito, vagueio
Por entre as velhas ruas, becos, vilas,
E quando entre mil cores tu desfilas,
A vida se retoma em claro anseio,

Ainda procurando qualquer meio
No qual possa beber-te; mas destilas
Teu ódio por quem tanto em toscas filas
Buscara a tua imagem, sem receio...

Augusta maravilha, bela fêmea
Que um dia se fez alma quase gêmea
E agora desprezando esta carcaça,

Quimera que; matando-me deveras
Entrega-me sem dó às frias feras,
E olhando para alhures, linda, passa...


22725

Cismando tão somente com porvir
Viria te dizer do que passamos,
Se o tempo com vergonha desfrutamos,
Não deixe que o melhor inda há de vir,

Serpente se arrastando, a refletir
Veneno que deveras, nós provamos,
Dos dias mais perplexos, somos amos
E o vento virá tudo repartir.

Terceira esta navalha que com fios
Virá nos decepar e nos erguer,
Nos olhos de quem sabe convencer,

Os medos não serão só desafios,
Não guardo desafetos nem tampouco,
O canto que entoar se fará rouco...



22726


Toma as espadas rútilas, guerreiro,
E á rutilância das espadas, toma
A adaga de aço, o gládio de aço, e doma
Meu coração - estranho carniceiro!

Não podes?! Chama então presto o primeiro
E o mais possante gladiador de Roma.
E qual mais pronto, e qual mais presto assoma,
Nenhum pode domar o prisioneiro.

Meu coração triunfava nas arenas.
Veio depois de um domador de hienas
E outro mais, e, por fim, veio um atleta,

Vieram todos, por fim; ao todo, uns cem...
E não pude domá-lo, enfim, ninguém,
Que ninguém doma um coração de poeta!

Augusto dos Anjos

Entregue à fome insana dos chacais,
Carcaça dos meus sonhos, ermos ganha
Aos pés da cordilheira, vil montanha,
Na podridão; apenas velhos ais,

E os cães ladrando sempre e sempre mais,
O velho prisioneiro sem barganha,
A sorte dilacera enquanto arranha,
Delírios em desejos canibais...

A mão da poesia inda me roça,
E o quase se espalhando em terra fria,
Moldando o que seria uma palhoça,

Quem teve uma alegria como meta,
Arrasta-se em correntes, fantasia,
No indômito sonhar de um vão poeta...


22727


Mirando as negras nuvens, temporais,
Olhando para as sombras sobre o chão,
Os olhos se perderam entre astrais,
E o verbo se tornando negação.

Percebo quanto grave a solução
E não desejo nada, pois, iguais
Seremos das verdades, canibais,
O amor será profícua refeição.

Patética emoção; ao fim me esgueiro
E acendo nos meus olhos tal isqueiro,
A chama já cifrada diz segredos

Por onde um pacifista não caminha,
A sorte se moldando tão daninha,
Os ritos, velhos riscos, meus degredos...



22728


Caminho e enfrento o vale feito em dor,
Aonde não pudera descansar,
Serpente se desgarra devagar,
Olhando de soslaio o lavrador,

Atocaiado sonho, desamor,
Enquanto houvesse ao longe algum luar
Pudesse vislumbrar distante mar,
Porém o que fazer se não há cor?

Colóquios entre senhas e mentiras,
Num solilóquio vago em noite vã,
O parto se negando, diz Satã.

Recortando o meu corpo em várias tiras,
E atiras teu sorriso tolo e ofídico,
Aonde eu quis um riso, ameno e lírico...


22729


As mãos que acariciam com ternura
Exímias passageiras, no infinito
Do amor que se deseja e se procura,
Fazendo da alegria mais que rito,

O quanto em desafio; se assegura
Um novo amanhecer calmo e bonito,
A mesma mão, às vezes me tortura,
Na frieza completa do granito.

Encontrando outras mãos que se entregando
Expressam sentimento claro e brando,
Moldando um novo tempo em cada vida,

Erguendo como um brinde à raridade
Na qual ao se expressar felicidade
Já leva esta amargura de vencida...



22730


O que falar da lei que nos implica
E torna esta viagem vã, fatídica,
A boca que me morde quase ofídica
O dedo que me aponta não explica,

A voz insofismável nega a dica
Enquanto a poesia for empírica
Não quero uma verdade tola e mítica
Nem lítica explosão que me complica.

A passos bem mais largos, minha fuga,
E o sangue que a serpente bebe e suga,
Arcando com venenos tão letais.

Tu foste a primavera que abortada,
Não deixou no passado mesmo o nada,
Dizendo do futuro nunca mais...


22731

Cabeças rolarão após a festa
Descomunais fantasmas do passado
E quando a solidão à dor se empresta
Fogueiras da ilusão, medo e pecado,

O tempo enquanto frágil pouco resta,
O fim a cada verso anunciado
Minha alma decomposta, nada gesta,
Mergulho no meu mundo, abandonado.

Assegurada a sorte de um poeta
Que um dia imaginara outra vertente,
Percorro cada senda e se completa

Meu ciclo pela vida e só carrego
O frio que no inverno se pressente,
E o meu olhar, vazio, alheio e cego...


22732


Proliferando vermes entre as bolhas
Que invadem os meus pés, simples carcaça,
O tempo mais depressa se esfumaça,
Outono derrubando suas folhas.

Por mais que as fantasias vãs recolhas,
A vida sem perguntas, velha traça
Destrói o pensamento e tudo passa,
Tentáculos permitem que os encolhas,

E vejo nos meus pés, fria gangrena,
O amor que não se fez, ora envenena,
Não restará sequer o que inda espero,

E o beijo que recebo, traiçoeiro,
Apenas o final é verdadeiro,
Embora, como sempre, amargo e fero...


22733


Olhando o meu cadáver, de soslaio,
Empresto-me ao delírio deste sonho
No qual um novo dia; inda componho,
Embora das verdades, um lacaio.

E quando em realidade, aos poucos, caio,
Percebo que o porvir, mesmo medonho,
Além do que deveras eu proponho,
Refeito dos efeitos de um desmaio

Espreito a minha morte em plena sala,
Zumbidos diferentes, ninguém cala,
E os beijos de uma mosca que irritante

Debruça em meu sorriso vão, sarcástico,
Tornando este momento menos drástico,
E o gargalhar sonoro de um passante...


22734


Fruir entre as diversas fantasias
Ouvindo este marulho que convida
Às belas maravilhas desta vida,
Que mesmo em sonhos frágeis, fantasias,

Pudesse pelo menos por uns dias,
Saber da sorte imensa e comovida,
Pelos olhares mansos; já trazida,
Razão para o sonhar das poesias...

Mas quando vejo o nada me tocando
Das velhas alegrias, nem um bando,
Apenas o passado, pesa e tanto.

Vencer os dissabores, prosseguindo
Buscando algum recanto belo e infindo,
Selando a nossa sorte em puro encanto...


22735

Soubesse discernir, da morte a voz
Na imensa e torpe turba que me cerca,
Por mais que ainda sinta o vento atroz
Minha alma com a dor se aduba e esterca.

Voluptuosamente; quero ainda
Um dia que já sei não mais virá
E quando a realidade se deslinda,
Somente uma incerteza aqui ou lá,

E o medo de saber que nada sei,
Sequer a solução de um vão problema,
Nas águas, iludido, mergulhei,
Ainda em minhas mãos, a firme algema,

E nada salvará quem tanto quis,
E nunca concebeu o ser feliz...


22736


Um texto assim comove e muito anima!
Encerra uma verdade a ser seguida...
Porque a poesia acalma a lida
e do Mantenedor nos aproxima.

Aguardo o dia em que olhar pra cima
acabe por ser meta e a nova vida
floresça qual desejo da partida
pro lar que há de mudar a autoestima,

mover os corações a se envolver
c'o bem maior, real: Eternidade!
Ninguém será apenas só metade

e findo, então, será todo o sofrer.
Por lá a poesia será hino
e é fato que haverá algo divino!

Ronaldo Rhusso

Das Musas e das Ninfas, seus encantos
Cantados numa lira de um poeta,
Quem tem a fantasia e se completa
Nos sonhos, conhecendo mundos tantos,

Profanos caminhares, campos santos,
O amor indivisível, dor que afeta,
Entrega sem limites e concreta,
Sabendo provocar risos e prantos,

É mago e com alquímica beleza,
Usando da palavra por cadinho,
Encontra para os males, panacéias...

Das artes, a mais rica com certeza,
Se é feita com presteza e com carinho,
Expressando com arte dons e idéias...



22737


Ao corpo inerte e vão que ali se deita,
Velórios e desejos; simples nada,
Quem teve a sua vida demarcada
Por dores, no descanso, alma deleita...

O quadro desenhado em tela estreita
Após o meu final, fatal cilada,
A sorte numa senda enveredada
Durante tantos anos, mera espreita.

A fúnebre visão apavorante,
Deveras não me assusta e até me encanta,
Carpindo; a poesia rm hinos canta

Mostrando a calmaria doravante,
Na pútrida visão de um Paraíso,
O bem que necessito, em paz preciso...


22738


Houvera consciência no assassino
Que atocaiado em dura e fria espera
Sangrando, modifica o meu destino,
No olhar quase que gélido, pantera...

A boca ensandecida desta fera,
Puindo esta ossatura, desatino,
A morte ensandecida em primavera,
O olhar mais traiçoeiro, e feminino.

Houvera algum momento em que pudesse
Ao menos rechaçar o golpe astuto,
E embora sem propósitos, reluto

E a face noutro instante se oferece
Às unhas, garras, dentes e navalhas,
Criando dos amores, as mortalhas...


22739


Sentindo-me apertar voz e garganta,
A senda que buscara não existe,
O fardo que carrego ainda insiste
Enquanto a noite escura se levanta.

A fome de sonhar, outrora tanta,
Agora tão somente um resto triste
Que sinto, permanece, e hora resiste
E a força a cada dia se quebranta.

Mudasse alguma coisa em minha história,
Apenas os resíduos da memória
Restando neste corpo em vão, vadio.

O quarto de dormir, luzes apago,
Não quero prosseguir, pois sem afago,
O que me resta então, somente o frio...


22740


Exaures com astúcia, a resistência
De quem se fez audaz, e agora morre,
Nem mesmo a fantasia me socorre
Apenas do vazio, uma anuência.

Quisera ser somente coincidência,
O sangue que dos olhos já me escorre,
Tomasse em homenagem algum porre,
Pudesse conceber qualquer ciência,

Porém velhas rapinas me rondando,
Agora em multidão, funéreo bando,
Sarcásticos sorrisos do abandono.

E quando mais reluto, mais me entrego,
Aos poucos bem mais fraco e quase cego,
Apenas um torpor, suave sono...


22741


Nos olhos de Meu Pai, tanta tristeza.
Os filhos devorando seus irmãos,
Os dias sobre a terra foram vãos,
A vida se levou na correnteza;

A astúcia de Satã, rara destreza,
Impede que se brotem novos grãos,
Aonde se quis sim, somente os nãos
E o medo dispersando esta riqueza

Que outrora nos trouxeste em sacrifício,
Apenas, no lugar, mentira e vício,
Imenso precipício que aos Teus pés

Aquela criatura, a mais bendita
Trazendo como forma de desdita;
Além da imensa cruz, frias galés...


22742


Convulsas contorções de uma alma fria
Que entregue aos mais satânicos jograis
Em máscaras canalhas, sensuais,
Aos poucos se desnuda e nada cria,

Nas mãos, uma estupenda fantasia,
E os olhos em veredas tão banais,
Ourives de supremos rituais,
Acasos embolora, a clã vadia.

Estúpida quimera me acompanha,
E a cada novo gole de champanha,
Inebriado então, rio e gargalho.

A fonte sequiosa inesgotável,
O gosto muitas vezes intragável,
No salto, um raro escárnio, em ato falho...



22743


Desencarnados ossos, restos meus,
Ao solo; derramados, sem sentido,
Do quanto ainda resta não duvido,
Os versos se perderam sem adeus,

No olhar que vacilante busca Deus,
O peso muitas vezes dividido,
No quarto semi-escuro, ao vão regrido
E volvo aos meus momentos, quase ateus.

Acendo a lamparina e tão sombria
Imagem do passado, ressurgindo,
O dia que buscara, me traindo,

Só resta por final, a companhia
Dos ratos que em porões se proliferam,
Nem mesmo os meus fantasmas inda esperam...


22744


Surdos e imbecis buscam no espelho
Respostas que jamais saberão dar,
Do início até por onde procurar
O fio da meada; em bom conselho

No olhar extasiado e até vermelho,
O medo sem demora a se estampar,
Porquês não conseguindo decifrar,
O ser humano, quase que um fedelho

Defronte à imensidade do universo,
Um jovem andarilho que disperso
Pensando ter respostas; bebe os breus

E teima em ter nas mãos, a criação,
Estúpida criança com formão
Esculpe fantasias, se crê Deus...


22745


Estrofes pós estrofes; penso a vida
E peso com meus versos, mão e sonho,
Por vezes ao fugir da minha lida,
O campo dos demônios eu componho,

Quisera ter na sorte, esta bebida
Que tanto me inebria e vou risonho,
Sangrando pelos poros; mão erguida,
Espero algum sinal, fero e medonho.

Mas teimo num lirismo quase insano,
Num roto e destroçado, velho pano,
Arcaicas ilusões são meros fardos.

Recebo desta lira alguma luz,
E olhando bem de perto, em contraluz,
A sombra dos antigos, nobres bardos..


22746


Inúteis os meus versos, frases, brados,
A mão da poesia me abençoa,
Porém quem leva a vida sempre à toa
Com dias e momentos já contados

Não cansa de teimar por belos prados,
Que a sorte não permite; e o vento escoa,
Rasgando cada estrofe, verbo ou loa,
Os medos em mil cofres segredados.

Os mares que singrados não mais sei,
Os campos semeados noutra grei,
Agrados que talvez já não conheça.

E o peso sobre o sonho, imensidão,
Aguarda tão somente a aprovação
Bem antes que a ilusão, tola, adormeça...


22747


Ardências entre farpas e mentiras
Arcando com os ódios que são teus,
Espero desta vida algum adeus,
Enquanto cada sonho tu retiras,

Embora com certeza não prefiras
Os medos se transformam, tomam breus,
Da sorte entre mergulhos e apogeus
A morte vai se expondo em finas tiras...

Ocaso do que outrora se fez luz,
Na lúdica expressão, mera criança
Arcando com os males da esperança

Apenas como herança a velha cruz
Que ainda sobre as costas vai pesando,
Enquanto os meus castelos, desabando...



22748


Tragicamente aguardo o fim da história,
Trágica mente o fardo na memória
Entorna-se deveras, fere a pele,
E o canto que à loucura me compele

Promete nos encantos de uma glória,
Deixar algo que seja mais que escória,
Enquanto sem ter sonho que se atrele,
Tampouco o corpo inerte que alma vele

Imerso no passado mais sombrio,
Escrevo cada verso em desatino,
E busco esta meada, perco o fio,

A cândida presença da esperança,
Enquanto em solidão eu me amofino,
A morte, passo a passo, já me alcança...


22749


Após a minha morte; os rituais
Comuns e na verdade muito chatos,
Olhares satisfeitos ou ingratos,
Momentos de sarcasmo, até banais,

As bocas em conversas informais,
Mentiras relembradas, velhos tratos,
E as mesas em banquetes; finos pratos,
Antigas regalias mais formais.

E o vento se espalhando na capela,
Enquanto este cadáver se revela
Até com um sorriso, quase irônico,

Incrível que pareça; ninguém vê;
Porém ato reflexo sem por que;
O corpo se afigura catatônico...


22750


Se num sorrir recíproco buscamos
A glória deste encanto que não cessa,
O amor que se fazendo de promessa,
Estende suas mãos, diversos ramos,

E quando sob tal égide singramos
O mar que a cada vaga recomeça,
A sorte ao nosso encontro se endereça
E todo o bem da vida desfrutamos,

Quisera ter somente mais uns dias
Envolto com carinho em tais magias,
Alçando até que enfim, felicidade.

Servindo ao nosso bem com tal denodo,
Deixando para trás qualquer engodo,
Vibrando com total sinceridade...

22751


Cortando a solidão, a voz suave
Daquela a quem desejo mais que tudo,
Enquanto noutras eras, um entrave,
Agora a poesia, e não me iludo,

Sem ter qualquer temor, a imensa nave
Vencendo os desafios; mesmo mudo,
Ao mundo de teus sonhos eu me mudo
Nem mesmo a dor que venha; amor agrave.

A par desta fantástica viagem
Percorro os infinitos, vastos mundos,
Momentos em que anseio bens profundos,

A sorte como amiga e como pajem,
E esta certeza viva no meu peito,
De estar enfim, em paz e satisfeito...


22752

Tu murmuravas tristes fantasias
Aonde poderia ser feliz,
Mas quando a realidade nos desdiz,
Restando tão somente tais sangrias,

E quando o sonho entranhas, mas adias
Não deixa tatuada a cicatriz
E o fogo em clara ardência, por um triz;
Incendiário brilho; nele ardias.

E o quanto desejei poder chamar-te
No imenso fogaréu deste desejo,
Tomando num segundo toda parte

Invadindo o vazio que deixaste,
Apenas solidão, num vago ensejo,
E a vida se perdendo, em tal contraste...


22753



Redivivo; eu te vejo após o nada
Ao qual me dediquei sem ter proveito,
E embora no vazio deste leito,
A noite ainda em paz e enluarada,

O peso do passado desagrada,
Deveras não serei por ti aceito,
Mas quando em solidão, tento e me deito,
O amor vai desfiando a madrugada...

E o quarto se ilumina com teu brilho,
E as sendas mais fantásticas que trilho
Levando aos teus encantos, poesia...

Mas mal acordo e o sol vem despertando,
E ao mesmo tempo, o fim anunciando,
Moldando outro enfadonho e amargo dia...


22754


Das cinzas deste amor que não vingou
Semeio pelas ruas, fantasias
E quanto mais sonhavas e fugias,
O amor com suas asas me deixou.

O pouco que em verdade já restou,
Fazendo minhas noites mais vadias,
Enquanto no passado inda dizias
Do quanto tanto bem nos encantou.

E agora, tão distante de teus braços,
Ausente dos meus dias, embaraços,
Arcando com a dor de ser sozinho,

Vislumbro após a chuva, um raro sol,
O teu olhar, ao longe qual farol,
Numa ilusão desvia o meu caminho...




22755


Nos tépidos momentos que tivemos,
Numa euforia louca e tropical,
No amor que sem pudores nós vivemos,
Uma euforia intensa e sem igual,

Teu corpo, divindade sensual,
Naufrágio que em delírios, rompe os remos,
O gozo, como um ato ritual,
Que a cada novo dia mais bebemos,

E assim desnuda lua em minha cama,
Envolta nos meus braços, arde, chama
E atrela mil estrelas aos meus dias

Bacante maravilha, deusa e puta,
A fera mais sagaz, cruel e astuta,
Nas horas mais audazes e vadias..



22756


Uma alvorada em festa, luz e cor,
Anseio que pretendo e não desfruto,
O dia se desnuda; amargo e bruto,
Nas ânsias do prazer, medo e pudor.

Queria ter ao menos teu amor,
Por isso é que deveras sempre luto,
Porém a solidão erguendo o luto,
Na dura negritude a se compor,

Vestindo tua ausência, nada falo,
E o tempo se derrama lentamente,
O quanto desejara e nada tendo,

Perante a realidade, então me calo
Inútil meu canteiro, vã semente,
A vida não passou de mero adendo...



22757


Enquanto meu cantar nada disser
Daquilo que pretendes: amor, sonho,
Talvez meu verso soe qual medonho
Desenho em que se faz vago mister.

O vento que deveras não trouxer
A velha fantasia que componho,
Além do cais, do porto, te proponho,
Lutar contra a desdita que vier.

Mas nada do que falo te interessa,
A vida se derrama em tanta pressa
Que presa deste inútil e vão novelo

Desfaço em mil palavras, meu castelo,
E quando a realidade; enfim revelo,
Meu mundo não há quem deseja vê-lo...


22758


A aurora que pensara redentora
Agora em nuvens feitas, vã neblina,
O canto que no encanto me alucina,
Do quanto que pensei já não mais fora,

A sorte, muitas vezes promissora,
Nas tantas promissórias seca a mina,
E o peso em minhas costas me extermina,
A vida, uma excelente professora.

Proféticos momentos? Ilusão.
Verdade se transborda em negação
A ação sem reações, morrendo à toa.

Partícipe da orgástica vendeta,
A morte se desnuda e qual cometa,
Embarca noutra vida, outra canoa



22759


Decrépito ancião mirando o espelho,
Ascendo ao meu momento mais feliz,
Minha alma agora pura, não desdiz
Tampouco aceita insana este conselho,

Enquanto o meu olhar, segredo e engelho,
O pórtico se abrindo como eu quis,
Da morte a cada dia, um aprendiz,
Eu bebo e me inebrio, o céu destelho

E ao adentrar nos últimos segundos,
Depois de atravessar mares e mundos,
Imundas as sarjetas que conheço,

Não perco mais meu rumo e sigo em frente,
O olhar de um homem lúcido, pois crente,
Já sabe até de cor seu endereço...


22760

Cismando no porvir que não virá,
Bebendo a eterna fonte da esperança,
Ao longe ainda vejo esta criança
Que o tempo, pouco a pouco, matará.

Deixando o meu passado desde já
A vida no vazio então se lança,
A porta que se abriu nunca se alcança,
O fim que se aproxima moldará

Embora seja trágico, o momento,
A redenção está no sofrimento,
Purificante banho em dor e lava,

E quando preparado, alçando os céus,
Arranco dos meus olhos, negros véus,
Liberando minha alma antes escrava...


22761



Mirando ao longe, nuvens/tempestades
Espero o que virá, desiludido,
O tempo de sonhar, já foi perdido,
Não vejo mais sequer as novidades

Que outrora ao me trazer felicidades
Diziam deste dia ora no olvido,
O amor que se perdeu, pura libido,
Nos olhos simplesmente falsidades...

Arpoando os momentos de alegria,
A pesca sendo inútil, pois tardia,
Levando ao desespero quem sonhara,

A porta se fechando, a noite escura,
O vento nos umbrais, leda tortura,
A mão que ora me afaga, desampara...


22762

A lei que nos comanda, mesmo dura
Não deixa qualquer sombra do que fomos,
Vencendo esta agonia, esta amargura,
Temendo o que em verdade já não somos,

Teria ao fim de tudo, esta ternura,
Divinas fantasias que compomos
Pensando neste amor, franca loucura,
E quando nos caminhos nos repomos

Depois das desairosas emoções,
Vagando por diversas direções,
Loquazes ilusões, fardo pesado.

Aquém do que talvez pudesse crer,
O sol ainda teima em não nascer,
E o dia permanece em dor, nublado...

22763

No multifacetário continente
A fome entre riquezas sem igual,
País do futebol e carnaval?
Bem mais do que se via antigamente,

Potência em crescimento e de repente
Um antro de canalhas e o pré-sal,
Gigante num difícil ritual,
O que será de nós? Um emergente?

Cultura Nacional, um arremedo,
Dos risos e balaços, antro e paz.
Dos guetos e palácios, tanto faz

Quem poderá dizer cada segredo
Que escondes nos vazios e florestas,
A qual papel no mundo ainda prestas?


22764



O beijo se anuncia e nos anseia;
Fogueira dos desejos se acendendo,
O tempo vai passando e em cada veia
Ardência me tomando e me envolvendo

Deitando meu prazer em alva areia,
O gozo que virá, meu dividendo,
No encanto sedutor de uma sereia,
Mergulho nos teus braços e me prendo

Aos laços delirantes e gentis
Que possam nos atar a vida inteira,
Mas seja minha amiga e companheira;

É necessário, amada, ser feliz,
Bem antes que o amor se faça presa
Da morte, mal que chega de surpresa...

22765



Tu és a clara luz que nos guiando
Permite a maravilha: ser feliz,
Ousando ter em Ti bem mais que eu quis,
Um mundo verdadeiro, calmo e brando,

Aos poucos Te sabendo e Te adorando,
Tua palavra jamais algo desdiz,
O Céu, em Tuas mãos, belo matiz,
As aves ganham mundo em livre bando,

Os lírios que não fiam, são tão belos,
Os pássaros distantes dos rastelos
Encontram alimentos no caminho,

Somente o ser humano, este farsista,
O rei feito bufão; tolo e egoísta
Destrói a Terra inteira e diz SEU ninho...


22766

A carne se apodrece enquanto em luto
A sorte da desdita nos domina,
E quando penso em nós, inda reluto
E bebo da esperança, amarga mina.

A voz que se perdeu e ao longe escuto,
Legado de um poeta, dura sina,
Se algum momento em paz sonho e desfruto,
É feito pela mão dura e assassina.

Não quero estar sozinho, mas prossigo
Na busca interminável por amigo
Que possa partilhar sorriso e dor,

Somente uma carcaça; vejo então,
O mundo em que mergulho, tosco e vão,
Há tempos já perdeu seu brilho e cor...

22767


Eu vejo num soneto um aliado
a fim de combater essa dormência
em versos desconexos, um enfado!
Ah! Esses me desgastam paciência!

Aqui estou em duo com consagrado
artista que derrama experiência
e dá de brinde versos que é pecado
alguém não sorver como uma indulgência

a fim do expurgar toda a lembrança
afeita em alojar-se em mente incauta!
É claro que é preciso ser qual nauta

aquém de envolvimentos c'o o que cansa
e despe-se da vã curiosidade
em ler o que nem é sequer metade...

Ronaldo Rhusso

Não posso reclamar da minha sorte
Ao ter como parceiro este gigante,
E quando pressentir a mão da morte,
Rompendo qualquer elo num instante,

A bela companhia, imenso porte,
Com toda maestria, em luz constante,
E da sabedoria, um raro aporte
De um verso em perfeição, claro e elegante.

Eu poderei dizer quão bela a vida,
Minha alma num banquete, bem servida
Aprendendo contigo, meu amigo,

Uníssona canção harmonizada,
A poesia é mãe glorificada
Servindo ao sonhador, fiel abrigo...


22768


Paixão que não se acaba e nem destrói
Na mansa corredeira deste rio
É quase, na verdade, um desafio,
O tempo que é cruel, tudo corrói,

Não quero ser vencido nem herói,
Apenas companheiro e assim desfio
O mundo junto a ti. Sempre me alio
A tudo que transforma e só constrói...

Num lago de gigante placidez,
O amor que em plena paz, belo se fez
Permite este horizonte; esta alvorada.

Servindo a quem nos serve com prazer,
Sabendo que no amor mora o poder,
Temores vão fugindo, em debandada...


22769


Em todas as moléculas, um dia
Metamorfoses várias, frio e morte,
E enquanto a fantasia em vão se aborte,
Um novo ser daquele; ora se cria,

O renovado esforço propicia
A tantos; diferente e insana sorte,
Por ser diverso o rumo, noutro aporte
Às vezes bem mais farta esta sangria.

Transformações diárias. Criação?
Somente o que se vê: renovação,
E os átomos; os mesmos do passado

Porém há o que Criou sem ser Criado,
E como quer que seja nomeado
Partindo deste Deus, a geração...

22770


Os sonhos? Não domino e jamais domo,
A noite se mostrando caprichosa
Durante algum momento, penso como
A vida se demonstra poderosa

Cevando com cuidado dália e rosa,
Nas flores do canteiro cores somo,
Talvez por ser tão bela, enfim formosa,
As pétalas em sonho; teimo e tomo.

Mas quando acordo e vejo que não veio,
O dia recomeça; e sem o veio
A seca se aproxima do jardim,

Regando com coragem e carinho,
Quem sabe colherei além do espinho
Daninho que hoje encontro dentro em mim...


22771

Às vezes me pergunto sem respostas,
Perplexo; vasculhando os meus guardados,
A sorte se lançando em torpes dados,
As costas vergastadas, sempre expostas.

Eu sei o quanto queres; quanto gostas
E trago os meus caminhos desvendados,
Mergulho nas entranhas, nos passados,
E vejo que perdi tolas apostas.

A boca que em volúpia me devora,
Tampouco um dia quis algum carinho,
E tendo em minhas mãos, a solidão,

Granizo no meu peito sem ter hora,
No encanto que busquei; amargo vinho,
E o amor já sonegando a floração...


22772


Genesíaco sonho que me leva
Ao colo desta deusa feita em luz,
Após este princípio em fria treva,
A vida sendo amarga e leda cruz,

Porquanto em minha volta ainda neva,
Mesquinharia tola não faz jus
A quem se deu inteira e numa leva
Ao mais diverso encanto me conduz.

Mulher maravilhosa, ser divino,
E quanto do meu canto é feito a ti,
A Musa a quem me entrego, num momento,

Outrora se fui mau, cruel, ladino,
O bem da vida encontro estando aqui,
E toda a ventania toma assento...


22773

Ausência em tempestades faz a vida
E quando se faz ávida em anseios
Procuro vagamente por teus seios,
A noite que sonhara está perdida...

Assídua fantasia está puída,
Não posso me calar e sem rodeios
Buscando inutilmente vários meios
Aonde encontrarei qualquer saída

E neste labirinto, amor e dor,
Mistura que sanando me adoece,
Erguendo ao Criador a minha prece

Tentando esta alegria qual louvor,
Enfrentando esta ausência dolorosa,
A noite, prosseguindo em polvorosa...


22774

Zombaremos do mundo e com sarcasmo
Seguindo os nossos passos noite afora,
A cada novo riso, novo espasmo
A fonte dos prazeres não demora,

E o verso que em meu peito se faz pasmo,
Num templo feito ao gozo se demora,
Já não suportaria tal marasmo,
O mar em suas ondas; luz decora

Bebendo cada raio desta lua,
Imensa doidivanas, bela e nua,
Vagando pelo espaço em carrossel,

Vertendo sobre nós raro luar,
É bom poder saber do bem amar,
Trazendo esta alegria em meu farnel...


22775


Com a taça na mão, um brinde raro
Cristalizando assim nossa amizade,
Aonde no passado, desamparo,
Agora com certeza, claridade...

O verso com real sinceridade,
Permite que se apure em paz o faro,
E o bem tão aprazível que me invade
Deveras mavioso; belo e caro

Permite que se faça este louvor
Blindando com coragem e denodo,
Vencendo com carinho cada engodo

Nas trevas, amizade molda a cor
Iluminando a senda preferida,
Redime todo mal, refaz a vida...


22776


O fel que dos meus lábios destilara
Amargas emoções, peito vazio,
E quando faço meu tal desafio,
A corda há tanto tempo arrebentara.

Apenas cicatriz, aonde escara,
O verso se moldando mais vadio,
E quando uma ilusão; deveras crio,
Acordo com a luz imensa e clara

Que guiando meus passos, me liberta,
Palavra que me dizes sempre certa,
Permite que eu caminhe entre espinheiros,

As urzes tão comuns, duros abrolhos,
Abrindo suavemente os tristes olhos,
O grande amor em brilhos verdadeiros...


22777

Um lar tão vagabundo quanto o nosso,
Além de fartas dores, vã loucura,
E quando a solidão já me assegura
O medo do sonhar, sei que não posso,

O tempo é de ilusão, e nisso adoço
O quadro que a verdade ora moldura
Servindo como fonte de ternura
Mentira que deveras nunca endosso.

O peso da verdade? Não suporto
E a luta pelo vão, ainda exorto
Mudanças prometidas, não virão.

Apenas só garanto o verso frio,
Mas sei que sendo assim, tenso e vadio,
Não guardo qualquer forma de ilusão...



22778


Um lar tão vagabundo quanto o nosso,
Além de fartas dores, vã loucura,
E quando a solidão já me assegura
O medo do sonhar, sei que não posso,

O tempo é de ilusão, e nisso adoço
O quadro que a verdade ora moldura
Servindo como fonte de ternura
Mentira que deveras nunca endosso.

O peso da verdade? Não suporto
E a luta pelo vão, ainda exorto
Mudanças prometidas, não virão.

Apenas só garanto o verso frio,
Mas sei que sendo assim, tenso e vadio,
Não guardo qualquer forma de ilusão...


22779


Se contigo sorrimos, companheira,
Abençoado o dia em que te vejo;
A dor que se desnuda, vã e inteira
Matando em nascedouro este desejo

Assaz maravilhosa esta roseira
Aonde um bom futuro num lampejo;
Por mais que a sorte seja tão ligeira,
É tudo o que tristonho, ainda almejo.

E quando em vão praguejo contra a sina,
Tua presença amiga me fascina
E muda a direção do pensamento.

Perplexo frente à rara claridade
Que tramas no poder de uma amizade
Encontro após procelas, meu alento...


22780


Se o teu sarcasmo às vezes me maltrata
Também por outro tanto me consola,
O amor se transformando numa escola,
Que enquanto nos ilude, também mata.

A vida se moldando, mesmo ingrata,
É tudo o que me resta; o sonho imola
E tendo esta certeza, a sorte isola
E segue seu destino; e nos desata...

Audazes esperanças que cultivo,
Um tempo mais feliz; um sonho esquivo
Derrama-se por onde caminhara,

E o beijo que talvez nunca receba,
Enquanto merecesse nova gleba
A porta da esperança se escancara.


22781


De uma alma que se entrega em dias turvos
Ao imantar seus sonhos, nada vem,
Os medos arqueados, gozos curvos,
O corvo crocitando clama alguém

Que sinto se afastando dos meus olhos,
Arguto este chacal, velha esperança,
Enfrento em meu caminho, urzes e abrolhos,
Enquanto a vida passa e o tempo avança;

A lúdica criança, agora morta,
As mesmas reações, ciclos iônicos,
Adentrando sem máculas, aporta
Sorrisos que em verdade são irônicos

Causando entre os que pensam tal repulsa,
Enquanto o coração ainda pulsa...


22782

Os hinos que ora faço louvam dores
Que são as companheiras mais constantes,
Não tendo em meu canteiro belas flores,
Os dias passariam revoltantes

Mas quando percebera frágeis cores
Não tendo o que restara em mim bem antes
Dos velhos, repetidos dissabores,
Permito que ilusões; inda agigantes

Mereço tal destino, este abandono,
Coberto pelas mãos do desengano,
Quem fora no passado qual cigano,

Não tendo da alegria algum abono,
Entrega-se aos desmandos da loucura,
E em vão, a paz em vida inda procura...


22783


Do coração perdido em vã neblina
Apenas os sinais que ainda escuto,
Eternas fantasias dizem luto,
Enquanto a realidade nega a sina.

Percorro este caminho que alucina
E bebo cada gota, mesmo bruto,
Quisera ser quem sabe, mais arguto,
Porém a solidão se faz em terna mina.

Interno meus demônios e os devoro,
Nas veias pouco sangue e muito cloro,
Esgarço-me deveras, cauterizo

As marcas que talvez ainda trague
A morte que em meus portos já deságüe
Tramando em cada canto, este granizo...


22784

Fazer do coração, a poesia
Que o velho comandante em mar sombrio
Mudando a direção em desafio,
Corsário da ilusão, já fantasia

Moldando em luzes claras; novo dia,
Porém a realidade rompe o fio,
E quando o mundo amargo; eu propicio
A morte se aproxima e a luz se esfria.

Rondando minha casa; nada cerca
A dama que do escuro faz seu trilho,
A terra desta forma já se esterca

Proporcionando a vida a ser refeita,
Do corpo apodrecido do andarilho,
A saga se completa, assim, perfeita...


22785

Trazendo dentro da alma, o Cristo Rei
Senhor entre os Senhores, Pai e irmão,
Entrego em Suas mãos, meu coração,
E a vida que deveras desfrutei,

O quanto necessário e tanto amei,
A cada novo tempo outra lição,
Não falo tão somente em oração,
A Ti, por tantas vezes magoei...

Perdoe os descaminhos desta ovelha,
Defronte ao Teu Altar, já se ajoelha
E pede por clemência, a paz eterna.

A voz que ainda resta clama a Ti
O amor que muitas vezes destruí
E sei ser dos caminhos, a lanterna...


22786


Das glórias ao cair em tentação
Por vezes magoando quem desejo,
A sorte se moldando num lampejo
Trovejo em novo rumo ou direção,

Prevendo a tempestade, a embarcação
Que agora com perícia em paz manejo,
O peso do passado, velho andejo,
Mergulho neste abismo, tosco vão.

E galgo com meus olhos no horizonte
Etérea cordilheira, em alto monte,
A fonte dos meus sonhos; rebeldia...

A calma que procuro e nada vendo,
Segredos? Desconheço e não desvendo
A paz minha alma apenas fantasia...


22787

Teu nome lembra a força inalcançável
Hercúlea fantasia que inda trago,
E quando a sorte faz algum afago,
O dia se tornando mais amável,

Pudera ter nas mãos o imaginável
Vencendo sem demora um vão estrago
Bebendo cada gole, cada trago,
Um tempo entre fulgores, adorável...

Marchando contra as velhas convenções,
Abrindo com firmeza tais portões,
Alívio para uma alma sem sossego,

E quando adentro o reino aonde imperas,
Encontro com certeza as primaveras,
A dor se amenizando, pede arrego...


22788


Pepitas que encontrei em farta mina
Aonde a solidão jamais entrara,
A jóia procurada, bela e rara,
Que aos olhos de quem ama só fascina,

Mulher que com trejeitos de menina,
Ao mesmo tempo ancora e sempre ampara,
Imagem deslumbrante que é tão cara
A quem amor conhece e em paz domina.

Estendo minhas mãos e te tocando,
O dia se anuncia claro e brando,
Na franca maravilha de ser teu.

Vibrando de emoção em simples versos,
Vislumbro nos teus olhos, universos,
Meu mundo no teu mundo se perdeu...


22789

Num trêmulo sussurro balbucio
Teu nome, feito em luz, gozo e tragédias,
Tentando segurar com força as rédeas,
O amor se transformando em desafio.

Desembocando em ti, diversa foz,
Os rios dos meus sonhos; estuários
Desejos em delírios sendo vários,
O fogo que nos queima, mais atroz,

E a voz ainda presa na garganta,
Num grito o desabafo prenuncia,
E quando me debruço à fantasia,
A sorte se desvenda e assim me encanta,

Tecendo do prazer, divina teia,
Minha alma a cada instante mais te anseia...


22790

Dos mares, navegante sem descanso,
Avanço pelos portos da ilusão
E quando numa lúdica emoção
O céu que procurara em vão; alcanço,

A sorte se entranhando em tal remanso,
Sem ranços, vou seguindo a direção,
E o não que no passado; vinho e pão,
Agora sobre escombros, salto e danço.

Reveses? Encontrei; jamais renego
Passado entre sombrias noites vãs,
Audazes esperanças? Sigo cego

E teimo em procurar a luz distante,
Aonde se esconderam? Mortos clãs,
Corcel segue sem rumo, galopante...


22791


Enfrento tempestades, virações
E teimo com meus barcos, leda frota,
Invado sem saber diversa grota
Aonde mergulhara em turbilhões,

Não quero tão somente estes senões,
A vida que da vida em vida brota
Permite esta ilusão, abre a compota
E agora o que fazer? Inundações...

Somatizando os medos do passado,
O verbo se conjuga no presente,
E quando outra procela se pressente,

O céu agora turvo e tão nublado,
A chuva fertiliza o solo agreste,
Assim também comigo tu fizeste...


22792


Bebendo do passado, amargos prantos,
Salgando a minha boca, a dor do não,
E quando escuto ao longe, belos cantos,
O tempo se promete em viração,

Mas quase nada disso diz encantos,
A vida se esgueirando num porão,
Os dias de ilusão já foram tantos,
Agora só nos resta ingratidão...

Vertendo dos meus olhos águas claras,
Sabendo quantos ódios tu declaras
Não posso me negar a ser assim;

Somente um tosco e louco jardineiro,
Que em busca do melhor, maior canteiro,
Matou o que restara dentro em mim...


22793

Andando pelas praias, litoral,
O velho caminheiro não sabia
Que a noite se fazendo bem mais fria
Matava esse seu sonho tropical,

O peso do passado que é letal,
Demanda do seu corpo esta sangria,
E o quase que servira como guia,
Apenas esvazia o seu bornal.

E quando a lua vendo tal cenário,
Deitando este ancião em plena areia,
Transmuda-se deveras em sereia,

A mocidade volta e, temerário,
Mergulha neste mar tenso e bravio,
E a morte acende a vela, e o vão pavio...


22794


O mar lambendo a praia dos encantos,
Beijando caloroso, a mansa areia,
O sol que num momento me incendeia,
Adentra o meu olhar em raios tantos,

Os dias que procuro; mansos, santos,
Atrelo à poesia o sangue e a veia,
E a luz que num momento me rodeia,
Cobrindo com divinos, claros mantos

Permite ao sonhador uma ancoragem,
E ao bravo marinheiro, esta coragem
Que tanto necessita o timoneiro.

Assim, ao ver meu sonho realizado,
A vida se mostrando de bom grado,
Entoa o belo canto, derradeiro...

22795


Embora na peleja, o derradeiro
Momento se aproxima; não reluto,
Vestindo uma esperança após o luto,
O quadro se pintando lisonjeiro.

O olhar se demonstrando mais ligeiro,
O corte dentro da alma, imenso e bruto,
Apenas tua voz; ao longe escuto,
Quem dera se pudesse, faroleiro,

Guiar os teus caminhos pelo mar,
Das vagas que ora enfrento sem temor,
Vencendo os desvarios, frio e dor,

Pudesse num segundo transformar
A vida no jardim que em vão sonhei,
E pelo qual, deveras, batalhei...


22796


O nome que me trazes, imortal;
Num cântico profético, esperança
Houvera em minhas mãos, cada lembrança
De um tempo que pensara sem igual.

O verso se transforma em ritual
E quando os objetivos ele alcança.
O coração impávido se amansa
E bebe desta fonte triunfal,

Os louros da vitória? Nem os quero,
Apenas sossegar o peito fero
Que tanto faz sofrer o enamorado.

Argúcia se demonstra em cada riso,
E o beijo quando lúbrico e preciso
É como um redentor, abençoado...


22797


Já não me importa mais saber quem sou
Se eu bebo da inocência, sigo em paz,
O quanto do passado se negou,
Enquanto o meu futuro nada traz.

Vencer os meus tormentos; sei que vou,
Por isso é que me sinto mais capaz
De ter em minhas mãos o que restou,
Da antiga mocidade, fui rapaz

E a força que continha em cada braço
Jamais sonegaria alguma luta,
Porém a noite chega e a força bruta

Exposta à vilania do cansaço
Já dá lugar decerto a tal prudência
Produto burilado da vivência...


22798

Qual presa que se entrega a vermes frios,
Eu vejo o meu futuro sem prodígios,
Dos dias que vivi; sequer vestígios,
Apenas respirar diz desafios.

Não pude sufocar velhos litígios,
Tampouco irei me dar, sonhos vazios,
Batalhas; não venci. Olhos vadios,
A ventania e os barcos vãos. Atinge-os.

Estrelas que guiaram? Não mais vejo,
Desejo uma saída que não tem,
E quando procurando por alguém,

O medo me tomando num lampejo,
Assenta-se a poeira e sigo só,
Em meio à tempestade feita em pó...


22799

O vento que nos toca, se é letal
Jamais permitirá que siga em frente,
O amor que tantas vezes bem ou mal
Ferrenhas ilusões; um penitente

Que segue a mesma regra, sempre igual,
Não vendo outro caminho diferente,
Bebendo em tua pele, gozo e sal,
Explosão sensual já se pressente...

Atento às mais diversas variáveis,
Palavras que procuro; mais afáveis,
O verso em liberdade? Não escuto.

Quisera ter nas mãos esta certeza
De poder caminhar sem ser a presa,
E não me expor demais ao vento bruto...

22800

A morte desbotando a minha face
Na pálida figura que apresento,
Por vezes; algum risco; ainda tento,
Mas sei já de antemão, qual desenlace.

Portanto por mais tempo que inda embace,
Eu sigo a caminhada sempre atento,
Não quero; da verdade, andar isento,
Tampouco temerei qualquer impasse...

Apenas não consigo mais lutar,
A vida se esgueirando pelas frestas,
Outrora aonde havia risos, festas,

Agora nem um raio de luar,
O mar já se afastou dos olhos tristes,
A sorte, minha amada é que resistes...


22801


Trazer destruição invés de brilho,
Assino os meus engodos, mas não sei
Se tudo o que eu fizer garanta o trilho
Por onde tantas vezes desfilei.

E o vento se espalhando pela grei,
Atalhos; reconheço, mas não trilho,
Seguindo qualquer norma, eu me entreguei
Aos vários desafios. Empecilho...

Salgando cada passo com suor,
Não quero nem terei nada melhor
Que a sorte de beber a fantasia.

Por mais que ainda creia no amanhã,
À morte me entregando esta manhã;
Enquanto me observava e já sorria...


22802

Brindaste com sorrisos o meu fim
Que apodrecido segue, vã carcaça,
Bebendo cada gota da desgraça,
Matando em nascedouro o que há em mim,

Este serpente edênica; o jardim,
E o tempo que vivi e se esfumaça,
O quanto nada resta, o pouco passa;
Percorro a curta estrada e sigo assim

Ausente de mim mesmo; não mais temo
Sequer a violência desta chuva,
A morte se encaixando, negra luva,

Nos olhos a figura deste Demo
Que há tanto me acompanha; eu esvaindo
E ele acintosamente ali, sorrindo...


22803

Em plena madrugada este trovão
Ressoa como bomba no meu quarto,
Acorda quem dormia em solidão;
Da vida; tantas vezes, ledo e farto.

E quando os meus anseios eu reparto,
A sorte se transforma e a solução
Diversa deste aborto; faz do parto
Momento de maior satisfação...

Aprendo a cada dia o quão vazia
A vida de quem sonha, simplesmente,
E quando à noite chove e o tempo esfria

Recebo esta lufada, vento forte,
E sinto que a saída de um demente
É sempre a bem mais fácil. Busco a morte...


22804


Amargo e negro céu, dantesca espera;
O quadro se agravando, nada faço
Senão permanecer solto no espaço
Atocaiada está divina fera,

Nos olhos sempre frios da pantera,
Reflete o meu desânimo e cansaço,
Quisera ter somente o teu abraço,
Amor que em pleno amor; delírio; gera.

Mas nada se aproxima, vejo apenas
Amarga solidão e me envenenas
Usando o teu sorriso inebriante.

Pudesse ter a glória de sentir
Mais perto dos meus olhos o porvir,
A vida nunca passa de um instante...


22805


Altiva a tua face já se erguendo
Em meio às tantas dores que trouxeste,
Não posso me encontrar se estou perdendo
O amor que num momento tu me deste;

Quem sonha e neste sonho tudo investe
Percebe como luz seu dividendo,
Porém se a terra é seca e o sonho agreste,
Além de nada ter, sigo devendo...

O quase ser feliz, mítico sonho,
Nos versos que ora faço eu não proponho
Sequer o que talvez, pudesses dar.

Longínqua madrugada vai distante,
O amor que desejei; claro e constante,
Perdido no oceano; enfrenta o mar...


22806


O mar em seu rugir alto e sonante,
Trazendo para as praias águas fartas,
E quando dos meus sonhos louca, apartas,
A vida não prossegue e vai adiante.

A deusa se desnuda e provocante,
Mandando o tempo inteiro, dita as cartas,
E quando os meus desejos tu descartas,
A sorte se perdendo num rompante...

Corcel das ilusões, galga infinitos,
Porém os dias raros e bonitos
Distantes dos meus olhos, não são meus...

A vândala esperança já me aflige,
E o tempo; a solução mais cedo exige,
Somente por resposta, escuto adeus...


22807


Altivas tuas mãos erguem troféus,
Deitando o teu olhar sobre os mais fracos,
A sorte sonegando poucos nacos,
Enquanto nos teus braços, fogaréus...

Encontras; nos teus rumos, cumes, céus,
Esmagas com sorrisos; restam cacos,
Querias com certeza dez mil Bacos,
Desnuda-te a beleza em raros véus...

Mas logo tu verás quanto isso é falso,
Após o belo quarto, o cadafalso,
E à espera de teus dias, a masmorra

Sem ter sequer quem olhe de soslaio,
Quem foi rainha e segue sem lacaio,
Tampouco tem nas mãos quem a socorra...


22808

Varrias; de teu mundo, sonhos meus,
Quimeras que carrego desde quando
O dia em nuvens negras, trevas, breus,
Ao longe; no horizonte, vi chegando...

Quem dera se pudesse sem adeus
Seguir a mesma estrada, procurando
Olhar com atenção, saber de Deus,
O sol de uma esperança bronzeando

A pele que se fez em branca tez,
E anseio superando esta altivez,
Beijando tuas mãos; ser teu parceiro.

O verso se tornando bem mais calmo,
Minha alma se entregando em cada Salmo,
Um mundo mais fiel e verdadeiro...


22809


Amando o vendaval que assola a Terra,
Na trêmula expressão de um terremoto,
O amor que imaginei, sendo remoto,
A história mal começa e assim se encerra.

O sonho mais distante se desterra
Qual fora alguma fênix eu rebroto
E bebo a tempestade e já me boto
Nas ânsias que a vontade enfim descerra.

Revendo os meus conceitos; parto em busca
Da noite que virá, se a dor ofusca
A lua se tornando plena e clara

Devasta a escuridão, toma de assalto,
Supera a triste treva; nela eu salto
E encontro a luz que amor, cede e declara...


22810


Nos lábios palidez, farta anemia,
A boca escancarada nada bebe,
Percorro novamente a fria sebe
E apenas vislumbrando esta sangria

Não posso mais conter a hemorragia,
Apenas o vazio se concebe
E quando a poesia, a paz recebe,
Impede em franco brilho, uma agonia...

Percorro os descaminhos que passara
Durante a noite opaca que tivemos,
Nas mãos a fantasia densa e clara,

No olhar a imensidão deste horizonte,
Buscando na alegria novos remos,
Trafego o imenso rio desde a fonte...


22811


Franzindo com astúcia a fria testa
Negando o que pensara ser amor,
A sorte renegada não se atesta
Meu canto se perdendo sem louvor,

Abrindo esta porteira, sobra a fresta;
Mortalha de quem fora sonhador,
Aguarda tão somente o que inda resta,
As farpas entranhando, imensa dor...

Ardores que buscara; nunca mais,
Aonde procurar o porto e o cais
Se o barco não tem leme nem timão.

Vencer as mais difíceis tempestades,
Não quero e nem preciso que me agrades
Apenas bebo à minha solidão...


22812

Um rir de gozo; estampas em teu rosto
E nua; se entregando inteiramente
A deusa com seu seio belo exposto,
Imensa e soberana; louca e ardente.

O tanto de prazer que se pressente
Na noite enluarada e assim posto
Voracidade intensa é tão premente,
Nas chamas deste sol/mulher; bom gosto.

Serpente que se enlaça em meu pescoço,
A lânguida beleza, este colosso,
Explora com a língua cada ponto,

Até que num instante me devora,
E orgástica loucura então se aflora
Num ato incontrolável, sem desconto...

22813

Nos penedos esbarro após borrascas
Enquanto em meu caminho tu te enroscas,
Atocaiada deusa quando emboscas
Tirando do meu corpo, lanhos, lascas...

Incrédula loucura nos guiando,
E o medo de seguir, distante fica,
O amor quando demais por si se explica
Jamais será decerto manso e brando,

Numa explosão vulcânica, me entrego
Das lavas que me dás; divino cio,
E o gozo que recebo, propicio,
Nos mares deste encanto já navego

E o fogo que nos arde não sonega,
Prazer incontrolável não se nega...


22814


Amor que se perdeu na ventania
Borrascas e procelas o levaram,
Por mais que novos dias se buscaram,
Somente nos restou a fantasia,

E quando tanto amor se fez folia,
Os sonhos num segundo se abalaram,
E quanto mais fugia, mais notaram
E o tempo contra nós, se escoaria

Tomando a direção do barco, o leme,
Minha alma, a solidão, ainda teme,
E nada me fará pensar num cais.

Distante de meus braços, onde estás?
Procuro sem descanso pela paz,
Porém não te verei; amor, jamais...

22815

No pleitear dos sonhos mais audazes
Não tive qualquer sorte e me perdi,
Chegando mansamente venho a ti,
Porém meus caminhares, incapazes...

Os dias sem te ter seguem vorazes
O amor que desejara não mais vi;
Sem nada pra dizer, encontro aqui
Meus olhos entre lágrimas mordazes.

Houvesse pelo menos uma luz,
Talvez não carregasse a imensa cruz
Que tanto me maltrata; este amargor

Melífera esperança? Não mais vejo,
Sobrando tão somente este desejo
Amordaçando enfim, meu grande amor...


22816

A palidez que estampo em cada riso,
Os rastros; sonegaste e nada resta,
Tampouco ainda tenho em mim a festa
Que outrora se fizera em pouco siso,

Se o gosto se avinagra e sem aviso,
O medo à solidão então se presta,
Carinho que não veio, logo atesta
Que não passou de um vão juízo.

Errônea fantasia de um poeta,
Que tendo amor imenso como meta
Nas sendas da paixão, perdeu seu rumo.

Cometo meus enganos; nunca nego,
E o quanto andei sozinho, quase cego,
Errático cometa; ermos, assumo...

22817


A prata em que se banha a dama bela,
Desnuda, vê na lua a parceria
Que tanto desejara, e mais queria,
No encanto que seu canto me revela.

O amor quando nos astros já se atrela
Argêntea e maviosa fantasia,
O medo de viver jamais havia
Beleza emoldurada em rica tela...

Assim dois caminheiros, sem paragem,
Fazendo da esperança uma hospedagem,
Estâncias procuradas, paz profana,

Vasculho pela noite e os teus sinais,
Vagando sem destino; ares astrais
Na plácida ilusão tão soberana...


22818


Alvor que em madrugada se desfez
Ausência dolorida; amor sem paz,
No quanto me bebeu a insensatez
O passo se tornando mais mordaz,

Do quadro na parede, estupidez,
A mão que procurara mais audaz
Amor na mais completa cupidez
Os sonhos nos meus olhos; sei que traz.

E o verso sem sossego nem discórdia,
Enlaces prometidos e fadados
À mesma negação, lancei meus dados,

E tendo sem sentido tal mixórdia
Apenas encontrando a solidão,
Quem dera se tivesse solução...


22819


Entre as vagas corria o pensamento
Tramando ancoradouro em fina areia,
O verbo que me toca e me incendeia,
Entorna a poesia em um momento,

Pudesse estar ausente este lamento,
Que tanto me maltrata e me clareia,
Enquanto a sorte segue em alma alheia,
Não tenho nem sequer algum alento...

Mesquinhos os meus dias, com certeza,
Navego contra a forte correnteza
E teimando aportar em doces braços,

Medonhas tempestades eu venci,
Chegando finalmente, estou aqui,
Estreitando decerto nossos laços...


22820


Onde e em que planeta se escondeu
Aquela que se fez em majestade,
Meu barco busca então a liberdade
E o mundo num segundo sendo meu,

Vencendo em claridade, treva e breu,
Nas ânsias mais vorazes, falsidade,
Restando neste olhar a dor que invade
E mata cada sonho; teu e meu...

Não posso me calar perante a sorte
Que louca e doidivanas segue assim,
Arrasa o que sobrou dentro de mim,

Causando da esperança, a fria morte,
Sem Norte, sem destino, rumo ou teto,
Procuro simplesmente algum afeto.


22821

Aos ventos sigo exposto em frágil barco
Não posso procurar outra saída,
E quando com meus erros, teimando, arco
Renovo com presteza a minha vida,

Quiçá não poderia ser mais fraco
O medo sonegando a despedida,
E quando os tolos ermos eu ataco,
Atraco-me na sorte mais querida.

E venço os dissabores e as mentiras
E quando dos meus sonhos tu retiras
As cores que talvez pudessem ter

Eu bebo a madrugada em largos goles,
Ouvindo este gaiteiro nos seus foles
Escuto ao longe a voz do meu prazer...

22822


Amor não se perdoa e sim se abraça
E enquanto não houver qualquer dilema
No peito de quem ama, sem algema,
O medo pouco a pouco é qual fumaça,

Esvai-se num segundo e tudo passa,
Não restando sequer algum problema,
Viver o grande amor, meu fiel lema,
E nele com certeza, toda a graça.

Não deixe que esta flor murche e se esgarce,
Não tente, por favor, qualquer disfarce,
Amor jamais aceita desenganos...

Enquanto houver a luz que nos fascina,
A sorte se transforma e muda a sina,
Tramando com presteza; novos planos...


22823


Ao ar livre, voando borboleta
As asas vão libertas, buscam o ar,
Assim como os insetos quis amar,
Porém não foste além deste cometa.

Por isso, novamente não prometa
Que nada neste mundo irá tomar
Do sonho mais airoso, o seu lugar,
A vida não suporta mais falseta...

Quebrantando o delírio de ser nosso,
O mundo que em poemas eu endosso,
Fazendo do meu verso um instrumento

Usando com denodo estas palavras,
Cuidado, meu amor com o que lavras,
O amor não é somente um bom momento...


22824


Refaço a cada verso o velho pleito
Aonde se deitara majestoso
O sonho mais audaz, maravilhoso,
Usando da esperança como leito.

O bem de nossa vida; quero e aceito,
Um dia mais feliz e prazeroso,
No encanto que me deixa torporoso,
O gozo de um desejo satisfeito.

Receba com carinho, cada abraço
E tente perceber num fino traço
A imensa fantasia em que me entrego,

Tu tens este poder que me alucina,
Mulher com teu sorriso de menina,
Ao qual cada vez mais, eu já me apego...


22825


Sussurro mansamente o nome dela
E sinto mesmo ausente, o seu perfume,
A vida como sempre de costume
À luz da poesia já se atrela,

E quando o barco solta última vela,
Vagando pelos mares, busco o lume,
Por mais que a fantasia inda se esfume
Beleza sem igual; suprema tela

Aonde as mãos sensíveis de um artista
Moldou numa expressão quase divina,
Suave maravilha feminina

Não tendo quem ainda assim resista
Ao fogo deste olhar que incendiando
Num átimo, meu rumo vai domando...


22826


A mente segue absorta e busca agora
Respostas que jamais eu soube dar,
Aonde poderia sem demora
Os restos de esperanças encontrar,

Deitando cada sonho que ao luar
Percebe a claridade que o decora,
Vestindo deste azul, profundo mar,
A sorte de querer não vai embora.

E o gozo deste encanto me acompanha,
Subindo calmamente esta montanha
Alçando pantanais, vales profundos,

Mergulho em abissais, fartas promessas,
E sabes quando em sonhos recomeças
Vagando sem destino vários mundos...


22827


Fizera-te vulcão e intensa lava
Descia de teus lábios, fogo imenso
E quando no prazer enorme eu penso,
Minha alma em tuas águas já se lava

Jamais contendo a sorte, qualquer trava,
Nas mãos de quem ficara, o branco lenço,
O mundo que me resta segue tenso
E o beijo feito amor, tesouros cava...

Acenas com sorrisos e a partida
Embora tantas vezes dolorida,
É feita com suaves abandonos.

Retorno após a chuva e não demoro,
Se em ti, somente em ti meu barco; ancoro,
Teus olhos são dos meus; senhores, donos...


22828


Minha alma não entende o que tu queres
Quando em momentos duros e cruéis,
Destilas com vigor terríveis féis,
E com palavras e atos, sempre feres.

Se sabes muito bem que entre as mulheres
Tu és a preferida, e num viés
Atrelo-me deveras ao convés
E venha da maneira que vieres

Terás o meu amor, contentamento,
Reinando sobre todo o pensamento,
Vontades que tu tens; imperiais.

Servir ao nosso amor como um lacaio,
Jamais a quem desejo tanto, traio,
Distante deste encanto? Nunca mais...


22829


Sem alma que soubesse me entender
Expresso a solidão neste soneto,
E quando noutros braços me arremeto
Buscando qualquer forma de prazer,

Talvez tu não consigas entender,
São erros que em verdade não cometo,
O mundo seccionando e em cada gueto
Iguais vão procurando o seu lazer..

Amar e ser amado? Já nem sei,
Quem sabe num momento ou mesmo dois,
Sem nada que pedir ou ter depois,

Trazendo em liberdade, nossa lei,
Possamos ser felizes, mas vem logo,
Que o tempo está passando; venha, eu rogo.


22830


A dor que no meu peito ainda existe
Mudando a direção do pensamento,
Aonde persistira ainda triste,
Não deixo de viver um só momento,

Angústia me tomando, amor resiste,
E apenas ecoando o meu lamento,
Distante de teus braços, não desiste
O velho coração que eu atormento.

As nuvens que surgiram, tão nefastas,
Apenas com sorrisos sei que afastas
Transformas tempestade em calmaria,

No peito de quem ama; latejante
Batendo sem juízo, e mais vibrante,
Causando o bem do amor, taquicardia...


22831


Um pálido cantor em serenata
Fazendo da esperança a fantasia,
A noite segue fria e me maltrata,
Apenas neste olhar, melancolia,

A lua se deitando cor de prata,
Ouvindo deste sonho, a melodia,
A boca escancarada já destrata
Aquele que se fez em agonia.

Amordaçando assim o madrigal,
A lua se escondendo, envergonhada,
O canto que se fez tão passional,

Depois de certo tempo diz mais nada,
O amor já não comporta o ritual,
Viola em algum canto, abandonada...


22832


Meu verso se embebendo da beleza
Que trazes com certeza em cada olhar,
Propaga fielmente esta nobreza,
Aprendo com teus braços navegar,

Vencer o que vier, e a correnteza
Passando de repente devagar,
Assim minha alma cheia de surpresa
É presa deste canto e quer amar...

Olhando para estrela vespertina
A luz que dominando me fascina
Espelha a maravilha que tu és,

A noite vem chegando e traz a lua,
Decerto a poesia já flutua
Deitando este prazer sempre aos teus pés...


22833


Meus sonhos dizem vida quando têm
Tua presença amada, rara atriz,
E toda a maravilha que mais quis,
Contigo, cada noite sempre vem,

Pudesse num segundo ter alguém
Que me fizesse em paz sempre feliz,
Porém a realidade me desdiz,
Olhando à minha volta, sem ninguém

A quem irei cantar se não vieres,
Aquém de tantos brilhos, sou apenas
Um rastro de cometa solto ao céu.

Tu és a mais bonita das mulheres,
As noites turbulentas tu serenas,
Sem ti, meu coração, vagando ao léu...


22834


Vagaste solitária pelas ruas
Em bares e calçadas, pedras nuas,
Sagazes aventuras; não terias
Não fossem estas noites tão vazias.

E quando as poesias fossem tuas,
No palco da ilusão jamais atuas,
Esperas em momentos, fantasias,
Que apenas servirão de alegorias...

Não quero desprezar nem desapreço,
O amor quando mudando de endereço
Se fez um adereço sem valia,

Apenas no começo um raro sol,
Tropeço após tropeço, girassol,
À noite se esquecendo do outro dia...


22835


22835
Não quero em cada sonho algum motivo
Que possa transformar meu pensamento,
Se apenas, tão somente sobrevivo,
A fúria das paixões experimento,

E quando mais distante do tormento,
O velho coração; das dores privo,
Embora percebendo em ti o alento,
Ainda estou sozinho e pensativo.

Entregue aos teus domínios? Nunca mais.
Já não suportaria temporais
E os dias que pretendo; mansidão...

Pereço em cada verso que te faço,
Apenas vou mantendo antigo laço,
Jamais mergulharei à toa, em vão...


36

Afogo este prazer em tinto vinho
E bebo deste néctar, puro mel,
Arcando com meus erros, meu papel
É sempre desenhar paz e carinho,

E quando noutros campos eu me alinho,
Não quero ser tenente ou coronel,
Temente ao Criador, olhando o Céu,
Percebo que jamais andei sozinho.

O tempo tem seu tempo e nada além,
Vivendo tudo aquilo que convém,
Não perco a direção, sigo contente,

Vagando por estrelas luzidias,
Espalho pelos ventos, fantasias,
Numa ânsia desejosa, em fogo ardente...

37

Diversa efervescência toma a fronte,
A febre me fazendo delirar,
Ao longe num painel, belo horizonte,
Deitado sob um raio de luar,

Enquanto atravessara frágil ponte,
Sentindo o meu caminho a se curvar,
Por mais que a fantasia desaponte
Jamais me cansarei; quero sonhar.

O medo se transforma no pavor,
A sorte transmudando sua cor,
Ainda que esperança, leda, goze,

A morte se aproxima e já se instala
Tomando o velho quarto e a minha sala,
Meus dedos numa fétida necrose...


38

Volúpias feitas flores, meu jardim,
Sondando a poesia que há em mim,
Gerando finalmente a primavera,
Depois de tão profunda e longa espera,

O vento se moldando traz enfim
Perfume delicado de jasmim,
Eterna maravilha, quem me dera,
Pudesse nos meus braços a pantera

Que imersa em tal redoma nem me vê.
Quem sabe, noutra vida, possa então
Viver o que cabe; esta ilusão,

Sem nexo, sem perguntas, nem por que,
Apenas tão somente por saber
Que existe em minha vida um bem querer...

39

A vida vai ao pouco se esvaindo
Fugindo dos meus dedos, podres dedos,
Soubesse desvendar quaisquer segredos
E o tempo não seria ainda lindo,

Morrendo devagar, pele puindo,
Quem dera se pudesse em meus enredos
Viver esta alegria e nos folguedos
Sem ter a diabetes me punindo.

Percebo que o final não se demora,
Saber de teu amor, já me consola,
Porém a solidão não me abandona.

O corpo decepado vai embora,
Aos poucos sem defesa em vão se imola
E toda uma verdade vem à tona...


40

Os olhos empoçados, dor intensa
Procurando entre as trevas ardentias,
As noites transcorrendo sempre frias,
Não tenho dos carinhos, recompensa,

Enquanto a vida passa; na descrença
Fantasmas entre sombras, logo crias,
Ouvindo as mais tristonhas melodias
O amor se perpetua; eterna crença.

Eu teimo e na verdade, não resisto,
Ainda percebendo quando insisto,
Alvissareiros sonhos, ledo engano.

Erguendo dos espectros meus castelos,
Os dias poderiam ser mais belos,
Mudando com certeza cada plano...


41

Além da noite fria, a leve brisa
Trazendo más notícias de quem amo,
Se tantas vezes louco, eu te reclamo,
A sorte não demora e não avisa,

Enquanto a poesia aromatiza
O medo vai tomando cada ramo,
A vida se permite, e quando chamo,
Ferida do passado cicatriza.

Espero tua volta sem revolta,
Minha alma sem guarida e sem escolta
Entregue aos vãos delírios, descaminhos...

Quisera pelo menos uma vez,
Viver com plena paz e placidez,
Sorvendo em tua boca, raros vinhos...


42

Deveras tenho a sorte de poder
Contar com teu apoio, minha amiga,
Por mais que esta doença me persiga,
Eu tenho esta alegria no viver,

Sabendo cada dia percorrer,
Embora a minha estrada seja antiga,
Felicidade; paz. O amor abriga
Tomando com paixão todo o meu ser.

Eu te agradeço e sigo os teus conselhos,
A Terra tem poderes. Conhecê-los
É ter sabedoria estou bem certo

Vencer os desafios que me esperam,
Sorrisos; poesias já temperam
Regando com a fé o meu deserto...


43

Realidade eu sei e reconheço
Seria bem melhor se fosse assim,
Mas como sendo agreste o meu jardim,
A cada novo passo, outro tropeço.

Colhendo toda a sorte que mereço,
História vai chegando; mansa, ao fim,
Perder uma esperança, e tudo, enfim,
Ao fardo que carrego, eu obedeço.

Mas teimo em disfarçar com poesias,
Fugindo de mim mesmo, sobrevivo,
Talvez bem diferente do que sou,

Dos erros cometidos, fantasias
Mantendo o coração bem mais altivo,
Colhendo cada caco que restou...

44


Saudade do que fomos e não somos,
Colhendo cada fruta no quintal
A sorte se quarando no varal,
Dos sonhos e delírios, belos pomos.

E quando resolvemos nossas vidas,
Unindo corações, laço apertado,
O dia em alegrias decorado,
Dos velhos labirintos, as saídas;

A broa de fubá, manteiga e pão,
Café que foi moído de manhã,
A vida num fogoso e belo afã,

Os pés andando firmes sobre o chão,
O tempo não tem tempo pra perguntas,
E as almas se completam quando juntas...

45


Ler este soneto saudosista,
fez relembrar dos tempos idos;
pegava as frutas com as mãos,
das galinhas roubava os ovos,

levava tudo pro mato e ficava,
nas árvores olhando os ninhos,
cozendo ovos, pegando passarinhos,
voltava para casa no fim da tarde,

fome não sabia o que era, no mato,
tinha tudo que precisava, eu era feliz
e saia. Qualquer semelhança é fantasia?

Claro que não, era nossa realidade:
Acordava cedo, socava o café no pilão,
levava na cama pra mãe, não tinha enrolação.


46


Quem nunca ouviu este cantar divino
Aonde ser poeta diz amor
Voando livre colibri e flor
Momento além, nem coração domino,

Outrora fora um velho sonhador
Agora em tuas mãos, eu me fascino,
Voltando novamente a ser menino,
Bebendo em rara fonte; um trovador

Que sabe desfrutar cada segundo,
Embora muitas vezes vagabundo,
Dos sonhos aprendi a ter nas mãos

A bela realidade e no futuro,
Além de qualquer sombra, amor eu juro,
Os dias não serão decerto vãos...

47

Hei de estimar o amor além de tudo,
Por ser tão simplesmente por si só,
Do pó retornaremos mesmo ao pó
A vida é muito frágil, não me iludo.

Mas sendo por amor, não há, contudo
Motivos para medo, pejo ou dó,
Distante dos meus dias, vejo a mó;
Nas ânsias dos amores me transmudo

E bebo a fantasia, e me enveneno,
Antídoto suave e tão sereno,
Amor jamais sonega; e sim se entrega

Complexa e suprema divindade,
Da dor e do gozo à liberdade
Embora veja tudo, amor nos cega...


48

De lágrimas, coberta; segue a senda
Procura algum alivio, mas não vê,
Não tendo uma esperança, não desvenda
Segredos que conhece só quem crê,

Buscando um leve apoio, mas cadê?
Sequer uma palhoça, taba ou tenda,
A vida continua sem por que.
Felicidade existe? Mera lenda...

A sorte em desengano se afastando,
A dor já se arrastando; não sei quando
Terei algum momento de ventura...

Porém se existe Cristo em teu caminho,
Decerto não estás jamais sozinho,
Dos males mais terríveis, é a cura...

49


Vivendo tão tranqüilo quem percebe
Que amor domina a vida e guia os passos
Do velho caminheiro em seus cansaços
Andando por difícil; dura sebe

Quem dá felicidade e a recebe
Conhece; do Senhor, perfeitos traços
Estreita com a glória nós e laços
Águas de fonte pura; sempre bebe.

Amor não deixa dúvidas; pois é
Por ser onipresente e ser liberto,
Caminho com certeza em rumo certo,

A base necessária para a fé
Que tantas vezes cura e nos protege
Quem ama não será jamais herege...

50

O público aplaudindo este espetáculo
Medonho de uma lágrima bebida
Entre os vãos dissabores de uma vida,
Deveras não havendo algum oráculo,

A morte ao estender cada tentáculo
Prepara em ironia a despedida,
Uma alma sem paragem, corrompida,
Decerto não verá o tabernáculo.

Houvesse alguma chance, outra mudança.
Voltasse num instante a ser criança
Uma esperança apenas; é demais?

Mas tudo não passando de ilusão,
Abrindo-se esta fenda em pleno chão,
O público aplaudindo, pede mais...


51


Amor, porque em teu nome tais loucuras?
Se tudo o que tu és diz liberdade,
Quem ama não maltrata e na verdade
Somente o desamor trama torturas.

A vida por si só tem amarguras,
É raro se encontrar felicidade,
Mas quando o desamor, depressa invade
As horas se amarrando, vãs e escuras.

Vivenciar o amor é ser feliz,
É ter o bem maior que já se quis
Edênico caminho libertário,

Por mais que o tempo seja um adversário
Amor não permitindo um leve adeus,
Caminho sendo leve; leva a Deus...


52


Amor vencendo a morte e os dissabores
Augúrio que nos sana e nos conforta
Abrindo com presteza qualquer porta,
Amor diz poesia, versos, cores...

Quem faz do amor parceiro colhe em flores
A paz que o coração grande, comporta,
E quando mais amor, amor exorta
E trama com ternura mais amores...

Sedento deste bem jamais descanso,
Meu verso como seta fina eu lanço
Buscando a plenitude em sentimento.

Na pacificadora fantasia,
O amor que nos levanta já nos guia
Um terno lenitivo, eterno alento...



53

A força que traduz felicidade
Encontra-se nos braços deste arcanjo
Enquanto em alegria e amor esbanjo
Não tenho mais sequer perplexidade.

Conheço a fantasia e a saudade,
A sorte se fazendo em mau arranjo,
O tempo é precioso e nunca o tanjo
A vida sempre busca a liberdade,

Alçar eternos dias, quem me dera,
Viver a preciosa primavera
Sabendo que depois chega o verão,

Depois deste apogeu, o outono, inverno
Se o ciclo refizesse e fosse eterno...
Somente o amor nos diz renovação...


54

Amor é com razão suficiência
E basta por si próprio e nada deve,
Uma alma quando amante resta leve
E o peito se moldando em consciência,

Amar é ter no olhar clarividência,
E mesmo que ele venha manso e breve
Quem ama nada teme e até se atreve,
Porém amor expressa a paciência.

Ciência de um bendito bem estar,
Falência dos indômitos tormentos,
O máximo entre tantos sentimentos

Ensina o caminheiro a procurar
A paz que nos redime e nos conforta,
Adentra o Paraíso, abrindo a porta...


55

Amor não é somente um verso em vão,
Não necessita tempo ou tradução,
Bem mais do que palavra simplesmente
Amor é quem domina corpo e mente,

Problema? Na verdade é solução,
Detém a nossa vida em sua mão
Necessidade imensa e até premente,
Amar é sonegar o penitente,

É dar sem esperar sequer a troca,
Amor não se conquista e nem provoca
Existe e tão somente, eis a verdade.

Não tema se vier, pois ele é santo,
Por mais diverso e obscuro; no seu manto
A tradução perfeita: divindade...


56


Quando eu digo que te amo, não se espante
Traduzo o meu amor em puro afeto,
Não tendo a frialdade do concreto
Concretamente amante num rompante

Levando este desejo sempre adiante,
O passo que se dá, mesmo incorreto,
No amor iluminado eu me completo
Lapido com cuidado o diamante...

Se eu te amo e jamais nego esteja certa
Que a vida na verdade não deserta
Aquele que se entrega sem pudor,

E quanto mais procuro o bem estar
É porque a mim mesmo eu sei amar,
E em ti se reflete o Meu Amor...


57

Não procure sequer no dicionário
O que nos significa amar além
E quando o grande encontro nos contém,
Jamais é necessário o abecedário

Amar é não guardar dentro do armário
O sonho que deseja e cedo vem,
Existes por amar e sendo alguém
Não saberás na vida um adversário.

Amar é ter nos olhos a fartura,
Vivendo a cada instante esta ternura
Que a vida proporciona a todos nós.

Usando destas armas, nada existe
Que possa te tornar amargo e triste,
Se empenhas num amor mais firmes nós...


58

Descendo a corredeira da esperança
Vagando pelas ruas, sem destino,
E quando nos penetra a seta, a lança,
Meu rumo pela vida eu não domino,

O amor? Não adianta, ele te alcança,
Ao velho transformado num menino
Sacia qualquer sede ou desatino,
Terrível coração, amor amansa...

No quarto de dormir, na praia, ou sol,
Amor em qualquer parte do arrebol,
Presença que jamais se prenuncia,

É dele esta certeza que nos move,
E a cada novo dia em que se prove,
O amor nos embriaga e nos vicia...


59


Semente que espalhada pelo vento,
Brotando em qualquer terra, qualquer chão,
O Amor jamais suporta a escravidão,
Liberta o coração num terno alento,

É necessário estar o amante atento
A cada novo dia, adubação,
Regando com carinho a plantação
Saciará deveras, teu sustento.

Não deixe que este inverno em fria neve
Transforme o sentimento em algo breve,
Cuidando com afeto se eterniza

O solo aonde o amor foi semeado,
Floresce em poesia e bem cuidado
Da dura ventania à mansa brisa...

60

Amor não se encontrando num balcão
De secos e molhados, no armarinho
Tampouco na quitanda ou mercadinho,
Na antiga drogaria ou num salão.

Amor jamais traduz negociação
Se for assim melhor seguir sozinho,
Chegando muitas vezes de mansinho
Prepara com firmeza este alçapão;

Que embora nos detenha; já liberta,
Tomando assim de assalto em hora incerta
Traduz com precisão afeto e apreço.

De tal nobreza é feito e nos fascina
Mantendo em suas mãos, a sorte e a sina,
Amor, eis a verdade, não tem preço...


61

Estando em plena graça quem desfruta
Do grande e belo amor, conhece bem
As máscaras que a sorte em si contém,
E se desnuda assim, cruel e astuta.

Sabendo desde já qual a conduta
E como deve ser, se nos convém,
O verdadeiro amor, não vê ninguém,
Apenas se aproxima e vem sem luta.

Não adianta então a resistência,
O amor não reconhece barricada,
Melhor ficar calado e não fugir,

Nos laços deste arcanjo uma clemência
Às vezes dolorida; mas ligada
Ao passo que darás em teu porvir...


22862


Hei de amar eterna e ternamente
Bebendo desta fonte inestimável,
O amor que se demonstra plenamente
Tornando a nossa vida mais potável

Tomando num momento corpo e mente
O Paraíso; então, vejo alcançável,
Terreno onde o amor se faz arável
Transborda em pouco tempo uma semente.

Amor sem previsão doma o bravio,
Mudando a direção, um desafio
A fio de navalha e de segredos

A fera num instante dócil fica,
Amor jamais se explica e sem dar dica,
Em si começo e fim, loucos enredos...


22863

Os peixes entre as algas e as sereias
As queixas entre beijos, bofetões,
As gueixas se estendendo nas areias
As deixas não são sempre soluções.

Madeixas se compridas, tanto anseias
Os feixes se acumulam nos porões
Ameixas entre as nobres plantações
Os seixos no riacho, em suas veias.

O queixo sempre erguido sem falácia
Não queixo quando o beijo diz audácia
Desleixo? Não suporto nem condeno,

Se eu deixo é bem capaz dela voltar
Não mexo quando abelha quer voar
Num doce remelexo, eis o veneno...


64


Levado pelas águas, corredeiras
Descendo cachoeiras e cascatas
Penetro mansamente nestas matas
E sinto estas belezas verdadeiras,

Enquanto entre mil pedras tu te esgueiras
Não vês que a solidão já me maltrata,
E quando estás presente e me arrebata
Vontade de ficar. Talvez não queiras...

Mas logo se aproxima a madrugada
E nela estes convites, bela lua,
Desnuda se entregando amada e nua,

Deitando seu reflexo na calçada,
Aí eu não consigo controlar,
Mergulho de cabeça no luar...


65

N’água em que deságua meu amor,
Sem mágoas vou seguindo pela vida,
Nas fráguas desta lua, aonde eu for,
Imagem permanece tão querida,

Pudesse guardaria num andor,
Mas quando vejo a história decidida,
Minha alma totalmente entorpecida
Procura noutro canto por calor.

E sabes que te quero, não discuto,
O amor quando se perde, em pleno luto,
Reluto e não consigo me encontrar,

A pedra mesmo bela, sendo bruta,
Deveras o desejo só desfruta
Se a mesma com desejos lapidar...


66


A pedra que atiraste no riacho,
Em círculos diversos, já levou
O amor que na verdade também acho
Que há tanto sem sossego, terminou.

Nas mãos os teus cabelos, cada cacho
Dizendo deste encanto que restou,
Desejo se aproxima e me tomou,
Botando o sentimento mundo abaixo.

Não posso refazer o que desfeito
Senão não tendo jeito, a vida passa,
E quando permanece; uma desgraça

Rondando toda noite quando eu deito,
Fantasma se esfumaça mais ressurge,
Preciso renascer; pois o tempo urge...


67

Meu bem já não me quer, o que fazer
Se nada desse certo; eu morreria,
Não quero mais viver tanta agonia
Preciso urgentemente do prazer

Da vida que teimosa a se perder
Não vejo solução, como eu queria
E o tempo derrubando a fantasia
Conjuga no presente o que é sofrer.

Pecado é não partir para outro rumo,
Se errei, eu nunca nego e sempre assumo,
Mas deixa de besteira; coração.

Vencer o temporal? Ficando quieto;
Aí de bar em bar um novo afeto,
Outro problema invés de solução...


68

Passado para trás por quem querida
Vencido não perdi mais a batalha
Se o corte na verdade me atrapalha
Realço em reação a nova vida.

Quem sabe com certeza não duvida
O verbo se fazendo na navalha
Minha alma noutro encanto se assoalha
A trilha se renova e está cumprida.

Querência quando muita, desespero,
O amor não é somente um bom tempero
No destempero faz a confusão,

Veneno se demais mata o sujeito,
Na dose mais certeira, satisfeito,
Sossega este danado coração...


69

Amor flecha certeira faz barulho
Causando tanto impacto no meu peito
Que mesmo sendo seu todo o direito,
Não guardo nem sequer um pedregulho

E deste sentimento que me orgulho
Deitando sem juízo no meu leito,
Por vezes de teimoso ou contrafeito
Invés de calmaria quer marulho.

Bendito seja sempre o tal do amor,
Menino que se estrepa, mas não deixa
De ter em suas mãos farto calor,

E ser e por trazer a sedução,
A moça se vestindo assim de gueixa
Machuca o velho e terno coração...

22870


Hoje eu fiquei boiando e vi que o céu
estava tenebroso, um cinza escuro!
Porém não me privei de estar ao léu
apesar de poder passar apuro!

Lembrei desse trabalho e quase incréu
por me sentir aquém que até juro:
fiquei emocionado ao ver-me réu;
sujeito, assim culpado em não ser puro...

Fazer soneto exige uma pureza
e o mar quis me lavar da vil dormência;
quis me purificar da indolência

ao pouco mencionar mãe natureza,
a moça que exagera em gran beleza...
Amigo eu te agradeço a deferência!

Ronaldo Rhusso

Não tens; querido nada a agradecer
A mãe que nos redime; poesia,
Enquanto um novo mundo se recria
Formata com palavras o prazer

E trama entre mil tramas, o saber
Estende sobre nós a alma arredia
Na qual transformação diz fantasia
Realidade? Eu custo mesmo a crer...

Adormecendo a dor entorpecente,
No coração liberto se pressente
O alvorecer em formas fascinantes

Poetas são decerto delirantes
Erráticos cometas bebem luzes
Levando como metas suas cruzes...

71


Será que tu não sabes que cativo
Do imenso sentimento que nos une,
Amor quando se perde a vida pune
E nele e só por ele sobrevivo,

Mas quando deste encanto em dores privo,
Não passo um só segundo em paz e impune
Tampouco saberia ser imune
Sequer ficar sozinho ou inativo.

Viver o que se faz mais importante
Sentir o quanto amor é dominante
Figura que se mostra e não mascara

Desnuda-se deveras, sem pudores,
Bebendo destas águas, os amores
A sorte se demonstra pura e rara...


72

Amor nada dizendo, fala tudo,
E mesmo que se veja noutra cena
Amar é ter certeza clara e plena
Sem perguntar decerto se há contudo

Amor não diz ruído, mesmo mudo
Tocado pela sanha que envenena
Minha alma se agiganta e concatena
Nas teias deste encanto eu já me grudo.

Assaz mordaz e audaz nos traz a paz
Contrário ao desamor que nada traz
Viver a plenitude? Sem respostas...

No beijo que me deste estando exposta
Pra que nos perguntarmos? Vamos nessa
Que o tempo nunca para e anda depressa...


73


Tamanho reboliço; eu não entendo,
Tampouco me importando se talvez
Bebesse gole a gole ou de uma vez,
Apenas o que quero e sei pretendo

Falar do quanto vivo e sem adendo
O belo sentimento que se fez
Mergulho no passado e nada vês
Somente o que o desejo está contendo.

Pecado é ser sem nexo; ou ter no sexo
Apenas um complexo e nada além,
Desnuda maravilha quando vem

O mundo já não fica mais perplexo,
Por isso não se deixe indiferente
O gozo é necessário; ao menos tente...


74

Restando sobre a sala de jantar
A velha foto mostra o teu sorriso
Pensando descoberto o Paraíso
Motivo para rir e não chorar,

Mas quando vejo tudo terminar,
Percebo que o amor sendo impreciso
Não tendo ou não ficando algum juízo
Numa inconstância louca de se achar.

Vergando feito galho com o peso,
Amor já não suporta viver preso,
Precisa ter um sonho, ou fantasia.

Mas quando ele resiste à tempestade,
Descobre no parceiro a liberdade
E um elo bem mais forte então se cria...


75


Querida, deixa disso, a vida segue
E nada do passado nos faz bem,
O amor quando demais, ao ser entregue
Não tendo esta resposta que convém

Parece que a verdade nos persegue
E trama contra o quanto amor se tem
É sempre necessário ter alguém
Que a carga dividida já carregue.

Percebo que jamais vais entender
O quanto relutei em desfazer
Aquilo que jamais eu desfaria

Se tudo fosse como outrora fora,
Porém a realidade não demora
E mata com certeza a fantasia...


76

Porque me abandonaste; minha amiga,
Deixaste tal vazio que; quem dera,
Jamais verei de novo a primavera,
O tempo desta ausência desabriga.

Ao tempo me encontrando, alma periga
E segue sem saber o que inda espera,
Na mão a poesia, doce fera
Espero que com calma a paz consiga.

Partiste e a noite então se fez em treva,
Minha alma simplesmente ainda neva
E teima em não saber mais caminhar.

Errante, este andarilho busca o lume,
E sente aqui mais perto, o teu perfume,
Quando é que eu poderei tentar te achar?


77


Deixando que a corrente ao mar me leve
Tornando-me talvez bem mais suave,
Nas mãos ainda tenho a imensa clave
Embora este cenário; eu sei que breve.

A fantasia então, veloz se atreve
E tira do caminho qualquer trave
A poesia, amiga, bela nave,
O dia em paz prossegue, bem mais leve.

Mas saiba que a saudade, outra vertente
Derruba e maltratando tanto a gente
Não deixa que se pense com ternura.

Retire qualquer marca que inda resta,
A vida em nova vida já se empresta,
Apague sem rancor esta amargura...


78


Infeliz quem nesta vida nunca amou,
Não sabe discernir felicidade,
E quando vê ao fundo a claridade
Um pirilampo apenas o enganou.

Enigmas que quem busca decifrou,
Algemas não trarão a liberdade,
Amor contradizendo dor e grade
Não deixa que degrade quem sonhou.

Das farpas e das pedras, estou cheio,
Encontro neste caso, um rico veio,
Aonde possa achar bela pepita.

Quem não ama não sabe e contradiz,
Por mais que escute a voz, mesmo a repita,
Somente será sempre este infeliz...



79

Comentam por aí que nada disso
É feito com ternura ou compromisso,
Poeta não tem jeito nem vergonha.
Não vou ficar aqui feito pamonha

Nem mesmo esta fofoca; ainda atiço,
A corda se arrebenta e perco o viço,
Depois é travesseiro cama e fronha
E volta a solidão, cruel, medonha...

Não ligue pra essa gente que não tendo
O que fazer em casa ou no trabalho,
Invés de perder tempo com baralho

Nariz na nossa vida anda metendo,
Mandando pro diabo que os carregue,
Já me escondi até num Zé do Jegue...


22880

Boiando na conversa; caio fora,
Mandando tudo às favas, vou em paz,
Quem sabe quer agora e não demora,
Quem cuida de outra vida fica atrás...

Perfaço o meu caminho e tanto faz
Se a luz que me rodeia já decora,
Se nada do que fiz à pele aflora,
A crítica decerto é mais voraz.

Já fui um baderneiro de primeira,
Agora sossegado nada falo,
Porém andam pisando neste calo,

Da parte que me cabe, de bobeira,
Não vou ficar calado, pois entalo,
Nem vou cumprimentar égua e cavalo...


81

Não deixe pra amanhã; pois nada importa
Senão o que se sente, e deixa estar,
Se a gente não pudesse em paz amar,
É só trancar com força a velha porta.

Se o beijo na verdade te conforta,
A boca só foi feita pra falar?
A quem puder talvez interessar,
Quem vive sem prazer; besta e marmota.

Chamando meu amor cá no cantinho,
Gostoso como quê fazer carinho
Um passarinho solto não quer grades.

Assim te peço amada, não demora,
Minha alma ajoelhada até te implora,
Agora quer dizer felicidade...


82

A lua se derrama sobre nós
Beijando a tua pele bronzeada,
E deixa sua marca prateada
Imagem refletida logo após

Volvendo para o sol na mesma estrada
Fazendo deste encanto em novos nós
Enlaces entre deusas. Mas feroz,
O sol ao ver a diva iluminada

Guiando cada nuvem, traz neblinas,
O quanto o próprio Zeus, ora fascinas
Que Juno num ataque de ciúmes

Entoando sua ira num trovão
Imprime sobre a terra um turbilhão,
A treva desce então por sobre os cumes...


83

Às vezes penso até não levar jeito,
O amor tem seus segredos, suas manhas,
Olhando deste vales pras montanhas,
Não posso ficar quieto ou satisfeito,

E sigo assim sozinho e contrafeito,
Não quero ver partidas sempre ganhas,
Mas quando na verdade; só apanhas,
Parece que fui feito com defeito.

Efeito deste porre ou da aguardente?
Doendo muito mais que dor de dente
A dor da solidão ninguém aplaca.

Quisera ser na vida algum Pelé;
Pisei tanto na bola e não deu pé,
Tomei até um drible, o tal da vaca..


84



Às vezes penso até não levar jeito,
O amor tem seus segredos, suas manhas,
Olhando deste vales pras montanhas,
Não posso ficar quieto ou satisfeito,

E sigo assim sozinho e contrafeito,
Não quero ver partidas sempre ganhas,
Mas quando na verdade; só apanhas,
Parece que fui feito com defeito.

Efeito deste porre ou da aguardente?
Doendo muito mais que dor de dente
A dor da solidão ninguém aplaca.

Quisera ser na vida algum Pelé;
Pisei tanto na bola e não deu pé,
Tomei até um drible, o tal da vaca..


85

Um peixe se assustando em desespero
No aquário prisioneiro, fria cela,
Assim a realidade se revela
Causando ao libertário, destempero.

A vida necessita de tempero,
Decerto à poesia então se atrela,
Mas quando o barco perde leme e vela
Adeus à perfeição e o raro esmero.

Querendo ou desquerendo quero assim
O amor sempre juntinho aqui de mim,
Não deixe que se esfrie esta ilusão,

O medo vai matando devagar,
Quem teme sem limites se entregar
Não sabe desta vida o vinho e o pão...


86

Fazer do coração espelho d’água,
Vencendo os desprazeres tão constantes,
Os dias galopando e por instantes
A gente dá com burros logo n’água.

Há tempos que não vejo a tal da anágua
Tampouco as belas virgens debutantes.
Passaram no motel, instantes antes
Querida, por favor, deixe de mágoa...

Se a turma do funil está por perto,
Abrir o botequim é boa idéia,
Não gosto, me perdoem de mocréia,

Vinicius de Moraes estava certo,
Poeta; o mais completo e genial,
Beleza deve ser fundamental...


87


O mar se avermelhando de vergonha
Ao ver um desses nossos deputados,
Homens tão conhecidos, reputados,
A situação; amigo está medonha.

Tem gente que imagina, pensa e sonha
Com dias bem melhores e esperados,
Mas quando são por eles legislados
Ao povo resta a cara de pamonha.

Nem de gentalha ou mesmo salafrário
Eu vou chamar cambada do Congresso,
A culpa eu sei que é nossa, e te confesso,

A gente vai bancando sempre otário
O voto no final, não muda nada,
Só troca de partido, a cachorrada...


88

O rio se salgando quando choro
E falo de quem foi e não me quis
Se um dia volto a ser ou não feliz
Só sei que não respondo e nem demoro,

Se amor não me deseja, não imploro,
Tampouco vou querer um novo bis
Se a moça foi apenas meretriz,
No fundo, esta paisagem; não decoro.

Apenas se tornando mais salgado
Riacho aonde banho meus pecados,
E andando deste jeito, sigo errado,

Melhor que ser errante caminheiro,
Direitos com certeza; equilibrados,
Mas sempre ser leal ao companheiro...


89

Espantas quando vês gente faminta?
As dívidas cobradas com balaços,
Não quero nem saber dos estilhaços
Tampouco se em meu sangue resta tinta.

O medo se estampando, o rosto pinta,
A sociedade escrota em finos traços,
Devora do cadáver; os pedaços,
A burguesia tola e quase extinta

Enquanto o maridão toma a galhada
A dama em piranha disfarçada
Pagando algum miché, meros trocados,

A merda vai boiando e ninguém vê
Procuram a carteira, mas cadê?
Ladrões pelos ladrões surrupiados...

22890

Recebo mediúnica mensagem
Daquele poetinha carioca,
Se o Rio nesta merda desemboca
Precisa pra mudar muita coragem,

Mudar somente o tom desta paisagem
É como se esconder dentro da toca,
Garota em puberdade te provoca?
Pedofilia; é crime e sacanagem...

Garota de Ipanema fez dezoito,
Já pode mergulhar o seu biscoito
E o ganso se afogando num motel,

Porém se dezessete e setecentos
Melhor que dar a bunda pros detentos
É sossegar o facho. Ordem do Céu...

91

Mineiro; nasci gauche; mas me adestro
Não quero ser somente um sonetista;
Pintando alguma chance, estou na pista,
Já não serei assim, sonso e canhestro.

Se arrombo este balão, e já fenestro
A culpa é deste tal de comunista,
Que come criancinha e não despista
Por isso na política sou destro.

Pertenço à bela classe, a burguesia,
Só falta aparecer lá no Amaury
Agora não mijei, eu fiz xixi,

Preciso ter alguma melhoria
Vocabulário andando meio mal ,
Senão nem Amaury sequer jornal...

92

Belos dodecassílabos fizeste
Na carta que em soneto recebeste,
Baseio-me no teu e fazendo este
Componho a parceria que disseste.

Mineiro qual um Carlos do passado,
Apenas Itabira é Muriaé
Criado sob as marcas do sapé
O tempo não se fez meu aliado.

Há pouco comecei fazer poemas,
Não digo ser poeta; trovador.
Falando quase sempre de um amor,
Às vezes modifico os velhos temas.

E sei dos diademas constelares;
Que espalhas quando encantas, nos altares...


93

Paixão trem dolorido como quê,
Melhor não saber disso e cair fora,
Pegando como fosse catapora,
A gente se descuida e bah! Oh, tchê...

Procuro algum sentido, mas cadê?
O jeito é sair manso, vou embora
Que o troço é perigoso e não demora
Escrevo o que ninguém no mundo lê.

Chegado na morena, vou de leve,
Mineiro diz a fama não se atreve,
Comendo sempre assim pela beirinha.

Bobeia, a gente enceta uma conversa,
Só não te quero amada tão dispersa,
Morena, deu bobeira serás minha...


94


O beijo que me deste quase tático
No fundo não diz nada do que eu quis,
Se tento ou se pretendo ser feliz,
Não serve este carinho tão apático,

É necessário ser, decerto prático,
A vida nos exige; diz a atriz
Porém meu coração já contradiz
Perdoe se estou sendo mais enfático.

A culpa é dessa lua de Catulo,
Tirando este lirismo do casulo,
Na terna borboleta prateada

O símbolo preciso e mais correto,
O amor não é decerto um mero inseto
Porém tem alma leve e delicada...


95


Água que desaba molha o chão
E deixa o paladar bem mais salgado,
A sede transformada em sedução,
O beijo na verdade foi chorado.

E quando por teus lábios, encantado,
Mergulho sem saber da direção,
Caindo assim de banda, vou de lado,
Pesado como sempre o coração.

Acaso sem ocasos nada faço
Começo e recomeço não tem fim,
Inverno após verão no mesmo laço,

Circuito vicioso, o mesmo ciclo,
Enchendo a minha cara, mais um gim,
De porre é bem mais fácil. Eu me reciclo...


96

A falta de um amor ensina a amar,
Embora sempre só, amor; carrego,
Andando sem destino sigo o cego
E teimo em poesia me explicar.

Podendo caminhar mais devagar,
Verdade quando dói logo sonego,
E quando num amor louco; eu me apego,
Aí a coisa fica de amargar...

Seduzes este pobre marinheiro,
Que andando sem sequer um paradeiro
Morando em pardieiro de sapé

Só tem pra oferecer o coração,
Regado com arroz, muito feijão,
O resto; a gente leva... Só na fé...


97


Na secura que deixas minha vida
Alagas os meus olhos, com certeza
Uma esperança amarga, se perdida,
É necessária, então, muita destreza.

Se eu tenho ou se não tenho esta nobreza
Ao ver; já terminada, esta partida,
Queria ter um pouco de fineza,
E dar a nossa história por vencida.

Chamar quem me magoa com cuidado,
É muito para um pobre analfabeto,
Por isso vou ser franco e até direto.

Chega de palhaçada, estou cansado,
A lona se esgarçou e está furada,
A peça; um besteirol, está montada...

98


Tu podes me chamar de qualquer nome,
Eu sei que sou medroso, mas espere,
A vida quando em mágoas, interfere
E a poesia amada, logo some.

A gente se perdendo sem renome,
Apenas ilusão que nos tempere,
Corrente não mediu sequer ampère
Poeta no Brasil? Morre de fome...

Não quero que ninguém me dê conselhos,
Ralando a minha cara e de joelhos,
Eu peço em oração, ninguém escuta...

Mas vem me dê teu braço e vamos nessa
Que a história noutra história recomeça,
Valendo sempre à pena qualquer luta...


99

Destroços deste encanto em cada canto
Mordaz já me afiguras pós tempesta,
O amor que não concebes não se presta
A tal pressentimento, desencanto.

Rolasse de meus olhos algum pranto,
Mas ouço o anunciar de intensa festa,
O gozo mais diverso já se atesta
E nada modifica por enquanto...

Sem ter melhor visão do que hoje ocorre,
Somente a fantasia me socorre
E o porre quis homérico e mais nada...

Vencer estas batalhas tão soturnas
Enquanto em teu recanto tu te enfurnas
Noturna tempestade anunciada...


22900

Completa ingratidão de quem deixara
A sorte ao deus dará e nada veio,
Vislumbro qualquer chance, mas receio
Que apenas falsidade se espalhara

Vivendo do passado que ficara
Tentando descobrir um jeito, um meio
Por onde desfilar não mais rodeio,
Felicidade é coisa muito rara...

As brasas do cigarro me queimando,
O tempo num segundo esfumaçando
O quando se transporta em um segundo.

Perfaço o meu caminho sem atalhos,
Sem ter um arvoredo queimo galhos
E sigo sem destino, vagabundo...


01

A doação completa e ilimitada
Da médica e mulher, uma humanista
Ao ver do terremoto, a triste lista,
Encontro sua imagem demarcada...

A poesia deve ser usada
Num brado ao qual ninguém quase resista
Uma alma caridosa, ainda exista
Por Deus é com certeza abençoada.

A venerável dama que se vai,
Irmã de outro fantástico cometa,
Sua alma está nas mãos do Nosso Pai,

Exemplo que ficou a ser seguido,
Quem tem o ser humano como meta,
Aos píncaros será decerto, erguido...

02


A doação completa e ilimitada
Da médica e mulher, uma humanista
Ao ver do terremoto, a triste lista,
Encontro sua imagem demarcada...

A poesia deve ser usada
Num brado ao qual ninguém quase resista
Uma alma caridosa, ainda exista
Por Deus é com certeza abençoada.

A venerável dama que se vai,
Irmã de outro fantástico cometa,
Sua alma está nas mãos do Nosso Pai,

Exemplo que ficou a ser seguido,
Quem tem o ser humano como meta,
Aos píncaros será decerto, erguido...

03


Não faço estardalhaço ou propaganda,
Apenas vou cantando o que bem quero,
Se nada do que sonho; ainda espero,
Sentado, violão, lua e varanda.

Soneto em pé quebrado já desanda,
Ao ver tal heresia, desespero,
Mas logo em calmaria me tempero,
Qualquer versinho cabe na ciranda.

Sem pélago profundo, sem abismo,
Apenas abissais fossas nos olhos,
Ossadas dos poetas, sem cinismo

Revoltas nos caixões; geram tumulto,
Os versos transformados em abrolhos,
O velho classicismo ora sepulto...


04

Realidade em jogo; logo anulas
Qualquer coisa virando poesia,
Milhões e mais milhões são vários Lulas
Depois vêm me falar em heresia...

Riquezas sobre a Terra, se acumulas
Decerto teu lugar na burguesia
Por mais que os versos sejam os de mulas
Qualquer analfabeto aplaudiria....

Cansado desta estúpida falácia,
Não posso suportar tamanha audácia
De gente que esbraveja: - Eu sou poeta!

Nem trova nem tampouco trovoada,
A velha poesia destroçada,
Já foi entre as tais artes, predileta...


05

Já não faço mais conta das besteiras
Que encontro sob o nome de soneto,
Eu sei que também erros eu cometo,
Porém são simples falhas corriqueiras,

Os versos com mil sílabas, asneiras,
Fotografia boa, em branco e preto
Assim a poesia. Eu te prometo
Palavras coerentes e ligeiras.

Mas posso também tudo rebuscar,
Bastando para tal um dicionário,
Difícil aprender ler e contar?

Hercúlea esta tarefa? Pois parece,
Sujeito preguiçoso este canário,
Ajoelhou; não leu? Já virou prece...


06

Amor perdendo a conta sofre e ri,
Enquanto não tem jeito o coração,
Queria perceber a solução
Olhando num relance vejo em ti.

Se às vezes, te pareço, me perdi
O mundo não dá rota e direção,
Dizendo sem pensar o sim e o não
O quanto te queria estava aqui.

E sei que não sabia o sabiá
Da sábia decisão que não dará,
Poema tem mil faces, meu amor...

Disfarço e vou saindo de fininho,
O tempo sem ter tempo estraga o vinho,
E eu tenho tanta coisa a te propor...


07

Destino que pensara ser o nosso
Distante da verdade nada posso
Se a dor desta saudade não empoço
No beijo tem seu mel e sempre adoço

Olhando com cuidado me remoço,
Morena, com cuidado fica um troço.
Sem mágoas, com prurido; sim, eu coço.
Se vós inda quiserdes serei vosso

Ainda não encontro algum destroço,
O amor quando demais, cedo desosso,
Figura do passado; não acosso,

Se alguma reação no fundo esboço
A pele em vossa pele, sim; eu roço
Viver sem ter amor? Jamais endosso...

08

Uma ave de rapina, um verso solto,
À borda da piscina, deitada fica
A água que tu me destes, a da bica;
Mas nem por isso amor, ando revolto.

Jamais serei poltrão nem poderia
Patrão pagando a conta e falta a grana,
A sorte eu gostaria, mas engana,
Depois venha dizer da fantasia...

Legado que deixei? Nenhum vintém,
Metade é para ti, outra não sei
Bebendo parati; embriaguei
Eu procurei com calma e ninguém tem.

Somente uma ave dessas de rapina
Deitada, pega um bronze na piscina...

09

Já não comportaria qualquer luz
O quanto se fizera em noite escura
E a vida ao adentrar qualquer procura
Apenas o vazio inda produz.

Espero muito mais que a mera cruz
E nisto meu caminho se assegura,
Ousando muito além desta tortura
E neste desenhar fazendo jus.

Aguardo alguma chance de rever
Apenas o que pude conhecer
Em tempo mais diverso em verso feito.

E o quanto satisfaz quem tanto adora,
Viceja deste os tempos onde outrora
O mundo se fizesse de outro jeito.

22910

O peito segue inerte e sem respostas
As vidas nada valem, nem seria
A fonte em que se molda uma agonia
Criando com certeza; duras crostas...

À postos sem apostas, sigo só,
No quarto de dormir, vagas promessas,
E quando não consegues, recomeças
E o tempo se recicla; pó ao pó.

Olhando de soslaio já parece
Que tudo não seria muito bom,
Desafinado sonho perde o tom,
O peito sem respostas obedece...

Fazendo tantas contas, nada sobra,
A sorte atocaiada feito cobra...

11

A vida que avistara em algum sonho
Depois não dando em nada, num fracasso
Além do que julgara só cansaço
O amor sem parceria não componho.

Num beco sem saída, aonde irei
Se tudo o que me resta nada sinto,
Aperto o coração, soltando o cinto,
Mergulho no horizonte noutra grei.

Quem sabe talvez possa ter comigo
Aquela que se fez banalidade,
Não quero que este verso desagrade,
Tentando me esgueirar; mas não consigo.

Beijando muitas bocas no passado,
O amor jamais entende o meu recado...


12

Um vaso se quebrando sem a flor
A boca sem os dentes diz sorriso?
O verso mais exato é o que preciso,
Só sei que necessito deste amor...

Estava onde nunca eu estaria
Se a moça acompanhasse o raciocínio
Não pago, já faz tempo, o condomínio,
Domínio da saudade é fantasia...

Domingo um cineminha, mas cadê?
As salas já viraram mil Igrejas,
Desejo tudo aquilo que desejas,
Já nem pergunto mais como e por que.

Apenas vou levando esta canoa,
Antes que ela naufrague... A vida é boa...

13


O coração batendo em descompasso
Fazendo uma arruaça no meu peito,
Andara certo tempo insatisfeito
Agora acelerando sempre o passo,

Olhando não disfarço quero bem
E todo grande amor tem seu começo,
É só tomar cuidado com tropeço,
Fazer o que deseja e te convém.

Versando sobre a sorte de ser teu,
Não quero o desespero de ser tão,
A chuva vai molhando este sertão
O amor cheio de graça percebeu

O quanto é necessário ser feliz,
Porém meu coração, um aprendiz...


14

O chão em que pisastes feito em aço
Não deixa qualquer dúvida ou promessa,
O jeito é paciência e pouca pressa
Apreço é muito bom, nunca desfaço.

E traço o teu retrato nesta tela
Aonde emoldurei meu coração,
E mesmo sendo frio o duro chão,
A maciez em ti já se revela.

Perguntas sem respostas? Sei que várias,
Mas nada se compara ao meu lamento
De ter em minhas mãos o que inda tento
E o vento mostra forças adversárias...

O chão que se fez férreo nada muda,
Plantei de uma esperança, nova muda...


15

Inóspito caminho que teimando
Percorro procurando algum espaço
E quando a solução em sonhos traço
O tempo não responde como e quando.

O teto dos meus sonhos desabando
Apenas um sinal deste cansaço
O jeito é pesquisar se existe um laço
Que possa enfim deixar o clima brando.

Amando sem juízo e nem decência
A vida se propõe na decadência
Aonde quis clemência já desanda

Botando o coração nestes umbrais
Desejo o teu desejo e nunca mais
A lua desfilando na varanda...


16


Num expectante instante tanto quis
Quem talvez noutro instante me quisesse,
Na estante um velho livro nada diz,
Apenas resumindo antiga prece

Aonde procurasse ser feliz
Pudesse ser motivo de quermesse
Descrevo o panorama, escrevo a giz
Figuras em mosaico, o tempo tece...

Aonde se pensara tão dantesco
Vislumbro ali somente um arabesco,
E vejo o teu retrato como um ópio...

Desejo propicia gozo e vício,
Na beira deste cais, o precipício
Invés de teu olhar, caleidoscópio...

17


Amar não pode ser solenemente
É necessário ser mais informal,
Até que algum aspecto mais decente
Deixando parecer que é bem normal

Aquilo que devia ser demente
Obedecendo ao mesmo ritual,
Rotina; esta verdade não desmente,
Transforma o diferente num igual.

Servir ao seu parceiro com denodo,
Jamais se permitir algum engodo
Cuidar da plantação com mais cuidado.

Senão a gente toma cada tombo,
Pancada e vergastada no teu lombo,
Depois venha dizer que deu errado...

18

Além de ser entrega; amor precisa
Deveras de carinho e fantasia,
E se possível faça poesia
Se bem que tem quem ama e não avisa,

Sentindo no teu rosto a leve brisa,
Prenunciando assim a ventania
Amor em perfeição, leda utopia,
Parceiro se trocando, qual camisa.

Mas tudo não passando de um poema,
A gente não suporta mais algema
Tampouco quer a sorte dos naufrágios...

Mercadoria cara o tal do amor,
Porém se verdadeiro o seu valor
Não sabe nem sequer de ágios, deságios...


19

Qual fosse de um deserto, mera palma
Não passo de um fracasso; sei bem disso,
Não quero e não teria um compromisso,
Apenas solidão real me acalma.

Parece na verdade um velho trauma,
Que fez com que eu perdesse, cedo, o viço
Porém algumas vezes eu atiço
Buscando o que restou dentro desta alma

Eterna vagabunda, sem paragem
Querendo que eu arranje uma estalagem
Um porto mais seguro, um manso cais...

Não posso prometer à alma maldita
Somente a poesia ainda excita
Quem sabe que a resposta é nunca mais...


22920

A velha precisão do amor sincero
Que possa transformar ânsia em verdade
Talvez esta figura ainda agrade;
Porém é bem distante do que eu quero.

Falando em poesia, o gozo fero
Traduz dentro do peito, a liberdade,
Sem jeito pra curar esta ansiedade
Ainda não pensei se vou e quero.

Nocauteado sigo pelas ruas,
Bebendo a fantasia que derramas
Estrelas em teus olhos todas nuas

Escrevo o que talvez ninguém vá ler;
Do fogaréu intenso, sequer chamas,
Resumo no vazio o meu prazer...


21

Sentindo a tua falta, a vida passa
E vejo que afinal nada restou,
Bebendo a fantasia que sobrou
A sorte se evapora igual fumaça.

Amor esta aguardente, uma cachaça
Que sempre a minha vida inebriou
Percebo; na verdade nada sou,
Somente vou fazendo uma chalaça.

Sem prazos nem apreços, tempo esvai
E quanto a ser feliz, ficha não cai,
Teimoso um cacareco quer a sorte;

Porém olho ao redor e nada vendo,
Procuro pela paz, mas não me emendo,
Preparo o coração pra novo corte...


22

Amor quando demais diz catapulta
Lançando atrás do muro a velha seta,
Assim eu vou tentando ser poeta,
Verdade que o meu peito não sepulta.

Ainda o coração veloz se ausculta
Antigo estetoscópio não me afeta
Adrenalina pura ao fim se injeta
Eu só não pagarei aquela multa

Pecado é desamor; isso é que eu penso.
Caminho sem saída é sempre imenso,
Encontro no final o Minotauro...

Escrevo estes sonetos, mas sei bem
Que apenas o vazio me contém,
Também quem me mandou ser dinossauro?


23


Brisa marinha avisa da presença
Sereia vem cantando por aí,
Depois de certo tempo eu me perdi,
Não quero com certeza desavença.

Amor não pode ser feito doença
Tampouco poesia é piriri,
Andando assim de lado igual siri
Um besteirol apenas não compensa...

Falando por falar, nada a dizer,
Não quero e nem procuro mais prazer
Mergulho no vazio que se cria

Depois de certas horas, lobisomem,
Estrelas dos meus céus vagueiam, somem.
Restando tão somente a poesia...

24


Do sol sou girassol, um helianto
Buscando a claridade que sacia,
Na leve sensação de raro encanto,
Mergulho nos teus braços, fantasia,

Não vejo outra saída se meu canto
Pudesse traduzir pura alegria,
Abismos enfrentara; um celacanto
Numa água tão profunda e sempre fria

Agora vejo o sol e dele bebo
Os raios aquecendo a minha pele,
Pasárgada; deliro e já concebo.

Quem sabe possa ser realidade?
O amor que se imantando me compele
À procurar enfim, felicidade...


25

Indômito desejo nos domina
Sequer suporta trâmites. Loucura
Tomando logo conta desta mina
Numa água transparente e sempre pura...

Ao quê nosso viver já se destina?
Minha alma uma resposta em vão depura
A fonte que eu buscara, cristalina
Nunca suportaria uma tortura.

Sem trágicas comédias corriqueiras
Amor fluindo assim naturalmente
Conforme e tão somente a gente sente

Do jeito e da maneira que me queiras,
Amor é simplesmente uma fornalha;
Só não quero este amor fogo de palha...


26

Rodando a noite inteira bar em bar
Numa ânsia sem limite, embriaguez
Procura tua imagem, languidez
Até nos velhos raios do luar,

Sem ter sequer o que poder buscar
O amor sendo diáfano desfez
Diácono dos sonhos, sensatez,
Tentando esta loucura sossegar.

Apaziguando enfim qualquer tumulto
Andara em sentimentos, insepulto,
Agora nos teus olhos, a escultura

Que tanto procurara e não viera,
Matando o que sobrou da primavera,
Cavando por si própria, a sepultura...


27

A Terra perfazendo a rotação
Tomando cada gota deste sol,
Que doura e modifica este arrebol
Assim como também meu coração

Vencido pela dor de uma ilusão,
Estúpido fantasma, um girassol,
Que encontra em qualquer parte algum farol
Buscando no universo o vinho e o pão.

Opaco sentimento que me guia
Na estrela mergulhando a fantasia
Aonde se escondera a minha luz?

Não posso suportar; mas vou sozinho,
Procuro inutilmente qualquer ninho,
Porém eu não mereço, alma deduz...


28

Ser amoroso; sei que tem seu preço,
Mas pago mesmo em ágio; sou assim,
O peso que carrego não tem fim
Sequer conheço bem seu endereço,

Invés de poesia, frio gesso,
Sem água o que fazer do meu jardim,
A flor que resistiu veio chinfrim
Virando o pensamento já do avesso.

Se eu vejo alguma luz, nela eu mergulho,
Não quero em tua vida ser entulho,
Carrego esta bandeira branca em paz;

À parte te confesso este pecado,
Deveras não devia ter sonhado,
Melancolia em gotas, amor traz..

29

Embora na verdade seja míope
Eu tento ser poeta e me maltrata
O azar de ter nascido um astigmata;
Mas mesmo assim perturbo; em vão, Calíope;

Nem tiro de escopeta me sossega,
O peito sempre aberto às novidades
Encontrando reais dificuldades
A Musa com certeza andando cega,

Pereço em cada verso um pouco mais,
Buscando a perfeição que não virá,
A porta se entreabriu e desde lá
Aonde vou achar seguro cais?

A coisa anda tão feia, minha amiga
Olimpo; nestes tempos, desabriga...


22930

Perguntas sem respostas; tenho várias
E delas vou bebendo cada gota,
A roupa que eu vestira estando rota
As horas não serão mais temerárias.

Retiro dos senões, ensinamentos,
Extraio assim o néctar necessário
Não vou ficar guardado num armário,
Nem lamentar antigos sofrimentos...

A dúvida traduz um novo dia
Diverso do que aquele que passamos,
Cativos se lembrando dos seus amos
Escravidão jamais se comporia

Houvesse a poesia em cada frase
O mundo então teria amor por base...


31

Amar o mar, amar amor em si
Marés são variáveis, se repetem.
Dois seres num amor jamais competem
Senão desde o princípio me perdi.

O que buscara além não tendo aqui
Os versos ao passado me remetem,
Sem nada que talvez os sonhos vetem
Do verso se moldando, eu me esqueci.

Alhures vejo os olhos da pantera
Que embora sendo às vezes tão sincera
É fera e não consigo confiar.

As cartas sobre a mesa, o jogo feito,
Somente este vazio quando deito
O tempo se arrastando, devagar...

32

Mas como poderias meu poeta
Amar a flor nascida ao léu da estrada?
Por certo uma tristeza a sorte enceta
Colher a flor? Seguir, não dizer nada?

E gesso e frialdade da palavra
Pintar co’o colorido da ilusão
Silente elaborar com zelo a lavra
Que espelhe tão somente uma emoção.

Jardins de margaridas noutros cantos
Plantar, regar nas horas sorrateiras
Deixar de lado as verdes espinheiras

Do tudo recolher sutis encantos
Que ainda possam ter algum valor
Sabendo que fugaz se faz o amor.

33

O verbo amar se faz onipresente
Embora onisciente; finge bem,
Quem dera se ele fosse onipotente
Porém o desamor, amor contém.

Chegando de mansinho, alma pressente?
O bicho é sorrateiro e quando vem
Não há nada na vida que me atente
Como a saudade enorme deste alguém...

Já fui seu paciente, amor insano,
Paixão faz do banquete tempestade,
Orgástica loucura quando invade,

Jogando sobre a cena, escuro pano...
Não vejo e não pretendo adivinhar
Como se pode o verbo conjugar...

34

Sentindo a tua falta me interessa
Qualquer coisa que possa me lembrar
Sorrindo devagar sem qualquer pressa
Remoça o coração fazendo amar.

Sem troça, sem tropeço, não me estressa
Na mansidão de um raio de luar
Mas quando a nossa festa recomeça
Incêndio em que se dá vento solar...

Recordo cada tempo com seu tempo,
Não tive do teu lado contratempo
Tampouco um passatempo simplesmente...

Abrindo em meu caminho, imenso campo,
Estrela se tornando um pirilampo,
Mas não saiu sequer da minha mente...

35

Ousada esta presença, num delírio
Transborda sensual profano amor
Pegando de surpresa um sonhador
Que outrora só vivia em vão martírio...

Só trago a solidão do meu passado
Envolto por diversas ilusões,
Marcantes e comuns as decepções,
Um verso totalmente ultrapassado...

Amenos estes ventos? Temporais...
Partícipe da festa prometida
Melancolia foge e na partida
Explode a sensatez, derruba o cais...

Sem porto que me acolha, vou inteiro,
Ousando neste canto derradeiro...

36

Petrificado sonho, velhas traças
As roupas são as mesmas, sou assim,
Meus passos são de lesmas; quando passas
Acende mesmo a esmo um estopim.

Não ouso e não suporto presas, caças
A praga consumindo o meu jardim,
De todas as palavras; as carcaças
Ainda as que eu pretendo até o fim.

Nenúfares, altares, versos vagos,
Antares não passou de um Eldorado
Parágrafo primeiro: mansos lagos,

Depois os dias seguem tão iguais.
Poema também vai petrificado
Refletem estes parcos rituais...


37

Beleza que esta negritude expressa
Sensualidade sempre à flor da pele,
Teu corpo delicado me compele
Desejo que em loucuras se confessa.

Não tendo nesta vida qualquer pressa,
Também não quero o vento que congele,
Quem tem o seu amor; por ele zele
O troço com certeza é bom à beça...

Meu corpo te procura e quando acolhes
Festiva madrugada, um bom cansaço,
Decoro esta escultura traço a traço

Momentos preciosos? Sempre escolhes...
Assim a nossa vida segue em paz
No gozo e na esperança que ela traz...


38

De todos os contrastes; dor e gozo,
Na simultaneidade me enlouqueço,
E quanto mais audaz e prazeroso
Maior a chance, amigo, de um tropeço.

O tempo sendo caro e precioso
Virando a minha vida já do avesso,
Olhando para o espelho vejo idoso
O olhar; pois cada dia eu me envelheço

Na busca interminável por recantos
Aonde descansar uma alma agônica.
A vida repetindo a mesma tônica,

Atônito; eu não tenho mais encantos,
O canto que encontrei; o da sirena,
Ao mesmo tempo adoça e me envenena...


39

Flameja esta saudade insinuante
Monstruosidade enorme a consumir
Não deixando pensar no que há de vir
Penitenciando a cada instante...

Escapo vez em quando da armadilha
Que esta saudade armou; tosca tocaia,
Antes que na arapuca ainda caia
Procuro por teus rastros noutra trilha,

Encontrando este atalho chego a ti,
E salvadoramente surge enfim
Matando esta saudade; pondo fim
À louca fantasia que sorvi.

Agora o recomeço; noutro ciclo?
Escaldado; decerto, eu me reciclo...


22940

Crocita e se aproxima rapineiro,
Entrega-se ao banquete em podridão,
Da carne decomposta, a precisão
De um beijo tão mordaz e corriqueiro.

Outrora fora até alvissareiro,
A sorte não concebe direção
A lava que emergindo de um vulcão
Espalha-se tomando por inteiro

O resto de quem fora sonho em vida,
Agora esta carcaça apodrecida
Na fétida impressão de plena morte,

Arcar com meus medonhos prejuízos,
O vento vai mudando sem avisos,
Naufrágio se anuncia; perco o Norte...

41

Cevando a minha carne esta pantera
Esmera-se em total mordacidade
Levando o que restou da mocidade
Precoce apodrecer da primavera...

Salvar-me; necessito, mas quem dera,
No olhar da imensa fera a frialdade,
Paciência não traduz passividade,
Aguarda pelo bote em mansa espera...

Pudesse ter alguma chance ainda
Porém a realidade se deslinda
E a morte se anuncia sem saída...

Voltasse pelo menos no passado,
O medo não teria demonstrado,
A sorte em outro rumo decidida...


42


De vários elementos sendo feita
A criatura humana só desfaz
Aonde inda restara alguma paz
A morte sempre ataca, numa espreita...

Há quem em plena guerra se deleita
Para outros, na verdade tanto faz,
Assim a vida passa em vão; voraz
Espectro do Senhor; feliz, se deita...

Industrializando esta agonia,
A fome se espalhando a cada dia,
Heréticos aspectos realçados.

No olhar tanta frieza; a besta fera
Da Terra – sua mãe- mordaz quimera
E os sonhos de um Bom Pai são destroçados...


43

Trouxesse dentro da alma uma certeza
De ter em minhas mãos, Inferno e Céu
Psique metamorfótica tira o véu
E teima sem saber da correnteza.

Açoreada vida quer leveza
Porém invés de fátuo, o fogaréu
Estende-se infinito carrossel
Apócrifa ilusão de vã beleza...

Queria ter um rumo aonde, eclético
Não fosse meu caminho tão hermético
Hedônico fantasma se anuncia.

Edênica paisagem; não a vejo
Miragem ou espectro de um desejo
Eternidade é simples fantasia?

44

Dualidade expressa em vida e morte
Mitoses modificam meu destino,
Não quero metastática a má sorte
Caleidoscópios; sorvo e me alucino.

Sem astrolábio, aonde encontro o Norte
Escravo de um completo desatino,
Preâmbulo de um tempo que se aborte
Quimera entorpecida em gozo fino...

Imagem espectral áurea e sidérea
Exóticos labores; prenuncia;
Espalha-se deveras a miséria

Efêmeros prazeres não saciam,
Enquanto o Apocalipse se anuncia
Os vermes esfaimados me cobriam...


45

A cólera se estampa nesta face
Que expressa a santa fúria; descerrando
A máscara de um povo desde quando
Instala-se decerto um vão impasse.

O corpo se estendendo num enlace
Moldado pela angústia e me queimando,
Dizia desta gente em fogo brando
A morte, sempre à bala ou faca; esgarce.

Nefasta realidade que apavora,
Há tempos na verdade nos decora
E expõe nossa nudez num linchamento.

Se é pútrido o caminho que traçamos
Fingimos muito bem não termos amos
Satânica presença diz alento...(desalento)

46

Bravias ondas, pélagos profanos
Netúnica miragem, concha, areia
Desnuda quase pálida sereia
Delírios muito além de sobrehumanos

Liberto prisioneiro após mil anos
Uma alma cataléptica incendeia
Miragem transformada na lampreia
Que invade pensamentos, desenganos...

Vagando por meandros mais diversos
Etérea salamandra; eu me desnudo,
Num excludente mundo, falhos versos

Expressam num espéculo quem sou,
De um calabar, tentáculo transmudo
Plutônico caminho me restou...


47

Não era idiossincrático desejo,
Tampouco multiforme esta vontade
A vida, um coliforme que ora vejo
Caminha para o fim, humanidade.

Disforme criatura num lampejo
Na plurifacetária realidade
A sorte sonegada ao realejo
Agora, no final, praticidade.

Numa hecatombe quase que diária
Vagando sem destino; verme e pária
Encontra na sarjeta o seu reflexo,

Somenos importância nós teremos
Amenos prejuízos? Sem os remos
Viagem transcorrendo sem ter nexo...


48


Irreconciliáveis os caminhos
Que mostram quão profunda a divergência
Não quero em minha vida esta ingerência
Os dias são melhores se sozinhos.

Percursos repetidos e vizinhos;
Um velho pacifista diz prudência
Aonde não havendo coincidência
Melhor é separarmos cama e ninhos.

Falência anunciada desde quando
Realidade foi se aproximando,
Na idade em que hoje estou, presbiopia

Imagens são deveras deturpáveis
Mas há coisas que são quase inefáveis
Que só maturidade propicia...


49

Embora se mostrassem antagônicos,
E mesmo que inda sejam tão sombrios
Os dias derramando seus estios
Deveras são prenúncios quase harmônicos

Delírios de um desejo em vão, hormônicos
Ao velho coração são desafios,
Enovelada sorte perde os fios
Momentos do presente: supersônicos...

Perfaço numa gôndola o caminho
Embora muitas vezes seja empírico,
No fundo este romântico, sozinho

Num cântico procura a salvação
Que faço se em verdade inda sou lírico;
Aonde vou guardar meu coração?


22950

Na célula qual fora um prisioneiro
Masmorras que carrego dentro da alma,
Satânica loucura, velho trauma,
Quem dera se ainda fosse timoneiro.

O amor jamais seria um mensageiro,
Exótica figura não acalma,
E tudo o que procuro é mera calma
Por isso não mergulho tanto, inteiro.

Cadáver de um passado tão distante
Aonde ser feliz era constante
Apaziguado apenas quando deito;

Expurgo meu passado em fantasias
Nostálgicas lembranças, belos dias,
Então, adormecido, eu me deleito...



51

Mistério que eterniza a dualidade
Etérea fantasia, ou mero sonho,
A vida sendo um bem caro e medonho
Jamais se mostrará na realidade;

Acentuando assim conforme a idade
O medo de morrer antes bisonho,
Transforma este cenário que componho,
A dúvida persiste. Eternidade?

Mera filosofia não explica;
Pior que em muitos casos só complica;
Hipnóticos bebendo em noites claras.

Farsa religiosa? Ledo engano?
Há um Ser Criador e soberano,
Diverso ou semelhante ao que declaras?


52


Nas expressões diversas, mundos vários
Meus versos nunca foram otimistas.
Das sortes e desejos são cambistas,
Guardando as ilusões em vãos armários...

Volátil sensação; toscos fadários
Conforme a realidade, agora listas;
Mentiras ou verdades são passistas
Os gozos são apenas estuários...

Embrenho-me na senda mais escura
Quiçá buscando a sorte que não veio,
E quando mais distante; mais anseio

Querendo a qualquer preço a minha cura,
Uma alma há tanto tempo anquilosada
Não vê mais simplesmente quase nada...


53

Vencido tão somente e nada mais;
Recolhe-me e deveras não me espanto,
Depois de ter lutado, o desencanto
Encontra no meu peito um claro cais...

Alheio ao que deveras diz jamais,
Houvera nesta Terra em qualquer canto
Um ser que se mostrasse quase santo
Bebendo desta fonte; bons termais...

Mas logo se afastando deste sonho
Outrora; transparente, hoje medonho,
Caminho deste ser já se perdeu.

Agora só restando treva e medo,
Quisera descobrir da paz, segredo,
Porém o que fazer se o ser sou eu...


54


Numa ânsia que devora e não sossega
A paz não me pertence, sigo ausente
E quando finalmente se pressente
Vergasta; a realidade, não se nega.

Ao fato de existir alma se apega,
Mergulha num vazio imprevidente
Arcaica fantasia; penitente
Por mar tempestuoso em vão navega...

Escória de mim mesmo eu me retrato
Prossigo qual escracho vagabundo,
Um pária sem descanso vaga o mundo

Cuspindo sobre o velho e tosco prato.
Não posso transportar-me; nego a morte.
Aprofundando mais e mais o corte...



55

Renúncias porventura que eu fizesse
Jamais trariam paz; por isso sigo
Lutando tanta vez até comigo
Emaranhado estranho então se tece.

Como se outro eu também houvesse
Negando e transformando um mero abrigo
Vencer este mutável inimigo
Que a cada novo dia me entorpece.

Idólatra quimera qual medusa
Que enquanto sendo fera sempre me usa
Mudando a cada instante o que foi ego,

Num auto-consumir que não tem fim,
Matando o que inda resta então de mim,
Às últimas carcaças, eu me apego...

56

A fome do saber de nada vale
Apenso que o futuro está desfeito
Desfigurada imagem num efeito
Que enfim esta verdade então se cale.

Não vejo qualquer coisa que me abale
Tampouco ser feliz, mero direito,
Enquanto um povo incréu e insatisfeito
Jamais irá ouvir quem quer que fale.

Mosaicos demonstrando universais
Equânimes as tribos proliferam
Enquanto seres toscos e boçais

Sem rumo pela mídia vociferam,
Abismos se cavando em vagos fornos,
Frenéticos momentos, dias mornos...

57

Concomitantes lutos em países
Diversos, multidões sem teto e pão
Repetem os sinais de velhas crises,
Caminham sem limite ou direção.

Enquanto esta verdade; contradizes,
Negando claramente esta visão
Paisagem tão opaca; escuridão.
Negando qualquer cor e seus matizes.

Audácia de um poeta? Não, amigo.
A crua realidade sempre dói,
Humanidade então se autodestrói

Nem cão condena um cão ao desabrigo,
As farpas e estilhaços se espalhando,
O mundo ao próprio mundo desabando...

58

Herdeiro deste reino divinal?
Não passa na verdade de vanglória
A história renegando a velha história,
Ao homem não cabendo o triunfal

Quem tem na própria morte um ritual,
Merece algum momento em rara glória?
Dos seres; o pior. Estranha escória
Se auto-promovendo; sem igual.

Fazendo do Planeta um Paraíso?
Se Deus soubesse quanto prejuízo...
Jamais teria feito esta bobagem

Criar um verme infame; dar-lhe um nome,
Depois ver que se este verme se consome
Além de destruir toda a engrenagem...


59

Minha alma embrutecida pela vida,
Escárnio de quem sonha e nada vê,
O pasto sonegando até comida
E o mundo sem destino e sem por que,

A raça se demonstra então perdida,
E ainda diz que em Deus Perfeito crê?
Na pérfida figura dolorida
Procuro uma beleza; mas cadê?

O fato é que deveras presunçoso
Esgoto do que fora santidade,
A podre e tão venal humanidade,

Só pensa no prazer, no próprio gozo,
Cadáveres espalha pelas ruas
Dinheiro compra deusas seminuas...


22960

Meus ossos são os restos garantidos
Daquilo que se fez vida pensante,
Destroços carcomidos num instante
Os cernes entre vermes repartidos...

Destinos tão iguais sendo cumpridos,
Do que julgara ser tão delirante,
Apenas no planeta, um viajante
Causando aos seus irmãos dias sofridos.

Merencória ilusão não mais importa
Etérea imprecisão traduz a porta
Por onde passaremos ou talvez.

Legado que deixado como herança
Restando tão somente na lembrança
Pedaços de uma rara estupidez...


61

Escondo de mim mesmo em treva e breus
Ausente do que um dia imaginara,
Servindo como escravo a qualquer deus
O pé que me sustenta desampara...

Fragilizado ser, prepara o adeus
E pensa numa vida bem mais clara
Porém dias não voltam, são ateus
E a súcia mais descrente se declara...

Alvissareira noite em rara luz
Expondo a prostituta; onde Jesus
Mirara para ser maior exemplo,

Vagando pelas ruas, mendigando
Desnuda criatura se acabando
Expulsa como foi de qualquer templo...


62

Perdoe se meu verso foi vazio,
Durante a minha vida quis fugir
Da realidade nua que há por vir
Negando desde já qualquer estio,

Às vezes entranhando um falso cio,
Demonstrando intenção de só mentir,
Verdade é bem mais fácil de omitir
Dizê-la claramente: um desafio.

Escória das escórias; sigo à toa,
Naufrágio desdizendo esta canoa
Que outrora quis iate; falsa luz.

Recôndito lugar no qual eu moro
Nos ermos da ilusão se me demoro
Talvez seja a verdade em contraluz...

63

Se desgraçadamente a mente nega
E mente simplesmente por mentir
O verso que não faço se sonega,
Barganhando a verdade; poder ir

Deveras deveria ser a entrega
Duma alma que buscara o seu porvir
Porém ao caminhar escura e cega
De dentro das cavernas quis sair...

Correntes inda atando pés e mãos,
Escusas que não peço; toscos grãos
Brotando nos jardins, onde quis Éden

E quanto ao espetáculo de fogos,
A psique se omitindo nega a Logus
E as forças desiguais não se comedem...



64

Astuciosamente não sabia
Que a verve se escondia atrás do muro,
E o verso que proclamo sendo escuro
Não bebe nem sustenta a fantasia.

Cisterna que em mim mesmo se auto-cria
Falácia é transformada num perjuro,
Se eu tramo algum espectro de futuro
Eu agradeço ainda à poesia.

Nocauteado pela própria insânia
A vida de problemas, coletânia
Incrível miscelânia, riso e dor...

Esguias; as palavras me fugindo,
Do nada quase nada se extraindo
O corpo sendo enfim, meu tradutor...


65

Decrépita figura em asco feita
Perambulando tosca por calçadas
Parece num sorriso; satisfeita
Enquanto fantasias são alçadas,

Esgueira por sobrados entre escadas
E quando no meu quarto ela se deita
Em horas imprecisas e avançadas
Gargalha e com sarcasmo se deleita.

Ao vê-la num espelho é que consigo
Da mesma uma perfeita tradução,
O corpo em tal estado; podridão

Reflete o que em verdade nunca digo,
Andando pela vida sempre a esmo
Percebo nos seus traços a mim mesmo...

66

Buscando em arvoredos e alamedas
As hóstias consagradas por um Deus,
E vejo tão somente o mesmo adeus
Aonde houvera vida, vãs veredas...

Entre lençóis e fronhas, raras sedas
Andantes cavaleiros são ateus,
Ainda se acreditam como Zeus
Exigem que atenção; sempre concedas...

Culpados pelos vários Haitis
Traduzem tais imagens, podres, vis
Demônio é na verdade quem os cria,

Incrível que pareça são iguais,
Nas roupas e nos gestos, rituais
Prementes desta tosca burguesia...


67

Na cavernosa voz de um ser maldito
Hospitaleiros braços já se abrindo,
Aonde se pensara em podre rito,
Amanhecer se torna bem mais lindo

E prendo na garganta, um brado, um grito,
Estrelas no caminho me seguindo,
Dizendo do menino tão bonito
Que há tanto se doando, ora deslindo.

E toscas criaturas o perseguem,
Aqueles que o geraram, o soneguem,
E o jovem com suprema placidez

Olhando para a turba furiosa,
Que empesteando tudo, ri e goza
Cordeiro então se deu em altivez.


68

Aonde houvera ainda este apogeu
Apenas os destroços, nada mais.
E o Verbo se cansando, pois demais,
Expressa este futuro em que se deu

Borrasca após borrasca, pleno breu;
Ao dizimar os homens e animais,
Justiça será feita quão jamais
O mundo desde sempre, conheceu.

O esgoto se entreabrindo mostra os ratos
Com eles o banquete em finos tratos,
Ultrajes entre trajes e tramóias,

Incríveis centopéias quais jibóias
Passeiam entre os ossos e isto prova,
Que a vida sobre a Terra se renova...


69

Os medos se transformam quase em pânicos
E os olhos do Senhor ao observar
Espasmos entre espasmos vãos, tetânicos
Espalha sobre a Terra este luar.
Asiáticos, latinos e germânicos
Num uníssono e triste gargalhar

Anêmicos famélicos passeiam
Ossadas pelas ruas e avenidas,
Os corpos insepultos incendeiam,
Valeu de muito pouco tantas vidas,
Enquanto os homens tolos sempre anseiam
Bacantes maravilhas revividas...

Num ciclo interminável luz e treva,
E no momento atroz, na Terra neva.

22970


Na sôfrega ilusão que nos tomara,
Apenas pedregulhos e cascalhos,
Aonde percebera tais orvalhos
A grama simplesmente não brotara.

Por mais que água jorrasse limpa e clara
A sorte em descaminhos, vãos e atalhos
Outrora na firmeza dos carvalhos
Agora, simplesmente nada aflora.

O solo em aridez completa e nua,
Desértico cenário continua
Expondo a realidade mais cruel,

Pois homem, lobo do homem destroçando
O que de gerações veio sobrando,
Depois mero castigo de algum Céu...

71


Um vácuo simplesmente é o que ora sinto,
E deixo que este barco busque a foz
Enfrento correnteza mais atroz
Embora não aperte mais o cinto,

No céu que em grises cores hoje pinto
O gosto tão amargo, diz dos nós
Atados de maneira mais feroz
Vulcão que eu já pensara estar extinto

Num átimo transforma-se em demônio
Gerando sobre todos, pandemônio
A terra num momento de loucura

Devasta com o fogo feito em lava,
O solo fertiliza, e então se lavra
Usando como esterco a criatura...

72

Não quero ter com Deus dívidas tantas,
Porém Igrejas traem tais dispêndios
Riquezas em formato de compêndios
Vendidos como areias, águas santas.

No fel com que me cospes desencantas
Causando em minha fé vários incêndios
Pois pegue de Jesus, destroços; vende-os
Apóstolo divino; assim levantas

Fortunas sem impostos, posto quê
Ovelha sem malícia em tudo crê
E dá o que de graça nunca veio.

Qual fora sanguessuga rapineira,
Uma ave tão voraz e tão rasteira
Vivendo do trabalho, mas alheio...


73

Saudade não passando deixa rastros
E escombros com os quais quero lidar,
A vida não se prende em velhos lastros,
Porém como é difícil carregar

Fantasmas do que foram toscos astros,
E agora não consigo vislumbrar,
O céu em brancas nuvens, velas, mastros,
Mas como estando atado, navegar?

Excêntricas figuras se aproximam
Diversas da real que conheci,
Parece que o ideário; eu concebi

E àquelas criaturas geram climas
Aonde poderia me aquecer...
A realidade é fácil de esquecer...


74

Somente por te amar sigo faminto
Andantes fantasias não se afastam,
Imagens que vivemos se desgastam,
Porém como real inda te sinto,

O sentimento altivo, outrora extinto
Ressurge e meus caminhos se desbastam,
Amores por si mesmos não se bastam;
Mas como se teu cheiro; aqui eu sinto.

Saliva como seiva sustentara
Fertilizando uma alma sonhadora,
Presença mesmo fátua bela e rara

Aonde permaneço após procelas,
Tu foste como a santa redentora,
Na eternidade atroz que me revelas...

75

Tamanha ansiedade se acercando
O medo; eu não disfarço, pois real
Um sonho que já fora capital
Agora se tornando bem mais brando,

Mas quando a realidade desvendando
Percebo a ladainha ritual
Estradas que eu abrira neste astral,
O tempo em amargor segue nublando...

E acaso não seria mesmo assim?
O início prenuncia logo o fim
E a gente em carrosséis, girando o mundo,

Na pétrea sensação de frialdade
O velho reencontrando a mocidade,
De sonhos pueris eu já me inundo...


76

Meu carma em vibrações mais dissonantes
Espásticas mentiras se expressando
No verbo que esqueci momentos antes,
E agora no presente conjugando.

Futuro se desvia em delirantes
Caminhos descobertos desde quando
Ainda procura diamantes
Na senda mais esdrúxula; a cercando...

Acerca desta cerca que impuseste
Deveras fronteiriços, mas limites
Aonde o solo fora mais agreste

Cenário de batalhas e de guerras,
Não quero que meu rumo; delimites,
Assim a velha sina; cedo encerras..

77

Funéreo golpe em mim tu aplicaste
Ao se negar seguir na mesma estrada
Muito embora espinhosa num contraste
Após a tempestade traz florada.

Fugiste como quem deixando um traste
À beira de um esgoto na calçada
Contigo, esteja certa tu levaste
A parte que restara abençoada.

A carta, na verdade compartilha
Desejos que mostraras no passado,
Fazendo deste caso uma armadilha,

Porém se satisfazes, sou culpado...
Embora nada leve na partilha
O fato em fogo fátuo consumado...


78

Ris da desgraça que deveras te consome
Arisca criatura se esvaindo
No esgoto aonde outrora vi surgindo
Numa expressão terrível quase fome,

Agora esta canalha chega e come
O que guardei em sonhos, gozo infindo,
Castelo de um romântico, caindo
Corcel sem ter ninguém que mais o dome

Galopa entre as estrelas, ganha espaços
As rédeas na verdade simples laços
Não podem; nem conseguem segurar

Unicórnio liberto; ganha os ares,
Arroubos, destruindo meus altares
Aonde os meus enganos; confessar...

79

Um pária pelas ruas da cidade,
Eterno vagabundo bebo à vida
Que embora tantas vezes tão sofrida
Ainda encontra forças na saudade.

Dizendo que vivi, na realidade,
A estrada tanto faz, está perdida,
Lutando por um resto de comida
Num prato que remete à sociedade

Aonde enfileiravas vãos delírios,
Agora o que me restam são martírios
E os lírios, plantação, bela cultura.

Pois eles, derradeiros camaradas,
Trarão em raro alvor; já decoradas
Veredas num caminho à sepultura...


22980

Meu Pai e Meu Senhor; tem piedade
Dos tantos que por tantos não fizeram
Devoram com total tranqüilidade
Os corpos em que as fomes se impuseram;

Ó Deus dos infelizes, piedade
Daqueles que com força se impuseram
Roubando dos mais fracos; liberdade
E pouco ou menos nada de si deram.

Piedade eu Te peço Deus Amigo.
Dos cães que distribuem desabrigo
E comem as carcaças dos Teus filhos.

E se sobrar um pouco de perdão
Dos poetas e loucos; compaixão
Pois eles bebem luzes nos seus trilhos...

81

A minha vida em pútridas carcaças
Destroços do que um dia fora alguém
E agora só saudade inda contém
Entregue sem perdão às moscas, traças;

E quando pelas ruas sei que passas
Lembranças do que fomos logo vêm
Olhando para os lados, tu disfarças
Conforme; neste instante te convém.

Jogado em algum canto desta casa,
Qual fora kafkiana criatura
Nesta metamorfose, uma amargura

Apaga num segundo qualquer brasa,
Crocito sempre a mesma melodia
Num canto feito um rito de agonia...


82


Minha alma a se elevar busca ancoragem
Num porto mais seguro e nada encontra
Quem sempre em sua vida se fez contra
Perdendo pouco a pouco élan, coragem...

Seguir por outra senda; eu poderia
Não fossem os meus pés apodrecidos,
Os dias sempre iguais são percorridos
Distantes do que fora uma alegria.

Das festas prometidas, nada resta,
As férias que tentara, não consigo;
E mesmo enfraquecido, assim prossigo,
O sol penetra frágil, fina fresta...

A sorte desairosa me abandona,
E toda a podridão, voltando à tona...


83

De tantas ilusões, as imundícias
Tomando logo conta do cenário.
Aonde fora outrora um relicário,
Agora nem sequer vejo primícias

Esqueço teus carinhos e carícias,
Deveras dolorido o meu fadário,
Poeta caminhante temerário
Procura; em fantasia, mais notícias

De um tempo onde pudera acreditar
Que a tal felicidade ainda existe,
Porém o sonhador cismando insiste

Volvendo as esperanças ao luar,
Que há tanto entre as neblinas se escondeu
Deixando como herança a treva e o breu...


84

Alastram-se cadáveres na Terra
Amontoados corpos, cova rasa,
A fúria da Natura tudo arrasa
O sonho de uma espécie já se encerra.

Enquanto a realidade tudo enterra
Refaz-se uma esperança, tola brasa
Esta hecatombe, amigo, não se atrasa
Enquanto o olhar do mundo, já se cerra.

Apocalipse? Terríveis tempestades;
Incríveis furacões e terremotos,
Estes fatos outrora tão remotos,

Destroçam vilas, ruas e cidades,
E enquanto se gargalha a gralha vil,
Aproxima-se o fim; nada sutil...


85

Demônios furiosos entre as chamas
Do intenso fogaréu que se alastrando
Planeta se consume destroçando
Espalham-se cadáveres e dramas.

Por Deus neste momento tanto clamas
O olhar que outrora fora manso e brando
Porém a complacência se acabando
É hora de mudar antigas tramas.

Avisos foram dados, nunca ouvidos,
Morreram nas memórias, nos olvidos
E agora se mostrando realidade

A lâmina decepa em mil rasantes
A vida se acabando e por instantes
Na lágrima Divina, a piedade...


86

As pérfidas serpentes vagam soltas
Adentrando as diversas emoções
Num mundo poluído por ladrões
As ondas se tornando então revoltas,

As feras espalhando este terror
As águas inundando ruas, vilas,
Aonde as vidas eram mais tranqüilas
O olhar paralisado em tal torpor

Horrores se explicando por desvios
Barragens e tempestas; seca e fogo,
E o homem provocando o fim do jogo
Promete pros seus filhos, os vazios...

Acaso não percebes tal loucura?
Manhã não haverá em Terra escura...

87

Sorriso que tu trazes me apascenta
Demonstra ser possível novo dia
Aonde se espalhando a poesia
A vida seja menos violenta.

Por mais que a vã loucura se apresenta
Resiste no meu peito a fantasia,
E o encanto em que demonstras harmonia
Presença de uma luz divina e benta.

Alegro-me ao te ver sempre sorrindo,
E sabes desta forma em paz agindo
Transforma o meu terrível pessimismo

Portanto, se por ti eu sonho e vivo,
O teu sorrir é sempre um lenitivo
Que aplaca do viver, seu cataclismo...

88

Tormenta após tormenta, a noite cai,
A cólera se espalha em cada olhar,
A morte anunciada; a Terra esvai
Num último momento a perguntar

Porque tal atitude deste Pai
Que ensina sempre a todos perdoar,
Porque motivos, se Ele já se trai
De nós pobres humanos, que falar?

Abutres banqueteiam-se; fuzis,
Canhões, metralhadoras, armas vis
Derrubam o que resta sobre o chão...

E Deus vai se afastando do cenário,
Sabendo que o furor é necessário
E tudo por Amor e compaixão...

89

As íntimas entranhas da Natura
Desnudas pelo olhar mais curioso
Do ser que se mostrando furioso,
Derrama sobre irmãos, farta loucura.

Ganância desarmando esta estrutura
Que um dia num momento feito em gozo,
Um Deus pleno poder, maravilhoso,
Deu-nos com Amor e com ternura.

Eviscerada, a Terra agonizante,
E a corja num instante delirante
Devora e pisoteia estas carcaças...

Bravia, com certeza a reação
A morte num segundo de explosão
Cadáveres; repastos para as traças...

22990

Palavras de amor trazem a lembrança
De alguém que há tanto tempo já não vejo,
Mantendo sempre vivo este desejo,
Esta presença antiga inda me alcança.

Relembro bailes, festas, nossa dança
E tudo não passando de um lampejo,
Pudesse transformar aquele ensejo
Na eterna sensação suave e mansa

Aonde por segundos fui feliz,
E cri que a vida sempre vale à pena,.
Fotografada na alma aquela cena

Que a vida a cada instante vão desdiz
No olhar tão melancólico que trago,
Nas palavras de amor, um doce afago...

91

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Kisses


Vivemos neste século de agora
A queda de um Império, nada mais.
Histórias corriqueiras e banais,
Num ciclo repetido tempo afora.

Romanos, babilônios... Sem demora
O barco naufragado além do cais
Sobreviventes entre os temporais
Em outra realidade, a vida aflora.

O que me assusta então; se isto é comum?
Momentos como os de hoje? Pois, nenhum;
As armas de outras eras bem mais frágeis,

Embora dizimassem as aldeias
Em tal emaranhado, tantas teias...
Não eram as de agora, bem mais ágeis...


92

Esquálido fantasma perambula
Nas madrugadas frias da cidade,
No olhar uma expressão de fome e gula
Nas mãos a faca diz tranqüilidade.

Enquanto na distância o mar ondula
Na embriaguez mantendo a sobriedade
Um cão sarnento e morto, ainda adula
A figura espectral que a noite invade.

Procuro suas sombras, nada vejo,
Diáfana presença neste ensejo
Um cheiro adocicado de carniça

Uma ossatura clara e definida
Demonstra que talvez inda haja vida
Na pálida expressão frágil, mortiça...


93

Pudesse transformar a minha vida
E ter de volta os sonhos que perdi,
A mocidade agora já vencida
Não tenho mais remédio; estou aqui

Olhando pára a sorte em despedida,
Ouvindo esta palavra que de ti
Surgiu como uma bênção tão querida;
Porém o que fazer se enfim morri?

Apenas sigo os ermos de minha alma,
Prenunciando a sorte que virá
A ventania assim me encontrará

Sem medos ou pudores, sem o trauma
De ter podido amar e não saber
Lidar com alegria e com prazer...


94

Uma epopéia em trágicos poemas
Anunciando a glória terminal,
O riso sem limites, sensual,
Satânica presença; novas gemas.

No céu invés de belos diademas
Um fogaréu dantesco e sem igual,
Imagem doma os olhos, infernal
Demônios aos milhões em piracemas

A porta se entreabrindo me permite
Mirando de soslaio ver o rosto
Do Pai que no Seu Filho foi transposto

Numa ânsia incontrolável, sem limite,
Olhando para baixo, transtornado,
Vislumbra ato final profetizado...


95

A turba insaciável; torva imagem,
Aterrador espectro, quieto e impávido,
Ao lado de um sorriso quase cálido
De um tolo serviçal desta estalagem.

Qual fora simplesmente uma miragem
Ou mesmo algum delírio, insano e ávido
O olhar a contragosto; o rosto pálido
Aguarda o final trágico. Bobagem?

Um bando de canalhas; corjas várias
E o louco, este bufão, em gargalhadas
As gralhas se aproximam temerárias

Não vejo no palhaço, reação
Assim percebo a tosca humanidade
Presa imbecilizada, atada à grade...

96

A vida num combate pavoroso
Sem ternas alegrias; falsos guizos,
Torpores entre drogas e sorrisos,
Apenas tão somente vale o gozo.

Aspecto em realidade tenebroso
Da vítima que escorre em pisos lisos
E entrega-se à pantera sem avisos
Um prato com certeza saboroso...

Assim entre demônios e prazeres
Estúpidos humanos que, hedônicos
Aquietam-se nos cantos quase atônitos

Riquezas, bebedeiras e quereres
Orgástica bacante iate e botes,
Serpente de tocaia, dentes, botes...

97

O nada que virá depois da festa
No devastado solo, podres restos,
Parecem tais delírios, mais funestos
Realidade ao sonho então se presta.

O fogo ao devorar cada floresta
A fome que traduz humanos gestos
Momentos tão comuns; mas indigestos
Que a vida por si própria, nos atesta

Encharcando de lodo estas mansões
Barracos entre valas, puro esgoto,
Desequilíbrio intenso, o pano roto

A fúria da Natura em turbilhões
E a festa continua vã e orgástica
Força demoníaca é sarcástica...


98

Religião usada; mercadores
Vendendo este cadáver insepulto,
A cada nova missa, reza ou culto
Espectros do demônio, adoradores.

São padres; são rabinos e pastores
Esperam no final algum indulto,
E Jeová sentindo tal insulto
Pior que a própria cruz, terríveis dores...

Aonde Ele pensara flores belas
Apenas podridão em toscas celas
Igrejas e balcões, farto negócio.

Satanás de soslaio, olha de banda
Observando o cenário da varanda
Buscando os vendilhões, propõe ser sócio...


99

Crepúsculo da vida sobre a Terra,
Aos poucos nada irá sobreviver;
O pano toma a tela e se descerra
Aplausos da platéia, eu irei ver.
E assim que este espetáculo se encerra
A festa recomeça pra valer

Bailando nos bordéis, motéis e bares
Estrelas de neon, ruas repletas
Orgásticas loucuras nos altares
Erguidos sobre as carnes prediletas
As tribos vão tomando os seus lugares
Realidade? Um toque e já deletas.

E bêbadas crianças miseráveis
Vomitam seus humores, lastimáveis...


23000

Termino agora um ciclo onde sonetos
Tentei com decassílabos fazer
Deveras já me deu muito prazer
Poder andar liberto nestes guetos

Aonde a poesia classicista
Ainda encontra um pouco de esperança;
Em jovens sonetistas, a mudança
Um velho trovador, decerto avista.

Amigos me perdoem, mas cansado
Da luta preferindo me afastar
Buscando em outra senda meu lugar;
Porém não ficarei sempre de lado.

Três milhões de acessos no recanto,
Troféu que extasiado mostro e canto...

01

Olhando para o umbigo nem percebe
O quanto se faz mal e imprevidente
Andando por distante e torpe sebe
O vento se mostrando mais freqüente

Não posso discutir se alma concebe
Nem mesmo sonegar o que se sente
Tampouco este veneno que se bebe
Por mais que sanidade então se tente.

Não vejo outra saída senão esta,
E tudo o que inda tenho, o que me resta
Decerto não valendo quase nada

Sequer uma alegria; ainda guardo,
Dos tempos de bufão, aonde bardo
Pensara uma alma amarga e abandonada...


02

Outrora um sonhador, hoje nem tanto
Ainda busco a forma mais completa
De ter esta ilusão, difícil meta
Aonde possa crer que exista encanto.

O verso que te fiz, nem mesmo espanto,
A morte traduzira; alma hoje veta
E tendo esta esperança mais dileta
Usando a fantasia como manto

Percebe que não pode mais haver
O tempo onde se tinha algum prazer,
O fim se aproximando e nada levo

Senão este sorriso, meio falso,
Masmorra da minha alma, cadafalso
Por onde qualquer sonho, nem atrevo...


03


À sombra do que um dia fora um rito
Espero no final qualquer aplauso,
Mas quando na verdade, quero e pauso
O tempo não se torna mais bonito.

Infaustos desta vida de poeta
Que busca a melhor senda e nada tendo,
Não vê que o seu cantar, simples adendo,
Não serve como sonho e sequer meta.

Andara sem destino a vida inteira
Até que percebeu cruel verdade,
Enquanto houver na vida, amarra e grade,
Paixão jamais será tal companheira

Que possa permitir um sonho bom,
A vida por si própria muda o tom..

04

Nos átomos, matérias fonte e luz
Poderes que não posso discutir,
E tendo em minhas mãos, o meu porvir
Meu passo aos teus caminhos me conduz.

E posso te dizer, caro Jesus,
Que tudo o desejo é não pedir,
Tu deste muito além. Se eu prosseguir
Carrego, mansamente a minha cruz.

Pois sei que este milagre, a nossa vida,
Já deu o testemunho que eu buscara,
E a tua mansidão, firme e querida

Permite que eu consiga ter a paz
Que embora, muitas vezes seja rara,
Somente no perdão se faz capaz...


05


Pudesse ter do amor outra visão
Na qual se discernisse gozo e glória
Quem sabe no final de nossa história
Ao menos restaria esta união

Nas bases mais gentis da mansidão
Sem ter em nossas mãos, tanta vanglória
A paz universal, bela vitória
Sorriso de prazer e compaixão.

Assim quem sabe a gente poderia
Viver um tempo pleno em alegria
Chegando bem mais perto deste Deus

Que tanto nos amando permitiu
A vida, mesmo à raça amarga e vil,
Trazendo plena sorte invés de adeus...


06

Não posso mais negar quanta saudade
Ainda mora dentro do meu peito,
Refeito deste tempo em ansiedade,
Não devo mais dizer que satisfeito,

Mas mesmo quando o vento frio invade
Deixando a solidão vir ao meu leito,
No fim do túnel vejo a claridade,
E então bem mais sereno é que me deito.

Na vida tantas coisas nos ensinam
Apenas é preciso se entender
Que ouvir é mais difícil que falar,

Amando então com fé, os que te estimam
E além, amar quem possa te ofender
Amar e sobretudo, sempre amar...

07

Na rútila manhã, sonhos perdidos
Quem sabe poderia ser feliz
Se ainda ela quisesse o que amor diz
Momentos relegados aos olvidos.

Outrora entre caminhos bipartidos
O céu permanecendo escuro, gris,
A lua se escondendo, falsa atriz
Deixando os passos meus, vagos, perdidos...

A porta se fechando, uma esperança
Ao longe aonde olhar já não alcança
E o medo se espalhando; uma atroz neve.

Sonhar com outros dias, quem me dera,
Já vai distante a terna primavera
Espero ela voltar, mas não se atreve...

08

Esta emoção que um dia se fez vã
Trazendo uma lembrança que não devo,
Olhar para mim mesmo, eu não atrevo
Minha alma perambula, atroz, pagã.

A cada encruzilhada, cada trevo,
Procuro alguma luz, nova manhã,
Cansado desta luta, deste afã,
Sabendo não serei jamais longevo.

O tempo se escoando e nada faço,
Seguindo a minha trilha, passo a passo,
Apenas o final já se pressente.

Volver a ter nos olhos tanto brilho,
Porém o que se fazer se um andarilho
Dos sonhos e prazeres sempre ausente...


09

A sorte se fazendo prostituta
Mudando temporal, anseio a brisa,
Mas quando a realidade vem e avisa
Uma alma sem saber, inda reluta,

Pudesse ter nas mãos, a força astuta
Que enquanto se transforma, mimetiza;
Na forma mais cruel e mais concisa,
Ainda vejo a guerra, imensa luta

Pudesse pelo menos disfarçar
Usando cada verso como escudo,
Galope divinal à beira mar,

Mas quando ouvi tal voz, já não me iludo,
Aonde imaginar descansar,
Somente este vazio amargo e mudo..

23010

Soberba maravilha, os olhos buscam
Em meio às trevas frias, noite escura,
Cansado com certeza da procura,
Apenas vagalumes, inda ofuscam,

Os sonhos mais audazes se rebuscam,
E aumentam sem sentir venal tortura
Deixando como um rastro de amargura
Aonde solidões luscam-ofuscam

Perdido entre a neblina, névoa espessa,
A sorte de sentir que inda obedeça
Um tolo coração sem ter cuidados...

Andara pela vida em mágoas tantas
E agora que percebo desencantas,
Descubro este caminho, vão e errado..


11

Quisera ser feliz e não podia,
A sorte a cada curva mais fechada
Dizendo do futuro em quase nada,
Eterna madrugada sem magia,

E enquanto inda tivesse a poesia
Cuidando com denodo desta estrada,
A glória tanta vez anunciada
Pudesse revelar um novo dia

Aonde ainda creio ser possível
Um tempo em que este amor seja plausível
Distante desta fria realidade.

Agora as mãos cansadas desta luta,
A boca dilacera crua e bruta
Chegando agora esta hora, a da verdade...



12

A vida se resume em medo e sorte,
Preparo uma saída que não veio,
Ainda guardo em mim tanto receio
De um tempo sem destino, apago o Norte,

E quando ainda havia algum suporte,
A morte sempre arranja um novo meio
Secando aonde um dia quis centeio
Negando na colheita algum transporte

Perambulando só sem ter guarida,
A sina, ser poeta decidida
Nos ermos mais recônditos de uma alma

Que teima em procurar qualquer apoio,
Nascente em aridez sonega o arroio
Nem mesmo uma esperança inda me acalma...


13


Jamais me afastarei da poesia
Deveras minha amada companheira
Por mais que a vida corte, uma roseira
Perfumes entre espinhos, ela cria

E quando mergulhado em agonia
A luz que é dos meus versos mensageira
Permite que se tenha em fantasia
Uma alma benfazeja e mais ligeira

Pudesse eternizar em cada verso
Um mundo mais pacífico e gentil
Se eu vá por outro rumo mais diverso

Jamais irei disperso, pois eu creio
Que embora muitas vezes tolo e vil
Caminho entre os poemas sem receio...


14

Jamais hei de tentar outro caminho
Que possa desaguar em mansa foz
Por mais que a ventania seja atroz
E nela que deveras eu me aninho

Depois de caminhar sempre sozinho
Meu passo não se fez jamais veloz
Ouvindo mais distante a tua voz
Bebendo o mais barato e azedo vinho

Não pude nem tentar a solução
Distante prosseguindo a embarcação
Um velho timoneiro espera o fim,

Sem cais aonde aporte uma esperança,
No plácido delírio, sempre alcança
O pouco que inda resta dentro em mim...


15


Agora sigo a voz que me comanda
Tramando um novo céu aonde estrelas
Diversas; poderei enfim contê-las
E a sorte não se mostre assim de banda

Se às vezes o meu mundo já desanda
E as são difíceis de vencê-las
Não tendo nem talvez como vivê-las
A morte se aproxima e flores manda

Corbelhas multicores, velhos ritos
E os dias que pensara mais bonitos
Apenas negritude em noite vã.

Uma alma que sonhara liberdade
Sem ter a fantasia que inda agrade
Entrega-se e deveras vai pagã...


16


Ainda que não creia ser plausível
Um tempo mais feliz de ser viver
Quisera com certeza conhecer
Um dia mais tenaz e mais sensível

Aonde a solidão já se esquecesse
E o tempo se firmando, sem ocasos
Os dias sem limites, horas, prazos
E o homem finalmente percebesse

Que nada vale mais do que amizade
Selando nossas vidas com apreço
Distante do desprezo, o recomeço
Trazendo para todos liberdade

E o brilho de um olhar de uma criança
Espalhe-se na paz e na esperança...


17


O verso que busquei a vida inteira
Falando de esperança e de alegria
Ausente de meus olhos se esvaia
Deixando a dor terrível mensageira

Dos tempos que virão, cruéis loucuras
Irrompendo temíveis vendavais
A princípio motivos tão banais
Diversos das delícias que procuras

Sequiosa da luz que mesmo negas
Vagando sem destino, insanamente
E o vasto turbilhão que se pressente
Avinagrando todas as adegas

Num aviltar comum e corriqueiro
Olhar meio de banda, traiçoeiro...


18

Perdoe se pareço pessimista
Meu canto sendo assim, nada traria
Tampouco mergulhar na fantasia
Sem ter ninguém que veja e ainda assista

À minha derrocada, vão corsário
Que em meio às tempestades se perdeu
O quanto desejei ter o apogeu
E o mundo se mostrando temerário

Calçando a dor terrível que inda resta
No olhar deste fantasma inútil fardo
Bebendo desta lira, frágil bardo
Na noite derradeira e tão funesta

Assim um vaso tosco e já partido
Em mil pedaços morto e destruído...


19


Não quero nada além do que não tenho
Açores e sargaços, algas, mares
Vagando por distantes; mentes, bares
Defronte aos vendavais já me contenho

E vejo quanto dói a solidão
Quimera que cultivo a cada dia
Esterco para a minha poesia
A lágrima regando a plantação.

Ourives da palavra, lapidando
A fútil sensação que não me larga
Na mão, este teclado é minha adaga
Prossigo, sem descanso, me matando

Aplausos não terei nem mais os quero,
O mundo de um poeta é frio e fero...


23020


Terríveis vendavais, o que me sobra
O corpo abandonado em rua escura
Aonde quis sorrisos a amargura
Assim a minha vida se desdobra

Arcando com pecados, desenganos,
Fomento esta ilusão que me devora
O que mais desejei não sei agora
Se cabe no futuro, novos panos...

A vestimenta rota diz saudade
E o tapa se estalando no meu rosto
Assim quase desnudo sigo exposto
O amor nunca passou de fria grade

E bebo, da cicuta largos goles
Enquanto apiedada, tu me engoles...

21

Não posso te falar do que não sei
Nem mesmo imaginara alguma farsa
Não sou das ilusões tolo comparsa
Nem mesmo este caminho decorei

Apenas vou vivendo o que me cabe
Sem dar ou te pedir opinião
Menino que ao rodar o seu pião
De tudo o que imagina, tudo sabe

Nos sabres e nas lendas, Crusoé
Viagens por planetas e universos
Cresci e ao aprender fazer meus versos
Confesso fui perdendo, um pouco, a fé

Agora no vigor da última idade,
Retorno a ver do túnel, claridade...


22

Não cabe te dizer do quanto quis
Alguém que me quisera por momentos
Assim por serem vários sentimentos
Ainda cultivando cicatriz

Pereço em cada verso que te fiz
Embora estas palavras sabem ventos
Não quero simplesmente mais tormentos,
No fundo o que pretendo é ser feliz.

Roubasse alguma chance e de repente
Ainda que no fundo vá descrente
Urgente é ter sorriso mesmo em vão

Se acaso cada caso tem seu preço
Eu teimo e novamente recomeço
Buscando qualquer rumo ou direção...


23


Perdendo as estribeiras, não consigo
Falar da impunidade em que vivemos
Deixando para trás o que queremos
O mundo me condena ao desabrigo

Da perna apodrecida ao sonho imerso
Num último suspiro da esperança
O tempo desatento não avança
Calando para sempre qualquer verso

Que ainda creia ser algo concreto
O medo se espalhando em cada esquina
E sendo o que tortura e desatina
Procura alguma sorte enquanto veto

Um único momento bastaria,
Mas não suporto mais a fantasia...


24


Não vejo mais deleite em minha vida
Sabendo deste encanto por quem és
Sou urze que pisaste com teus pés
Se ao mesmo tempo feres és ferida

Minha tortura amarga e tão querida
Algema que liberta, diz galés
Ao mesmo tempo sorte que em revés
Comemorando a glória vã, perdida...

Tu és o meu princípio, mas sem fim
Aduba enquanto arrasa meu jardim,
Qual fora um espinheiro que redime

Trazendo em tuas mãos a ungida faca
Veleiro que em borrasca desatraca
Tramando a sensação de amor e crime...


25


A mão em palidez, gélida; estendo
Sonegas cumprimentos, mas não ris
Aonde fora outrora tão feliz
A dor serviu de herança e dividendo...

Aos poucos, outros rumos percorrendo,
Eternamente um tosco, um aprendiz
Que a cada nova frase se desdiz
E felizmente agora está morrendo.

Olhando brevemente de soslaio
Com altivez de quem vendo um lacaio
Percebe simplesmente que está vivo.

Mas nada mais importa, pois morreste
Momentos tão fantásticos como este
Denotam porque ainda sobrevivo...


26

O quanto deste sonho eu vira extinto
E nisto se levando pelo vento
Gerando novo ou tosco pensamento
Enquanto rege a vida algum instinto

Nas cores da ilusão, os sonhos pinto
Aonde poderia num momento
Beber a fantasia se o lamento
Escuto aqui rondando, já não minto

E o templo que te ergui, tu desbaste
Corrói minha esperança este desgaste
Do todo nada sobra somente a dor

Por ela cada verso que ora faço
Não vejo nem sequer único traço
Que mostre algum momento alentador...


27

Procuro algum remanso noite e dia
Vagando pelas ruas da cidade
O sonho que deveras buscaria
Não tenho mais sequer felicidade

E quando sinto próxima a alegria
O vento da tristeza chega e invade
Nesta avassaladora ventania
O gosto tão amargo da saudade

Dizendo que jamais serei feliz
A minha velha amiga, imensa dor
Num último suspiro a me propor

A vida por si própria me desdiz
Não pude perceber sequer um cais
A vida me responde : nunca mais...


28


Não vejo nem as sombras que trarão
O quanto se presume desta vida
Ousando imaginar a solidão
Na estrada feita em dor e despedida

Por onde caminhar se sempre em vão
Enquanto a fantasia já se acida
Espero por alguma solução
Porém a minha história está perdida...

Não vejo mais a foz do imenso rio
E ainda bem distante teimo e crio
O enorme pesadelo que desfruto

Após a velha curva do caminho
Restando escombro, pedras, cruz e espinho
O olhar atocaiado, sempre astuto...

29


( com estrambote)

Houvera algum momento em minha vida
Aonde encontraria a mansidão
A pérfida esperança em despedida
Avisa que somente havia um não

Documentando a vida em poesias
Somando o meu vazio com teu não
Encontro tão somente a solidão
Que a cada novo tempo, queres, crias

O mundo que deveras fantasias
Tramando no seu cerne a negação;
A dor não se desvia e faz serão
Matando em nascedouro as alegrias.

Vestindo as cores falsas da saudade
Bebendo da ilusão; goles profanos
Espalhas pela vida desenganos

Tramando no final; insanidade
Resumo a minha vida neste nada
Herdade que recebo, malfadada.


23030


Queria simplesmente te dizer
O quanto ainda gosto de sonhar
E quando no sertão se faz luar
A vida se encharcando de prazer

Não posso na verdade me esquecer
Do quanto desejei o teu amar
Varanda da ilusão a freqüentar
Estrela sertaneja pude ver

E os raios me tocando, mansamente
Enquanto a lua; imenso refletor
Dizia tão somente deste amor

Que tomando a razão, minha alma sente
Inebriado sonho em que talvez
Realidade um dia, já se fez...



31

Se nada tive em mãos seguindo a fantasia
Que embora delirante; há tempos reconheço
No olhar de quem desejo e sei que não mereço
Talvez encontrarei uma parca alegria

O verso alexandrino, em tons de poesia
Caminho mais atroz, embora sem tropeço
Virando a minha sorte em sonhos que do avesso

Permite que se veja a luz de novo tempo
Falando do passado, antigo contratempo
Vencido pelo medo, às vezes tão cruel

Do fardo que em si leva aquele que se atreve
Lutar contra a corrente em verso manso e breve
Porém no alexandrino, encontro um raro céu...


32


Mergulho em fantasia as águas mais profundas
Os sonhos que me dás o vento levará
E quando em falsa luz, deveras tu me inundas
A sorte desejada, há tempos vejo lá

Rondando a minha mente, imagens que, rotundas
Traduzem cada fonte aonde brilhará
O bem desta emoção no mar que ora aprofundas
Deveras turbulento, a fúria aplacará

Trazendo então a paz que tanto necessito
Um dia mais sereno, um tempo mais bonito
Havendo na harmonia, o fato generoso

Em que se poderia, um dia certamente
Jogando neste solo, o grão, bela semente
Que nos trará, quem sabe, enfim um raro gozo...


33


Faço versos como quem
Esperando a namorada
Que deveras nunca vem
E também não diz mais nada

Alma um tanto delicada
Com certeza tem meu bem
E, porém quando se enfada
De uma fada nada tem,

Nos seus olhos brilhos tantos
Ofuscando a luz do sol,
Ao sentir raros encantos

Dominando este arrebol,
Dos meus versos, meros cantos
Quem me dera, rouxinol...


34

Foi assim que comecei
Aprender fazer soneto
Redondilhas eu usei
Neste verso que cometo

Obedeço norma e lei
E não fujo deste gueto,
Esperança é minha grei
Paz e amor, o que prometo.

A verdade se comprova
Cada ser faz o que quer
A beleza da mulher

Incomum, não é qualquer
Coração está de prova
Ao cantar um sonetrova..


35

Versos faço e não me canso
Não pretendo inda parar
Coração seguindo manso
Bebe os raios do luar

Quando à noite os pés eu tranço
Na procura de um lugar
Que traduza algum remanso
Onde possa descansar

Nos teus braços sempre alcanço
O meu peito a delirar
Tanto sonho; eu me esperanço

Fonte rara a gotejar
Neste sonho então me lanço,
Aprendendo o que é amar...


36

Trago as mãos já calejadas
Desta terra que eu arei
Os poemas são enxadas
E com elas estudei

Foram tantas madrugadas
Tanto sonho que cevei
Minhas mãos estão cansadas
Farto amor eu cultivei

A colheita destruída
Neste solo, uma aridez
Traduzindo a minha vida

Que distante se desfez
Minha sorte foi cumprida
Com loucura, insensatez...


37

A saudade faz das suas
Maltratando quem deseja
As varandas pedem luas
Coração, amor almeja

Se distante tu flutuas
Noutras sendas vai andeja
As estrelas seguem nuas
A minha alma sertaneja

Que deveras sonhadora
Busca enfim algum espaço
Nesta noite redentora

Teu amor desejo e laço
Quem já fora sofredora
Agora adora teu abraço


38

Levo a vida deste jeito
Com carinho e com amor
Se não sou o amor-perfeito
Quero ser teu beija-flor

Ser feliz é um direito
Cada beijo mais ardor
Vou vivendo satisfeito
Um eterno sonhador

Versos; faço para alguém
Que se fez já tão distante
A saudade quando vem

Triste sonho delirante
Diz o nome do meu bem
Que eu desejo a cada instante...


39

Um poeta brasileiro
Que nasceu lá nas Gerais
Tendo um sonho corriqueiro
Ter teu mar e ser teu cais

O meu canto é verdadeiro
Não esqueço nunca mais
Este encanto derradeiro
Em palavras informais

Diz do canto que desejo
Qual canário em liberdade
Na esperança este lampejo

Traduziu felicidade
Tendo tudo que eu almejo
Tendo o sonho que me agrade


23040

O soneto sendo hermético
Traduziu rebuscamento
Não pretendo ser herético
Mas perdoe o pensamento

Se eu prefiro ser sintético
Nos encantos me alimento
Não que eu seja sempre cético
Acredito num momento

Em que toda nossa glória
Seja feita em poesia
Ao mudar rumo da história

A minha alma fantasia
Com perfeita e rara glória
Feita em paz e em harmonia...


41


Sinto falta da cidade
Quando vou para o sertão
Mas minha felicidade
Neste pobre barracão

Quando a claridade invade
Espalhando pelo chão
Esta estrela na verdade
Do meu sonho, um lampião.

Tanto tempo procurando
Por alguém que inda me queira
Vou bebendo o vento brando

Minha sorte e companheira
Quando em versos eu desando
Vou cantando a noite inteira


42

Trago os olhos no futuro,
Mas minha alma no passado
Quando o céu se faz escuro
Pelo sonho iluminado,

Meu amor, eu tanto juro
Minha vida sendo um brado
Quando à noite te procuro
Neste céu tão estrelado

Minha estrela que me guia
Por espaço sideral
Constelar, a fantasia

Navegando pelo astral
Esperança então se cria
Num amor fenomenal...




43

Não me canso de cantar
Emoções às quais me entrego
Trago a lua em cada olhar
E por isso mesmo, cego.

Nestas redes, ao luar
Junto a ti já não sossego,
Vontade de namorar
Eu desejo e não te nego.

Solidão amarga tanto
Não pretendo mais saber
Deste enorme desencanto

Parecido com sofrer
É por isso que eu te canto
Nosso amor, raro prazer...


44

Com franqueza não me calo
Se a verdade nos liberta
Minha vida num estalo
A porteira estando aberta

Tudo aquilo que te falo
Vai servir como um alerta
Jamais cantarei de galo,
Mas poesia já deserta

Quando vê tanta bobagem
Sendo feita no seu nome
E deveras de viagem

Em si própria se consome
Destruindo esta paisagem,
Poesia ao ver-te some...

45


São claríssimos enganos
E mentiras o que dizes
Não suporto soberanos
Guardo várias cicatrizes

Revogando velhos planos
Não seremos infelizes
Ao se levantar os panos,
Vejo em cena tais atrizes

Que em deslizes representam
A cultura brasileira
Do poema já se ausentam

Destroçando esta bandeira
Se a verdade não agüentam
Parem de fazer besteira...

46

Não me importa o fogaréu
Que se espalha na queimada
Quem procura pelo céu
Tem que olhar noite estrelada,

Pois tirando o velho véu
Se percebe, não vê nada
Caminhante sempre ao léu
Desconhece cada estrada.

E depois venha decerto
Reclamar quando te digo
O meu peito sempre aberto

Para os sonhos um abrigo,
Percorrendo este deserto,
Solitário enfim, prossigo...


47

Num recanto, letras vejo
Espalhadas sem sentido,
Muito aquém do que desejo
Povo às vezes convencido

De fazer qualquer arpejo
Maltratando o meu ouvido,
Vez em quando até prevejo
Cócegas nesta libido.

Mas são egos tão diversos
Em caminhos disfarçados,
Alguns bons, outros perversos,

Os meus cantos recatados
Ao sentir em letras versos
Sendo aqui tão maltratados...


48

Se eu sei fazer um soneto
Por favor não mais implique
Se me deixas eu prometo
Que não vai haver replique

Se hoje estou quieto no gueto
Não suporto o tal chilique
Nos teus mares não me meto
Posso até pensar que é tique

Tanta falha até parece
Que se faz proposital
Poesia já padece

Não serei profissional
Se a mentira vira prece
O poema é tão banal...

49


Se Camões tivesse vivo
Com certeza um piripaque
Um poeta tão altivo
Ao te ler teria ataque

Se em verdade sobrevivo
Vou fingindo que é de araque,
Mas dos sonhos não me privo,
Não suporto qualquer saque

Vivo apenas poesia
Porque gosto da fulana,
Toda noite a gente cria

De uma forma mais sacana
Alguns dizem que é orgia
Eu contesto: é soberana...


23050


A Celina é de Itabira
Eu nasci em Muriaé,
Mas tem gente que prefira
Andar sempre mesmo a pé

Não é coisa que interfira,
Mas em Deus tamanha fé
Quanto mais o mundo gira
Vai girando, gira até

No momento da verdade
Pouca gente sabe tanto
Como em plena mocidade,

Poetisa em raro encanto,
Espalhando a claridade
Co’a beleza do seu canto...


51

Bom mineiro diz que tem
A beleza em simples fatos
Como olhar quando convém
Com cuidado tais retratos

Coração batendo, um trem
Que precisa de bons tratos
E poeta sabe bem
Dos meus versos sempre gratos

A quem sabe que a loucura
Tem seu quê maravilhoso,
É doença? Não. É cura

Prometendo um fabuloso
Rebrilhar em noite escura
Num versejo mais gostoso...


52

Vou singrando a poesia
Como um velho timoneiro
Que traduz em teimosia
O prazer mais verdadeiro

De beber a fantasia
E da rosa ter o cheiro,
Novo mundo que se cria
Da esperança, um mensageiro.

Lavrando com muito afinco
Com certeza uma colheita
Se com palavras eu brinco

A minha alma se deleita
Sobre o teto, o mesmo zinco
Lua cheia então se deita...

53

Brincando de esconde-esconde
Ratoeiras eu armei
Se mineiro compra bonde
Neste caso eu me estrepei

Sem saber sequer nem onde
Quis castelo e ser teu rei
No arvoredo em cada fronde
Sem certezas, eu errei

Vasto mundo já dizia
Conterrâneo que se fez
Mestre sala em poesia

Da bandeira insensatez
Nesta noite amarga e fria
Vou buscando a lucidez...


54

Fantasia que se clone
Vira plágio minha amada?
Coração feito um ciclone
Quando passa sobra nada

Se me deres telefone
Ligarei de madrugada
Da esperança nunca prone
Nem supine esta alvorada

Pois diverso do que pensas
Genuflexo diz perdão
Não querendo recompensas

Nem tampouco confusão
Se meus versos sempre ofensas
No final a solidão...

55


Sabe amor
Não consigo
Ser amigo
Sonhador

Beijo a flor
Que persigo
Vou contigo
Onde for.

Sigo o sonho
Que me dás
E componho

Canto em paz
Céu risonho
Mundo audaz...

56

O Deus que persigo
Em luzes somente
Um Pai sendo amigo
Ternuras que sente

Vivendo comigo
Amor que é freqüente
Servindo de abrigo
Ao vão penitente

O Pai que desejo
Senhor feito irmão
É mais que um lampejo

Bem mais que paixão
E Nele só vejo
A paz e o perdão...



57

No tempo que resta
De vida pra mim,
A sorte se empresta
O sonho diz: fim,

Quisera floresta
Não tenho um jardim,
Amor disse festa
Balas de festim.

A vida se afasta
Não tenho mais cais,
O tempo diz: basta.

Até nunca mais.
O mundo desgasta
Meus versos banais...


58

Distante de ti
Saudade maltrata
O amor que perdi
Aos poucos me mata

Procurando aqui
A vida arrebata
O pouco que vi
Terrível chibata

Vergastas além
Do quanto buscara
Aonde meu bem

Cortando esta apara
Vazio contém
No peito esta escara...

59

um mineiro de Itabira
sem temor sem segredo
quanto mais o tempo gira
mais me enlaço em seu enredo,

mas tem gente que prefira
por preguiça ou mesmo medo
ao rubi, simples safira.
Bom poeta, eu lhe concedo

Um caminho glorioso
Porém falo desde cedo
Mesmo sendo tão famoso.

Para meu deleite e gozo
Um verso mais majestoso
Faz Celina Figueiredo...


23060

Sou quase
Caí
A base
Perdi

Apraze
Aqui
A fase
Em ti.

Sou nada
Apenas
Calada

Nas lavras,
Amenas
palavras


61

Eu
Sou
Teu
Gol

meu
Voo
Breu
‘stou

Nego
Medo
Cedo

Pego
Bonde
Onde?


62

Se hoje quero
Não me mate
Me tempero
Disparate

E venero
Arremate
Tanto espero
Nosso engate.

Não vieste
Nunca mais
Sou agreste

Busco cais
Noite veste
Castiçais..


63


A tua volta
Tão esperada
Foi desejada
E sem revolta

Minha alma solta
À bem amada
Doce lufada
Que a brisa escolta

Poder sentir
Cada porvir
Ao lado de

Quem tanto quis
Somente diz
Felicidade...


64


Guardando uma esperança lá no fundo
Aquilo que nos resta, antes do fim,
Da força desta imagem eu me inundo
E bebo a fantasia, sou assim.

Se em meio às tempestades me aprofundo,
A vida se tornando então ruim,
O velho coração de um vagabundo
Procura algum apoio e vejo enfim

Depois de ter perdido tudo, tudo,
Nas sendas mais profícuas eu me iludo
Com o que resta após a tempestade...

Nas mãos desta esperança que se encaixa
Abrindo com ternura última caixa
Terei, posso dizer Felicidade...


65

A vida foi roubando meus cabelos,
Restando tão somente imensa calva,
Problemas, repetidos, ao contê-los
Minha alma em plena luta já se salva

O dia me trazendo a estrela d’alva
Promete desfazer estes novelos;
Porém a vida traz como ressalva
O lacre que me impede; velhos selos...

Assim minha calvície se prolonga
Quem dera cabeleira vasta e longa,
Das dores que passei, cruéis Galés,

Restando a proteção contra os solares
Raios que recebendo em mil lugares
Apenas a defesa dos bonés...


66

Deveras há momentos nesta vida
Aonde se percebe o quão terrível
Doença ou sentimento que, temível
Destrói a nossa imagem percebida

Por quem não nos conhece e até duvida
Achando ser tal fato não plausível
Assim o mundo passa e incoercível
Estrada pelos outros, concebida

Procure um tratamento minha amiga,
A sorte muitas vezes desabriga
E os vermes provocando tal sintoma

Espanta quem não sabe da verdade
Remédio com total facilidade
Curando esta desgraça que te toma...


67


Quisera este jardim todo florido,
Adubos de esperança eu usei
Fazendo delicada a bela grei
Deixando cada abrolho em triste olvido

Porém lutar com força e decidido
Jamais tal resistência eu esperei
Fazendo da tristeza, dura lei,
Canteiro cultivado e mal servido.

Aonde quis verbenas, lírios, cores
Perfumes e divinos beija-flores
Apenas tão somente os espinheiros.

Assim em profusão, dores medonhas,
Tomando as emoções que ainda sonhas
Matando dias bons e alvissareiros...


68

Às vezes se faz tarde, o tratamento
E a causa quase sempre; um descuidado
Que pensa ser a vida um só momento
E o resto vai deixando assim de lado.

Pudesse novamente, o pensamento
Traçar outro caminho desbravado
Que ao menos já trouxesse algum alento;
Porém cometo sempre este pecado.

E agora ao ver meus pés apodrecidos,
Os dias de alegria, mal vividos
Apenas são cruéis recordações...

A morte se aproxima e não escapo,
Do traje em pura gala, resta um trapo
Vencido por terríveis turbilhões...


69

Se acaso tu vieres não esqueça
Que tudo me levou aos teus encantos,
Além do que deveras eu mereça
Espalha divindade pelos cantos.

Mergulho em tua vida de cabeça
Sabendo desde sempre que são tantos
Momentos em que à vida se agradeça
A bela sobriedade destes mantos

Quimeras mais diversas encontrei
Aonde procurara uma esperança
Meu grito pelo espaço já se lança

Moldando este infinito que sonhei,
Pudesse pelo menos ter enfim,
O amor que Deus guardou só para mim...


23070

Aviso aos navegantes: não sou chulo,
Tampouco quero escândalos e trevas,
Por onde caminhara sei que cevas
O gosto tão amargo que eu engulo.

Não faço da esperança um tosco pulo,
Nem mesmo quero o frio em que tu nevas
As almas quando puras são longevas
Os pés de quem adoro, sempre osculo.

Mas trago este vazio como herdade
Vivenda mais distante dos meus sonhos.
Aonde se fizeram mais risonhos,

Apenas, nada mais que falsidade,
Se tétrico; vasculho estas veredas,
Ainda guardo um sonho: que concedas...


71

Guardaste dentro da alma esta ferida;
As chagas que alimentas não sossegam,
Enquanto as ilusões, mares navegam
A sorte pelas dores, esquecida.

Quem sabe com tal fé jamais duvida,
Por mais que tantas farsas sonhos pregam
Delírios dos que em falsos já se apegam,
A estrada nunca esteve tão perdida...

Informações diversas, desconexas,
Palavras mais sutis, mesmo complexas
Idéias sem sentido, novos dias...

E jogam neste vão triturador
Misturam emoções amor e dor,
Provocando loucuras e sangrias...


72

Não adianta mais falar contigo
Jamais entenderás o que te falo,
Por isso minha amiga, eu já me calo,
Verdade te impingir jamais consigo.

Mostrar a realidade que persigo
Criando em minhas mãos um duro calo,
Sabendo da esperança num estalo,
Não vês além sequer além do próprio umbigo.

Preciso ter, decerto paciência,
O amor merece sim esta clemência
Repito novamente a ladainha

Até que, de repente, na cabeça
Adentre o que desejo e não esqueça
Eu quero que inda sejas toda minha...


73

Vazio que se espalha pela Terra,
As mentes se distando do saber,
A vida nos ensina e posso ver
Do vale mais profundo, a grande serra.

Verdade que a emoção por si encerra
Tramando para o amor, pleno poder
Porém num vago imenso quero crer
Que esta sabedoria, o chão enterra.

Ocaso se aproxima e nada tendo,
Sequer algum caminho; inda desvendo
Deixando um oco mundo sempre à vista.

No vão que se aprofunda a cada dia,
Deveras nada mais hoje se cria
Apenas o final o olhar avista...


74


Na imensa cordilheira que há em mim,
Plantando uma esperança desairosa
Quisera cultivar verbena e rosa,
Fazendo desta escarpa meu jardim.

O tempo eterno frio é tão ruim
E a vida que é decerto caprichosa
Embora nos meus sonhos majestosa,
Matando esta alegria de onde vim

Um velho jardineiro ainda crê
Que possa transformar esta aridez
Na perfumada senda em que se fez

O mundo que sonhara, mas não vê
E embora neves fartas lá se tracem
As rosas nas montanhas inda nascem...

75


Revendo a minha mãe neste quintal
As tardes de domingo, as preferidas,
As roupas se quarando no varal,
As velhas alegrias esquecidas.

O almoço temperado, amor e sal,
As sortes no presente divididas
O bem andando ao longe, vence o mal
Por mais que enfrente ainda tais ermidas

Que o tempo nos demonstra e o mesmo nada...
Outrora bem Al dente o macarrão,
Socado com carinho no pilão

A bela fantasia bem tratada
Crianças vão correndo no jardim
Volvendo o que melhor existe em mim...


76

A pulga num cachorro faz sucesso
E vive o tempo inteiro de carona
Bebendo muito sangue, eu te confesso
Que a pulga não descansa na poltrona

Verdade é que com ela não me estresso,
Além de ser terrível e mandona
De cão em cão fazendo este progresso
Parece que do bicho, se fez dona...

Pior são as pulguinhas que nascendo
Aumentam a terrível freguesia,
Enquanto o pulgaréu já se procria

Mais sangue no canil anda bebendo,
Preciso terminar com esta festa,
Só pulga no coitado é o que inda resta...

77

Falasse desta morte que me toca
Roubando o que me resta de esperança
Pudesse novamente, uma criança
Porém a vida leva e não estoca.

Nos mares da ilusão, apenas roca
Enquanto a solidão cruel avança
Meu mundo no vazio então se lança
E a velha poesia se desloca

Aloca-se na dor de não saber
O tempo que inda resta, vou viver
Meus últimos segundos com clareza

Da perna apodrecida, os olhos vagos,
Vislumbro ainda a placidez dos lagos,
Porém é bem mais forte a correnteza...


78


Poeta é libertário com certeza
Jamais suportará qualquer algema
E embora doloroso seja o tema
Ainda busca audaz, qualquer beleza

Florais espalha contra a correnteza
Cevando desde sempre a mesma gema
Não tendo na verdade quem mais tema
A voz se libertando com franqueza

Soneto com pureza sendo feito,
O mundo não se mostre contrafeito
Aceito qualquer vento ou tempestade

Pra mim, a poesia é simplesmente
Altar onde se crê, mas também mente
É luz que nos traduz a liberdade...


79

Meninos o brincar de poesia
É coisa muito fácil, diz bem pouco
Do quanto na verdade a fantasia
Mostrando que o poeta é sempre louco.

Contando: um, dois, três, quatro, cinco e seis
Assim chegando a dez, se faz soneto,
Obedecendo sempre regra e leis
Não é difícil, tanto que prometo

Se apenas aprender ler e contar
Um verso mais bonito vai sair
Falando da beleza do luar
Só não vale deveras é mentir

Contando falsamente o verso trai
E o que era doce então balão já cai...


23080

A trova eu aprendi desde criança
Ciranda cirandinha; vamos lá...
Depois a gente cresce e na lembrança
O verso sem cabeça brotará.

A idade como um rolo sempre avança
E tudo se destrói e desde já
Mantendo sempre aberta esta esperança
A trova com certeza nascerá.

São simplesmente sete nada mais,
As sílabas que formam a trovinha
Que um dia inda sonhara vai ser minha.

Balões que já caíram nos quintais
E sempre dos vizinhos não são meus,
Das trovas que aprendi, agora adeus...


81

Golfinho é bicho muito inteligente
Vivendo neste mar que Deus criou
Conversa parecendo até com gente
Sardinhas aos milhares já pescou,

Porém tem gente má que nada sente
E o pobre do golfinho se estrepou
Matar um bicho desses, de repente
O mundo sem juízo então ficou.

E agora o que fazer se na verdade
Imensa e tão terrível crueldade
Manchando de vermelho o azul do mar

Precisa que se dê um tempo agora,
Mandar esta gentalha toda embora
Senão o homem já vai exterminar...


82

É com prazer que excluo tais duetos
Odeio gente assim vaga e pernóstica
Pois na minha visão cruel, diagnóstica
Não vejo propriedade em tais sonetos.

A métrica se faz tão necessária
Ainda num formato dito inglês
Não suportando mais estupidez
A poesia morre sanguinária

Em versos de diversas entrelinhas
Prefiro com franqueza a claridade,
Jogar contra a parede a liberdade
Não é fazer valer as abobrinhas...

Poetas são bem poucos, pois é nobre
A arte que raramente se descobre...


83

Um mineiro de verdade
Não dá bola pra sardinha
Se a maré tranqüilidade
Vou ficando só na minha.

Mas não fico na saudade
E ninguém tira farinha
Se preciso, na humildade
Ou então perdendo a linha.

Cobra fuma vez em quando,
O barraco desabando
Noutro bando bebo o mel.

Pois malandro se é malandro
Esquecendo este escafandro
Mergulha em Vila Isabel...


84

Eu não cobro o que não posso,
Mas não venha com histórias
Não pretendo e nem emposso
Falsidade feita em glórias.

Se de noite ainda me coço,
Vou fazer minhas memórias
Mas deixando deste troço
Dos destroços sem vanglória.

Caranguejo não é peixe,
Mas também já se defende
Pau comeu aonde ofende

E depois vá, não se queixe.
Afiando a minha língua
Já não vou morrer à míngua...


85

Foi no Morro do Turano
Que aprendi a me virar
Um moleque sem engano
Sabe aonde vai pisar,

Bobeou entrou no cano,
Mas não vou me segurar,
Se o cenário muda o pano
Noutro plano vou dançar.

Nada fiz que não podia
Não podia também fiz,
Percussão diz harmonia,

Na cuíca e no pandeiro,
Aprendi a ser feliz,
Nas quebradas do Salgueiro...


86

Eu quero o teu amor, jamais neguei
E faço deste canto de esperança
O que talvez pareça uma lembrança
De um tempo mais feliz que desfrutei

Vagando sem cansaço, mergulhei
No braço de quem tanto bem alcança
Volvendo num segundo a ser criança
Que um dia, em brincadeira se fez rei.

Agora sob as fontes luminosas
Que emanas com beleza sem igual,
Enchendo de alegria meu bornal

Por mais que as sortes sejam melindrosas
Arisco coração já se entregando
Ao teu carinho doce, leve e brando...


87

Adeus às ilusões, sigo meu rumo
Bebendo deste fel que tu me deste
O quando te perdi, versos resumo
Deixaste como herança a negra peste.

Sorvi das esperanças todo o sumo,
O solo que ora piso, tão agreste
Aos poucos sem descanso me consumo,
E a morte com seus lutos já reveste

O corpo que se vê desfigurado,
Apenas uma sombra do passado,
A trágica notícia me tomando...

Quisera ter sorrisos, mas não posso
E quando as fantasias eu acosso
O teto dos meus sonhos desabando...


88

Não quero mais saber de confusões
Escrevo pra mim mesmo e isto me basta
Não tenho tempo, amigo e me desgasta
Viver as mais distantes ilusões.

Franqueza com certeza aos borbotões
E isto dos meus versos sempre afasta
Quem pensa ser poeta e doutra casta
Não vou ficar na cova com leões...

Apenas quero ter a liberdade
De ser o que pretendo enquanto há tempo
A poesia sendo um mero passatempo

Não pode destroçar uma amizade
Perdoe se te ofendo ou ofendi,
Mas quero a plena paz que encontro aqui...

89

O amor tem dessas coisas, morde e assopra
Depois vem disfarçando como quem
Talvez não magoasse mais ninguém
No fundo o grande amor já nos alopra.

E dopa quem se faz entorpecido
Nos antros deste insano cavalheiro,
Deitando sobre fronha e travesseiro
Espero nunca mais ser esquecido.

Mas sei que após a morte, nada disso
Terá qualquer valor, por isso agora
Espero que tu venhas sem demora,

Não falte ao nosso tolo compromisso.
Viver cada segundo de uma vez,
O resto? Deixa estar. Estupidez...

23090

Fazendo do soneto um desabafo
Aonde poderia imaginar
Um tempo mais feliz sem o luar
Das dores e temores eu me safo.

E visto a fantasia que não cabe
Ainda de palhaço ou de bufão
Quisera Pierrô, mas negação
Bem antes que este sonho vão desabe

Alcanço a mais distante tempestade
E bebo com ternura a ventania,
Apenas minha amiga a poesia
Ainda vê o sol com liberdade.

Amei, não fui feliz? Pois que se dane
Minha alma sem saída esquece a pane...


91

Abençoado o solo que ora piso
Bebendo da saudade, sigo em frente
E quando me pensara penitente
Nos olhos da esperança me matizo.

O tempo não tem tempo nem aviso
E segue seu caminho indiferente,
E quando um claro dia se pressente
À noite se congela em vão granizo.

Carpindo cada sorte que não veio,
Vestindo esta ilusão, supremo veio
Por onde navegasse em mar tranqüilo.

Esqueço cada dor e reagindo
Pressinto amanhecer audaz e lindo,
Mudando minha forma, em novo estilo...

92

Feliz aniversário companheira
Durante tanto tempo sinto aqui
Presença abençoada, pois em ti
A vida se mostrando verdadeira.

A sorte muitas vezes traiçoeira
Dizendo deste tempo que perdi
O mundo, do teu lado eu conheci,
Ferocidade é tudo o que não queira

Quem faz da sua vida, paz e glória,
Mudando assim o rumo desta história
Tu tens nas mãos querida, esta magia

Por isso é que agradeço estar presente
E demonstrar o quanto estou contente
Comemorando assim, este teu dia...

93

Locasse esta esperança em claro amor
Nos lábaros que moldas com teus sonhos,
Sedentos caminheiros vão risonhos
No encanto deste velho trovador

Que busca tão somente uma partilha
E nada recebendo segue leve,
E o vento abençoado não se atreve
E um novo amanhecer decerto trilha.

Arcando com meus erros e falácias
Estranho o teu sorriso de ironia,
E quando amanhecer se fantasia,
Esqueço as mais ingratas, vis, audácias...

E beijo a tua boca tão sangrenta
Paixão nos avassala e violenta...


94

A métrica é profana sei bem disso,
Uma armadilha feita uma arapuca
Quem bota sua mão nesta cumbuca
Não faz valer sequer tal compromisso

É como se no amor; matasse o viço,
Quem teima em desamor já se machuca
O verso sem ter ritmo enfim caduca
Não posso me calar, ficar omisso.

Eu te amo e na verdade sei que tudo
Não passa de ilusão, mas eu me iludo
E mudo de vontade se quiser.

Assim a poesia toma o senso,
Se em tréguas vez em quando ainda penso,
A guerra tem o nome de mulher...


95

Não quero ser simpático somente
Depois é só pancada no costado,
Um homem se demonstra já cansado
Ainda crê possível que a semente

Transforme a mocidade e de repente
Um tempo mais feliz e abençoado,
Embora muitas vezes o pecado
É o que domina o peito desta gente.

Fazendo da amizade um laço estreito,
Trazendo este carinho no meu peito
Mandando sempre às favas os panacas.

Levanto acampamento e me deserto,
Mantendo este caminho sempre aberto
Aguardo que tu tragas as barracas...


96


Eu gosto de gostar do teu querer
Que quero a cada instante muito mais
Embora meus versinhos são banis
Traduzem o que uma alma quer dizer.

Pudesse nos meus braços te conter
E o mundo não teria assim jamais
Momentos tão difíceis terminais
A glória se espalhando e posso ver

Após a tempestade a claridade
Que teima em persistir no olhar que sonha
A sorte muitas vezes é medonha

Mas traz em suas mãos a liberdade
Essencial à vida de um poeta
Que em teus suaves cantos se completa.


97


Sentir perto de mim quem tanto quero
Na ausência da saudade, vaga imensa,
O verso traduzindo a recompensa
Que a cada novo tempo mais espero,

Nos braços deste encanto me tempero
E bebo a poesia frágil, densa,
Na vida que queria menos tensa,
O amor vai me tornando menos fero.

Sagacidade é feita dos carinhos
Que trazes retornando aos nossos ninhos
Vizinhos da esperança, nobre dama.

Assim serei feliz sempre contigo,
O amor que desejei, amante e amigo,
É tudo que minha alma em paz reclama...


98

Ninguém responderia a tal apelo
Não fosse este momento de agonia,
O amor que dor intensa propicia
Enrosca nossa vida em tal novelo,

Queria na verdade ao menos tê-lo
De forma que inda valha a fantasia,
Mas quando vence o tempo e a garantia
O lacre se arrebenta e sem tal selo

Sem sê-lo não procuro outro caminho
Desvelo traduzindo o que tu trazes,
Apenas curativos; sujas gazes

E gases invadindo o nosso ninho
Entorpecido amor, morrendo aos trancos
Sorrisos que tu mentes, quero-os francos...


99

Esqueço quando pude ser feliz
E nada do que outrora desejara
Embora muitas vezes nada diz
O quadro se repete em luz tão clara

E a voz que me sonega já declara
O quanto deste encanto contradiz
Num verso do passado escrito a giz
Ao tempo destruído; desampara.

A farsa feita amor inda floresce
E o quanto não se faz não obedece
A prece desnudando a realidade.
As bênçãos procuradas com anseio,
Esgoto da esperança cada veio
E morro nos teus braços, falsidade...

23100


Negar minha existência é bem mais fácil,
Indócil coração já não sabia
Que o quanto se deseja e fantasia
Permite algum momento ao menos grácil.

Espaços ocupando com meus versos
Audazes primaveras mortas cenas
E quando com surpresa tu me apenas
Os termos mais complexos e diversos.

Sondando cada noite que tivemos,
Esbarro-me em fantasmas de nós dois
E não podendo enfim sonharmos, pois

O barco que tivemos sem os remos
Apenas timoneiro sem destino,
O amor se mostra frágil e cretino...

01

Acasos entre várias situações
Amores envolvendo o pensamento
Por vezes me entregando um só momento
Causando no final, revoluções...

Pergunto quais as velhas direções
Aonde transformar dor em ungüento
E mesmo tão distante ainda agüento
As mais diversas formas de pressões...

Pergunto ao vento aonde te encontrar
E mesmo fugidia, ainda espero
Vivendo da maneira que mais quero

Imerso neste imenso mar solar
Adentro as fantasias que me dás
Enquanto o amor se doura e o gozo traz...




02

Ao ter a minha amada bem juntinho
Encontro soluções para os problemas
Comigo, esteja certa, nada temas,
Das sortes mais completas me avizinho,

Meu peito como um velho passarinho
Cantando a poesia simples temas,
Rompendo do passado estas algemas,
Na busca incontrolável por carinho.

Servir ao nosso amor sem ter medidas,
As horas do teu lado são queridas
Momentos em que posso enfim dizer

Que a vida se fazendo assim completa
Tomando o coração deste poeta
Entorna em meu caminho este prazer...


03

Saudade esta palavra que maltrata
Enquanto nos adoça, suavemente
Tomando já de assalto a minha mente
Num momento sutil já me arrebata.

Cortando como fosse uma chibata;
A cada vergastada mais se sente,
Vontade de te ter, cruel premente,
É nó que nesta vida não desata.

Estar junto contigo, um claro sonho,
É tudo o que mais quero e te proponho
Compondo este soneto; a tua imagem

Persegue este sofrido repentista
Que ao ver o teu olhar; de perto avista
Eterno Paraíso. Uma miragem?


04

Gostando do querer que tanto quis
Querência sem igual, amor sem par
Vibrando tão somente por sonhar
Eterna sensação de ser feliz.

O verso que deveras eu te fiz
Pudesse este caminho desbravar
Tocado pelos raios do luar
O amor já não suporta um aprendiz.

Aprendo a cada dia com o sol
Tomando em claridade este arrebol
Tramando um novo tempo em clara luz.

Viver sem esperar a recompensa,
Fazendo a nossa vida mais intensa
Tornando bem mais leve nossa cruz...


05

Recanto tão pacífico? Mentira.
Apenas confusão encontro ali
O amor que imaginei e já perdi
É gente sem juízo que inda atira.

Embora muitas vezes eu prefira
A velha confusão, longe de ti
O mundo que sonhara não mais vi,
A sorte se amarrando com embira.

É gente que não gosta de outra gente
Também tem psicopata na jogada
Completamente louca esta jornada

O fim da fantasia se pressente.
Recanto que remanso imaginara
Agora enquanto ferra desampara...

06

Fazendo a velha caça à bruxaria
Comum nestes locais bem freqüentados
Venenos em venenos destilados
Vital, velho Brasil não gostaria.

Em nome de uma falsa poesia
Momentos tão felizes degradados,
Fantasmas sendo assim ressuscitados,
Amiga, o que fazer da fantasia?

Chamando de meu louro este urubu
Não vou mandar ninguém tomar angu
Nem mesmo me meter com jararaca.

Apenas não consigo me calar,
Em nome da amizade vou gritar
Jamais irei bancar algum babaca...

07

A casa dessa tal Dona Joana
Parecendo um bordel, um lupanar
A velha só reclama e desengana
Depois de certo tempo quer brigar.

A luz vermelha acesa é tão profana
Quem dera se pudesse sossegar
E a gente sem problemas namorar,
Porém realidade ao longe plana.

E o vento no barraco faz estrago
Queria da morena algum afago
Porém é só porrada por resposta.

Não posso ver a pobre num recanto
Olhando para a cena com espanto
E a mesa com cuidado há tempos posta...


08

Se adoro ver o circo pegar fogo
Bufão eu sei que sou, mas menestrel
Que sabe muito bem o seu papel
Não entra de cabeça em nenhum jogo.

Um velho torcedor do Botafogo
Criado lá na vila de Noel
Se até neste capeta passo gel
Não vou ficar calado nem por rogo.

Eu quero é te beijar bem de mansinho
A vida vou levando com carinho
Mineiro sabe bem ir devagar.

Mas quando é madrugada o bicho pega,
Morena com jeitinho; não me nega
Prometo de mansinho, colocar...


09

Eu solto a minha bomba e caio fora
Não vou ficar aqui vendo estilhaço
Tampouco vou bancar velho palhaço
Platéia sem juízo; eu sei que adora.

E sabe minha amiga, não demora
Ainda vou morrer de algum balaço,
Mas quero teu carinho e teu abraço
Quem sabe faz decerto sem ter hora.

Beijando a bela flor enamorada,
A sorte muitas vezes maltratada
Não deixa que se veja este amanhã

Florindo o meu jardim de margaridas
Unindo com firmeza nossas vidas,
Por mais que a poesia seja vã...

23110

Sem teu amor já nada mais seria
Senão este vazio que inda levo
O sonho/ser feliz já não relevo
E bebo com vontade a fantasia

Aonde a minha sorte se diria
Etérea sensação que em gozos cevo
Queria ser por ti; amor, longevo
Porém a morte aos poucos nega o dia.

Momentos que serão abençoados
Segundos e minutos tão sonhados
Eternos na fração que inda me resta.

Amar e ternamente ser feliz
O quanto em desafio nada quis
Felicidade plena, ardor atesta...

11

É Ricardo? Ou sei lá qual o seu nome
Que esconde-se debaixo do vazio
Devassa poesia? Veja a fome
E aí coisa pior; eu desafio.

O sexo é tão bendito;mas quem come
Devia se cuidar deste desvio
Diabo sem ninguém que ainda o dome,
Transforma num inverno um forte estio.

À sombra deste vão anonimato
Eu falo, cara limpa e mostro o fato
É necessário ter algum respeito

Por quem mesmo diverso do que gostas
Fazendo em fantasias as apostas
Está conforme a lei, no seu direito...


12

Não fale de um amor neste recanto
Que há gente fofoqueira e tão daninha
Ouvindo mesmo longe um doce canto
Prepara uma armadilha e desalinha

Aquilo que é normal, suave encanto
Ofídica paisagem já se aninha
Mudando o que se diz, prefere o pranto
Uma alma lamentável vai sozinha...

Mas saiba que te quero e que se dane
Quem tem no sentimento medo e pane
Cantando noutro canto e freguesia.

Aqui outrora manso; em tempestade
No funeral constante da amizade
O nosso amor inveja sempre cria...


13


Meu amor jamais esqueço
Quando a vida disse não;
Naufragando embarcação
Me virando assim do avesso,

Não pensara em recomeço
Nem tampouco em solução,
Sendo a morte tentação,
Nova sorte eu sei, mereço

E tentei noutras paragens
Outros campos e paisagens;
Mas deveras nada tinha.

Para ter felicidade
Meu amor, eis a verdade
Tu terás que ser só minha...

14

Nada posso contra quem
Desejei por muitos anos
O vento que agora vem
Só trazendo desenganos

Nos meus olhos, pois, ninguém
Dos amores, velhos danos
O meu peito só contém
O cerrar dos negros panos.

Ergo os olhos e o horizonte
Gris, não diz de uma esperança
Dos amores, sem a fonte

Onde houvera água mais mansa
Já não resta sequer ponte
A saudade não descansa...


15

Eu busquei a minha sorte
Coração feito andorinha
Procurando um rumo, um Norte
Que decerto nunca vinha

Nos meus olhos, vejo a morte
Que bem perto se avizinha
Sem ter quem inda suporte
A minha alma vai sozinha...

Tanto amor que procurei
Nas estradas e caminhos,
Nada além eu encontrei

Sem descanso e sem carinhos,
Solidão é minha grei,
E as tristezas, os meus ninhos...


23116

Beijo a morte que me toca
Duro fardo que carrego
Não podendo sempre cego
Ver a sorte que se aloca

Noutra senda e me provoca
O desejo que ora nego,
Como fora um simples prego
No vazio de uma toca

Sem firmeza, solto ao léu,
Pensamento é carrossel
Gira e busca, mas não vê

O meu canto segue em vão
Sem destino, rumo e chão
Onde se escondeu você?

17

Cansado de esperar quem nunca vem
Procuro algum espaço em que consiga
Uma alma caridosa e tão amiga
Eterna desventura diz meu bem.

Não sei se a poesia me convém,
Quisera; da alegria, ser a viga
Por mais que minha vida assim prossiga
No fundo vou ficando sem alguém

Que possa transformar sonho em verdade,
Amor que possa dar tranqüilidade
E a paz que necessito pra viver.

A terna melodia já nem ouço,
Da etérea liberdade calabouço
E a angústia desta ausência de prazer...


18


Cansado de viver; nada consigo
Senão a solidão já costumeira
E quando o coração vira bandeira
Aumenta sem limites o perigo.

O tempo que em verdade inda persigo
Pudesse ter notícia alvissareira,
Mas quando se repete a vida inteira
Vazia solução, eu me desligo.

E penso noutras eras que não tive,
Amores que talvez pudesse ver
Envolta nos escombros do prazer

Minha alma, tão somente sobrevive.
Audaz, lutara sempre agora o nada
A noite que sonhei, amortalhada...


19

Quisera algum momento em plena paz
Ausente dos desmandos da paixão,
Que enquanto nos maltrata em negação
Uma esperança atroz, deveras traz.

A velha solidão, cruel, mordaz
Hospeda no meu peito o mesmo não
Que outrora se fizera a tradução
Perfeito do vazio, não apraz.

Refém destas mentiras que inventara
A vida a cada curva se declara
Apenas uma torpe fantasia

Que a mente celerada de um poeta
Na luta pela sorte, não completa
Sequer esta ilusão que insana cria...


20

Saudade de outras eras onde pude
Até acreditar felicidade,
O vento do passado quando invade
Mudando de razão e de atitude;

Porém tão simplesmente ele me ilude
Preconizando a mesma tempestade
Aonde te perdi, encontro a grade
Que impede a liberdade. Seco o açude.

Não posso mais tentar outras veredas
Por mais que em fantasias me concedas
Carinhos que jamais vou esquecer.

A morte se aproxima lentamente
E o fim em solidão já se pressente
Sem ter sequer um resto de prazer...


21

À noitinha, olha pro céu.
lá está uma estrelinha,
junto à nuvem, fino véu,
tu verás a face minha.

Celina Figueiredo

Estrela que no céu se fez rainha
A deusa inebriante, poesia.
Serás por um momento toda minha
Minha alma tal desejo fantasia.

Enveredando a sorte que não vinha
Nos lábios o prazer de uma ambrosia
A sílfide perfeita, amores guia
Iluminando a noite; a paz continha...

Pudesse num segundo ter aqui
Aquela que se fez deusa suprema,
A vida se propõe e num dilema

Procuro estar bem perto, junto a ti
Alçando como um Ícaro os espaços,
Abrindo ao infinito tenros braços...

22

Amor; gosto de ti de qualquer forma
Do jeito que vieres como queiras
Quem traz nas esperanças as bandeiras
Jamais obedecendo; antigas normas...

Do quanto te desejo uma alma informa
Usando as esperanças, mensageiras
Palavras que pareçam corriqueiras
No amor, a poesia se transforma.

E molda com delírios um momento
Aonde mais distante, o sofrimento
Não sabe nem sequer qual o caminho

Por onde penetrar nesta couraça,
O amor eternizado nunca passa
E amadurece assim qual fora o vinho...

23

Uníssona vontade em corpos vários
Momentos em que unidos nos mostramos
Inteiros e entretanto derramamos
Diversos; porém unos, os fadários

Alardes consonantes; dois canários
Não suportando servos, tampouco amos
Do mesmo arbol, distintos somos ramos
Falenas sob os mesmos lampadários...

Fazer da poesia unicidade
E ter assim total cumplicidade
Cumprindo nossos fados tão diversos

Num único caminho, desde então
No mesmo latejar de um coração
Harmônicos deveras, nossos versos...


24

Distâncias, não conhece o sentimento
Percorrendo infinitos em segundos
Por mais que se divirjam vários mundos
Num único desejo, um sacramento.

E quando permitimos tal alento
Em mares abissais, lagos profundos;
Escudo o pensamento dos imundos
Tormentos que virão. Contigo, atento...

Mesclando nossos corpos, nossas almas
Tu sabes que com versos já me acalmas
E enfrento os temporais com placidez.

Augúrios benfazejos; vejo em ti
E mesmo estando além, canto daqui
O encanto que este amor perpétuo fez...


25

Aguardo deste amor encanto e morte
Ausência de esperança em dor insana
Por vezes a minha alma inda se engana
E vê antes da faca o fundo corte.

Não tendo a fantasia que comporte
Perpetuando a dor, tão desumana
Palavra sem destino, voa e plana
Esquece este caminho; perde o Norte.

Quisera uma vereda sempre flórea
Granítica firmeza em tons suaves,
Beleza sensual, pele marmórea;

Mas nada tendo enfim, sigo vazio.
Aonde procurar se vejo entraves
E deles o meu mundo em vão; eu crio...


26

Amiga como é bom poder sentir
Que estás sempre comigo, pareados.
Os dias entre dores são contados,
Ausente muitas vezes o porvir.

Mas quando estás aqui, o prosseguir
Permite novos sonhos encantados
E os medos quando são desafiados
Não voltam e nem vão se repetir.

Angústias, diluídas nos sorrisos,
Na força da amizade, o meu poder
Trazendo além de tudo este prazer

Momentos tão suaves e precisos.
Não deixe que este encanto se arrefece
Uma amizade é como fosse prece...

27

Amor, um sentimento tão diverso
Que muitas vezes trama dor e gozo,
Nos lastros deste encanto prazeroso
As sendas mais vorazes do universo.

E quando nos teus braços sigo imerso,
Promessa de um caminho fabuloso
Por vezes pressentindo o caprichoso
Desejo de quem amo; eu me disperso.

Mas volto aos teus anseios num repente
E quando a fantasia se pressente
Ausente de meus olhos, dor e medo.

Viver tal poesia em vida é como
Soubesse das estrelas o segredo,
Na mágica poção que em ti eu tomo...

28

Quem dera se saudade traduzisse
Amor que um dia tive e se desfez,
Teria pelo menos uma vez
O encanto que esta sorte já desdisse.

Alguém que inda pudesse e que me ouvisse
Porquanto neste olhar, a insensatez
Tomando minha fronte, em sua tez
O amor se fantasia em vã tolice.

Amargamente o gosto do vazio
Somente para o peito, um desafio
Além de não poder ver claridade

Queria pelo menos neste instante
Poder ter esta glória radiante
De um dia te dizer: sinto saudade...


29

Desejo tua pele em minha pele
Anseios e delírios se tocando
Desnuda a bela deusa provocando
À louca fantasia me compele.

Teus seios em meus lábios, fogo intenso
Desbravo os teus caminhos mais sutis
E sou por tais instantes; tão feliz
Carícias entre sedas; quando penso

Nas várias emoções que tu me dás
O gozo alucinante; em loucas sendas
E quando os meus desejos tu desvendas
Numa explosão final imensa paz.

Assim fulgura a estrela que ansiada
Deixando a noite sempre enluarada...


23130

Arfante serpenteia pela cama,
Enlanguescente deusa em transparência
O fogo de teu corpo já me chama
Louvando com delírios florescência.

Desejo te procura e te reclama
Durante a noite fria em tua ausência;
Meu sonho a cada instante quer e trama
O amor que nos conforta; a convivência

Unindo nossos gozos em um só,
Seduzes com teus lábios, bocas, dentes.
As noites escaldantes, tons ardentes

Laçados sem fronteiras neste nó
As pernas são tenazes que ao prender
Transformam um delírio num prazer...


31

Fecunda fantasia já me toma
E deixa como rastro estas pegadas
De luzes onde outrora iluminadas
As noites se faziam mera soma.

E quando esta ilusão a mim se assoma
As pétalas das rosas arrancadas,
As mãos de quem desejo; acetinadas
Torpor levando quase a um doce coma.

Servido na bandeja dos anseios
Vagando pelas sendas destes seios
Marmóreos os caminhos que percorro

Românticas loucuras permissivas,
As almas se devoram e me crivas
Em teus rocios fartos me socorro...


32

Acasos dominando a minha vida
Momentos quase díspares, loucura.
O verso mais perfeito se procura
E a sorte se despede, já perdida...

Não pude confessar, cabeça erguida,
O quanto se desnuda sem ternura
A antiga placidez não se perdura
E apenas ouço a voz da despedida...

Quisera pelo menos ter amenos
Os ventos que me trazes, em borrascas.
Distante deste cais teu barco atracas

Nas mãos e nos olhares vis venenos
O quanto desejei e não vieste,
Tornando a minha vida mais agreste...

33

Apenas disfarçando o teu desejo
Momentos tão difíceis, vez em quando
O temporal deveras desabando
Num átimo explodindo em relampejo

O quanto imaginara ser lampejo
De um sonho mais audaz que desfrutando
Tornasse o meu caminho ao menos brando
Diverso do tremor que ora prevejo.

Termino com as vagas esperanças
E bebo com prazer tua cicuta
Uma alma pertinaz, demais astuta

Espalha pelos céus terríveis lanças,
E quando sobre mim, tu ris e danças
A sorte caprichosa já reluta...


34

Não quero os descaminhos do vazio
Apenas os teus braços me conduzem
E enquanto as fantasias já reluzem
Nas hostes deste amor, sonhos procrio.

Vencendo a cada dor o desafio,
Aos prados os delírios reproduzem
Cenários tão diversos que inda escusem
Erráticas loucuras. Fantasio...

E bebo cada gota deste sonho
Que em tramas tão diversas eu componho
Usando a poesia como fundo.

O amor que tantas vezes me magoa;
Uma alma desfilando quase à toa
No auspicioso prado eu me aprofundo...


35

Pudesse transformar água no vinho
Que tanto necessitas, doce alento
No quarto de dormir, eu me atormento,
Estando quase sempre tão sozinho.

Quem dera se esta espera num carinho
Pudesse transformar o próprio vento,
Distante de teus braços mal agüento
Saber que não terei jamais teu ninho.

Outrora fui até um pouco audaz
Agora esta figura vã, mordaz
Que a noite em silêncios sempre traz

Dizendo do vazio amor sem paz
O quanto desejei já se desfaz
O mundo se perdeu tempos atrás...


36


A vida prosseguindo em tal compasso
Cadenciado ritmo, paz constante
Um sonho cada vez mais delirante
O tempo do teu lado; amada, passo.

Sem ranço do passado, agora traço
Usando por cinzel tal diamante
O olhar tão luminoso, radiante
Agora em abundância antes escasso

O gozo em perfeição, sutil beleza
Invade cada canto do meu ser
E envolto nos teus braços posso ver

Diversa e maviosa natureza
Da qual bebendo cálices de orvalho
Nas sendas dos amores, cada atalho...

37



Delírios em teu corpo sedutor
Suores e prazeres se consagram
E as bocas se procuram e se sagram
Num ritmo quase louco, encantador...

Vertendo em teus anseios meus desejos
As lavas representam a erupção
Num êxtase supremo, a tentação
Permeia esta ventura em bons ensejos.

Extasiados corpos bebem luzes
Que roubam deste sol que nos acorda
Enquanto a fantasia nos aborda,
Sensualidade plena; me conduzes

Ao apogeu em glória; Paraísos,
Em teus sutis enredos, tão precisos..


38

Não passo um só minuto sem pensar
Naquela criatura que se deu
No mundo que julgara fosse meu
E agora aprendo assim, compartilhar.

Nas ondas mais revoltas deste mar,
O amor maravilhoso aconteceu
E o barco que ancorou, é meu e teu
Assim nós aprendemos quanto amar

Deveras esperando tal verdade
Alçando junto a ti a liberdade
Vital para quem ama e se pretende.

O verso se mostrando mais fiel
Avisto deste quarto o imenso céu
Por onde a fantasia já se estende


39

Tu és a principal razão de vida
Que ainda me mantém, o meu sustento;
Das dores, lenitivo, doce alento
Imagem que inda guardo, a mais querida.

Julgara minha estada vã, perdida
Por ter o teu apoio ainda agüento
A cada novo dia outro tormento
Nos braços deste amor, minha saída.

Vencer os tão freqüentes dissabores
Nos céus que em paz vagamos, tantas cores,
E delas perfeição em seus matizes.

Por isso é que agradeço a cada dia
De Deus a mais perfeita cortesia,
E posso enfim dizer: somos felizes...


23140

Olhando este cascalho que sou eu
Revendo a minha imagem do passado
O mundo num segundo desabado
O tempo mais cruel já me esqueceu

O sonho- ser feliz- apodreceu
O dia amanhecendo tão nublado
Apenas o vazio e neste enfado
Relembro o que de bom aconteceu.

A vida até sorrira de soslaio
E enquanto em fantasias eu me traio
A solidão prepara esta tocaia.

Teimando ainda penso em ser feliz;
Porém realidade chega e diz:
Não atrapalhe a estrada e agora saia...


41

Bastara procurar algum remanso
E nada disso então inda teria
Apenas tão somente esta agonia
E o coração vazio aos mares lanço.

Seria muito bom poder sonhar
Talvez que sabe um dia ainda possa
Enquanto esta tristeza já se apossa
Ainda resta um raio de luar.

Corcel das fantasias, vago estrelas
E bebo cada brilho feito um louco
O que deveras tenho, muito pouco
Não basta mais sequer para sabê-las.

A morte se aproxima, galopante
O tempo que me resta, um vago instante...


42

Durante tantos anos perseguia
Estrela dos meus sonhos, radiante
A morte se vingando; esta agonia
Tomando a minha vida num instante

Outrora este caminho tão brilhante
Agora uma vereda amarga e fria
O olhar que imaginara triunfante
Apenas este ocaso propicia.

Vigílias entre velas, nevoeiros
Partidas abortadas, frágil barco
Com erros do passado eu sei quando arco

Os dias são atrozes mensageiros
Ditando no final desesperança,
Restando desta estrela, vã lembrança...


43

Enquanto a vida amarga me abandona
Tecendo o ato final da incrível farsa,
Minha alma que vagara tão esparsa
Volvendo num segundo chega à tona

E enquanto a poesia; minha dona,
Os panos da verdade; o tempo esgarça
Aonde quis pureza e graça, garça;
O medo toma a cena e a paz ressona.

Angustiadamente vejo o fim;
A morte me rondando, até que enfim.
Percebo que já não prosseguirei

Quem tanto se mirou na fantasia,
Agora no final inda recria
Castelos e imagina dama e rei...

44

Só peço que me deixes ir tranqüilo
Não tendo quase nada por fazer
A sorte de quem sabe; vai morrer,
Momentos que vivi, sonhos desfilo;

E o gozo do passado inda destilo
Bebendo esta esperança posso ver
A cena em que se encerra, sem poder
Mudar sequer o ritmo, modo e estilo.

Audácia que deveras foi parceira
Falácias entre versos e versões.
Não restam para mim novos verões,

A primavera agora, a derradeira.
Somente o brilho frágil de uma flor
Ainda em minha vida mostra cor...


45


Ainda vejo em ti tais opulências
Figuras estrambóticas, cenários
Momentos tão diversos são falsários
Mostrando desta vida uma excrescência

Aonde havia há tempos, florescência
Apenas os retalhos de um fadário
Do velho batistério, um relicário
O medo destruiu logo a inocência...

As farpas entre dentes, olhos, garras
Enquanto me devoras já desgarras
E deixas a carcaça como herança

Hienas e chacais, abutres; vermes,
Os restos devastados vãos inermes
Do que fizeste crer ser esperança...


46

Defronte ao Criador em genuflexo
Pedindo por amor e caridade
Perdão pelos meus erros. A verdade
De fato este fator sempre complexo

Tramando contra a sorte, rumo e nexo,
Apreço que se tem à liberdade
Às vezes não traduz o que inda agrade
Pura degradação de gozo e sexo.

Arcaicas fantasias tão sobejas
Nos olhos dos pastores a vanglória,
E a luta transformando assim a história.

As almas entre vagos são andejas,
E peço-Te Senhor perdão e paz,
Que a morte com seu véu o resto traz...


47

Não quero um verso manso em luz suave
Tampouco um lenitivo pra quem tenta
Viver após a dor de uma tormenta
E superar com calma algum entrave.

Não quero esta ilusão, qual fora nave
Que leva ao infinito, e que apascenta
A vida por si só tão violenta
Não quero fantasia que isto agrave.

Arcar com meus defeitos tão mesquinhos,
Não posso me negar pedras e espinhos,
Não sou conforme a lenda, um doce sândalo.

Nem mesmo este feroz e demoníaco
Que pensas, como fosse algum maníaco
Ou mesmo meramente um tolo vândalo...


48

Uma esperança nua quase esquálida
Caminha entre meus dedos quando escrevo
Pensara no passado ser longevo,
Porém minha alma antigamente fora cálida

Agora se desnuda e sempre pálida
Dizendo esta verdade em que me atrevo
Moldando este cadáver que ora cevo
Deixando para trás qualquer crisálida...

Fugazes os momentos de alegria,
Sobejas as tristezas tão freqüentes
Por mais que outros caminhos e vertentes

Ainda possa dar a poesia
Olhares que me rondam são descrentes;
Mirando esta carcaça que se cria...

49

Os beijos que me deste; rapineiros
Esgotam toda a força, dizem morte,
Profana melodia em que se aporte
Os medos e fantasmas dos ribeiros.

Anseio pelos cantos verdadeiros
Embora a cada nota; um novo corte,
Escaras acumulam minha sorte
Momentos escabrosos, derradeiros.

E as aves vão rondando mansamente
Espúrias as tormentas que inda trago
Aguardo inutilmente algum afago,

Até o meu destino já descrente
Traduz o verso triste e que fascina,
No beijo delicado da rapina...


23150

A sorte quis que um mero navegante
Durante tantos anos um grumete
Enquanto os mesmos erros já repete
Não pode imaginar um diamante.

O peso que carrego é tão constante
Ao fundo deste abismo me arremete
A farsa que criaste se intromete
E nada se fará de agora em diante.

Apenas o respaldo desta vasta
Planície dos meus fatos e prazeres,
Deixando no passado uma cobiça.

A fome de vingança em mim se abasta
Prepara este banquete em mil talheres,
Sobrando de minha alma esta carniça...


51

Meus versos são tão fúteis, disto eu sei
Também sei como é fútil, poesia
Que a nada nem ninguém traz a alegria;
Uma arte decadente, podre grei.

Mas teimo e só por isso me estrepei
O quanto do vazio que se cria
O mesmo que em meus olhos se esvaia
Na farsa e na comédia, triste lei.

Ainda resta apenas um segundo
E sendo já poeta e vagabundo
Na falta de esperança, a podridão

Erguendo um falso brinde ao velho bardo
Que traz em suas mãos, a pedra e o cardo,
A morte transformada em solução...


52

Perdoe se critico os versos teus
Deveras eu nasci fora do espaço
O tempo que sonhei mesmo desfaço
Os dias que vivi dizem adeus.

Não penso ter agora trevas breus,
Distante do caminho que ora traço,
O meu cantar morrendo de cansaço

Há tanto que esta veste está puída.
Minha alma com certeza é suicida,
Andando de charrete, bonde ou coche

Não vê que tudo passa e se transforma,
Por isso obedecendo regra e norma,
Mineiro; nasci Marcos morro gauche...


53

Escrevo pra mim mesmo e ninguém mais
Por isso é que fechado agora em copas
Distante do arvoredo e suas copas
Afasto-me do mundo sem jamais

Deixar de acreditar. Erros normais,
No fundo sei que os versos; já não topas
E deixo os meus poemas, toscas tropas
Nos antros e nos guetos viscerais.

Espero alguma coisa? Nada disso,
Apenas é comigo o compromisso
E teimo; nada pode me calar.

Somente os versos; tenho em minhas mãos
Os dias que se passam sendo vãos
Ao menos para a sombra irei falar...


54


Ninguém escuta a voz de um desvairado
Que insiste no vazio que produz,
Um bêbado buscando a própria luz
Há tempos em si mesmo disfarçado.

O quadro que desenho mal pintado,
Espaço que procuro me conduz
Ao nada e deste nada reproduz
A senda que demonstro em puro enfado.

Amortalhado sonho de um fantasma
Apenas tão somente este miasma
Que vaga fatuamente pelos pântanos.

Minha alma em tempestades mais atrozes
Escuta do passado tantas vozes
E tantos pesadelos sempre a cântaros...

55

Apenas sou somente um suicida
Bebendo do veneno que produzo,
E o verso refletindo; eu já conduzo
Ao fim do que pensara fosse vida.

Mergulho no vazio a alma perdida
Enquanto o meu caminho, eu reproduzo
Cenário entre os fantasmas de um abuso
E o medo de seguir a própria lida.

Vasculho nas entranhas e cometo
A cada novo verso outro soneto
Falando desta mesma merencória.

Arcar com desenganos não é fácil
Quem quis e desejou sonho mais grácil
Agora se conforma em ser escória...

56

Ó morte, minha amada companheira
Perdoe quando falo dos amores
Pintando com diversas falsas cores
Uma paixão nefasta; alma rasteira

Vagando pelas nuvens, mensageira
Do ocaso que virá após as dores,
Deveras tive dias sonhadores
Mas sei que esta vontade é derradeira.

Aos pés da Santa Cruz peço perdão
E bebo desta sorte cada gota,
A veste da esperança velha e rota

A morte se traduz em solução
Negando o meu momento de prazer,
Orgástica loucura a percorrer...


57

Não canto mais amor nem amizade
O ciclo se encerrando e a fantasia
Mudando de lugar, sem poesia
Agora nos meus olhos realidade.

O fardo que carrego desde a idade
Em que a gente teima e fantasia
Moldando um tempo raro de alegria
Buscando no final; felicidade,

Vencido pelas várias cicatrizes
A cada caminhada outros deslizes
E os dias se passando sempre assim.

Funéreo mundo torpe em que vivemos,
Do qual nada afinal nós levaremos
É o que melhor retrata o que há em mim...

58

Eu raramente penso no futuro
Sintoma amortalhado e decadente
Há tanto que vagando assim descrente
Encontro tão somente o mesmo muro.

E quando a fantasia enfim depuro
O fim da alegoria se pressente
Por mais que outro caminho ainda tente
No fundo bebo a treva e busco o escuro.

São tantas vergastadas, incontáveis
Os dias mais felizes; improváveis.
Arcando com o peso da verdade

Não posso semear sem crer que um dia
A flor que na esperança reluzia
Demonstre no final a realidade...

59

O copo de veneno em minhas mãos
Um gole e tudo mais se resolvendo,
A vida sem futuro, um novo adendo
Os dias foram todos tolos, vãos...

Cevasse com denodo solos, grãos,
A terra com carinho revolvendo,
Porém fria mortalha me envolvendo
Vazio onde buscara meus irmãos...

O fim se aproximando e só um gole
A vida num momento se escapole
E a sorte decidida neste instante.

O adeus profetizado se aproxima
Num último soneto, última rima
Dizendo deste aborto tão brilhante...


23160

A paz que tanto quis e já sabia
Distante dos meus olhos, vãos, perdidos.
Momentos entre dores divididos
Quimera que este espectro vivo cria.
O quanto ser feliz, alegoria,
Os olhos entre lágrimas, vencidos,
Os medos afetando os meus sentidos
A sórdida ilusão se fantasia.
Olhasse com cuidado e tu verias
Somente me restando as agonias
O vento em temporal nada alimenta.
Sequer a solidão ainda aplaca
O fogo que em minha alma já se atraca
Causando no meu peito esta tormenta...

61

No quase ser feliz outras mentiras
Que andei pregando a todos e a mim mesmo.
Andando sem sentido, vou a esmo
O coração desfeito em várias tiras;

Esgueiro entre os esgotos que me deste
Apenas os meus medos vão comigo
A velha podridão que não consigo
Livrar-me perseguindo feito peste.

Navego pelas plagas mais distantes
E queimo com ternura teus recados,
Os dias prosseguindo; sinas, fados.
Os livros derrubados das estantes

Suspenso pelos ares, sem destino,
Nas ânsias dos altares me alucino...

62

A morte de um poeta é quase nada,
Não vale nem a vela que se acende
Enquanto ao seu destino desce/ascende
A sorte há tanto tempo foi lançada.

A carne apodrecida e esfarrapada
O verso preferido não mais prende
E a própria poesia já te ofende
A corda no pescoço entrelaçada.

Vestisse a realidade pelo menos,
Os dias poderiam ser amenos
Mas teima em fantasias, vil beócio.

Bufão quis menestrel, morre palhaço,
Entregue aos rapineiros, um pedaço
De vida que se foi em meio ao ócio...

63

Os restos carregados pelo vento
Assim percebo o dia em que partindo
Deixando este sonhar outrora lindo
Agora tão somente em sofrimento.
Não posso me negar ao excremento
Que entorna-se em minha alma poluindo
O lago em placidez que em vão deslindo
E seca num instante, em tal momento.

Arguta natureza sabe bem
O quanto é necessária vida e morte
Aos poucos sonegado algum suporte
Depois de certo tempo o nada vem
E dele se refaz a mesma história,
Por isso tão inútil tal vanglória...



64

Apenas um espectro e nada mais
Figura carcomida pelos anos,
Agora ao expressar no corpo os danos
Exponho o que restou e isto é demais.
Pudesse retornar aos ancestrais
Momentos que deveras soberanos
Não tinha em minhas mãos os desenganos
Que agora com certeza são normais.
Na fé imorredoura fantasia
A cada novo sonho outra sangria
E o tempo se vingando dos meus erros.
Além do meu olhar as cordilheiras
Esbarram nestes céus e derradeiras
As luas se derramam sobre os cerros...


65

Descrevo o pandemônio desta vida
Que um dia imaginara em plena paz,
A sorte há tantos anos já perdida
Apenas o vazio ainda traz
Quisera ter nas mãos esta partida,
Porém se o inimigo é mais tenaz
Decerto não seria tão audaz
E assim preparo a minha despedida...
Das árduas emoções e descaminhos
Os dias que virão sempre sozinhos
Navegarei por mares tão desérticos...
Os cais em pleno caos, nada terão
Inverno congelando o meu verão
E os versos que virão serão heréticos...


66

Esquálida figura quixotesca
Espectro do que outrora fora um homem,
As forças que as doenças já consomem
Permitem que se veja esta dantesca

Partilha que virá entre rapinas,
Do pouco que me resta, quase nada,
E enquanto ainda houver qualquer ossada
As bocas mais atrozes e ladinas

Não se saciarão, eis o futuro
Do qual por não temer, cabeça erguida
Deixando para trás a minha vida
Adentro neste vale em treva escuro.

E quando em derradeiro e louco espasmo
Rirás com ironia e com sarcasmo...


67

Não queiras me falar das novidades
Tampouco me interessa o que há de vir
Não tendo nem por onde prosseguir
Apenas nos olhares veleidades.
Nas chamas mais cruéis as claridades
Que um dia prometeste; irei sentir
Negando qualquer forma de porvir
Mentira se moldando em liberdades.
Numa asquerosa cena, refletindo
Figura de um arcanjo decaindo,
Satânica ventura sobre a Terra.
Meu verso se traduz em lama e charco,
O amor que nunca veio, sendo parco
O corpo que se esvai e já se enterra...


68

O suicídio ainda uma cartada
Usada na hora certa garantindo
A sorte que deveras já deslindo
Moldando no futuro o mesmo nada
Por onde perfazendo a caminhada
Apenas meu olhar se refletindo
E a história novamente repetindo
Minha alma sem remédio, destroçada.
Almejo qualquer coisa que acalante
E mesmo que apascente, num instante
A velha tempestade que conheço,
Quisera ter nas mãos outros caminhos,
Porém ao perceber inúteis ninhos
É tudo o que em verdade então mereço...


69

A noite se promete tão sombria
Entremeando nuvens e fumaça
Enquanto a solidão amara e fria
A sorte; desconheço e o tempo passa.
Aonde se pudera poesia
As vésperas da dor, destino traça
Fugazes elementos da desgraça
Que a cada novo tempo refazia

Os mesmos e terríveis temporais
Não tendo mais à vista terra e cais
Naufrágio se fazendo inevitável,
O gozo da alegria já desfeito
O sonho que tivera; contrafeito
O fim da grande farsa, lamentável...


23170

Nefastas as imagens que carrego
Diversas das que tanto desejara
O sonho num momento desabara
Causando tal espasmo que hoje nego.
Andara pela vida quase cego,
A sorte se mostrando sempre rara
Acasos entre ocasos contemplara
Por mares tão sombrios, eu navego.
O que fazer se nada do que faço,
Usando para tal qualquer compasso
Traçados desiguais, final espúrio...
No olhar de quem proclama algum enredo
A morte se adivinha desde cedo
O amor se perfazendo qual perjúrio...


71

A morte derradeiro gozo e trunfo
Talvez ainda tenha esta cartada
Depois da sorte ser abandonada
O derradeiro canto é meu triunfo.
Apenas um vadio e nada mais
Um pária por sarjetas se perfaz
Não deixo nem as sombras para trás
Os dias que virão serão banais?
Não posso sem oráculos prever
Vencendo as minhas lutas e batalhas
Nas mãos dos inimigos as navalhas
São cortes tão difíceis de conter.
Assim em mar sanguíneo e lamacento
A morte um derradeiro pensamento...


72

Meu derradeiro bem, putrefação;
São fátuos os prazeres que encontrei,
O verso pelo qual eu me encantei
Falando da total destruição,
O medo se escondendo num porão
Fazendo da mortalha sua grei,
Do tempo pouco falo e nada sei
A vida se fazendo em negação...
Percalços são comuns, mas ora bolas;
Enquanto a minha pele tu esfolas
Sorris sem ter motivo; quão sarcástico
E cáustico o delírio em que te empenhas
Minha alma sendo erguida além das penhas
Aspecto putrefeito enfim, espástico...


73

Não devo me iludir sou mesmo nada
E disso não me orgulho nem pretendo
Usar esta verdade como adendo
Depois de ter lutado em longa estada.
A cena há tanto tempo abandonada
O medo que carrego e não desvendo
Meu fado a cada verso se fazendo
Mergulho nesta lama; alma lavada.

Esfarrapados versos te dirão
Do quanto nada tive além do triste
E se alma ainda luta e vã resiste

As armas escondidas no porão
Deveras impotente sou vazio
E morro a cada novo desafio...


74

A sorte que em momentos repudio;
Falaz não poderia ser pior,
O templo da mentiras bem maior
E o gozo se mostrando sempre frio.
O verso abandonado num vazio
Almejo um novo dia em que melhor
Eu possa te falar que sei de cor
O tempo que vivemos; cada fio.

Desfio esta verdade e não prometo
Fazer sequer um verso mais audaz,
Buscara inutilmente sorte e paz,
E agora nos espaços me arremeto
Loquazes madrugadas dispersadas,
As noites não serão enluaradas...


75

Minha alma que quisera multiforme
Adentra os teus castelos vaga mentes
E vagamente entranha em afluentes
Deságua no vazio e vai disforme.

Sem nada nem talvez quem mais informe
Os versos que produzo são dementes
Arranco desta fera as garras, dentes
Ardentes convulsões; mas a alma dorme.

E sonha com momentos mais pacíficos
Restando paraplégicos caminhos,
E os dias que quisera tão magníficos

Ressalvam os meus ermos vãos, sozinhos,
Aprazo este descanso que virá
Embora a sorte negue desde já.


76

Arcaica garatuja cadavérica
Imagem de um aborto perambula
Enquanto se demonstra em fúria e gula
Numa epopéia atroz e quase homérica.
Fazendo da esperança minha América
Não tendo em meu olhar nem guia ou bula,
Herética paisagem que pulula
Tomando uma alma livre, agora histérica.
A vida se moldando em luz prosaica
Mosaico de valores, mente arcaica
Arcádica poesia em versos finos
Por rios e cascatas vago à toa,
Enquanto bem distante a voz ecoa
Ouvindo o redobrar de brônzeos sinos...


77

Momentos muitas vezes solitários
Ausente de meus braços a esperança
A noite em negra tez agora avança
Quisera ter encantos solidários;
Apenas me entregando aos teus sudários
O olhar ao mais distante mar se lança
E enquanto se prepara festa e dança
Os dias que virão sempre precários...
Arcando com meus erros e pecados,
Esgueiro-me entre pântanos mais fétidos
Invernos se aproximam em caos gélidos
Os passos que virão desamparados,
E os dedos desta morte me tocando
Momento visceral, porém mais brando...


78

Sentindo em teu olhar a indiferença
Que possa destroçar qualquer vontade,
Aguardo pela sorte ou novidade
No fundo o que me sobra é desavença.

Por mais que esta ilusão não me convença
Aguardo ter ao fim tranqüilidade,
Deixando a liberdade na saudade
Saudando quem deveras inda vença.

E mesmo sem sentidos, busco ainda
O gozo interminável, senda infinda
Um breve desafio, depois nada...

Cercando cada passo em fantasia,
Alvissareira luz na cercania
Deixando iluminada a dura estrada...

79

Suspenso por diversas reticências
Não posso caminhar em liberdade,
E quando a cruel dúvida me invade
Preparo-me afinal às penitências.

Aguardo pelas minhas decadências
E nelas terei vista esta verdade
Por mais que seja crua e não me agrade
Não posso suportar conveniências.

Excêntrico poeta; tu dirias
E embora me encantando as fantasias
Esmagam o meu ser após o estio.

Diverso do que sempre imaginaste
O amor já não suporta um vão desgaste,
Por isso não provoco ou desafio...

23180

Imagem deste olhar que midriático
Traduz notícia fúnebre e funesta,
O quanto do meu canto ainda resta
Morrendo neste quadro não temático.

Queria pelo menos algo prático,
Mas tudo o que desejo já não presta
Nas mãos as alegrias ditam festa
Porém meu verso imerso em vão lunático...

No quando se perfez outra ilusão,
Cerrando cedo as portas do porão
Atravessando mares e oceanos

Não pude ter ainda esta certeza
E quanto mais audaz a correnteza
Maiores prejuízos grandes danos...


23181 até 23211


23211
Sobre as ondas navego em mar tranqüilo
Deixando estas procelas para trás
A solidão traduz agora a paz,
No mundo que procuro então desfilo.
Ardis que tanto usei nada valendo
A morte da poesia; prenuncio
O espaço em que mergulho está vazio
Beleza se transforma num adendo.
E atento ao que acontece só me resta
Viver o tempo curto que inda sobra
Enquanto o sino ainda não se dobra
Imagem derradeira e tão funesta
Eu canto em liberdade, sem açoites
Dourando em fantasias minhas noites...

23209
Minha alma se esgotando na batalha
Por tantas vezes quis abandoná-la
Deixando tão vazia a velha sala
Aonde a poesia em vão trabalha.
Servindo tão somente de mortalha
Enquanto a minha voz a vida cala,
O tempo ultrapassando nada fala
E a bala se perdendo me atrapalha.
Lançando um tolo brado em direção
Ao que pensara ser uma amplidão
Não vendo uma resposta que convença,
Prossigo solitário cavaleiro,
Teimando com arcaico e vão tinteiro
Evitando porém a desavença...


23207
Os ídolos com pés feitos de barro,
Mentiras repetidas são verdades,
Comprando as mais diversas falsidades
Nas mãos da poesia eu já me agarro.
E teimo em correnteza, não desgarro
Apenas não direi mais veleidades
Por mais que se permitam liberdades
A boca não engole mais o escarro.
Eu sinto esta falência em toda parte
Assassinaram; toscos, a bela arte
E profanaram dela, a sepultura.
Depois são baluartes da esperança,
O fardo; não carrego nem me alcança
Apenas tenho pena da cultura...

23206
Na noite atribulada dos meus sonhos
Insônias entre medos, pesadelos,
Os dias entremeiam-se, novelos
Assustadoramente são medonhos.
Os beijos sempre falsos ou bisonhos,
Melhor é não saber como contê-los
Esqueço mesmo até velhos modelos
Agora no passado; pois tristonhos.

Nasci em meio ao gozo do vazio
E faço do meu canto o desafio
Desfio a realidade e já me perco.
A morte da ilusão amadurece
O gozo da alegria feita em prece
Servindo tão somente como esterco.


23205
Perdura-se esta maga confraria
Que bebe com vontade este vinagre
Teimando ser talvez quase um milagre
O que ousam decifrar por poesia.
Não farei parte mais de tal comédia,
Assento-me deveras na verdade,
Um diamante ao ver a falsidade
Não prende e nem segura qualquer rédea.
Apenas observando este sarau
Aonde profecias são ditadas
Por almas entre arbustos mal criadas
Afundam da esperança qualquer nau.
Eu vejo repetir-se o mesmo rito,
Potencializado ao infinito...

23204
Desfilo o meu talento sem empáfia
E faço do meu verso perolado
Apenas tão somente este recado,
Porém não me entregando à turva máfia
Prefiro caminhar sempre sozinho
Ninguém me escutará, mas eu me basto,
O canto que tentara já tão gasto
Engasgo com mentiras, não me alinho.
E vejo que a verdade morta está
Apenas fantasias e joguetes,
Não solto nem proclamo com foguetes
O encanto que este verso não trará.
Medonhos os desvios da poesia
Minha alma libertária não se alia...

23203
No assombro que se mostra a cada verso
Ouvindo dos marulhos tradução
O velho timoneiro, a embarcação
Galgando desde o mar tal universo.
Em meio às ilusões fora disperso
Agora ao perceber a direção
Escuto de mim mesmo a negação
Entregue aos meus dilemas, sigo imerso.
Perversas emoções, falsos sorrisos,
Mentiras entre gozos e risadas.
Assim ao traduzir minhas estradas
Arrebentando agora os toscos guizos,
Não quero ser apenas um palhaço
E um novo amanhecer deveras traço...

23202
Isolo-me; deveras sou arcaico
E vivo tão somente por saber
Que mesmo sendo até mesmo prosaico
Alguém possa talvez, um dia ler
Escrevo numa espécie de mosaico
E bebo a fantasia sem querer
Trazer à vida um tom cristão ou laico
Apenas decifrando o desprazer.
As pérolas aos porcos? Nunca mais,
Esgoto dentro em mim os meus anseios.
E teimo em prosseguir nos árduos veios
Por mais que não pareçam os normais.
Ourives da palavra sou poeta,
Somente a poesia me repleta...

23201
Guiado pelas mãos de Beatriz
Após ter enfrentado o duro inferno
Quem sabe então seria mais feliz
Deixando para trás nevasca, inverno.
Porém realidade se desdiz
E o que pensara manso ou mesmo terno
Demonstra os meus ares turvos, vis
E defronte à realidade em paz hiberno.
Dantescas ilusões, rara epopéia
Enfrento dentro da alma a centopéia
Gigante Calabar que desafio.
Ao fundo se gargalha esta Medusa
Quimera que deveras usa; abusa
Fazendo-me estopim, ledo pavio...

23200
Sentindo em minhas costas as vergastas
Lanhando com diversa profusão
Pergunto e sempre encontro o mesmo não
Por que ao ver o fim, tu já te afastas.
Imagens são deveras mais nefastas,
A morte não merece aprovação.
Porém ao dividir tal provação
Pudesses redimir. Mas não te bastas

Apenas esta cena, degradável
O mundo que sonhei mais agradável
Trazia algum prazer ; vagas mentiras?
E agora que o final se mostra claro,
Invés de companhia ou mesmo amparo,
O que negas aos cães tu já me atiras...

23199
Quem dera se de luz fosse banhado
O sonho que carrego; fantasias;
Além deste universo que querias
O tempo muitas vezes ao teu lado.
Mas quando vejo o fim já disfarçado
Em falsas e terríveis alegrias,
Apondo no caminho as agonias
Caminho entre os espinhos malfadado.
Não deixo de tentar alguma sorte,
Mas como se bebendo desta morte
Gotículas em doses mais crescentes
Olhares que inda tento disfarçar
A trágica loucura que ao findar
Expõe como uma fera, garras, dentes...

23198
Nos olhos mascarando o teu pavor
Diversas ilusões acumuladas,
As horas pela vida degradadas
Nas mãos a morte em forma de um andor.
Atravessando montes; sou condor
As hordas de fantasmas disfarçadas
Adentram pelas casas, paliçadas
Imagem dura e tétrica a compor.
No vasto das planícies de onde vim,
O medo se tornando mais freqüente
Pudesse caminhar inconseqüente
Talvez não padecesse tanto assim.
Mas vendo a morte em cena, triste ocaso,
Do fim que se aproxima já me aprazo...

23208
Caminho por um vale feito em trevas
Escuros os desvios e os atalhos,
Nos dedos e nas mãos profundos talhos
As dores permanecem, são longevas
Escravo das estúpidas mentiras
Que tanto apregoaste no passado,
O passo muitas vezes destroçado
Dos sonhos nem sequer pequenas tiras.
Resumo a minha vida no não ser
Servil, envilecido nada quero
O gosto do prazer amaro e fero
Impede um claro e belo amanhecer.
Somente a morte molda a fantasia
Quem sabe, nos seus braços, a alegria...

23197
Caminho por um vale feito em trevas
Escuros os desvios e os atalhos,
Nos dedos e nas mãos profundos talhos
As dores permanecem, são longevas
Escravo das estúpidas mentiras
Que tanto apregoaste no passado,
O passo muitas vezes destroçado
Dos sonhos nem sequer pequenas tiras.
Resumo a minha vida no não ser
Servil, envilecido nada quero
O gosto do prazer amaro e fero
Impede um claro e belo amanhecer.
Somente a morte molda a fantasia

23196
Ao longe no horizonte esta colina
Aonde em pensamentos imagino
Poder sentir o toque cristalino
Do amor que tantas vezes me fascina.
Por ser tão tentadora me domina
E desde os meus primórdios, o menino
Tomado por completo desatino
Pensara ali mudasse a dura sina.
Mas quando consegui alçar montanhas
Pensando nas vitórias e façanhas
Eu vi que na verdade era ilusão
E volto a perceber a realidade
E embora ainda teime em liberdade,
Rastejo sobre o agreste e duro chão...

23195
Abandonando agora este caminho
Que outrora se fizera mais seguro,
O medo do presente e do futuro
Invade sem defesa o velho ninho
E quando do final eu me avizinho
A sorte caprichosa eu emolduro
Por sobre cada passo, salto o muro
E vejo que inda estou muito sozinho.
Deveras deveria ter nos olhos
Além das urzes, pedras, dos abrolhos
A pura perspectiva de uma flor.
Mas quando vejo em volta a negação
Volvendo à realidade desde então
Mudando a minha história bebo a dor...

23194
Meus sentidos o sono quando os toma
Devastações profanas entre tantas
E quando com verdades desencantas
Adentro este torpor, supremo coma.
Apenas o vazio dita a soma
E mesmo quando em guerras tu levantas
Ainda assim abrolhos cevas, plantas
E a vida ao mau presságio já se assoma.
Negar os velhos ditos deste oráculo,
Fugir desta mortalha e seu tentáculo,
Apenas ilusão e nada mais.
O sono que devia apascentar
Pelo contrário vem desmascarar
A ausência pertinaz de um manso cais...

23193
Pudesse te contar como soubera
Das vestes tão puídas da esperança,
Mas quando no vazio a voz se lança
Teimando com suprema primavera.
A amiga solidão, negra pantera
Almejando o final que agora alcança
Estância em plena paz, vaga lembrança
Do que vivi outrora, hoje é quimera.
Nefastas nuvens dizem temporais
Resposta repetida: nunca mais,
Minha alma se entregando à correnteza;
Pudesse ter nas mãos algum escape,
Porém a morte traz no seu tacape
Uma última verdade, esta certeza...

23192
Jamais sonegarei qualquer verdade,
Pois dela me alimento e me sacio
Se o tempo muitas vezes desafio
Ainda posso crer na liberdade.
Mas quando me deparo com saudade
A vida novamente; em vão, desfio
E tudo o que inda penso, falo ou crio
Esvai-se num esgoto que me invade.
No velho lamaçal adentrando a alma
Somente a solidão inda me acalma
E o medo do futuro me acompanha.
Erguendo um claro brinde à poesia
Que em meio às tempestades me alivia
Cicuta faz as honras da champanha...

23191
Já havia deparado com o espelho
E visto esta figura caricata
A sorte que deveras me arrebata
O fim se aproximando, eu me aconselho
E nada mais que possa dirimir
As dores que não querem sossegar,
Exposto aos raios prata do luar
À noite em sonhos belos, meu porvir.
Mas tudo é ilusão, e passageira,
A dura realidade não descansa
Houvesse ainda um resto de esperança
Quem sabe. Mas a morte é corriqueira
E dela ninguém pode se furtar
Por mais que beba os raios do luar...

23190
Acerbo este caminho leva à morte
Que tantas vezes tive à minha frente
Por mais que parecesse estar descrente
É nela a realidade firme e forte
Sem tem sequer um sonho que conforte
O fim se aproximando alma pressente
E mesmo quando a vida violente
Assim já se traçou destino e Norte.
Não posso sonegar esta verdade
E creio ser movido por tal fato
Se às vezes o futuro desacato
Apenas são bravatas; liberdade...
Ao vento estas palavras seguem soltas
Enquanto as minhas horas vão revoltas...

23189
Por ser tão curiosa esta memória
Refaz cada momento que encontrei
Regalos que fizeram quase um rei
Até segundos raros de vanglória.
Da empáfia à realidade, minha história
Há tanto que deveras enfrentei
Diversa deste encanto que busquei
O canto mostra a senda merencória.
E apenas o vazio permanece
Nos olhos os favores de quermesse
E a prece Inesgotável serventia.
Talvez se visse espelhos com acerto
Meu mundo não seria este deserto
Que a cada amanhecer mais se esvazia...

23188
Encontro em descaminho áspero solo
Enfrentando as falésias e penedos,
A vida se embrenhando em seus segredos,
Apenas tão distante, eu me consolo,
Enquanto sou vassalo nego o colo
Ausente de meus olhos toscos medos,
Mantendo mais distante; olhos, dedos
A cada nova queda mais me esfolo.
Atrozes os desníveis desta senda,
Não posso mais vencer qualquer contenda
Nas tendas em que durmo, solidão.
Hereges preconceitos, tolos tempos,
A cada nova curva, os contratempos
Levando ao vão naufrágio a embarcação...

23187
A vida pra quem sonha é tão penosa
As dores cultivadas no jardim
Volvendo a cada instante dentro em mim,
O medo se espalhando em toda rosa.
Levara a sorte ao menos, vaporosa,
Vagando por espaços sem ter fim,
Vislumbro amanhecer e sei assim
Que a sorte muitas vezes é danosa.
O quanto imaginara soberano
No fundo apenas restos do que tive,
Minha alma tão somente sobrevive,
Aguardando o final, abaixa o pano
E a peça mal escrita já termina
Selando com a morte a negra sina...

23186
A senda tantas vezes tenebrosa
Por onde procurara uma esperança
Espinhos decorando toda rosa
Na ponta dos teus dedos, fina lança.
E quando vejo imagem vaporosa
Beleza sem igual, a vista alcança;
Mas logo a realidade chega e avança
Matando esta alegria caprichosa...
Ao novo amanhecer se o sonho atreve
Encontra pela frente o frio e a neve
Nas mãos os velhos calos, nada além.
E teimo em procurar a fantasia
Que a cada amanhecer de novo adia
E com certeza, amigo, nunca vem...

23185
Durante esta jornada pela vida
Sombrios descaminhos; encontrei
Esperança deveras já perdida
Apenas a desgraça sendo a lei
Houvera mais distante uma saída
Que há tanto sem destino procurei;
Volvendo à solidão, sutil ermida
Agora nada tenho e nem terei;
Seguir sem perceber as armadilhas
Durante a noite em trevas quando trilhas
Verás já decompostos os teus sonhos.
Mereço melhor sorte? Não respondo,
O dia a cada tempo recompondo
Promete pesadelos mais medonhos...

23184
Buscara pelo menos um conforto
Em meio a tantos cactos e aridez
Apenas uma leda estupidez
O tempo de sonhar, apenas morto.
Teimando com um cais, distante porto,
Minha alma em tal loucura já desfez
A rota que deveras na altivez
Pensara e prosseguindo tão absorto

Não pude perceber ser impossível.
Além do que julgara imperecível
A vida se prepara para o fim.
E bebo este veneno em raro cálice
Enquanto a realidade grita: cale-se!
Mergulho no abissal que existe em mim...

23183
A morte com sarcasmo ao ver-me brada
E lança o gargalhar decerto espúrio
Minha alma acostumada com perjúrio
Olhando de viés fica calada.
A sorte há tanto tempo abandonada
Ouvindo da esperança algum murmúrio
Destino procurando quem depure-o
Percebe quão vazia a minha estada.
As horas me devoram e não resta
Senão esta figura que, funesta
Aguarda bem tranqüila o ato final.
E a morte amortalhada em negros trajes
Sorrindo e blasfemando seus ultrajes
Demonstra o seu orgulho triunfal...

23182
Havia dentro em mim uma esperança
Que sei agora ser simples tolice,
A vida prometera e já desdisse
Enquanto o que procuro não se alcança.
Ouvindo o mesmo grito que a lembrança
Tramando o que a verdade não cumprisse
Caminho alternativo que se visse
Mentira sem alcance, a vida lança.

Morrendo a cada instante em que sonega
O alento e o lenitivo necessários
Os dias que virão; ledos corsários
Por mares onde a sorte não navega
E todos os presságios dizem não.
Naufrago sem perdão, cada ilusão...

23181
Apenas um espectro celerado
Que vaga pelas noites sem paragem,
Especular visão, sombria imagem
Restolho de um escombro do passado,
O olhar assim distante está parado,
Sem ter um horizonte, uma miragem
Traduz ao longe o gozo da estalagem,
Mas vejo novamente estava errado.
Recolho os meus pedaços e prossigo,
Nas rotas fantasias que inda restam
Relíquias que em detalhes sempre atestam
Um conforto longínquo em manso abrigo,
E agora este farrapo, a noite traz
Tentando pelo menos, morte em paz...

23180
Mal pude perceber tua chegada
Vieste sorrateira em noite escura
Da eterna frialdade, sem ternura
Jamais esperaria além do nada.
A lua prateando esta calçada
As sombras de quem vaga e que procura
Alguma forma insana de brandura
Ou mesmo algum remanso e já se enfada.
Bateste em minha porta e com sorrisos
Deixando perceber certo sarcasmo
Silenciado então, atento e pasmo
Após ouvir de ti toscos avisos
Eu percebi selada a minha sorte,
Nos ermos mais risonhos de uma morte...


23212 até 23239


23238
Magérrima figura que se mostra
Defronte ao velho espelho; quando o miro
Se fechando em si mesma, bebe o tiro
E deixa dos seus erros mera amostra.

Nas crostas que criara a infestação
Das larvas destruindo este tecido,
Condena-se deveras ao olvido,
Ao longe se percebe a podridão.

Escarnecido cão vaga sem dono,
Pudesse ter ao menos um afeto,
Mas quando nos esgotos me completo
Percebo quanto a vida eu abandono

Nesta metamorfose, decomposto,
Aos olhos dos passantes sigo exposto...

23237
Quimera que deveras não me deixa
A sorte não podia ser diversa
A noite entre fantasmas se dispersa
Ouvindo no final apenas queixa.

Quem fosse que pudesse traduzir
A voz inebriante do passado
Tentando consertar o mais errado
Desejo a impedir qualquer porvir.

Abençoada mão que esbofeteia
E corta em mil pedaços cada sonho.
Espectro de mim mesmo que componho
Vagando pelas luzes da candeia

Enquanto bruxuleia esta saudade
O medo aos poucos doma e tudo invade...

23236
A fronte; então levanto e busco a foz
Por onde derramasse fel e lava
Minha alma constrangida, serva, escrava
Procura algum alento, mas atroz
A vida emaranhando velhos nós
O passo que inda busco já se trava
E sou apenas isso, mera larva
Que um dia quis crisálida; porém
A sorte caprichosa não contém
O riso de alegria que eu sonhara.
Assim ao terminar mais um soneto,
Nos braços do passado me arremeto
Bebendo a luz tão clara e a vida amara...

23235
Inquieto coração que não sossega
Vagando por milhares de planetas
Enquanto os mesmos erros tu cometas
Minha alma ultrapassada segue cega.
Adentra o mar tranqüilo e não navega
Relembra de Florbela e violetas
Prepara a cada verso outras falsetas
E a boca de outra boca se desprega.
Pereço quando teimo em ser poeta,
Formal feito um fantasmas não consigo
Viver em liberdade, vaso antigo
Que a sorte tendo o brilho como meta
Não deixa mais sequer um só momento
Aonde possa crer num doce alento...

23234
Um cadáver apenas nada mais,
Há tanto abandonado em algum túmulo,
A poesia agora chega ao cúmulo
E os ossos que vos falam, ancestrais.

Apodrecido em vida, me retiro
E deixo-vos apenas a mensagem
Por mais que seja tosca esta paisagem
A cada esquina ouvindo mais um tiro.

Tentei por algum tempo ressurreto
Volver após estar já putrefeito
Ao mundo; mas não surte mais efeito
E o ciclo finalmente aqui, completo.

Mergulho neste abismo constrangido,
De onde não deveria ter saído...

23233
O medo do que um dia se fez novo
Movendo o meu caminho em temporais
Não quero ter os olhos no jamais,
Tampouco retornar ao mesmo povo

Que outrora se fizera companheiro
E agora me sugando cada gota
A força sendo frágil já se esgota
O amor nunca será mais verdadeiro

A farsa de um amante está desfeita
Imagem cadavérica somente
Arcaica garatuja inda mente
Enquanto te seduz, falsa, deleita.

E o quarto abandonado sempre às traças
Destrói farrapos podres quando passas...

23232
A face leonina da verdade
Arrancando os meus olhos me permite
Falar da solidão, mero palpite
Que entranho como fosse liberdade.
Nas mãos o gosto amargo da saudade
O beijo que pensara ser limite
Atordoadamente já se evite
A mata aonde o gozo agride e invade

Nefastos versos trago inebriado,
Nos olhos desvencilho-me e o pecado
Após as ermas noites me domina.
O quanto não teria se inda fosse
Apenas tão somente este agridoce
Poeta que deveras não fascina...

23231
Quem dera se pudesse doce e mansa
A poesia atroz que me fascina
Enquanto a realidade me extermina
Uma alma cristalina ainda dança
Mergulho tão solene na lembrança
E bebo desta fonte que ilumina
Uma alma delicada desatina
E temerária atroz, ainda avança
Segredo meus momentos de delírio
Ainda que pudesse em vão martírio
Negar a realidade que maltrata
Não mais teria o gozo venturoso
De quem se faz etéreo e caprichoso
A vida não será jamais sensata...

23230
Sentindo esta presença tão cruel
Da fera atocaiada numa esquina
Escondo o meu olhar, abaixo o véu
E o medo deste bote me domina.
A morte também fera em seu papel,
Ao mesmo tempo assusta e me fascina,
Girando como fosse um carrossel
Bebendo desta fonte cristalina
Amortalhado sonho não me ilude
Viver além do quanto ainda posso
Por mais fragilizado e sem saúde
Apenas reação ainda esboço
E cerco-me de estrelas fumegantes
O fim já se aproxima em tais instantes...

23229
Primores entre raros movimentos
Belezas encenadas, triste peça
Sem ter esta ilusão que ainda impeça
Persigo os meus fantasmas e tormentos.
Os dias que se passam frios, lentos
Minha alma em solidão feroz se engessa
Pergunto por que tenho tanta pressa
Se sei jamais virão quaisquer alentos.
Não tendo solução nem a permito,
Apenas me restando um frágil grito
Resulta nesta rigidez granítica.
A porta que pensara estar aberta
A morte se aproxima e já me alerta
Mostrando-se real e jamais mítica...

23228
O amor que tantas vezes quis divino
Afasta-se deveras dos meus passos,
E quando percebendo vãos, espaços
Nas tramas que inda restam me fascino
E embora nada além deste menino
Que traz nos seus olhares, brilhos lassos,
Estendo minhas mãos procuro laços
E assim o meu futuro; determino.
Na ausência da esperança o que seria
Do mundo, simplesmente uma agonia
Viver esta utopia nos faz bem
Mas quando solitário caminheiro,
O mundo tão cruel se verdadeiro
Na busca interminável, nada vem...

23227
Quem dera por mil astros, rodeado,
Qual fora um sol imenso em dia claro,
Mas quando vejo o tempo assim nublado
O fim das esperanças eu declaro,
Quisera ter alguém sempre ao meu lado,
Porém um fato assim deveras raro
Trazendo o meu olhar tão marejado
Traduzo a cada verso o desamparo.
À parte deste mundo, solitário
Quem dera noutras eras, solidário
Porém o meu fadário não se engana.
Apenas a mortalha me acompanha
A dor que se demonstra assim tamanha
Uma alma sem descanso já profana...

23226
Aurora resplandece e entorna cores
Mudando este cenário; abençoando
O dia que nascendo irá sanando
Das almas dos poetas tantas dores...
Inútil fantasia trama flores
E o quadro permanece. O vento brando
Encontra o mundo tosco desabando
E segue por aonde ainda fores.
Escuto a tua voz, longínquo grito
Errôneo cavaleiro em disparada
Ao fim de mais um dia, outra jornada,
E o coração persiste sempre aflito
Quiçá possa encontrar um novo alento
Diverso do que trouxe o brando vento...

23225
Quisera caminhar por outras sendas
Aonde houvesse luz entre cascatas,
Adentro sem saber terríveis matas
Segredos que tampouco tu desvendas,

Nos olhos embotados, frias vendas,
Um tanto carinhosa me arrebatas;
Mas logo vil pantera tu me matas
E deixas no lugar amargas lendas.

Serenas serenatas do passado
No olvido não serão mais relembradas
As noites que pensara enluaradas

O tempo segue agora em vão, nublado.
Morrendo entre teus dentes doce fera,
A vida noutra senda regenera...

23224
Meu caminho tolhido pela dor
Que tanto me persegue e não me deixa
Ouvindo da esperança qualquer queixa
Quisera ser ainda um sonhador.

Mas tudo se passando desta forma,
Ausente da esperança; sigo só
Volvendo neste instante ao mesmo pó
Que a vida pouco a pouco já deforma.

A senda mais profícua; inda procuro
E vejo que talvez nada aconteça
Só peço: pelo amor de Deus me esqueça
Não posso suportar um chão tão duro.

Vergando sobre o peso do passado,
Apenas um momento destroçado...

23223
A fera não se afasta e permanece
Olhando para mim, com mansidão,
Eu sei que no final devastação,
É como se defronte não houvesse
Um ser que tanta dor atroz padece
E muda vez em quando a direção,
Tentando algum alívio e solução,
Porém felina audaz não obedece.

Quem dera se de mim compadecida
Poupasse pelo menos minha vida,
Mas nada me permite imaginar
Outro final senão a morte agônica
Assim durante a vida, a mesma tônica
Atônito; não pude caminhar...

23222
Figura cambiante, transtornada
Vestida de ilusão finge pensar
Que ainda existe tempo pro luar
Não vê a morte exposta na calada.
O vento que pensara uma lufada
Terrível tempestade a se formar,
Os sonhos esquecidos nalgum bar
Durante o meu passado, madrugada.
Agora não consigo mais saber
Aonde se escondeu a estrela guia
Mortalha revestindo a poesia
Cansado de lutar e de viver.
Olhando para o espelho vejo em mim
As marcas tão profundas do meu fim...

23221
Num salto sobre mim esta pantera
Expondo suas garras, firmes dentes,
Sangrantes ilusões, cruel espera
Os dias entre as ânsias são dementes
E quando se prepara ao bote, a fera
Em ritos tão macios e envolventes
Quais fossem os carinhos das serpentes
Atocaiado monstro; o medo gera.

E ao mesmo tempo traz tal sedução
Que entregue ao seu poder fico parado.
O bote com cuidado preparado,
O corpo destroçado cai ao chão,
E as aves rapineiras; calmos gestos,
Devoram com prazer enorme os restos...

23220
Subindo ao mesmo instante em que meus versos
Alçaram cordilheiras entre os sonhos,
Mergulho nos abismos mais medonhos
E bebo dos sentidos tão diversos.

Seria o que talvez salvasse quem
Depois da tempestade nada teve,
O beijo mais atroz não se conteve,
Enquanto a madrugada fria vem

Eu traço os meus engodos entre as cores
E sei que a minha morte se aproxima,
Não sendo tão somente simples rima
Deixando para trás falsos amores.

Olhando este retrato amarelado
Entorno cada gota do passado...

23219
Firmando a cada passo mais os pés
Não deixo me levar pelos modismos,
Tampouco me exporei aos cataclismos,
Não quero nem algemas nem galés.
Apenas não suporto tal viés
Deixando a poesia sem batismos
Nem mesmo suportando novos sismos
Soneto merecendo rapapés.

Ourives sem as gemas não produz,
Agora escuridão sonega a luz
E o que era decassílabo se esgota.
Não tenho paciência para tanto,
O esgoto traduzindo desencanto
O terno entre bermudas se amarrota...

23218
Seguindo sempre avante enfrento os mares
Teimoso capitão perdendo a nau
Naufrágios entre medos, rondas bares
O rito se mostrando sempre igual,
As velhas poesias seus luares
Moldando este momento triunfal
Aonde o desacerto é tão normal
Friáveis sentimentos são vulgares.
Não posso me deixar levar; contudo,
Embora solitário inda me iludo;
E teimo com meus versos mais ritmados
Soneto com tal veste esfarrapada
Não diz aos meus ouvidos quase nada
E os sonhos entre trevas enterrados...

23217
Meu corpo entre os lençóis deveras lasso
Batalhas que diárias não descansam,
Enquanto estas palavras vãs se lançam,
Pergunto se valeu sequer um passo.
E quando o meu porvir, medonho traço
Os olhos sobre mim nunca se amansam,
Promessas abortadas já se avançam
E o tempo perde rumo e sem compasso
Num pendular tormento a vida plana
Manter a porta aberta, soberana
Não deixa algum momento em liberdade.
As velhas mariposas retornando
E o que pensara outrora fosse brando
Transforma-se em loucura e em vão me invade...

23216
Não creio ser ditoso quem procura
A sorte em meio a vagas ilusões,
Por mais que se protelem soluções
A vida não trará mais esta alvura
Que um dia sonegando a noite escura
Mudara dos meus olhos direções
Tomando num segundo as amplidões
Forjando novo tempo em que a ternura
Pudesse desfiar belos matizes
Cegando os meus atrozes, vãos deslizes
Moldando um claro e raro amanhecer.
Mas sendo tão somente fantasia
A realidade clama e desafia,
Melhor é descansar e em paz morrer...

23215
Vencido desde já um tosco espaço
Por onde perambulam almas vãs
Procuro pelas cores das manhãs
Vislumbro tão somente o meu cansaço.
E quando pelas nuvens inda passo
Espreito as alegrias vejo as cãs
O cais sonega a volta de amanhãs
Perdidos nesta noite; em que desfaço

Os nós que me atariam ao viver
E os crivos matariam cada sonho
Ainda que longínquo; não componho
Sequer uma ilusão, pois desprazer
Espalha pelo chão as armadilhas
Sonegando os caminhos onde trilhas...

23214
Tomado por total ansiedade
Vencendo os dissabores mais frequentes
Os sonhos entre nuvens, penitentes
Apenas veredicto que se aguarde
Quisera ser mais crível liberdade
A faca carregando entre meus dentes
Momentos mais felizes são urgentes,
Somente a solidão fatal me invade.
Medonha criatura serpenteia
No mar que tantas vezes ancorei,
A sorte se envolvendo em tosca teia
Acasos refletindo o que julgara
Deveras depois disso, nada sei
Somente a morte em vida se declara...

23213
Lutando contra o mar tão perigoso
As ondas entre ventos, tempestades,
Meu barco não suporta as novidades
Aderna sobre as ondas, caprichoso.
Aonde percebera qualquer gozo
Deveras não vislumbro as claridades,
Apenas me tomando falsidades
Mergulho no oceano vaporoso.
Dos gêiseres que tanto me aqueciam
Apenas as crateras e o vazio.
Os dias em poesia feneciam
Mortalha que inda trago pesando a alma,
Futuro de um poeta é tão sombrio,
A sorte traiçoeira, ainda acalma...

23212
Olhando para o céu sigo esgotado
Depois de ter lutado a vida inteira
Reluto e bebo as gotas do passado,
A morte minha amiga derradeira
Deitando mansamente do meu lado,
Estrela de minha alma, corriqueira,
O tempo se demora e maltratado
Não tenho mais sequer quem inda queira;
Vazio um pária segue nas sarjetas
Pensara ser apenas quais cometas
Que um dia voltarão; inútil sonho.
Do escuro que surgi; ao mesmo volto
Os trunfos que guardei; aos poucos solto
E o fim turvo e vazio, assim componho...

23211
A noite em pesadelo, atribulada
Vencendo os mais complexos temporais
O barco se afastando de algum cais
A morte a cada instante anunciada.
A vida em tal terror já transformada
Diversos infinitos siderais
Vagando por caminhos infernais
Depois de tanta luta, resta o nada...
A sombra do que fomos; nos espreita
A lua sobre as nuvens se deleita
E guarda os raios prata, veste luto.
Assim ao despertar, a morte ronda
Nos lábios no vazio arranco a sonda
E contra a própria vida, a esmo luto...

23240

A vida se entregando a quem deveras
Enfrenta sem temor o dia a dia
E nada mais decerto se veria
Além do que por certo em paz esperas,

Vagando tão silente enfrento as feras
E vejo a cada passo esta agonia
E quando enfim vagasse em harmonia
O pouco dentro da alma destemperas.

Vestindo esta ilusão, já nada pude
E sei deste caminho agora rude
E nele me entranhando a cada engodo,

Depois de imaginar um fértil solo,
Agora na verdade eu me consolo
Vivendo tão somente em limo e lodo.

23310
A mosca é muito chata, na verdade
Pousando no cocô e na comida
Tem gente neste mundo distraída
Que engole logo a mosca com vontade.

Porém a mosca tem outra maldade
O fato de ser muito da enxerida
Invés de dar um beijo, uma lambida
Nojenta a danadinha é realidade.

Porém eu descobri suas vantagens,
Carrego uma comigo, isto é constante
Guardada escondidinha no meu bolso,

Durante os meus passeios e viagens
Num chique e bem careiro restaurante
Na sopa é reclamar que dá reembolso.

23309
O fato é que de fato o flato vem
E quando vem amigo é um sufoco
Quem é culpado? Nunca vi ninguém
Senão sai pontapé, pisada e soco.

No elevador então, ali também,
Tem gente segurando o seu brioco
Terrível flatulência do meu bem
Se cura só se alguém coloca um toco.

Cutuca com taquara este culpado
Mas não cutuque nunca o coco errado
Cuoco faz tremenda confusão.

Chegando na feirinha ou no mercado,
Porém jamais eu vi um tão furado
Do que o do fundador do blocozão...

23308
No papo deste pato já não caio
O papo com certeza está furado
Deu briga, do poleiro logo saio,
Não quero mais ficar nem depenado.

Quem fala sem pensar é papagaio
E ainda se metendo em trem errado,
Galinha vai fingindo algum desmaio
O troço está ficando complicado.

Tem gato se fazendo de bichano,
Bichano se fazendo de gatinha
É melhor ir baixando logo o pano

Senão vai todo mundo pro buraco
Da Angola veio logo esta galinha
Dizendo sem parar : eu já tô fraco...

23307
A foca mal sabia da fofoca
Que foca já não gosta disto não
Confundem a jibóia com minhoca
Na certa isto vai dar é confusão.

O rio pá no mar é pororoca
Lagoa de mineiro é um marzão
Se sobrou muita coisa, amigo estoca
Quem gosta deste pinto é gavião.

Assim a bicharada se diverte
Lagoa tem o sapo e a perereca
Na zebra é bem difícil que se acerte

Menino tem que ter educação
O dedo no nariz tira meleca
Fazendo de bolinha até bolão...

23306
A tantos a miséria ronda e ataca
O quadro se aproxima do final,
E vejo em teu olhar o triunfal
Delírio de quem usa a fina estaca

Qual fora algum corsário que se atraca
No cais aonde aguardo o meu fatal
Momento que julgara factual,
Mas vejo em tuas mãos o gozo e a faca.

Não pude sonegar a realidade
O amor não sendo vivo na verdade
Altivas emoções nos causa; e a dor

Que tantas vezes vi na tua face
Agora após o frio deste impasse
Mostrando o seu jogral revelador...

23305
Nos olhos o reflexo da ambição
O gozo dos prazeres inauditos
Os olhos entre risos, riscos, ritos
No fundo o que nos resta é sempre o não.

Vencer a cada dia um turbilhão,
Enfrento estes momentos que, malditos
Deixando os pensamentos mais aflitos
Diverso do que molde ao rés do chão.

Descrevo-te feroz insaciável,
O gesto de perdão inalcançável
Defesas? Não consigo acreditar.

Usando de artimanhas e armadilhas
Dourando madrugadas, ermos trilhas
Expondo-se aos desejos do luar...

23304
A loba que devora seus filhotes
Nas garras sanguinárias vejo o fim,
Depois como um banquete pros coiotes
O pouco que restou então de mim.

As cobras entre as matas, firmes botes
Matando o que pensara ter enfim,
A faca que se entranha em tantas glotes
A morte me rondando, é sempre assim.

Esparsas alegrias, raros risos,
A vida acumulando prejuízos
Não deixa que eu consiga respirar.

O beijo traiçoeiro de quem quero,
Sorriso tão sarcástico quão fero
A morte se aproxima devagar...

23303
A fronte se levanta mais feroz,
Faminta a fera espreita na tocaia,
Bem antes do que o sonho já me traia
Escuto ao longe os ecos desta voz.

Queria ter ao menos para nós
Um dia passeando em plena praia
Olhando o sol que aos poucos se desmaia
Deixando no passado a dor atroz.

Não deixa que eu consiga ter tal sonho,
Aos poucos sei que enfim me decomponho
E nada sobrará; mas morto embora

Terás ainda em ti vaga lembrança
No vento que tão manso ora te alcança
Na rosa que em canteiros bela, aflora...

23302
Por vezes circunspecto vejo a vida
Detrás destes meus óculos- miopia
Assim vou deformando a fantasia
Acaso não teria outra saída

Que um dia demonstrasse já perdida
A glória que talvez trague alegria
De uma alma que deveras se extasia
Mesmo que outra vertente se decida.

Apenas o meu canto se disfarça
Deixando para trás o que era farsa
São falsas ilusões, cruel fadário.

E o verso mais audaz; inda consigo
Fugindo do que fora desabrigo
Guardado nas gavetas deste armário...

23301
Inquieto; eu busco o tempo de viver
Ainda restariam tais acertos
Desperto para o risco do prazer
Nem mesmo se pensasse em teus concertos

Arcando com meus erros, posso ver
Depois de tanto tempo se os consertos
Trouxeram o que tinham por trazer
Após os dias trágicos e apertos
.
Não vou fazer dos versos apanágio
Do quanto já sofri, vero naufrágio
Somando os meus vazios, resta o quê?

Macabras ilusões são minhas marcas
E quando os meus sonetos tu abarcas
Procuras minhas sendas, mas cadê?

23300
Pavor se mostra inteiro no meu peito
Deveras a verdade não consola,
O quanto desejara e insatisfeito,
A porta se fechando, o amor degola.

Não pude perceber sequer direito
Aonde me perdi, só sei que a mola
Ejeta esta esperança; antigo pleito
Enquanto a fantasia já se isola,

Pudera ter nas mãos esta resposta,
A mesa com certeza estando posta
Não posso me negar à refeição

Infaustos são comuns, disto bem sei,
Mas quando isto se torna quase lei,
Aonde em que sentido há direção?

23299
Revejo a tua imagem refletida
Nos óculos de quem tanto queria
Assim se desenvolve a minha vida
Numa expressão diversa da alegria.

O quanto se desenha já perdida
Não deixo me levar pela utopia,
E quando a velha porta está rompida
O tempo com certeza sempre esfria.

Melhor pudesse ter outras imagens
Que ao menos retorcidas não seriam,
Assim os meus tormentos cessariam,

Dourando com magia estas paisagens,
No olhar de quem amei, o teu reflexo,
Opaco, indefinido e tão sem nexo...

23298
Pudesse preservar a noite mansa
Entre diversas luzes constelares
Marcantes ilusões o peito alcança
Fazendo da alegria seus altares.

O vento prenuncia esta mudança
Então soltando cantos pelos ares
Enquanto ainda resta uma esperança
Mantenho bem regado os meus pomares.

Primores encontrando nestes brilhos
De raras alvoradas multicores,
Seguindo com carinho colho flores,

Deixando os estilhaços, traço trilhos
E atalhos onde possa caminhar
Mirando o céu brilhante e constelar...

23297
Afasto-me dos sonhos do passado
Entrego-me aos desejos desta fera
Aonde desejara primavera
O inverno se demonstra assim gelado.

E o quadro não mudando, preservado
Apenas nos meus olhos esta espera
Que tanto me alimenta e desespera
O vento noutro rumo, desgraçado.

Pudesse pelo menos crer possível
Um dia em que viver fosse melhor,
Mas como se este sonho sendo incrível

Transborda em pesadelos infernais
O quanto deste mundo sei de cor
Impede que eu vislumbre ao longe, o cais...

23296
Minha alma se infundindo de esperança
Expressa num sorriso a falsa imagem
Diversa da verdade, esta miragem
Em meio às tempestades vem e avança.

Trazendo finalmente a temperança
Que tanto necessito. Esta paisagem
Moldada do real, estando à margem
Da dor a qual meu sonho enfim me lança;

Cercado de ilusões e tantas farsas
Os dias entre medos logo esgarças
E passas como quem nada sofreu.

Amenas emoções? Não me contento,
Estando aos teus caminhos sempre atento,
Enfrento a tempestade em treva e breu...

23295
O sonho desfilando em seus primores
Momentos de alegria e de tristeza,
Por mais que se misturem tantas cores
Navego contra a forte correnteza,

E as nuvens sonegando tais albores
Impedem ao olhar tanta beleza,
Minha alma sem ter nada se diz presa
Enfrenta espinhos fartos, mata flores.

Seria do poeta esta verdade?
No quarto de dormir o medo invade
E tomando de assalto o meu descanso,

Insone, madrugadas sempre em claro,
O quanto desejei e não declaro
Demonstra o que jamais, querida, alcanço...

23294
Falando deste amor que sei divino
Entôo com mais vontade melodias
Que falem de ternuras e alegrias
Deixando o dia calmo e cristalino.

Vivendo esta emoção eu me alucino
E verto pelos poros fantasias,
Mas quando estes momentos; esvazias
O sol que outrora estava pleno e a pino

Encoberto de nuvens prenuncia
Imensa tempestade e ventania
Deixando o entardecer bem mais dorido.

Esqueço esta ventura e volto ao medo,
Sequer algum sorriso; inda concedo
E o tempo de viver se esvai, perdido...

23293
Quisera em minha dor amigos, sócios
Nefastas companhias, risos fartos,
Aonde no passado havia partos
Agora simplesmente loucos ócios.

Ocasos que relato em cada verso
Aonde se dispersa a fantasia,
Merecendo este fim, alma vadia
Num cálice em venenos vou imerso.

Cercando as minhas tramas com mentiras
Envolvo-me deveras com escândalos
Em meio aos companheiros, toscos vândalos
O vento em podridão que agora aspiras

Expressa o que talvez já não querias,
Marcando com angústias horas, dias...

23292
Excêntricos caminhos resplandecem
Nos antros, nos esgotos, nos porões
Aonde se pensaram soluções
Os mortos com denodo comparecem.

E quando as vozes torpes obedecem
Esquecem as prováveis ilusões
Matando os ressurretos, podridões
Durante a tempestade cores tecem.

E o vago coração de quem se deu,
Agora sem descanso segue ateu
Vasculha cada canto deste espaço.

E meço com meus olhos o vazio,
Aonde depois disso, eu me extasio
E o pouco que me resta ali eu traço...

23291
Quisera retornar ao mesmo vão
Descalços pés cansados não teria
O verso que traduza uma alegria
Regressa desde sempre a tal senão.

Guardado em versos frágeis num porão
Nefasta maravilha florescia
Enquanto ao vento beijo a mão vazia
Eu sinto aproximar-se a solidão.

Erguendo os meus olhares no horizonte,
Espero que este sol inda desponte
E desaponte a dor, fria quimera,

Serenando minha alma tão frugal,
O fardo que coubesse no bornal,
Traria um bom final para esta espera...

23290
Tolhendo o meu caminho os espinheiros
Adentro estas veredas desconexas
Seguindo as velhas perdas nos ribeiros
As horas são deveras mais complexas;

E os féretros decerto derradeiros
As lágrimas carpidas vão anexas
E custam ao que foi; parcos dinheiros.
E enquanto teu futuro nisto indexas

Além do que pensavam companheiros
Assim a minha morte tanto alenta
Ao mesmo tempo em paz e violenta

Expressa um gozo fútil e venal.
Após a cerimônia este banquete,
A vida preparando algum falsete
Tramando qual festança o funeral...

23289
Se um dia quis um verso que agradasse
Agora não me importa o que desejas,
As dores nos meus dias são sobejas
E a cada novo tempo, o mesmo impasse.

Se o verso te seduz ou não; que sejas
Mais feliz neste mundo aonde trace
A sorte que pretendes noutra face
Diversa da que mostro e não prevejas.

Não tento disfarçar as dores tantas
Em frases tão sutis por onde cantas
Os ritos são diversos, dor e glória.

Aquém do teu anseio, eu me desnudo,
Prefiro na verdade ficar mudo
A ter que me embrenhar em outra história.

23288
Só resta a poesia, a companheira
De tantas caminhadas vida afora.
E enquanto a fantasia não se aflora
A vida bebe a senda derradeira.

Pudesse ter a paz por mensageira,
Mas sei que ela em verdade se demora,
Portanto sem descanso, sem ter hora,
A noite em vendavais, se mostra inteira.

Mergulho no passado e tento crer
Que ainda possa ter algum prazer,
Mesquinharias? Falsas ilusões...

Os dias se repetem tão iguais,
Os versos que ora faço são banais
E falam destas pérfidas paixões...

23287
A sorte, tantas vezes belicosa
Medonhas emoções afloram, vencem
E enquanto os versos tolos não convencem
Jardim perdendo flores, mata a rosa.

Perpetuando a dor que se produz
Na vaga sensação de um gozo ameno,
O quanto te desejo concateno
E o medo noutro medo reproduz.

Assim caminho às voltas com engodos,
Estranhamente passo pelas ruas
Tu nem reparas; cega, continuas
E eu volto aos meus antigos, torpes lodos.

E faço da esperança um lamaçal,
Quem dera algum sorriso, triunfal...

23286
Pudesse; solitário crer na luz
Que embora sendo dia já se esconde;
Nublando o coração nem sei por onde
Exista uma esperança; ao fim conduz

O verso que pensara solução
Angustiadamente a vida passa,
E o tempo sem remédio, uma fumaça
Dizendo sempre o mesmo tédio e o não.

Arrimos desabando, meus castelos,
As sendas mais floridas; nem mais vejo
E quanto mais me entrego ao vão desejo
A vida sonegando os meus rastelos.

Expresso em cada verso o medo e o frio,
E o peito sendo exposto, eu esvazio.

23285
Em meio aos crótons planto estas dracenas
E as cores se misturam no canteiro,
Ao longe percebendo o doce cheiro
Encontro entre as roseiras, as verbenas.

E vendo novamente as raras cenas
Do tempo alvissareiro já me inteiro
E mostro quanto é belo e verdadeiro
O amor que; sei, desejas, quando acenas.

Imersas entre avencas, samambaias,
Orquídeas multicores; logo espraias
E deitas teus anseios junto aos meus.

Expressas com ternura esta vontade
E bebo de teu gozo a claridade,
Deixando na saudade um ledo adeus...

23284
Perfume tão suave em teus cabelos,
A maciez convida para o colo,
Deitando esta alegria chego ao solo
Envolto pelo amor e seus novelos.

Meus dias na alegria de revê-los
Os medos e temores; louco, assolo,
Não vendo mais rancor, terror ou dolo,
Percebo a maravilha de contê-los.

Glorificante luz que tu me emanas
No sonho que perdura por semanas
As horas do teu lado são sagradas.

E quero a cada instante mais e mais,
Desejos entre noites rituais
Dourando de prazeres, madrugadas...

23283
No olhar angustiado de quem tanto
Se fez um sonhador e não sabia
Que a sorte desnudando a fantasia
Destrói a cada passo o seu encanto.

E mesmo quando creio e livre canto
O ocaso se aproxima e traga o dia,
Apenas o que resta, a melodia
Moldando a cada nota um vão espanto.

Mergulho neste mar que não tem fim,
Eterno precipício dos ignaros,
Vivendo nos mais negros desamparos

A sorte se afastando assim de mim,
Quem sabe noutra vida nova chance,
A paz que me redima, enfim, alcance...

23282
Numa epopéia um mundo mais heróico
Aonde poderia ter a glória
Mudando o rumo podre desta história
Pudesse ser ao menos mais estóico.

Nos pórticos da sorte me perdi,
Deixando para trás o que talvez
Um dia em esperança inda se fez,
Morrendo sem chegar enfim aqui.

Navego entre procelas, vendavais.
E sei que quanto mais luto, padeço,
A cada novo passo outro tropeço
Os dias são deveras tão normais.

Apenas ilusões inda cultivo,
Por elas tão somente eu sobrevivo...

23281
Ao Pai eu agradeço o raro dom
De transformar em músicas palavras,
Usando com fineza raras lavras
Colhendo maravilhas neste tom.

Alvissareiro mundo que penetro
Dos versos traço os sons da liberdade,
E bebo como um louco a claridade
Da poesia, eu sei qual o seu cetro.

E quando me permito desfilar
Estrelas entre trevas, trago a luz,
E ao templo, a poesia me conduz,
Pegando este caminho que é o luar.

O amor num raro manto em que se fez,
Tradicional soneto, ou mesmo inglês...

23280
Banquete para poucos convidados
Apenas escolhidos entre tantos
Aqueles pelos deuses já tocados
Vislumbro a raridade nos encantos.

Os medos e os anseios revelados
Também raras venturas nestes cantos,
Em versos com certeza bem talhados,
Nas mãos destes poetas, risos, prantos.

Assim se faz do verso uma expressão
Aonde se permite a fantasia
E a viva realidade dita então,

Da forma mais exata, eu te prometo,
Enquanto a mente teima e assim se cria
Nas mãos de algum ourives, o soneto...

23279
Obedecendo às regras, normas, leis
Escrevo este soneto em simples versos,
Vagando no teu corpo os universos
Bebendo em tua pele doces greis.

Erguendo um belo brinde em raros vinhos,
Anseio teus caminhos junto aos meus,
Jamais suportaria algum adeus,
Meus dias; não pretendo mais sozinhos.

As armas que encontrei para as batalhas
E lutas pelos sonhos que traçamos,
Dizendo que em verdade nos amamos,
Enquanto as dores tolas; já retalhas.

Falando com ternura da paixão
Que envolve-nos, apreendo o coração...

23278
Padeço deste mal: desilusão
Que tanto me maltrata e traz sossego
Se às vezes em teus sonhos eu me apego
O medo pode ser a solução.

Vencido pelos ermos da paixão
Expresso solidão enquanto entrego
O verso mais audaz e o bem que prego
Emprego nele as honras da emoção.

Vestígios do passado inda presentes
O quanto que tu mentes e inda sentes
Recentes caminhares e querências

Demonstram quão cruel realidade
E vendo tão distante a claridade
As vidas vão sorvendo tais ausências...

23277
Guardado na gaveta este retrato
Descreve muito bem o que vivemos,
Por onde e em que mundo; mostraremos
A sorte casual e raro fato.

Na imensa solidão eu me retrato
E teimo com veleiros, mares, remos
No fundo com certeza nós sabemos
Amenos os destinos de um regato.

Porém a corredeira não se espera
E mostra quanto a vida se faz fera
E rola o pensamento entre cascalhos.

Pudesse pelo menos ter certeza
Vencendo cada queda ou correnteza
Usando para tal; rotas e atalhos...

23276
Perdoe pelos erros cometidos
Não posso disfarçar a dor tamanha
Que enquanto a noite chega; da montanha
Os raios do luar tão prometidos

Espalham claridade e os meus sentidos
Tocados pela luz que assim se assanha
Mudando num momento minha sanha
Deixando os meus tormentos esquecidos.

Navego então por mar em calmaria,
Na noturna ventura se anuncia
Beleza que bem sei somente farsa.

Ao ver tal claridade, a vida espanta
E a dor então calada se agiganta
E em risos de ironia se disfarça...

23275
Apego-me aos fantasmas do que fomos,
E teimo nesta luta que bem sei
Não tendo nem sequer regras ou lei
Demonstra no momento o que hoje somos.

Deveras aprendendo a cada tombo,
Revejo os meus defeitos e mentiras,
Até que expondo o peito em finas tiras
Vergasta lava em sangue, na alma um rombo.

E o bêbado persegue estas pegadas
Deixadas nos caminhos, toscos rastros,
A vida sonegando então meus lastros,
A sorte há tanto tempo em vãs guinadas

Percorre o mesmo não por onde vim,
Matando o que restara do jardim...

23274
Menino que corria entre mangueiras
Nas sombras do arvoredo, no quintal,
Agora a vida mostra o desigual
Caminho entre loucuras e bandeiras.

As horas que virão; as derradeiras
E o tempo de viver sendo banal,
Moldando o meu sorriso em ritual
Palavras de consolo, corriqueiras.

A morte não me assusta até me atrai,
E o tempo pelas mãos logo se esvai
Não deixo de pensar nesta criança

Correndo pela sala, pelo quarto,
O velho já cansado e mesmo farto,
Ainda traz bem viva esta lembrança...

23273
Qual fora uma criança e seu brinquedo
Pensara ter a sorte em minhas mãos,
O amor me abandonando desde cedo,
Os dias transcorrendo inertes, vãos.

A morte desenhada sem segredo
Acalentando, o sonho dos cristãos
Porém ainda luto e não concedo
Espalho por veredas falsos grãos

E espero uma colheita que não veio,
Aos olhos tão somente este receio
Do nada ressurgido após o nada.

A luz que se propunha se apagando,
O incêndio se tornando bem mais brando
A infância pela vida destroçada...

23272
Se ainda por um sonho tenho zelo
Não posso garantir que ele me encante.
Na súbita impressão de um mero instante
A vida me tratando com desvelo.

Queria tantas vezes poder crê-lo
E ter em minhas mãos a luz brilhante;
Porém não adianta um só rompante,
A morte me envolvendo em seu novelo.

Cabendo ao sonhador somente versos
Que mesmo tão sombrios e diversos
Ainda trazem claro algum alento.

Nas tramas deste enredo a me envolver,
Proximidade enorme; e posso ver
O caos aonde louco, me atormento...

23271
Sonego o que inda resta dentro em mim
Bebendo as maravilhas que não creio.
Seria muito bom, mas o receio
Desdiz este caminho de onde vim.

Percorro a solidão e vejo enfim
O peso com que a sorte trama o veio
Nefastos os desejos; meu anseio
Matando esta alegria, sendo assim

Espúrios os momentos que inda tenho
Cerrando com angústia logo o cenho,
As senhas necessárias esquecidas.

Apreços; não conheço e nem recebo
Das glebas e das sendas que concebo
As vias espalhadas e perdidas...

23270
Houvera um tempo ainda mais feliz
Em meio aos meus enganos que desfilo
Nos versos em que outrora tão tranqüilo
Apenas revivendo o amor que quis.

Agora a própria vida me desdiz
E o vento vai mudando todo o estilo,
Não tendo mais sequer do amor aquilo
Que um dia desejara, mas não fiz

Espero pela volta da esperança,
Ardentes ilusões e fantasias.
As noites que percorro tão vazias

O sonho ao passado já se lança
Mergulho nas entranhas do futuro
E vejo tenebroso mar escuro...

23269
A música distante ainda ecoa
Nos pântanos em que a alma se cultua
A noite sente ausência desta lua
E vaga sem destino, segue à toa.

Pensara numa sorte ao menos, boa
E o tempo se esvazia, alma vai nua
Enquanto a realidade em vão flutua
Naufraga no teu rio, esta canoa.

Bebendo cada gota do rocio
No gozo incontestável me vicio
Amenas emoções, vestes completas.

Mas quando a realidade se desnuda
A vida se demonstra assaz miúda
E a morte de amarguras tu repletas...

23268
Espero quem demonstre uma vontade
De ter um amanhecendo um belo sol,
Mergulho no vazio do arrebol.
E beijo sem certeza a realidade.

Quem dera se tivesse liberdade
Roubando dos teus olhos o farol,
Porém qual fora um simples caracol,
Escondo-me ao ver a claridade.

No quarto este abandono se repete
E quanto mais ausente mais confete
A festa nunca pára nem se adia.

Rondando o velho leito de um demente
O sonho sem sentido se pressente
E mata o que pudera fantasia...

23267
Bebendo destes féis que tu me deste
Em finas taças feitas de cristal,
O medo se tornando colossal,
Negando cada porto em que estiveste.

Aonde a sorte doma o sonho agreste
O verso que desenho tão banal,
Quisera algum sorriso, mas fatal,
O mundo não suporta quem conteste.

Rastreio estas pegadas e não vejo
Sequer alguma sombra de um desejo
Que o tempo já deixou envilecer.

E assim não tendo aporte nem suporte
Aguardo quem me traga um novo norte
Apenas esperando pra morrer...

23266
A minha poesia estando morta
Há tanto que não posso disfarçar
A velha liberdade a se alcançar
Esconde-se detrás de qualquer porta;

Minha alma a quem saudade não importa
Teimando com os raios do luar
Deixando-se entre tantas; carregar
Em meio aos vendavais já não comporta

O tempo de viver que se transmuda
Nem busca no presente alguma ajuda
Esgota-se em si mesma e morre só.

Aonde poderia haver um brilho
O peito de um estúpido andarilho
Prefere o velho trilho, exposto ao pó...

23265
Qual fora um sonhador que em triste empenho
Vasculha cada canto dos seus dias
Além do que talvez fossem vazias
As noites em tão frágil desempenho.

Por vezes eu prossigo e me contenho
Embora reações outras; querias,
Enquanto os meus enganos; descobrias
Mostrando o descaminho de onde venho

Desnudo não concebo solução,
Retorno desde já, vil solidão
E faço do meu verso um hino à vida

E quando me encontrares, por favor,
Não tente desvendar se existe amor
Pois ilusão há tanto está perdida...

23264
Mal pude crer que a sorte inda teria
Quem tantas vezes viu-se em maus lençóis
A vida sonegando luz e sóis
Eterna madrugada, sempre fria.

Bebendo sem descanso a ventania
Ausente em noite escura teus faróis,
Procuro algum remanso, e os arrebóis
Sonegam qualquer cor ou fantasia

Melífera esperança não anseio
O mundo se transforma e sem receio
No abismo que se forma sob os pés

Eu ato tais correntes, na masmorra
Sem ter alma sequer que me socorra
Eterna sensação, duras galés...

23263
Encontro nos teus braços quem amei
E vejo que esta vida não valeu
Sequer esta ilusão aconteceu
O mundo noutro mundo; eu mergulhei

E agora que deveras te encontrei
Percebo que o vazio que sou eu
Aos poucos entre os nadas se escondeu
Vagando sem destino grei em grei.

Arcando com engodos é comum
Ao fim de cada história ser nenhum
Tampouco ter um resto de esperança.

Ao longe tão somente a criatura
Que em dádiva suprema, uma amargura
No olhar quase sarcástico me lança...

23262
Esgoto da esperança, um verso ao menos
Que possa me acalmar e nada tendo
Percorro sem espaço cada adendo
E lembro estes momentos mais serenos.

Alvissareiro sonho; não pretendo
Os dias não serão fartos ou plenos
Extenuado teimo, mas ao menos
Um novo amanhecer; cedo desvendo.

Quisera poder ter um só segundo
Vivendo esta alegria e já me inundo
De uma ilusão tão tosca e fantasio

Pensando ser possível ter um dia
Repleto de emoção e de alegria,
Mas olho em minha volta e este vazio...

23261
Procuro nestes bares quem me queira
E trague para mim um sonho bom,
A vida modifica cor e tom,
E tudo o que vivi das mãos esgueira.

E o quadro se repete a noite inteira
Ainda escuto forte o mesmo som
Quisera da esperança; ter o dom
A sorte não seria tão rasteira..

Mesquinhos os caminhos que inda tento,
Vagando sem destino e desatento,
Apenas me embriago e nada mais.

E vejo na aguardente a mesma imagem
Que um dia imaginara ser miragem
E agora molda dias sempre iguais...

23260
Não pude mais conter os dissabores,
Algozes que perturbam meus caminhos
Pudesse ter nas mãos as belas flores
Ausentes das estradas; perco os vinhos

E tramo com denodo outros albores,
Mas sei que nesta ausência de carinhos
Herdando tão somente as velhas dores
Meus dias permanecem mais sozinhos.

Alçando as mais complexas ilusões
Deixando para trás sonhos, verões
Versões abandonadas, medo intenso.

E quando te procuro e nada vejo,
A vida decifrando este desejo
Expõe com mais vigor tudo o que penso...

23259
Arcando com pecados que inda levo
Deixando o meu futuro sem respostas
As dores e feridas vão expostas
Escravo do futuro; o nada cevo.

Abreviando a vida não me atrevo
A crer nas mesmas coisas que tu gostas
Olhando as cicatrizes, minhas costas,
Invernal sentimento, ainda nevo.

O quadro se propõe em fartos vãos
E o peso desmedido destas mãos
Lanhando com firmeza meus anseios.

Não tenho mais o riso que pensara,
Uma alegria agora se faz rara
E a morte decifrando rumos, veios...

23258
Quem dera se tivesse pelo menos
A chance de tentar um novo sonho;
Mergulho no vazio que componho
Buscando dias calmos e serenos.

Ao longe ainda vejo teus acenos
E penso noutro tempo mais risonho
Viver a fantasia que ora sonho,
Distante da verdade e seus venenos.

A sombra de um passado me rondando
Pergunto; sem respostas, até quando
A vida não trará um novo tempo.

Mas quando vejo a sombra do que fomos,
Olhando para trás, escombros; somos
Somente vislumbrando contratempo...
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Mudando as estações? Eterno inverno
Apesar de esperança ser teimosa
A sorte se demonstra desairosa
Deixando para trás um mundo terno.

Adentro este dantesco e vão inferno
A vida destroçando última rosa
Deveras poderia caprichosa,
Porém neste vazio eu já me interno.

E beijo cada sonho que prometa
Volver uma alegria qual cometa
Que há tanto se fez nada e não retorna.

Procuro inutilmente por atalhos,
Estradas demarcadas por cascalhos,
Apenas a tristeza ainda adorna...

23256
Ascendo ao vasto mundo do vazio
Por onde percebi uma saída
Depois de tanto tempo a alma perdida
Agora; o meu futuro, eu já desfio.

Excêntrico caminho que ora crio
Moldando a cada instante a despedida
Houvera uma alegria; mas a lida
Mudando a minha história traz o frio.

Escrevo como quem mata os temores
Os versos fugidios, mãos atadas
Aonde imaginara as alvoradas

Somente encontro enfim amargas dores
Pudesse ser feliz, ah se eu pudesse
Porém a vida nega e já me esquece...

23255
Apenas uma tosca caricata

A vida não se mostra mais capaz

De ter em suas mãos força tenaz

E o tempo não sossega, sempre mata.


Enquanto a sorte amarga desacata

Eu teimo com um passo mais audaz,

Somente esta carcaça satisfaz

Nas drágeas que ora engulo, o nó desata.


À parte dos demônios e panfletos

Escondo-me deveras em tais guetos

Aonde penso em ter ar e respiro


O fétido marasmo que me deste

A sombra do final, delírio e peste

O mundo renascendo a cada giro...


23254
Ignaro caminheiro em plena treva
Avança sem saber desta armadilha,
A cada novo passo imensa trilha
A morte numa espreita, sonhos leva.

E quanto mais audaz, mais forte neva
A luz que não trazias já não brilha
As dores em cruel, torpe matilha
Nem mesmo uma esperança se releva.

Aviso aos navegantes: é o fim.
Somente apocalíptica verdade
Voltando ao mesmo nada de que vim

Esgueiro-me entre espinhos, pedregulhos.
E bebo com venal felicidade
Os restos que coleto em vãos mergulhos...

23253
A morte que deveras se equilibra
Qual fora este funâmbulo falsário
Tornando sempre curto o calendário
A vida não consegue e nunca a dribla

O peso tão diverso desta libra
Pendendo para o lado do fadário
Além do que pensara necessário
O corpo no final desequilibra

E traz neste tropeço a direção
Restando a quem amou putrefação
A ossada sob a terra é o que inda resta

De quem ao ter empáfia, medo e gozo
Pensara ser mais nobre e majestoso
E agora toda a senda flórea empesta...

23252
Vivesse em harmonia, em simbiose
Teria talvez luzes que não creio.
Somenos importante o meu receio
Temendo que esta sorte o tempo glose.

A carne destruída, esta necrose
Tomando todo o corpo simples veio
Por onde a morte chega, e num anseio
Adentra mansamente dose a dose.

Não posso mais dormir em paz, tranqüilo,
As hordas demoníacas me acercam,
E enquanto a podridão da alma eu desfilo,

A vida vai seguindo a sua tônica;
Os sonhos tão somente a morte estercam
E a curta sobrevida desarmônica...

23251
Meu verso procurando algum sustento
Entre substâncias várias, ar e fogo
Perpetuando a dor; etéreo jogo
Por vezes inda teimo e mesmo tento.

Aspiro ao mais diverso caminhar
Das armadilhas tantas; se eu me enfado
O corpo pelo menos resguardado
A morte dominando devagar.

Aspectos tão prosaicos de um poeta
Mosaicos que ora crio em forma arcaica
A minha poesia se faz laica
E crê neste abandono e se completa,

Mas sabe que a verdade já desgasta
Deixando como herança esta vergasta...

23250
Cósmicos delírios, astros lúdicos
Bebendo a tempestade; solto ao ar
Imenso fogaréu, vento solar
Momentos de desejos, fogos lúbricos

Arcando com as hostes dos anseios
Vasculho tais fronteiras e não vejo
Limites que soneguem meu desejo
E toco com meus lábios, lábios, seios.

Numa expressão de mágica loucura
Os corpos incendeiam-se deveras,
Expondo-se às vontades, cios, feras
A noite determina esta procura

Que envolta em maravilhas se perfaz
E um gozo insuperável dita a paz...

23249
Pressinto no final a escuridão
Do caos em que me entrego sem defesa,
Não quero ser das ondas simples presa
Temendo a cada dia a viração.

Ouvindo já distante este tufão
Que arrasta e nada deixa sobre a mesa;
Enquanto a realidade já se entesa
Meu sonho dita cedo a solidão.

Apago estas candeias do passado
E vendo mais de perto estes neons
Desfiando agora em velhos tons

Enfrento a calmaria de bom grado
Queria tão somente os temporais
Prefiro à mansidão de toscos cais...

23248
De um tempo abandonado; eu sei, procedo
E vejo o quanto nada se criou
O beijo que deveras não te dou
Demonstra do passado o seu segredo.

E mesmo quando espúrio inda concedo
O resto do que trago se moldou
Ao verso que deveras desnudou
O quadro tão macabro, mas não cedo.

Reverso da medalha; vivo apenas
Enquanto com futuro tu me acenas
As cenas que por certo presencio

Aspectos corriqueiros e banais
Respondem ao meu peito que jamais
Eu vencerei em paz tal desafio...

23247
Telúricos caminhos, primavera
Expressam alegrias que não trago,
E quando vejo enfim tamanho estrago
A vida em novo tempo não se gera.

Enquanto a realidade degenera
Queria desta fera algum afago,
E mesmo a placidez do antigo lago
Viver em plenitude: quem me dera!

Acasos não são fases, frases soltas
As ondas que encontrei sempre revoltas
Denotam as marés que enfrento agora.

A morte se aproxima paulatina
Assim como inebria e me fascina
Eu sei que este momento não demora...

23246
Prevejo finalmente o caos imenso
E dele o ressurgir do etéreo nada.
A porta que mantenho assim fechada
O tempo transcorrendo amargo e tenso.

Não vejo e nem tampouco ainda penso
Que possa a solução tão ansiada
Dizer deste amanhã que não se aguarda
Espreito e nada vendo, eu me convenço.

Assim caminharia se pudesse
Ainda tendo os olhos no futuro;
Apenas do vazio que se tece

Eu faço meu banquete em pratos rasos,
E tolo, nos meus sonhos eu perduro
Já não comportam mais limites, prazos...

23245
A larva que ontem fui aborto certo
Distante da provável liberdade
E quando em meio ao nada enfim desperto
Não tendo esta palavra que inda agrade

Degrado-me em vazios, sigo incerto
À parte, sinonímia da saudade
O quadro se moldando na verdade
Transfere para mim vulgo deserto.

E perco as minhas bóias; tal naufrágio
Expõe a realidade em limpos pratos.
Os olhos deveriam ser mais gratos

A vida cobra sempre e com seu ágio
Do pouco vejo o nada ressurgindo
No corpo entre quimeras se esvaindo...

23244
Vivendo de um recôndito passado
Alçando velhos ares, roupas rotas
Bebendo deste bálsamo tais gotas
Ao léu meu verso teima em alto brado.

Alcanço apenas trevas solitárias
O tumular poema que demonstro
Remete a quase inerme e torpe monstro
Amortalhadas sendas temerárias.

Pudesse respirar míticos ares
Ainda assim teria sido inútil.
O sonho se denota sendo fútil
Enquanto as vestes simples e vulgares

Estampam a verdade que não vejo,
Apego-me ao já morto e vão desejo...

A cosmopolitana poesia
É feita em farsas simples, toscamente;
Remetendo ao vazio tolamente
Qual fora praga atroz já se procria

E enquanto o Velho Olimpo se esvazia
Ocaso destruindo cada mente
Quando a morte desta arte se pressente
Nos olhos dos beócios a alegria.

Mortalha que inda teima em algum brilho,
Não vejo em meu ocaso alguma luz
O tosco quando em tosco reproduz

Diverso do caminho que ora trilho
Não deixa que se veja no futuro
Além de um tempo amargo, tolo e escuro...


23242
Surgindo qual fantasma de outras eras
Apenas perambulo pelas ruas
Sorvendo ainda o brilho destas luas
Aguardo numa espreita frias feras.

Adentro os meus engodos e as quimeras
Das quais, fiel herdeira; continuas
Deixando minhas dores sempre nuas
Marcando com veneno as primaveras.

Pudesse ter os olhos no amanhã,
Mas nada do que tento se faz pleno,
E quando ao meu passado; torpe, aceno

Encontro os desafios; logo paro,
Não tendo para tanto um anteparo
Percebo minha vida etérea e vã...

23241
Somente um espectro tosco, vão, sombrio
Durante alguns momentos, quis a vida
Em meio às vagas trevas ressurgida;
Comédia que entre tantas propicio.

Não pude suportar tal desafio
Imagem do passado já perdida
A voz em teimosia não ouvida
A morte num instante; prenuncio.

E vejo se perdendo pouco a pouco
O que pudesse haver de uma esperança
Tentara pelo menos temperança,

E rondo os meus fantasmas feito um louco
As larvas adentrando esta epiderme,
Cadáver resumido em cada verme...



23372
Quem dera dos sonetos, coletâneas
Que há tempos me propus e nunca fiz,
As honras são deveras momentâneas
E deixam tatuada a cicatriz;

Juntando num só livro tais infâmias
Audaz o gozo atroz da meretriz,
Que tanto se desfaz em tais insânias
Mas mostra-se sincera se feliz.

Excêntricos poemas, versos frágeis
Embora os dedos sejam bem mais ágeis,
Tetânicos espasmos; vou sardônico.

Mercado não suporta velharias,
Guardando na gaveta as poesias,
Ao menos solitário sou irônico...

23371
Aprendo a ter a mesma falsidade
E creio ser possível novo engano,
Abaixam; fim de cena, o negro pano
E deixo que te encante a claridade.

Soberba fantasia que te invade
Enquanto deste fato já me ufano,
O verso se mostrando mais profano,
Não deixa que se veja a liberdade.

Escusas; não suporto nem daria,
Aonde se moldara esta escultura,
Desnuda a deusa bebe a alegoria

E morre em tão solene madrugada,
A faca que nas mãos dita a loucura,
Apenas pelo amor será domada...

23370
Escassas emoções, versos tão fúteis
Ardentes ilusões, promessas falsas,
Enquanto as esperanças tu descalças
Os dias são deveras quase inúteis.

Aonde se fizera poesia
Não piso, pois cascalhos espalhaste.
E quando se percebe este desgaste
A sorte me abandona e não me guia.

Vestindo o que restara em algum canto,
Um espantalho apenas, nada mais,
E entrego-me aos desejos infernais

Matando o que pudera ser encanto.
Exprimo nos meus versos este adeus,
Aonde se fizeram todos teus...

23369
Perpetuamente imerso no vazio
Aonde tantas vezes cri possível
Um dia mais alegre ou aprazível
Fantástica ilusão que ora desfio,

Usando do meu verso, qual pavio
Um tempo que virá tão desprezível
Ascendo sem saber ao tosco nível
Por onde caminhaste; horas a fio.

Não ter outra saída? Simples farsa,
Minha alma de tua alma, uma comparsa
Que teima em ter nos olhos esperança.

Assim ao ver a luz, peito disfarça
Fingindo ter na frente uma alva garça
Enquanto aos grises céus, ela se lança...

23368
No quanto tu mostraste esta peçonha
Eu pude descobrir quem não sabia
Ainda se mostrando em euforia,
Imagem que ora trago; tão medonha.

Minha alma muitas vezes inda sonha,
Mesmo sabendo tosca a fantasia
Já não suportarei mesquinharia
Por mais que um Eldorado se componha.

Negar a minha história? Não; prefiro
Que invés de um beijo venha bala e tiro
Nos dedos preparados o gatilho.

E quanto mais mergulho neste enredo
Menos desejos trago ou te concedo,
Erguendo a minha fronte, não me humilho...

23367
Perdoe quem se fez quase inocente,
Mas sabe os descaminhos desta vida,
A sorte muitas vezes esquecida,
Enquanto a poesia nada sente.

Pudesse neste instante estar presente
A morte não seria dolorida,
Ocaso começando e a despedida
Envolve minha fronte já doente.

Herético; se eu fui não me console
Bebendo esta aguardente, em cada gole
Eu sei dos desafetos que plantei.

Não quero ter o choro falso e o riso,
Apenas o silêncio mais conciso,
O resto; com certeza, deixarei...

23366
Mereço de quem sabe; certo crédito
Portanto não me esquivo de tentar
Usando com palavras transformar
Gerando a cada frase um verso inédito.

Percebo quantas vezes fui tão tolo
Seguindo falsas luzes entre tantas,
E agora que em verdades acalantas
A vida não merece mais consolo.

Esparsas letras volvem numa dança
E deixam as retinas tão confusas,
Mas quando de emoções, diversas usas,
O olhar de quem te quer ao longe lança

Por mais que seja sempre movediça
O sol por sobre areia cedo viça...

23365
Meu verso a cada dia se aprimora
Diverso do começo tartamudo,
E quando as emoções; deveras mudo
Expresso a luz que sinto a qualquer hora.

Não posso suportar esta demora
E quanto mais audaz, menos iludo
Usando a poesia como escudo,
Não temo mais sequer a voz que implora.

Não pude confessar os meus defeitos,
Nem mesmo a garantia que me deste
Quisera ter nos versos mais perfeitos

A faina de um sublime lavrador,
Que mesmo arando um solo tão agreste
Transforma em alegria o seu labor...

23364
Enquanto a fantasia me mentia
Trazendo um gosto ameno onde era fel,
A sorte se moldando em vão papel
Tramando invés de sorte, esta agonia,

Não posso me entregar, melancolia
Deixando um coração vazio ao léu,
A noite se envolvendo em negro véu,
As nuvens que virão já denuncia.

Perfaço cada verso em águas turvas,
Nas horas mais difíceis, rotas curvas
E o pêndulo volvendo ao seu início,

Atípica loucura me tomando,
E mesmo quando o tempo se faz brando
À beira dos meus pés, o precipício...

23363
Buscando nas palavras; lenitivo
Que possa aliviar tal sofrimento,
Não vivo mais em paz um só momento,
Deveras quase inerte, sobrevivo.

E tendo em minhas mãos o sonho altivo,
Por vezes de tristezas me alimento,
E quando em fantasias busco o ungüento
Das falsas ilusões eu não me privo.

Vencer os dissabores, quem me dera.
Pudesse reviver a primavera
Que austera se fazendo agora ausente,

Mesquinharias tantas adivinho
E faço da esperança um vão caminho,
Enquanto a morte atroz já se pressente...

23362
Palavras se perdendo em ventos fortes,
Descuidos da ilusão dizem promessas
E quando em meus caminhos recomeças
Apago do passado estes aportes,

Por mais que na verdade não suportes
O mundo desta forma, mas são essas
As cores que se pintam, quando estressas
Espero por profundos talhos, cortes.

E sei que na verdade; o mal não queres,
Argêntea maravilha em teus talheres
Numa áurea fantasia banqueteias

Enquanto um pária dorme na sarjeta;
Porém sua alma livre qual cometa
Jamais suportaria tuas teias...

23361
Mentiras, farsas, toscas emboscadas
Durante as minhas noites solitárias,
Aonde imaginara solidárias
As horas entre fogos, destroçadas.

Almejo alguma paz, mas nas calçadas
As balas se perdendo, torpes, várias
Apagam dos meus sonhos, luminárias
E moldam no futuro; barricadas.

Ouviram margens sórdidas, o pranto
De um povo aonde grassa o desencanto
Mudando este cenário glorioso,

E acendem-se os pavios, explosões,
A fome se acercando de milhões
Pacífico caminho? Furioso...

23360
Celebro a vida em versos e desejos
Mergulho os meus sonetos em anseios,
Os dias entre trevas e receios,
Apenas, do passado, vis lampejos.

E quanto aos teus encantos tão sobejos,
Beleza e maciez em firmes seios,
Percorro; enamorado, raros veios
Um andarilho em paz, passos andejos.

Ascendo num segundo ao próprio Olimpo,
O céu se anunciando claro e limpo,
Solares maravilhas, a alma pressente,

E tendo o teu olhar como meu guia,
A vida se transborda em poesia,
E o dia se mostrando iridescente...


23359
Perduram nos meus olhos as estrelas
Que tantas vezes guiam navegantes,
Por tanto que me deram em instantes
Concebo a maravilha de revê-las

Celebro a fantasia de contê-las
Diversas emoções inebriantes,
Percorro estes caminhos mais distantes,
Apenas na certeza de colhê-las.

Quais fossem pirilampos siderais,
No etéreo a eternidade sendo o cais
Abrindo o coração, alçando os céus.

Esgueiro-me entre dores, desventuras
E sinto nas estrelas as branduras
Debaixo de seus brilhos, raros véus...

23358
Ainda é possível ser Felizabraçar o mundo com carinhoe muito além do além, ao ninho,posso colher o bem que fiz!

Efigênia Coutinho

Celebro com meu verso o ser feliz
Que tantas vezes quis e não sabia
Aonde em que detalhe poderia
Viver a fantasia e me desfiz,

Se trago tatuada em cicatriz
A marca insofismável da agonia,
Talvez ainda reste uma alegria
Num céu eternamente escuro e gris.

Ouvindo um canto amigo em voz suave
Do fado em desventura uma esperança,
Uma alma turbulenta então se amansa

Por mais que a solidão ainda agrave;
O resto dos meus dias; sigo altivo
Teu canto se mostrando um lenitivo...

23357
As velas sendo abertas; vou liberto
Por mares que jamais navegaria
Não fora tão enorme a fantasia
E o meu futuro agora, vago e incerto.

Os medos e os pudores eu deserto
Minha alma a tal delírio já se alia,
E vence qualquer dor, frio e agonia
Num mar de ondas bravias, peito aberto.

Há sangue em minhas mãos, fogo nos olhos,
Por mais que ainda veja tais abrolhos
Deveras meu canteiro floreado,

Arcando com meus próprios caminhares,
Expondo sem temor os calcanhares
Adentro este oceano, sina e Fado...

23356
A deusa já desnuda em águas claras
Qual Ninfa se deleita à luz do sol,
Não tendo mais ninguém neste arrebol,
No encanto magistral; sonhos declaras.

Sirena em formas belas, nuas, raras,
Fazendo dos meus olhos, girassol,
Encontro em tal pureza este farol
E a vida sem saberes, logo amparas.

Correndo imenso risco já me atrevo,
Não quero ser eterno nem longevo,
Mas tendo emoldurada em meu olhar

A tela que desfilas, na nudez,
Perdendo toda a minha sensatez,
Nas águas, em loucura, mergulhar...

23355
Não faço destes sonhos; ideais
Apenas não consigo me calar
Querendo da verdade sempre o mais,
Negando o sortilégio de um altar

Expresso a solidão de um mero cais
E nele esta vontade de voltar
Os ventos transformados, temporais,
Quem sabe novamente navegar,

E ter esta certeza que me move,
Por mais que a parceria seja nobre
Não tendo quem comigo me desdobre

Estrofe pós estrofe me comove,
Mas nada se compara ao meu retrato
Desnudo em cada verso, o nó desato...

23354
Bem sei que nesta vida não há ilhas
Nefastos os profundos, grandes pélagos
Nós somos e seremos arquipélagos
E nisto se consistem maravilhas.

Por quem os sinos dobram? Por nós todos,
Mas quando lobos somos de outros lobos
Fingindo muitas vezes sermos probos
Expomos na verdade nossos lodos,

Nos charcos que profanos, chafurdamos
Vestidas igualmente toscas tribos,
Nas costas tatuados os estribos
Da violência estúpida, os ramos,

Pois, macabros, ignaros e imbecis
Escravos de valores torpes, vis...

23352
Eu quero a liberdade do meu canto
Por isso não desejo as edições
Se nelas existindo o desencanto,
Profanas e diversas emoções.

Tampouco quero crer que distorções
Transformem o sorriso em mero pranto,
Não faço dentre os versos, distinções,
Se o próprio cerceamento traz espanto.

Escrevo o que desejo e não me importa
Se abrindo ou se fechando alguma porta
Poemas; são meus gritos libertários.

Por isso é que em verdade não publico,
Se eu sou tosco, sacrílego ou pudico
O rio não se vende aos estuários...

23351
Chegando à divisória entre alma e luz
A estrada mesmo antiga, fronteiriça
Dizendo deste encanto que cobiça
Quem faz a festa enquanto reconduz

Espreito mansamente cada obus
E a sorte feito areia movediça
Ao mesmo tempo aquieta enquanto atiça
Escrúpulos diversos, falsa cruz.

Enquanto anoitecendo na cidade,
Neons vão se espalhando em tosco brilho,
O amor sendo demais, já nem mais trilho

Buscando a paz intensa e a liberdade,
Ao ver a luz dispersa; penso na alma,
E um breve sentimento/paz me acalma...

23350
Minha alma dividida entre dois rumos,
Acenos do futuro; não percebo,
Enquanto dos incensos, eu concebo
Perfumes exalados, doces fumos.

Bebendo da esperança; raros sumos
Reinando sobre tantos, belo Phebo
Apenas um fantasma, este mancebo
Que teima em devorar os toscos grumos.

Obesa fantasia não se cansa,
Quem dera a vida fosse bem mais mansa
Pudesse pelo menos rir em paz.

Porém ao ver andrógina figura
Ditando sem pensar a alma procura
Além deste vazio que ele traz...

EM HOMENAGEM A UM GRANDE COMPOSITOR DA MPB

23349
Cidade entre diversas fortalezas
Um templo feito em luz, sangue e vergonha,
Imagem tresloucada e tão medonha,
Expressa a cada canto tais tristezas,

Martírio usado em nome das defesas,
A sorte se moldando mais bisonha,
Enquanto o populacho pede e sonha
Com tempos prazerosos e riquezas.

Vendidos em barganhas sem pudores,
Lacaios deste rei feito em demência
No olhar de cada ser tola inocência

A pútrida mensagem dos horrores.
Pastores, toscos reis destas Igrejas,
Cordeiro; abençoado sempre Sejas...

23348
Erguendo calmamente a minha fronte
Encontro Tua Luz a cada dia,
Mergulho neste mar em calmaria,
Vislumbro um novo tempo no horizonte,

Por mais que a minha vida desaponte
Um claro amanhecer, no amor se cria,
Ouvindo a mais suave melodia,
Contigo, Meu Senhor, divina ponte

Erguida com as bases de um afeto,
Nas sendas dos Teus passos me completo
Prossigo e quero ser simples cordeiro.

Pois sei que tens no olhar rara pureza,
Minha alma se envolvendo em tal beleza
Conhece-Te do amor, o mensageiro...

23347
Descubro neste Pai a clara imagem
Do amor que sendo terno se eterniza,
Transforma o vendaval em simples brisa
Tornando mais tranqüila esta paisagem.

Não quero nem preciso de algum pajem,
A vida por si só da glória avisa
Quem farsas, ilusões, em Ti já visa
Não merecendo em Deus tal hospedagem.

Amar sem ser amado e sem medida,
Resumo do que busco nesta vida,
E nisto imprescindível, o perdão.

Não quero e nem mereço algum milagre,
Que o vinho feito amor não se avinagre,
Já basta para alçar a salvação...

23346
Regido pelos sonhos de um rei tosco
Vestido de imperial, tolo imbecil,
Num mundo que se faz amargo e vi,
O olhar do soberano segue fosco,

Assim se encaminhando a humanidade
Diversa do que outrora quis um Rei
Fazendo do perdão e amor a lei,
Trazendo; soberano uma humildade

De quem se sabe eterno mensageiro,
Agora qualquer tolo se faz deus,
Nas mãos guarda o punhal, e o mero adeus
Aos sonhos mais felizes. Sou cordeiro

Daquele que se fez simples, com nexo,
Agora no poder, dinheiro e sexo...

23345
Quem dera dos teus sonhos, capitão
Apenas tão somente um timoneiro
Navego pelos mares, vou inteiro
Fazendo como barco, o coração

Amor que imaginara derradeiro
Desliza em pleno mar, a sedução
Sabendo deste sonho, a solução
Moldando um dia claro, mensageiro

Dos deuses transformando em Céu e glória,
Tramando desde sempre esta vitória
Aonde se pudesse ter em paz

A sorte de ser teu a vida toda,
Minha alma se emoldura e não se poda,
Bebendo esta alegria que amor traz...

23344
Por mais que se mostrasse ausente ou ledo,
Amor com suas formas e matizes
Eróticos desejos em deslizes
Guardando ou demonstrando este segredo,

E em cada verso penso e a ti concedo
O quanto de prazeres tu me dizes,
Só peço que deveras sempre avises
E não permita à vida algum degredo.

Tu trazes em teus braços, firmes hastes
E quanto deste sonho arrebataste
Trazendo nos teus olhos o contraste,

Mas peço, deste enredo não te afastes
Tampouco se permita a um vão desgaste
A vida não permite tais desbastes...

23343
Talvez não mais quisesse batizado
Aquém do paganismo que propagas
Moldando esta mentira noutras plagas
O quadro original tece o pecado?

Não posso me furtar a tal enfado
Tampouco em cores cinzas, tais adagas
Que em fátuas ilusões; o povo, esmagas
Além de algum poder que fosse dado.

Não creio em falsos mártires, só Cristo
Ovelha em sacrifício, mas insisto
Apenas neste Amor que Me ensinara.

Já não comportam mais toscos alcoólatras
Nem mesmo insofismáveis; vis idólatras
Que a própria história nega e desmascara...

23342
Talvez ainda escute o que dissera
O velho timoneiro da esperança
E enquanto em mar profundo o barco avança
Ao largo se perdendo a primavera.

No olhar da poesia, a louca fera
Marcando com as garras, a lembrança
De um tempo aonde ainda uma criança
A sorte desejada em vão espera.

O quadro se tornando inverossímil
Apátridas veredas, diz o mar
Sem nada em que pudesse ao fim. Imprime-o

Na pele em tatuagem, riscos vários.
Aonde em que planeta os temerários
Caminhos onde encontro o bem de amar...

23341
Vivera tão somente em risos falsos
Imensas cicatrizes dentro da alma,
Apenas a lembrança ainda acalma
Quem sabe do futuro em cadafalsos.

Os pés sobre espinheiros vão descalços
O amor quando se fora, imenso trauma,
Dourando este horizonte, a rara calma
Mesmo enfrentando em vão tantos percalços.

A morte é solução para quem tenta
A sorte e não percebe outra saída
Ao Norte a ventania violenta

Ao corte tatuado a despedida
Aportes tão diversos; já não sonho,
E o fim se aproximando, assim medonho...

23340
Vivesse entre mil reis e não teria
Sequer a sensação deste poder
Que sinto Meu Senhor no quanto crer
Já traz a quem fiel, farta alegria.

O mundo se desfaz em agonia
Mergulhos que imagino no meu ser,
Em Ti eu aprendi a conhecer
Verdade que deveras já me guia.

Negando as trevas tantas que me impingem
Nas grises cores toscas em que tingem
Sacrários onde estão raros pendores.

Alvissareiros dias? Já não creio,
Soberbos descaminhos, meu receio,
Porém a Ti Meu Pai, os meus louvores...

23339
Bacantes e terríveis gargalhares
Expondo estas orgásticas loucuras
Milagre em profusão, soberbas curas
Igrejas se fizeram lupanares.

Senhor, Tu não repares se ao voltares
As luzes que espalhaste em vão, escuras,
Em Tua casa, apenas esculturas
Diversas excursões, ricos bazares.

Mulheres e crianças exploradas,
As velhas entre as hóstias profanadas
Demônios em batinas, ternos, ritos.

Aonde houvera paz, o pandemônio,
Na casa do Senhor, claro demônio
Bebendo do Teu vinho, entre os aflitos...

23338
Não sendo aos olhos teus; um velho anseio
Vibrando de alegria; um templo eu crio,
E deixo para trás qualquer receio,
O mundo mais feliz; já fantasio.

E quando percebendo aberto o veio,
O coração distante, em vão, vazio
Nas cordas da viola que ponteio,
A sensação divina; eterno estio.

Ascendo aos Teus caminhos e veredas,
E Te agradeço sempre o que concedas
A quem se fez ovelha, manso e probo.

Não quero ter nas mãos a faca e a foice
No olhar tão vingativo, a sorte foi-se
Deixando no lugar, pastor e lobo...

23337
Deformam-se decerto em descaminhos
os ritos que pensara salvadores
aonde preservara meus amores,
agora a solidão tomando os ninhos.

E teimo contra os vermes tão daninhos,
prometo mais felizes os albores
sem amos, nem escravos, pois senhores
morrendo em frios chãos, sempre sozinhos.

Assim num amanhã mais prazeroso,
dos Céus as alegrias e pendores,
andores espalhados pela Terra.

No Amor e tão somente nele próprio
um mundo mais audaz, por isto sóbrio
aonde a paz suprema já se encerra...

23336
Recebo dos amigos o recado
Falando sobre um tempo em que talvez
Pudesse ser feliz, mas sensatez
Há tanto tempo tenho abandonado.

O quadro se pintando desolado,
Aonde poderia a lucidez
Moldar esta alegria em que se fez
O mundo entre desmandos disfarçado.

Apenas imagino a sorte imensa
De quem se deu inteiro e recebeu
A glória como justa recompensa

Vivendo esta alegria que sonhara,
Assim vou desenhando teu e meu
A vida sem as mágoas, crua escara...

23335
Espalham-se por ruas e cidades
Venenos embutidos em discursos,
Vagando por diversos vãos, percursos
Que possam nos tirar tranqüilidades.

Distante das razões e das verdades
Aos mesmos não cabendo mais recursos,
Mantendo destes rios, velhos cursos,
Concursos nos levando às falsidades.

Negar a própria luz sendo holofote
Poeta é um mensageiro da ilusão.
Perfilo no horizonte as minhas cruzes.

E tendo a fantasia que me adote,
Eu vejo muito além desta amplidão,
E bebo do Senhor divinas luzes...

23334
Quem dera um pensamento mais arguto
Deixando os dissabores sempre ao léu,
O mundo sendo torpe e tão cruel,
Nas sendas, nas entranhas eu reluto.

E quando estas mentiras eu refuto
Ascendo num segundo elevo ao céu
O pranto necessário de um fiel,
Que vive eternamente em negro luto.

Ao ver a hipocrisia dos altares
Insânia e tão atroz voracidade
Prostituindo a cruz e a majestade,

Não posso me calar se entre meus pares
Percebo a mansa ovelha encurralada,
Por lobos disfarçados, explorada...

23333
Descubro-me desnudo em simples versos
Usando da palavra, uma arma audaz
O quanto este vazio satisfaz
Depois de perceber mil universos.

E sei que mesmo sendo tão dispersos,
No quanto a minha voz se faz voraz,
Ao mesmo tempo lúdica e mordaz,
Sentidos que procuro são diversos.

Agora ensimesmado e circunspecto
Transmudo no silêncio meu aspecto,
Desato velhos nós já esgarçados.

Não posso me entregar à prepotência
Seria tão somente incoerência
Jamais eu suportei cães disfarçados...

23332
Enfrento as mais diversas emoções
E nisso pressentindo este perigo
É necessário crer que exista abrigo
Embora tão distantes ilusões.

Escrevo meus sonetos, negações
Daquilo que não tendo, nem persigo,
Alvejo um só momento, mas desligo
Não quero mais a fúria dos leões.

Poeta sendo assim, um ser excêntrico,
Ególatra, em meu mundo; eu vou concêntrico
Etéreo; teimo insânias, meus delírios.

E sei que prosseguindo em senda tétrica
Meu verso se moldando em pura métrica
Propõe-se aos mais terríveis, vãos martírios...

23331
Enfrentando gravíssimos desvios
Com tanta galhardia, não consigo
Saber de cada curva o seu perigo,
Enquanto enveredando os desafios

Os olhos no horizonte estão vazios,
Prevendo o meu futuro em desabrigo,
O quanto do desejo inda persigo
Decifra os mais diversos, loucos cios.

Avança sobre os sonhos, centopéias
Abelhas entre vespas, nas colméias
Apenas o ferrão, esqueço o mel.

Apego-me ao porvir, mesmo que apático,
E vejo o que não vindo, deixa estático
O que era libertário carrossel...

23330
Caminho tão incertos desta vida
Expressam o vazio que virá,
Aonde eu esperara desde já
A sorte abandonada e envilecida

Mergulho neste mar sem a guarida
Do sonho que decerto domará
Bravia tempestade que virá,
A volta desta Ilíada é servida

Em raros pratos, nobre porcelana,
Porém uma alma torpe, vã, profana
Vergada à força insana das paixões,

Não pode desvendar tais profecias,
E quanto deste amor me propicias
Traduz das esperanças, expressões...

23329
Pusesse uma esperança neste barco
Talvez atracação em cais seguro,
Mas quando vejo o tempo, te asseguro
No medo do futuro, enfim embarco.

O vento que pensara forte; é parco,
O quadro; não percebo sendo escuro,
Além de cada curva um novo muro,
Porém com desenganos torpes, arco.

E quando te encontrara nos presságios,
Nas ondas dos teus mares meus naufrágios
São frágeis os caminhos de quem ama.

E agora nos teus braços, vou letárgico
Jamais queria um fim que fosse trágico,
Mantendo acesa sempre a imensa chama...

23328
A vida em que se vê insegurança
Jamais permitiria ser possível
Que a luz distante ainda fosse crível,
Porém em nossas mãos toda a mudança.

Ao longe, no horizonte o olhar descansa,
O mundo imaginário ou invisível
A sorte se moldando noutro nível
Traindo que restara de esperança.

Nas lúdicas mentiras; ilusões,
Infância se eterniza nos olhares
Dos tolos que vagando nos altares

Expostos aos diversos vendilhões
Expressam um temor desnecessário;
Se é Deus amor, perdão. Não temerário...

23327
Danosa serpe entranha-se entre nós
envergonhando a um Deus bom e perfeito,
nas sedas e cetins, soberbo leito
no olhar tão escabroso, o gozo atroz.

Tu não merecerias outro algoz,
no amor em que deveras foi Teu pleito,
Satã expressa o que pensa direito
mudando ou disfarçando a Tua voz.

Nas grandes confrarias, espetáculos
aonde demoníacos tentáculos
oráculos diversos se espalhando.

E quieto, aprisionado em fria cruz,
exposto nesta feira está Jesus,
cadáver vê os abutres o explorando...

23326
Enfrento esta tormenta a cada dia
Mesquinhos os demônios disfarçados,
Os sonhos entre estrelas preservados,
Uma alma se permite à fantasia.

Mas quando vejo imunda confraria
Dos vermes entre vermes bem cuidados,
Os ímpios e satânicos soldados
Que à margem de Jesus, mal se procria.

A fome insaciável eclesiástica
Deforma de maneira atroz, fantástica
Aquilo que o Cordeiro proclamou.

A fúria desta súcia peçonhenta
Espalha-se voraz e me atormenta
Matando o que este Cristo nos deixou...


23325 com estrambote
A morte se percebe nos olhares
Dos vermes instalados nas Igrejas
Canalhas e pedófilos, altares
Não são conforme a corja que desejas.

Jesus jamais se deu aos lupanares
E neles com soberba tu lampejas
As hóstias profanadas, quando almejas
Riquezas entre vinhos e manjares.

(A pútrida expressão de um falso Deus)

Vendido aos borbotões em cada esquina,
A fonte inesgotável já fascina
A súcia que em verdade é tão imunda.

Não posso me calar frente aos farsantes
São padres e pastores elegantes
Nos quais Satã em fúria se aprofunda...


23324
Perplexo ao ver enganos repetidos
Mesquinharias várias, mundo cão
Não posso me furtar à sedução
De ter na minha voz cantos urdidos

Nas sendas mais atrozes, não ouvidos,
Mas teimam em buscar a solução
Aonde atracaria a embarcação
Se os portos da esperança são olvidos.

Negar a própria sorte é ser caótico
O verso que ora faço em mundo exótico
Aguarda algum momento mais pacífico.

Queria um tempo aonde o ser bucólico
Não fosse tão utópico se estóico
E o católico diverso do ser tífico...


23323
Espalham-se na Terra dores, ódios,
Aonde poderia ter a paz?
Se tudo o que em verdade a vida traz
Somente faz pensar troféus e pódios.

Delírios entre máscaras. Açode-os,
Verás fartas vitórias se isso apraz;
E quanto mais valente e mais audaz
Forjando brilhos vãos, mordazes. Molde-os.

Assim talvez expressem novos cânticos.
Quem sabe noutros mundos mais românticos
E o fardo de viver será mais leve.

Não sendo tão cruel; menos colérico
Não necessita nem sequer homérico
A dor a te atingir jamais se atreve...


23322
Necessidades várias, luz opaca
Acórdãos sonegados, mentirosos
Nos olhos destes seres vaporosos
A sorte se desfaz, nem dor aplaca

E quando se percebe a fria estaca
Nas mãos destes ferinos belicosos
Os risos de sarcasmo prazerosos
A sede sanguinária se destaca.

Pudesse Deus voltar ao velho Gênesis
Talvez modificasse a nossa história
Hemoptises sutis, nas hematêmeses

A saga desta raça vã, sanguínea
E ainda se valendo da vanglória
Gerando e eternizando tal ignomínia...


23321
O ser humano, tétrica figura
Herméticos caminhos do amanhã,
Nos olhos desta fera inútil, vã
Apenas a loucura se afigura.

A mão que sem motivos já tortura
E faz da morte um frio e duro afã
Mantendo a sangue e morte um podre clã
Espalha sobre a Terra esta amargura.

É quando se demonstra demoníaca
Herética e nefasta esta maníaca
Escolta a própria espécie em torpe engano.

Um Deus deveras bom e solidário
Jamais por semelhança, sanguinário
Ao Seu irmão pudesse causar dano...


23320
Acolhem-se mentiras entre tantas
Aonde houvera luz, a escuridão
Na temerária voz do anfitrião
As festas entre versos; desencantas,

Saraus dos idos tempos, velhas mantas
Apenas demonstrando a negação
Do que hoje se moldando em turbilhão
Ainda em vãs promessas agigantas.

Ao ver no meu jardim um rubro antúrio
Percebo o que meu canto sendo espúrio
Não tem mais cabimento, exausto e fútil.

E sei que a poesia também morta
Adentra envergonhada a velha porta
Sabendo-se deveras tão inútil...


23319
Enquanto a fantasia me assegura
Além desta razão que me domina
A noite bem suave mesmo escura,
Encontro na ilusão, devassa mina.

Por onde se prepara esta amargura
Que há poucos, mas constantes, já tortura
Inebriantes sonhos, luz divina
Ao fim de certo tempo, não perdura.

Do caos em que surgi ao caos retorno,
E quanto mais de trevas eu me adorno
Mais facilmente enfrento a dor eterna.

Porém deste vazio em que surgi,
Num último tormento estou aqui,
Nas mãos de um bardo vejo esta lanterna...


23318
A vida que se encurta a cada dia
Negando uma esperança ao andarilho,
Fazendo desta algia um estribilho
Nefastas ilusões; deveras cria.

E quando mais distante a fantasia,
Menor este caminho que ora trilho,
Aos poucos vai puxando o seu gatilho
Até que este pavio extinto, esfria.

No pórtico dos sonhos, sigo cético,
Não vejo outra saída, sendo herético
Quem crê que ainda exista a claridade.

No quanto se perdendo um apoplético
Caminho se moldando na verdade
Jamais perceberá felicidade...


23317
Indignos os delírios que inda trago
Almejando a saída que não vi,
Vivendo a poesia que há em ti
Quem dera pelo menos teu afago.

Alego por defesa, mero lago
Aonde em águas mansas me perdi
Enquanto a correnteza em que vivi
Meu mundo se inundando, enfim me alago.

Heréticas mentiras, nada além,
E quando a realidade me convém
Expondo este vazio que sou eu.

Apreendo com meus olhos raras luzes,
E enquanto tal beleza; reproduzes,
Meu mundo num ocaso se perdeu...


23316
Ao ver o céu sereno em que se expõe
As constelares cores siderais,
O quanto em maravilha se compõe
Belezas que desfilas; magistrais,

E ao mesmo tempo a vida se propõe
A ter como saída um porto, um cais
Minha alma, distraída decompõe
As formas de um delírio, desiguais.

Não quero de mim mesmo tais escusas,
Nefastas e sombrias tolas Musas
Há tanto se afastaram. Já me afeta

O medo de seguir escuras sendas,
Mas logo calmamente tu desvendas
Desejos de um estúpido poeta...


23315
Porquanto fosse; em tese tão pequena
A dor que nos devora e nos enfada,
A sorte há tanto tempo está lançada
Minha alma frente à mesma se apequena.

Pudesse ter somente mais serena
Aquela que me doma e desagrada
A fonte sutilmente demonstrada
Ao mesmo tempo cura e me envenena.

Não posso suportar tamanho escândalo,
Tampouco tenho em mente ser o sândalo
Que ao vândalo se expõe e inda o perfuma.

Escassas as defesas, sigo cúpido,
Jamais permitiria um ato estúpido
Prefiro a ser uma onda, leve espuma...

23314
A sorte em epopéias já lançada
Vencendo os meus temores, sendo prático
E mesmo quando mostro este ar apático
Minha alma em perigeus vã, destroçada...

Preparo por defesas, paliçada
Estando muitas vezes quase espástico
Num cáustico caminho, finjo tático
Mas sei que vivas dores; alcançada

Esgotam-se meus víveres; nefasto
Dos sonhos que inda restam; já me afasto
E deixo como rastro a luz vulcânica

Que um dia após sombrias emoções
Mostrara fragilmente as soluções,
Porém minha alma pasma inda tetânica...
p

23313
Navego em oceanos mais bravios
Levando dentro da alma esta incerteza
Envolto pelas ondas, a tristeza
Aumenta e multiplica os desafios.

Vencê-los é questão de honra e meus brios
Suportam com orgulho a correnteza
Prevendo no final rara beleza
Após momentos duros, mares frios.

A voz quando se embarga, em dor suprema
A luta sem descanso já se extrema
E teimando incansável sonhador,

Expondo os meus enganos com audácias
As pedras nos caminhos. Expressasse-as,
Moldando um novo tempo a se propor...

23312
Minha alma ocidental e italiana
Latina e eternamente atada ao lírico,
Às vezes com certeza sendo empírico
Desfilo minha origem lusitana

Enquanto a poesia em mim se ufana
O mundo que imagino quase onírico
Num átimo diverso deste etílico
Caminho em que a verdade desengana

Mergulho nas distâncias amazônicas
E quando em fantasias tão hedônicas
Procuro no final ser mais eclético.

Ao fundo este cenário vasto e lúdico
Aplausos; não espero deste público,
Mas mostro o meu caminho atroz, poético...


23311
Assinalando os dias que entre dias
Se tornam mais diversos e felizes
Além dos contumazes já me dizes
Possíveis, os momentos de alegrias.

Mas quando em descaminhos há deslizes
Disperso deste encanto em que vivias
As honras das soberbas poesias
Tornando-se profundas cicatrizes.

Mas hei de amar e nada impedirá
O sol que nascerá mesmo acolá
E sei que a minha vida se completa

Entre armas que inda restam, as palavras
Fecundam o solo árido que lavras
Porquanto simplesmente sou poeta...


23373

Quem dera tão somente um plenilúnio
Moldando em luzes fartas noite em trevas
As horas que tivemos, onde nevas
Tramando com firmeza este infortúnio.

Sem ter sequer na vida um sonho. Pune-o
Fantástica tormenta adentra as cevas
As almas que das almas seguem servas
Devoram teu sorriso tolo. Exume-o.

Verás que não restara nem o odor
Das fétidas loucuras que encetaste,
O fardo que condena-te ao desgaste

Trazendo em tuas sombras o bolor
Do qual tu te alimentas entre pragas,
E a fera que indomável, logo afagas...

23374

Crepuscular imagem que cultivo
Nos versos que ora faço, morto em vida,
Aonde se pensara uma saída,
Da arcaica podridão enfim me crivo.
Não quero mais um tom tão agressivo
Que mostre a tua face envilecida,
Também não quero a faca que me agrida,
Sombrio e carcomido sobrevivo.
Aonde poderia ter a sorte
De crer na eternidade após a morte
Eu tenho tão somente a negação,
O quanto resta ainda me tortura,
Deixando como um rastro de amargura
O meu corpo em fatal putrefação...



23375

Minha alma num tropismo insofismável
Aguarda o seu descanso, após as guerras
E quando os restos podres tu enterras
Não creia ser um fato lastimável,

O beijo carinhoso e tão amável
No olhar que agora morto tu descerras,
Olhara para além, vencera serras
E agora se entregando, inevitável...

Acolha cada lágrima, querida
E saiba que sem dor e despedida
A vida após a vida noutra face.

E o tempo mostrará, tenha certeza,
No refazer eterno, a Natureza
Impede que o final eterno embace...


23376

Adentro estas hostes onde a plebe
Devora seus cadáveres e ri,
O verso mais perfeito existe em ti,
E nele a própria vida se concebe,

A morte se desnuda e sempre bebe
Do corpo que esmagaste e está aqui
No prato e nos banquetes que servi,
Prazer o transmudando já recebe.

Vorazes criaturas; refazemos,
Depois é nossa vez num reciclar
Eterno caminhar. Nele morremos;

E após a nossa morte e podridão
A vida se refaz até voltar
De novo como morte para o chão...

23377


Germina neste solo o que era grão
E abortam-se deveras outros tantos
Assim em meio a risos, dores, prantos,
Encontro a cada dia a evolução.

Do ser original, transformação,
E nisso a maravilha e desencantos,
Fragilizada vida traz nos mantos,
Mortalhas entre flores, sedução.

Arcando com desertos entre matas,
A vida noutro tempo já resgatas
E moldas sem saber outros caminhos.

Por isso na verdade somos feitos
À imagem da Natura e seus defeitos,
No etéreo transmudar túmulo e ninhos...


23378


Ao vento se espalhando tais fuligens
Os vermes entre vermes reciclando
O tempo de viver já se esgotando
Voltando ao mesmo nada das origens,

Na gênese da história nossos gens
Num vário movimento, desde quando
O início noutro início se tornando,
Dizendo quem tu és e de onde vens,

Revelam-se os escárnios da Natura,
Que sendo tão sublime mesmo impura
Permite uma existência após a morte,

Cadenciando assim eternidades
Nos átomos, moléculas, verdades
Que ditam sem saber a nossa sorte...


23379

Necrófagas e toscas criaturas
Que vivem do nefasto e do sombrio,
Ao mesmo tempo enquanto desafio
Entraves entre pedras; emolduras;

Criaste com teus medos as agruras
E neste desencanto ora desfio,
O canto em que me mostre o medo e o frio,
Aonde sem pudores finges curas.

Não posso me furtar ao brado insano
E mesmo que deveras noutro plano,
Incendiando a Terra profanada,

Descrevo o pandemônio em que ora vivo,
Um mundo na verdade tão nocivo,
Do qual não se aproveita quase nada...


23380

Difícil compreender a poesia?
Dos mundos que deveras fantasio
O quanto de mim mesmo não se guia
Tampouco pelo verso, quente ou frio.

Mentiras num poeta? Alegoria.
O quadro se emoldura como eu crio,
A vida passa a ter policromia
Nem tudo o que é verdade propicio.

Utópicos os tópicos que tento,
Às vezes paciente ou violento,
Feroz ou tanto manso quanto sou,

Versáteis os caminhos de quem sabe
Que tudo em palavras sempre cabe,
E nelas sem perguntas, mergulhou...


23381 até 23460


Aéreos descaminhos vagas rotas
Antigos navegantes, barcos, naus;
Alvissareiros tempos? Pois o caos
Explode em cada curva, mas nem notas.
Subindo calmamente estes degraus
A fonte dos prazeres; cedo esgotas
Aonde imaginara fundas grotas
Os dias são terríveis, duros, maus.
Enquanto tu sonhavas melodias
As horas se passavam tão vazias
Diversas do que crias; ilusões.
Extorquindo a saudade em fartos pratos,
Sentimentos mordazes, pois ingratos
Movendo com certeza multidões...


Encontro no teu corpo o magnetismo
Que tanto me seduz quanto me trai,
E quando nas estrelas, grande abismo,
O sonho em gozos fartos já distrai
O velho caminheiro em seu batismo
Desníveis enfrentando; logo cai.
Em meio às tempestades, tento e cismo
Nos olhos de esperança feito um pai
Que encontra no seu filho algum futuro,
Além do que deveras não depuro
Aguardo com real expectativa
Que a sorte se bandeie pro meu lado,
Meu tempo de sonhar diz do passado,
Porém minha alma, tola, segue viva...


A voz que em altos brados nos liberta
Do algoz entre terríveis cadafalsos,
Os dias percorridos, ledos, falsos,
A história se mostrando tão incerta.
Havia no caminho alma desperta
Meus pés enfrentam urzes; já descalços
E bebo sem rancores tais percalços
Porteira da esperança sempre aberta.
Andasse pelas ruas e calçadas
Vagando sem destino em madrugadas
As trevas vão guiando quem barganha
E embora muitas vezes esperando
O dia noutro dia se entranhando
E a fé no amor remove esta montanha...





Indefinível forma se apresenta
Ditando antigas normas e pensares,
Aonde se quisera então altares
A sorte com a morte se aparenta.
Paixão que um dia fora violenta
Agora se perdendo em lupanares,
Embriagado sonho se notares
Verás quanto o passado me atormenta.
Esgoto minhas forças neste bar
E danço a noite inteira sem parar
Fugindo do que outrora fora amor,
Agora se mostrando indiferente,
Ainda que deveras não se tente
Colher deste jardim pétala e flor...



Os versos agregados ao que sinto
Permitem decifrar o velho gozo,
E sendo sempre tolo este orgulhoso
Desenho em que deveras sigo extinto,
Não posso me calar, imenso instinto,
Vencendo o que pensara caprichoso,
E o tempo se mostrando tão danoso,
Mergulha no vazio em que me tinto.
Revigorada voz de um sonhador,
Ancoro meus anseios em teu cais,
E mesmo que se veja ao fundo a dor,
Não posso decifrar qual fora meu,
Aquilo que bem sei; terei jamais
E há tanto num descaso se perdeu...


Uma estranguladora realidade
Tornando mais difícil caminhar
Vencido pela dor, o meu altar
É feito de terror e frialdade,
Expressando nos versos liberdade
Aonde poderia desvendar
Segredos que se aprende com a idade,
Vagando em noite fria bar em bar.
As roupas já puídas como o sonho
Que entranho e sem disfarces recomponho
Bebendo da aguardente mais atroz
Ninguém encontraria o que inda resta
Cadáver que abandono agora gesta
E a sorte se moldando como algoz...


Douradas pelo encanto desta lua
As horas ditam sempre rara glória
E quando em minhas mãos, ela flutua
A sorte transformando nossa história,
Espalha tal beleza em cada rua,
A senda mais bonita e sempre flórea
Etérea maravilha continua
Brilhando a cada instante na memória.
Não deixo-me levar por falsos guizos,
Tampouco não suporto prejuízos
Aonde o desamor causara danos,
Sabendo das belezas destes sóis
Outrora aonde havia maus lençóis
Agora já percebo rotos planos.


Moldando com carinho a nossa trama
Descrevo a maravilha em que ora vivo,
No amor que tantas vezes se reclama,
Eu busco amanhecer suave e altivo,
Não quero sonegar a imensa chama
Por ela tão somente sobrevivo
E quando o grande amor deveras chama,
Dos gozos deste sonho não me privo.
E teimo em procurar felicidade
Aonde se encontrara a claridade
Do olhar da bela diva, deusa nua,
Espalhas pelos cantos e calçadas
Que quando passas vão iluminadas,
Douradas pelo encanto desta lua...


Aonde deposito o coração
Encontro tanto amparo que prossigo,
Bebendo da divina sensação
De ter após batalhas, meu abrigo,
Vivendo neste mar de sedução,
Eu quero estar deveras já contigo,
E sinto ter provável solução
Deixando para trás qualquer perigo,
E sei que tantas vezes me querias,
Tramando nos teus olhos fantasias,
Ardendo com fulgor em cada chama,
Assento esta emoção em tuas mãos,
E os dias semeando raros grãos
Moldando com carinho a nossa trama...


Tu és do amor imenso, a mensageira
E sigo cada passo que tu dás,
A vida do teu lado é mais que queira
Um velho coração que sendo audaz
Entrega-se ao delírio da fogueira
Aonde nosso amor maior se faz,
Seguindo cada rastro alma se esgueira
E entrega-se ao desejo mais voraz.
Pudesse ter ainda nos meus olhos,
Diverso dos caminhos entre abrolhos,
O brilho que nos trouxe esta emoção,
Envolto nos teus braços, não me canso,
Sabendo finalmente do remanso
Aonde deposito o coração...


Alvissareiros são agora os cantos
De quem por tanto tempo se fez dor,
E quando se envolvendo em tais encantos,
Colhendo a cada dia nova flor,
Secando desde já terríveis prantos,
Nas mãos o delicado e fino andor,
Momentos divinais, deveras santos,
Aonde se perfaz raro louvor.
Não deixe que este sonho um dia acabe
Tampouco que esta história em vão desabe
A sorte muitas vezes traiçoeira,
Mas sei que mesmo sendo movediça,
A vida do teu lado cedo viça
Tu és do amor imenso, a mensageira...


Futuro em paz imensa se pressente
Depois de ter nos olhos tempestades,
Vivendo o que deveras já se sente
Afasto-me das dores, claridades
Bebendo com ternura se presente
Aquela a quem conduzem tais verdades
Uma alma carinhosa de repente
Explode nas vertentes das saudades.
E assim caminharemos sempre unidos,
Os dias solitários esquecidos,
Apenas teus anseios, teus encantos,
Vertendo neste amor raros momentos,
Deixando para trás medos, tormentos,
Alvissareiros são agora os cantos...


Neste oceano imenso- amor- navego
Em busca de uma praia ou de um tesouro,
Enquanto a tais desejos eu me entrego
Encontro em teu abraço o ancoradouro,
E sei que navegara outrora cego,
Agora nos teus olhos eu me douro,
Os erros do passado nunca nego,
Encanto que pressinto duradouro.
Descreves com ternura cada fato,
E sei que em teu sorriso me retrato,
Vivendo esta alegria tão somente.
O quanto sou feliz jamais omito,
No amor que se transforma quase em mito,
Futuro em paz imensa se pressente...


Sorvendo nos teus olhos o luar
Incomparável brilho que ora sinto,
Dizendo da beleza de te amar,
Com cores mais suaves, dias pinto,
O templo dos prazeres, nosso altar,
Jamais será decerto em vão extinto,
E quanto mais procuro te encontrar
Nos mares dos anseios; solto o instinto.
E bebo destas águas tão lascivas
Mantendo as velhas chamas; sempre vivas,
Alvissareiro canto em que me entrego,
Nos tantos caminhares que encontrei,
Apenas em teus braços mergulhei,
Neste oceano imenso- amor- navego...


A história deste amor não terá fim
Tampouco desfiando dor e tédio,
Nos olhos de quem amo; vejo enfim
Dos males que encontrei santo remédio.
O tempo se desfila e vou assim
Vivendo a maravilha deste assédio,
Enfeito com delírios o jardim,
E trago bem mais firme o nosso prédio.
As bases deste amor são eternais,
Desejo e te procuro sempre mais,
Não quero e nem posso descansar,
Ao ver tanta beleza se espraiando,
O mundo nos teus braços entregando,
Sorvendo nos teus olhos o luar...


Colheita fabulosa que prevejo
Trazendo tal ventura ao sonhador
Que envolto pelas ânsias de um desejo
Mergulha sem defesas neste amor,
A vida não passando de um lampejo,
Ardente e delirante traz calor
E o quadro mais feliz que agora vejo
É feito da esperança em clara cor.
Negar esta existência é ser venal,
O encanto se demonstra no final,
E beijo a tua boca carmesim,
Trazendo para mim imenso gozo,
O tempo se mostrando prazeroso,
A história deste amor não terá fim...



Um mundo mais tranqüilo e tão bonito
É tudo o que deseja quem procura
Por mais que esteja só e agora aflito
O encanto deste sonho já perdura,
A noite em que se dá divino rito
Jamais será decerto mais escura,
Pensando neste tanto eu exercito
A voz numa canção feita em ternura.
Mergulho na beleza de teus braços,
E sinto no calor destes abraços
A fonte inesgotável de um desejo
Ao qual eu me entregando sem pudores,
Encontro finalmente belas flores,
Colheita fabulosa que prevejo...


A noite em fantasias do meu bem
Durante tanto tempo se fez minha,
E quando uma tristeza não convém
A sorte deste encanto se avizinha,
Não quero ter nos olhos outro alguém
A vida em tua vida já se aninha,
Mergulho no passado e vivo aquém
Do sonho que deveras sempre tinha.
Apenas um cansado caminheiro
Que tanto desejou ser mensageiro
Da paz na qual deveras acredito,
E tendo nos meus olhos a esperança,
O amor que nos unindo cedo alcança
Um mundo mais tranqüilo e tão bonito.



Por onde se desviam nossas vidas,
Apenas solidão ainda trago,
Deixando para trás noites dormidas
Sem ter sequer do amor algum afago,
Perpetuando as dores, não duvidas
E vês a cada dia um novo estrago,
Perceba nossas camas repartidas,
E veja a placidez de um manso lago.
Quisera ter a sorte de poder
Vivenciar deveras o prazer
Do qual a minha sorte é uma refém
No quarto de dormir, acendo a luz
E vejo que o sorriso reproduz
A noite em fantasias do meu bem...


Agora já percebo rotos planos
Aonde imaginara alguma sorte,
A vida sonegando ao peito o norte
Promete tão somente mais enganos.
Encubro-me deveras com tais panos
E neles a mortalha diz da morte,
Não tendo nenhum bem que me suporte,
Depois da tempestade, graves danos.
Morrendo entre os diversos fundamentos,
Percorrem os caminhos, pensamentos
Ungüentos nas escaras e feridas.
Apago da lembrança este passado,
O mundo que eu queria diz do Fado
Por onde se desviam nossas vidas...



Das flores a beleza de um ditame
Expressa-se em raríssimos matizes,
Polinizando a vida, cada estame
Molduram os momentos mais felizes,
Aonde se procura o bem que se ame
Embora muitas vezes vãos deslizes
Sem ter onde e com quem inda reclame
Gerando inevitáveis cicatrizes.
Aonde em que jardim tu te escondeste?
O mundo sem te ter se torna agreste
E o tempo de sonhar em paz? Revê-lo
E ter esta certeza que o canteiro
Entregue ao mais devoto jardineiro,
Cuidado com carinho e tanto zelo...


Na ponta desta língua peçonhenta
As marcas das mentiras e armadilhas,
Aonde tu pisaste, amargas trilhas
Um frio amanhecer já se apresenta,
A mão que acaricia e me apascenta
Diversa desta estrela em que não brilhas
Distante dos teus olhos tantas milhas,
A morte numa espreita violenta.
Aguardo a qualquer hora o bote insano,
E sei que neste caso não me engano,
Decerto fria serpe me aguardando,
Aonde imaginara um tempo calmo,
Invés da mansidão de um belo salmo,
Satânica presença me espreitando...



A luz que se fazendo tropical
Expressa a violência de um desejo,
Se na ponta afiada do punhal,
O corte mais profundo, ora prevejo.
Não tendo nas esquinas o fatal
Delírio que demonstre tal lampejo,
Nas ondas de um soberbo carnaval,
Contra as minhas vontades eu pelejo.
Fizera esconderijo em tuas pernas,
As honras em prazeres são eternas
Na simples duração de alguns segundos.
Orgástica e sublime fantasia,
A bala se perdendo propicia
Dicotomia louca de dois mundos...


Difícil compreender a poesia?
Dos mundos que deveras fantasio
O quanto de mim mesmo não se guia
Tampouco pelo verso, quente ou frio.
Mentiras num poeta? Alegoria.
O quadro se emoldura como eu crio,
A vida passa a ter policromia
Nem tudo o que é verdade propicio.
Utópicos os tópicos que tento,
Às vezes paciente ou violento,
Feroz ou tanto manso quanto sou,
Versáteis os caminhos de quem sabe
Que tudo em palavras sempre cabe,
E nelas sem perguntas, mergulhou...



Minha alma numa escura charqueada
Voltando desta espúria insensatez,
Depois de tanto tempo se desfez,
Negando a própria história, escravizada.
Visando uma esperança abandonada
O quanto se procura em lucidez,
No quarto das lembranças, minha vez
Dizendo do que outrora fora nada.
Aguardo um novo dia, mas sei bem
O quanto este vazio me convém
E dele faço o sonho em que mergulho.
Viver ao deus dará sem eira ou beira,
Depondo sobre o chão; cada bandeira;
Porém a luta traz imenso orgulho...


Nos últimos momentos, besta fera
Mostrando as suas garras afiadas,
No olhar propenso ao medo, esta pantera
Explode em raras cores disfarçadas,
Aonde se pudesse primavera,
As horas não traduzem alvoradas,
Negando o que da vida já se espera,
As mortes sem pudor anunciadas.
Escravo desta estúpida loucura,
Aonde se percebe e se tortura
Quem tem opinião mais controversa,
Falar do bem da vida é sempre bom,
Mas quando a realidade dita o tom,
Verdade sendo expressa só dispersa...


Necrófagas e toscas criaturas
Que vivem do nefasto e do sombrio,
Ao mesmo tempo enquanto desafio
Entraves entre pedras; emolduras;

Criaste com teus medos as agruras
E neste desencanto ora desfio,
O canto em que me mostre o medo e o frio,
Aonde sem pudores finges curas.

Não posso me furtar ao brado insano
E mesmo que deveras noutro plano,
Incendiando a Terra profanada,

Descrevo o pandemônio em que ora vivo,
Um mundo na verdade tão nocivo,
Do qual não se aproveita quase nada...


Não julgo, mas direito de pensar
Um fato que jamais discutirei,
Quem tem Nosso Senhor que é Deus e Rei,
Aprende desde sempre a perdoar.
Também nos ensinando o bem de amar,
As lutas pelas quais eu me engajei
Dizendo deste amor, não estranhei
O quanto é necessário caminhar.
Mas tendo por princípio que ao pastor,
Ovelhas conduzindo e sendo probo,
Não deve desviar-se nem propor
A mesma realidade em senso prático,
Não quero ter na frente um fero lobo,
Perdoe se em verdade sou lunático...


Outrora ultra-romântico poeta
Agora simplesmente um perdedor,
Vencido pelas fúrias de um amor,
A vida sem ter vida não completa
O ciclo aonde a sorte predileta
Trazia em suas mãos, um raro andor,
Na vida, eternamente um amador,
Cupido sem juízo errando a seta.
Apenas o vazio como herança
Vivendas entre flores do passado,
O sonho se mostrando abandonado,
No imenso precipício alma se lança,
E o vento assobiando no telhado,
Demonstra quão, deveras fui errado...


Agrestes companheiros de viagem
Aonde se escondeu a estrela guia?
Morrendo como fosse a poesia
Não tendo mais o sonho na bagagem,
Apreciando a tosca paisagem,
A vida se desfaz, mas se recria
Perpetuando assim a fantasia,
Tirando o pensamento da garagem.
Viver nestes neons que o tempo traz,
Deixando para trás o bem do sonho,
O mundo que deveras eu componho
Querendo no final, somente paz,
Mesquinhos desenganos; acumulo,
Da fera atocaiada, aguardo o pulo...


Minha alma a pó e pedra reduzida
Depois de ter vencido os descaminhos,
Aonde se quiseram simples ninhos,
A morte destroçando o que era vida.
Perguntas sem respostas, já perdida
A sorte que em momentos de carinhos
Negara ao caminheiro tais espinhos,
Mas sei que na verdade não se olvida
O canto distorcido em que dizias,
Dos fogos de artifício de alegrias
Imorredouro sonho; agora morto.
Não tendo mais descanso sigo só,
O amor se reduzindo à pedra e pó
O barco procurando ainda um porto...


A sombra do passado não se afasta
E toma este cenário em grises cores,
Seguindo cada passo aonde fores,
A voz se torna assim, mordaz, nefasta.
A corda que nos une agora gasta,
Não deixa que se pense mais em flores,
Descrevo nestes versos minhas dores,
E o grito não contido; solto: Basta!
Já não quero saber das falsas luzes,
Cansado de pisar em tantas urzes
Aonde quis a paz, trouxeste guerra,
Num agradável sonho que compus,
A sorte se desfaz da própria cruz
E o amor que nos unia, o tempo encerra...



Na idéia de um valente cavaleiro
Aonde se fizera um bom amante,
A lua se mostrando radiante,
Deitando rara prata no canteiro,
Mergulho sem defesa e vou inteiro
Não quero ter a dor um só instante
O amor um mensageiro mais constante
Dos sonhos, o maior e o derradeiro.
Não pude segurar este desejo
Que aflora em cada verso quando vejo
A luz que se irradia em teu olhar,
Assim podendo estar em liberdade,
No amor encontro paz e claridade,
Vivendo tão somente por te amar...


São fogos passageiros da esperança
Apenas e somente vejo assim,
As flores que cevaste no jardim,
Trazendo para a vida esta mudança.
Agora vivo em plena temperança,
Sabendo desde sempre qual o fim,
E enquanto a poesia já me alcança
Eu sinto que serei feliz, enfim.
Alvissareiro canto que em promessa
Ao mesmo tempo enquanto recomeça
Por tantas emoções vivi e vivo,
Mantendo esta alegria inabalável,
O verso se promete mais amável,
E dele, e só por ele sobrevivo...



Os dias em que estive do teu lado,
Bem sei o quanto foram tão vitais
Ao velho coração enamorado,
Momentos na verdade sem iguais,
Aonde retornando do passado,
Vivendo em cores raras, magistrais
Eternamente insano e iluminado
Bebendo das auroras boreais.
Não posso me furtar ao sonho bom,
Aonde a poesia dita o tom
E faz com que eu me eleve ao bem supremo,
Contigo, nada mais serve de exemplo,
Sabendo que endeusei-te neste templo,
Deveras neste amor mais nada temo...



Às normas, leis e regras, obedeço
Enquanto sou poeta e quis voar,
Andando sobre as teias do luar,
Nos raios mais audazes eu me teço.
Na vida tudo tem valor e preço,
Mas nada se compara ao bem de amar,
Aonde com certeza tanto apreço
Merece muito mais que possa dar.
Confesso o quanto quis e nada vinha
Senão este vazio que apresenta
Uma alma tão serena ou violenta;
Eterna navegante que, sozinha,
Aguarda algum momento em paz; distante
Dos medos que desfila a cada instante...


Ao voltar ao começo, nas origens
Dos seres eu concebo um Deus presente
Que embora sendo enfim onipotente
Deixando como marca nossos gens,

Quem somos e deveras de onde vens
Na forma em que a verdade se apresente
O Poderoso Pai onisciente
Cedeu à própria vida vários bens.

Mas o homem, criatura intolerante
Pensando-se divina se propõe
A dominar a cada e todo instante

A herdade aonde fez sua morada,
E aos poucos o que resta decompõe
Do todo que recebe, deixa o nada...


Ao vento se espalhando tais fuligens
Os vermes entre vermes reciclando
O tempo de viver já se esgotando
Voltando ao mesmo nada das origens,
Na gênese da história nossos gens
Num vário movimento, desde quando
O início noutro início se tornando,
Dizendo quem tu és e de onde vens,
Revelam-se os escárnios da Natura,
Que sendo tão sublime mesmo impura
Permite uma existência após a morte,
Cadenciando assim eternidades
Nos átomos, moléculas, verdades
Que ditam sem saber a nossa sorte...



Endêmica loucura nos tomando,
Atrozes fantasias, medos fartos,
Escassas alegrias, morte e partos,
O verbo de outro verbo se formando.
Outrora um passo leve e mesmo brando,
Agora a luz ofusca em tristes quartos,
Meus erros consumindo a paz. Descarto-os.
Porém eu sei o quanto sigo errático,
Aonde desejara ser mais prático,
Enfáticos desmandos do insensato,
Ecléticos caminhos, vário ciclo,
O quanto me sonego já reciclo
Momento em opulência; em ti retrato...


Germina neste solo o que era grão
E abortam-se deveras outros tantos
Assim em meio a risos, dores, prantos,
Encontro a cada dia a evolução.
Do ser original, transformação,
E nisso a maravilha e desencantos,
Fragilizada vida traz nos mantos,
Mortalhas entre flores, sedução.
Arcando com desertos entre matas,
A vida noutro tempo já resgatas
E moldas sem saber outros caminhos.
Por isso na verdade somos feitos
À imagem da Natura e seus defeitos,
No etéreo transmudar túmulo e ninhos...


Adentro estas hostes onde a plebe
Devora seus cadáveres e ri,
O verso mais perfeito existe em ti,
E nele a própria vida se concebe,
A morte se desnuda e sempre bebe
Do corpo que esmagaste e está aqui
No prato e nos banquetes que servi,
Prazer o transmudando já recebe.
Vorazes criaturas; refazemos,
Depois é nossa vez num reciclar
Eterno caminhar. Nele morremos;
E após a nossa morte e podridão
A vida se refaz até voltar
De novo como morte para o chão...


Minha alma num tropismo insofismável
Aguarda o seu descanso, após as guerras
E quando os restos podres tu enterras
Não creia ser um fato lastimável,
O beijo carinhoso e tão amável
No olhar que agora morto tu descerras,
Olhara para além, vencera serras
E agora se entregando, inevitável...
Acolha cada lágrima, querida
E saiba que sem dor e despedida
A vida após a vida noutra face.
E o tempo mostrará, tenha certeza,
No refazer eterno, a Natureza
Impede que o final eterno embace...


No olhar de quem sorri leda desgraça
Vencido não percebe o próprio fim,
O quadro se define e sigo assim,
Por onde uma esperança não mais passa.
Apenas o vazio a vida traça
E a fonte já secando dentro em mim,
O medo retornando de onde vim
O corpo se tornando uma carcaça.
Espero o gozo pleno; ato final,
Da peça feita em vida, um ritual
Do qual ao fazer parte, fui um traste.
Levando dos meus dias, meras luzes;
Pisando sobre espinhos, tantas urzes,
Aquele em que cuspiste e sonegaste...


Crepuscular imagem que cultivo
Nos versos que ora faço, morto em vida,
Aonde se pensara uma saída,
Da arcaica podridão enfim me crivo.
Não quero mais um tom tão agressivo
Que mostre a tua face envilecida,
Também não quero a faca que me agrida,
Sombrio e carcomido sobrevivo.
Aonde poderia ter a sorte
De crer na eternidade após a morte
Eu tenho tão somente a negação,
O quanto resta ainda me tortura,
Deixando como um rastro de amargura
O meu corpo em fatal putrefação...


Quem dera tão somente um plenilúnio
Moldando em luzes fartas noite em trevas
As horas que tivemos, onde nevas
Tramando com firmeza este infortúnio.
Sem ter sequer na vida um sonho. Pune-o
Fantástica tormenta adentra as cevas
As almas que das almas seguem servas
Devoram teu sorriso tolo. Exume-o.
Verás que não restara nem o odor
Das fétidas loucuras que encetaste,
O fardo que condena-te ao desgaste
Trazendo em tuas sombras o bolor
Do qual tu te alimentas entre pragas,
E a fera que indomável, logo afagas...


Amarguradamente os dias correm
E o tempo não socorre quem sonhara
A sorte de quem ama, sendo rara,
Momentos que deveras não me ocorrem.
E enquanto as fantasias tolas morrem,
O beijo num escarro se declara,
Portal de um tosco inferno se escancara
Eflúvios putrefeitos ora escorrem,
Não pude ser aquele que sonhava
Com algo além da fúria desta lava
Que a humanidade traz como uma herança
Maldita desta serpe tentadora
Matando imagem pura e redentora
Do que pensara ser uma esperança...


Olhando para o túmulo que espera
As marcas do passado; ainda vivas
Imagens que pensara mais altivas
Demônios entre os dentes, besta fera.
O medo do futuro não tempera
As horas que inda restam; delas privas
Enquanto em cores mórbidas te crivas
A morte em nova vida degenera.
Servil como se fora um tosco cão,
Regando com suor a plantação
Figura mera e fátua; um campônio
Que expressara no riso uma alegria
De uma alma tão simplória que desfia
Nos olhos rubros lábios de um demônio...


Ao ver a minha imagem, velhos risos
Deveras sem esmero a podridão
Tomando este cenário desde então
Sinais dos dias negros e imprecisos.
Estéreis emoções em vagos frisos,
A carne decomposta, a solidão,
O verme que procura na amplidão
Da sorte os mais sinceros, claros guizos.
Carcaça sendo aberta e o peritônio
Delírio aonde festas diz demônio
Especulares sombras de um fantasma,
Magérrimas imagens que ora crias
Fugazes tais figuras mais sombrias
Apenas o que resta, um vão miasma...


Qual fora um animal inferior
Protozoário ou mesmo uma bactéria
Vivendo do escárnio da matéria
Apenas o vazio a te propor.
No quanto se fez podre o que era amor
Ainda se imagina a luz sidérea
Já não suportaria a fonte etérea
Por onde se moldasse a simples cor;
Medonhos os diversos descaminhos
Os dias que virão sempre sozinhos
O féretro se aguarda em velas, ritos,
Os dias que se mostrem mais simplórios
Na louca efervescência dos velórios
O corpo sendo exposto aos falsos gritos...


Esterco do que outrora se fez glória
Agora o que me resta é ter ainda
A luz de uma tarde que foi linda
Morrendo dia a dia em tosca história.

Deveras esquecido na memória
Daquela que o futuro já deslinda
Cumprindo a minha etapa que se finda
Deixando a tarde fria e merencória...

Apenas se escoria quem deveras
Pensara ter nos olhos a alegria
E vendo tão somente amargas feras

Nefasta criatura a quem amei,
E o tempo na verdade desafia
Mostrando ser vazia a minha grei...


Ao evangelizar com falsos mitos
Espalhas entre tantos; divergências
O Amor sempre comporta as inocências
E os dias mais tranqüilos, leves ritos.

Mas vendo a multidão; tolos aflitos
Não posso me curvar às procedências
Infaustas dos demônios que em ciências
Traduzes como fossem torpes gritos.

E neste hermeticismo a defesa
Daqueles que sem Deus por esperteza
Vendendo a fria imagem de um Satã

Que invés de perdoar traz nas vergastas
Justiça em que da glória logo afastas
Tornando cada ovelha espúria e vã...


À Natureza humana o meu desprezo,
Disformes criaturas deuses criam,
Nos olhos violentos já procriam
O irmão que sendo frágil e indefeso

Sentindo em suas costas todo o peso
Dos vermes que deveras se inebriam
Do sangue de seus pares; descumpriam
As ordens de um Senhor, do amor defeso.

Excêntrico cadáver ambulante
O ser já decomposto, mas falante
Expressando em orgásticas loucuras

Vertentes conflitantes, vida e morte,
Negando ao próprio filho algum suporte,
Nas noites em sangrias e torturas...


Queria algum prazer cotidiano
Aonde mergulhasse sem defesas,
Ao crer bem mais plausível tais belezas,
Por vezes, tão ingênuo eu já me engano.

O fogo das loucuras sendo insano,
Servido como fartas sobremesas,
Enquanto houver terríveis correntezas
A sorte se moldando em novo plano.

Acasos entre farpas, fados, facas,
Medonhas fantasias quando atracas
Saveiros entre portos, mortos cais.

Assegurando apenas o vazio
Que enquanto num delírio propicio
Expressas negações fenomenais...


De todas as espécies sobre a Terra
O ser humano mostra os seus sinais,
Refaz os mesmos erros ancestrais
Enquanto uma esperança já se enterra.

Além da sensação que nos desterra
Momentos variáveis, magistrais
Envoltos por anseios animais,
Do vale se percebe ao longe, a serra.

Assim não poderíamos viver
Pensando ser de Deus, a semelhança,
Outrora fora feito uma aliança

Porém a humanidade a se perder
Voltando à sua origem mais nefasta
Da perfeição divina já se afasta...


Na solidariedade vejo a luz
Que possa nos guiar ao Deus em paz,
E quando uma alegria já se faz
No verbo que ao prazer nos reconduz.

Percebo neste espelho quando nus
Os homens que viveram muito atrás
Agora, este vazio não mais traz
Senão a sensação de peso e cruz.

Ausência da inocência nos permite
Que em dúvidas caminhe a humanidade,
Não tendo no saber qualquer limite,

É necessária; sim, a informação,
A todos Deus cedeu a claridade,
Só não temos poder de criação...


Sentindo a vergastada no meu dorso,
As vésperas da morte a dor emana
Um quadro aonde a sorte soberana
Já não suporta mais qualquer esforço,

E quando num espasmo eu me contorço
O rastro da ventura da alma plana
E o gozo do martírio me profana
E a própria realidade; ao fim distorço.

Não posso me furtar e nisto creio,
Aonde houvesse ainda algum centeio
Lavrado com o sangue dos campônios.

Acerco-me das tramas que enveredo,
Vislumbro neste olhar tosco segredo,
Qual fosse legião de vãos demônios...


Qual brâmane adentrando o ser; repenso
As várias influências que recebo
Diversas são as fontes de onde bebo
Um mundo variável, pois imenso.

Não quero me mostrar apenas tenso
Enquanto outros caminhos; já concebo,
Saídas divergentes, eu percebo,
Sabendo ser a mente, um mar extenso.

Nirvanas que buscara no silêncio,
Temor sem a alegria é vão; compense-o
Com algo que remeta à fantasia.

O fato de viver nos dá ciência
Do quanto é necessário a paciência
Que tanto nos acalma enquanto guia...


Ao ver a metafísica saída
Abandonando a crua realidade,
Adentro o cristianismo que em verdade
Domina o pensamento e rege a vida.

E nele encontro a paz. Não se duvida
Do mundo que se molda enquanto invade
Mostrando nossa vã fragilidade
Quando a esperança foge e está perdida.

Pudesse; circunspecto ver na crença
Além do que talvez não me convença
Portal aonde escapo das tormentas.

Mas vendo sem vieses tolo mundo,
Na entranha do meu ser eu me aprofundo
E envolta em fortes luzes me apascentas...


Um fato deslumbrando na existência
A luz mesmo em penumbra; assim resiste,
E quando o coração se mostra triste
Talvez ainda reste uma inocência.

Ao homem que da morte tem ciência
A imensa tempestade ainda insiste,
Enquanto esta esperança vã desiste,
Minha alma segue exposta; então, convence-a.

Nos trajes das antigas ilusões
Mesquinharias tolas, emoções,
Vasculho pelos cantos e me entranho

Dos cânticos de outrora, o mensageiro
Nefasto do real e verdadeiro
Quem dera dos meus sonhos, fosse estranho...


A face miserável da verdade
Expondo em cada ruga o tempo atroz,
Que doma e toma o rumo e nos invade,
Calando pouco a pouco a nossa voz.

Quem dera se tivesse a qualidade
De ter em minhas mãos o mundo após
Vivenciar a dor da tempestade
Que ataca em persistência a todos nós

Volvendo ao meu princípio em carrossel,
Mas quando já cumprido o meu papel
Somente a morte trama algumas fugas,

Durante os meus momentos terminais,
Lembrando dos instantes germinais,
O espelho dita o Fado exposto em rugas.


Não fosse a poesia ingrata amante
A vida não teria mais sentido,
Apenas um fantasma desvalido,
Que segue na penumbra, mas constante.

Prevejo no vazio a voz que encante,
Hermético poeta; atroz, me acido.
Enquanto com palavras tolas lido,
O amor se torna ausente ou mais distante.

De todas estas dores, ando farto,
Aguardo sem demora algum infarto
Aonde tanto enfado se desfaça.

O corpo se desfaz a cada dia,
Invés de uma esperança ressurgia
Sombria sensação de morte e traça...


No amarelecimento dos meus dias
Outonos entre trevas e neblinas
Porquanto cada sonho tu dominas,
Ao longe se perdendo as fantasias.

Diverso do universo que ora crias,
As horas que entre luzes determinas
Por vezes enganosas e ladinas,
Causando dentro da alma tais estrias...

E assaltam-me os desejos de outras eras
Voltando ao meu olhar as primaveras,
Mas vejo; se aproxima o duro inverno,

Amortalhadamente a vida expõe
Enquanto a carne aos poucos decompõe
Visão alentadora deste inferno...


Quisera dentro da alma sem dispêndio
Poder crer num momento mais audaz,
Porém a sorte infausta logo traz
Nos olhos o terror de um vilipêndio.

Sem ter quem trame o riso, ou mesmo atende-o
Percebo-me dos sonhos, incapaz,
E quanto mais procuro a vida em paz,
Maior a sensação de torpe incêndio.

Na véspera da morte; o ritual,
O beijo da esperança me faz mal,
E o gozo incontrolável do sarcástico

Irônica pantera me desvenda;
Cigana desventura adentra a tenda
Num cáustico delírio um final drástico...


Perpetuando em mim a sanguessuga
Que outrora se fizera amante e amiga,
Expondo no meu rosto cada ruga
A sorte ao mesmo tempo desabriga.

E enquanto a vida aos poucos tudo suga,
Nefasta companheira tão antiga
A pele decomposta já se enruga
Que um andarilho em rotas vãs prossiga

Necrópsia de uma estúpida esperança
Ao férreo percorrer desta lembrança
Lançada num esgoto, em vale obscuro.

A pérfida ilusão velha senhora,
No escárnio derradeiro se demora,
No intenso efervescer que em ti procuro...


Acima dos meus ermos, velho teto
Escombros do que fomos nesta sala
Minha alma da ilusão, simples vassala
Buscando em qualquer parte algum afeto.

Nas sendas mais doridas me completo,
Enquanto a dor decerto me avassala
A morte, esta quimera enfim me cala,
Mas nela, um ser vazio, eu me repleto.

Da fétida e terrível podridão
Renascem esperanças, solução?
Quem dera, simplesmente a mesma história...

Ao ver este fantasma destroçá-la
Ignara criatura, nada fala.
Ao fim dos vagos dias, mera escória...


Descendo ao mais profano e escuro vale
Encontro os meus fantasmas e os devoro.
Volvendo a superfície em fogo e cloro
Sem nada que inda impeça ou quem me fale

Do quanto esta emoção de nada vale,
No verso mais sensato ainda imploro
Em tanto desapego me decoro
Por mais que no costado o açoite estale.

Esquálida figura; em vão prossigo,
Fazendo de minha alma o esconderijo,
Ao vento suplicando a paz erijo

E o tempo me condena ao desabrigo,
Mergulho sem defesas neste abismo,
E espero novamente um cataclismo...


A luz que se sonega em tarde escura
Neblinas esfumaçam a esperança
E quando aos teus vazios a alma lança
O medo que deveras já perdura,

O quadro se mostrando sem moldura,
Aonde encontraria temperança,
Não vejo perspectiva de mudança
A sorte em vagas rotas nega a cura

Mal sinto esta presença que me alente,
Um dia se mostrando atroz e quente
O resto do caminho não perfaço,

Deixando nos espinhos minha pele,
Enquanto a realidade me repele,
Vencido pela dor; pelo cansaço...


Lançando-me ao abismo que criaste
Com teus desejos falsos e tenazes,
Por mais que se mostrassem mais audazes
Os dias sem teus passos perdem a haste.

E quando se permite tal desgaste,
Além do que em verdade nada trazes,
Mesquinhos e decerto tão vorazes
Os traumas mais ferozes; provocaste.

Recebo o vento frio como fosse
Um ato de ternura, um beijo doce
Da fera que se esconde sob a pele

Daquela criatura em voz suave,
Somente tendo a dor que tanto agrave
À morte inadiável me compele...


A fera que em minha alma não sossega
Restando neste canto; atocaiada,
Depois de tanto encanto sobra o nada,
Vazio que esperança não navega.

Perdesse as ilusões, seguisse cega
Minha alma pela sorte abandonada,
O amor jamais se deu à minha alçada
Pudesse ter ao menos uma entrega

Aonde decifrasse estes enredos,
Porém deste vazio, meus segredos,
Num cofre que se expõe às tempestades.

Mudando ao fim o rumo deste Fado,
Deixasse para trás terror e enfado,
Por mais que a realidade tu degrades...


Do quanto se me sentira abandonado
Nefastas as manhãs, dourados sonhos
Aonde ainda houvera um belo prado,
Meus dias prosseguindo em vão, medonhos.

O quadro muitas vezes revelado
Momentos que julgara mais risonhos
Apenas o reflexo do passado,
Mergulho nos espaços tão tristonhos.

Bisonhos os desejos de quem tenta
Viver a paz que nunca mais tivera.
Nos olhos da ilusão, cruel pantera

A morte se apressando violenta
E o fardo que carrego sendo imenso,
A um tempo mais feliz? Jamais propenso...


O tempo em que se perde já chegando
Mereço tal destino, a morte em riste,
Pudesse ser ao menos bem mais brando,
Mas sei que ao dom do amor ninguém resiste.

Não pude decifrar querida, quando
O coração se fez amargo e triste,
No quanto desejei, mas mergulhando
No vago deste mar, o medo insiste.

E trama outra saída; não resisto,
Oferto em sacrifício cada sonho,
E o quadro se desfaz, nada componho,

Percebo em cada esquina um novo Cristo
Acorrentado aos vãos de um mundo injusto,
E acreditar na sorte, agora eu custo...

]
Pudesse dia a dia acreditar
Nas ondas que na praia já se esfumam,
As dores tão freqüentes me acostumam
A ter em minhas mãos demônio e altar.

Nas aquarelas várias ao pintar
Belezas que vagueiam e se aprumam,
Diversos dos caminhos em que rumam
Os raios luminosos do luar.

Aos pés de quem desejo, mas não creio
Ainda ser possível ter nas mãos,
Os versos mais audazes; teimo e crio

Crivando o pensamento neste anseio,
Mesmo sabendo serem todos vãos,
O grito solto ao vento, no vazio...


A mente inda receia algum ocaso,
E nada mudaria enfim meu Fado,
O quanto se mostrasse degradado,
Ao menos não teria rumo ou prazo,

E quando mergulhando neste acaso,
O gosto amargo resta demarcado,
Levasse uma esperança que ao meu lado
Um tempo mais feliz ainda aprazo.

Mas vendo um ser incômodo e indefeso,
Soltando sobre mim o imenso peso,
Faltando uma saída, aonde possa

Viver tranqüilidade que ora ausente
Por mais que outra verdade ainda tente
A vida não passou de tosca troça...

Pudesse n’alguma ilha ter descanso
E a vida se moldasse mais tranqüila,
Porém ao sonegar qualquer remanso,
Veneno a cada passo se destila.

E o quanto de esperança ainda alcanço,
Distante da cidade, rua ou vila
Os pés sobre estas cordas finas; tranço,
Funâmbulo insensato em vão desfila.

Ao menos quem soubesse aonde encontro
Além de tão somente desencontro
Semente que permita bela lavra.

Não pude me calar, sigo em pedaços,
Do mundo que sonhei; só meros traços,
Fazendo da esperança vã palavra...


Movido tão somente pelo medo,
Terrores invadindo o pensamento,
Pavor a cada dia em incremento
Aonde poderia a paz: degredo.

E quando alguma luz; parca, concedo,
Numa explosão insólita inda tento
Fugir dos meus fantasmas, mas atento
O tempo decifrando este segredo.

E o fim que se aproxima dita as normas,
Imagens delirantes tu deformas
E os arcos se tornando mais estreitos.

Num pesadelo envolto em sangue e guerra,
A sorte vaga à solta e se desterra
Os rios mudam cursam, secam leitos...


Imensa torvação meus sonhos tinge
Em rubros tons, matizes mais sanguíneos
Buscara tão somente teus fascínios
Porém a solidão feroz me atinge.

Uma alma que deveras cedo finge
Deixando no passado seus domínios
Ainda traz temores. Elimine-os.
Senão a cada dia nova esfinge.

Palavra muitas vezes desconexa
A sorte se moldando ainda indexa
Vestígios de uma sombra assustadora.

Mesquinhas alvoradas não virão,
A morte mostra o rumo e a direção
Orquestrando esta paz já redentora...


Dantescas emoções, barcos sem rumo
Expressam o vazio que me deste,
E o quanto sem ninguém já não me aprumo,
Distante do caminho em que vieste.

O corte se aprofunda e logo assumo
Rasgando cada parte desta veste,
A pele- que em verdade é um resumo
Da pútrida carcaça que reveste

Um fétido e banal pária sem nexo,
Por mais que se pareça mais complexo
Ao fundo esta paisagem nada diz,

Apontam-se no céu nuvens escuras,
E quando pelas sombras tu procuras
Não vês numa sarjeta este infeliz...


Um velho fingidor, tolo farsante
Que sabe muito bem usar o dom
De ter em suas mãos, música e tom,
E segue o seu caminho cambiante.

Na vaga sensação de um mero instante
Por vezes disfarçando algum batom
Escuta sem ouvir, sons de um pistom
Cavalga este vazio, galopante.

E o quanto se mentindo vai ou vem
No fundo nada sabe sobre alguém,
Porém toca profundo dentro da alma;

Bufão e muitas vezes menestrel,
Nas mãos contendo o inferno, bebe o Céu
Gerando a tempestade que ora acalma...


Andara com meus pares juntamente
Vivendo o que talvez não mais seria
Além desta quimera, o vento guia
Mereceria a sorte; esta inclemente.

Nos bares em que adentro se pressente
Invés de riso e glória, a sintonia
De seres em que a vã melancolia
Tomara quais reféns, completamente.

Agora não pressinto outro caminho,
Seguindo acompanhado e até sozinho
Num átimo mergulho no meu ego.

E quando imaginara alguma luz,
Percebo que ao vazio se conduz
O passo sem destino em rumo cego...


Em noites tão diversas e profanas,
Rolando os meus prazeres entre bares
As sortes muitas vezes desumanas
Até que ao conheceres e notares

Que embora caminhasse por semanas
Nos antros, velhos guetos, lupanares
Enquanto mais distante desenganas

Pudera ter ao menos um motivo
Dizendo deste modo que hoje vivo
Carpindo minhas dores sem destino.

No quanto desejei e me perdi
Volvendo o meu olhar encontro a ti,
E embora isto desdiga, eu me fascino...


23461 até 23474


1

Agora já percebo rotos planos
Aonde imaginara alguma sorte,
A vida sonegando ao peito o norte
Promete tão somente mais enganos.
Encubro-me deveras com tais panos
E neles a mortalha diz da morte,
Não tendo nenhum bem que me suporte,
Depois da tempestade, graves danos.
Morrendo entre os diversos fundamentos,
Percorrem os caminhos, pensamentos
Ungüentos nas escaras e feridas.
Apago da lembrança este passado,
O mundo que eu queria diz do Fado
Por onde se desviam nossas vidas...


2


Por onde se desviam nossas vidas,
Apenas solidão ainda trago,
Deixando para trás noites dormidas
Sem ter sequer do amor algum afago,
Perpetuando as dores, não duvidas
E vês a cada dia um novo estrago,
Perceba nossas camas repartidas,
E veja a placidez de um manso lago.
Quisera ter a sorte de poder
Vivenciar deveras o prazer
Do qual a minha sorte é uma refém
No quarto de dormir, acendo a luz
E vejo que o sorriso reproduz
A noite em fantasias do meu bem...


3

A noite em fantasias do meu bem
Durante tanto tempo se fez minha,
E quando uma tristeza não convém
A sorte deste encanto se avizinha,
Não quero ter nos olhos outro alguém
A vida em tua vida já se aninha,
Mergulho no passado e vivo aquém
Do sonho que deveras sempre tinha.
Apenas um cansado caminheiro
Que tanto desejou ser mensageiro
Da paz na qual deveras acredito,
E tendo nos meus olhos a esperança,
O amor que nos unindo cedo alcança
Um mundo mais tranqüilo e tão bonito.


4

Um mundo mais tranqüilo e tão bonito
É tudo o que deseja quem procura
Por mais que esteja só e agora aflito
O encanto deste sonho já perdura,
A noite em que se dá divino rito
Jamais será decerto mais escura,
Pensando neste tanto eu exercito
A voz numa canção feita em ternura.
Mergulho na beleza de teus braços,
E sinto no calor destes abraços
A fonte inesgotável de um desejo
Ao qual eu me entregando sem pudores,
Encontro finalmente belas flores,
Colheita fabulosa que prevejo...

5


Colheita fabulosa que prevejo
Trazendo tal ventura ao sonhador
Que envolto pelas ânsias de um desejo
Mergulha sem defesas neste amor,
A vida não passando de um lampejo,
Ardente e delirante traz calor
E o quadro mais feliz que agora vejo
É feito da esperança em clara cor.
Negar esta existência é ser venal,
O encanto se demonstra no final,
E beijo a tua boca carmesim,
Trazendo para mim imenso gozo,
O tempo se mostrando prazeroso,
A história deste amor não terá fim...


6



A história deste amor não terá fim
Tampouco desfiando dor e tédio,
Nos olhos de quem amo; vejo enfim
Dos males que encontrei santo remédio.
O tempo se desfila e vou assim
Vivendo a maravilha deste assédio,
Enfeito com delírios o jardim,
E trago bem mais firme o nosso prédio.
As bases deste amor são eternais,
Desejo e te procuro sempre mais,
Não quero e nem posso descansar,
Ao ver tanta beleza se espraiando,
O mundo nos teus braços entregando,
Sorvendo nos teus olhos o luar...

7


Sorvendo nos teus olhos o luar
Incomparável brilho que ora sinto,
Dizendo da beleza de te amar,
Com cores mais suaves, dias pinto,
O templo dos prazeres, nosso altar,
Jamais será decerto em vão extinto,
E quanto mais procuro te encontrar
Nos mares dos anseios; solto o instinto.
E bebo destas águas tão lascivas
Mantendo as velhas chamas; sempre vivas,
Alvissareiro canto em que me entrego,
Nos tantos caminhares que encontrei,
Apenas em teus braços mergulhei,
Neste oceano imenso- amor- navego...


8


Neste oceano imenso- amor- navego
Em busca de uma praia ou de um tesouro,
Enquanto a tais desejos eu me entrego
Encontro em teu abraço o ancoradouro,
E sei que navegara outrora cego,
Agora nos teus olhos eu me douro,
Os erros do passado nunca nego,
Encanto que pressinto duradouro.
Descreves com ternura cada fato,
E sei que em teu sorriso me retrato,
Vivendo esta alegria tão somente.
O quanto sou feliz jamais omito,
No amor que se transforma quase em mito,
Futuro em paz imensa se pressente...


9

Futuro em paz imensa se pressente
Depois de ter nos olhos tempestades,
Vivendo o que deveras já se sente
Afasto-me das dores, claridades
Bebendo com ternura se presente
Aquela a quem conduzem tais verdades
Uma alma carinhosa de repente
Explode nas vertentes das saudades.
E assim caminharemos sempre unidos,
Os dias solitários esquecidos,
Apenas teus anseios, teus encantos,
Vertendo neste amor raros momentos,
Deixando para trás medos, tormentos,
Alvissareiros são agora os cantos...


10

Alvissareiros são agora os cantos
De quem por tanto tempo se fez dor,
E quando se envolvendo em tais encantos,
Colhendo a cada dia nova flor,
Secando desde já terríveis prantos,
Nas mãos o delicado e fino andor,
Momentos divinais, deveras santos,
Aonde se perfaz raro louvor.
Não deixe que este sonho um dia acabe
Tampouco que esta história em vão desabe
A sorte muitas vezes traiçoeira,
Mas sei que mesmo sendo movediça,
A vida do teu lado cedo viça
Tu és do amor imenso, a mensageira...

11

Tu és do amor imenso, a mensageira
E sigo cada passo que tu dás,
A vida do teu lado é mais que queira
Um velho coração que sendo audaz
Entrega-se ao delírio da fogueira
Aonde nosso amor maior se faz,
Seguindo cada rastro alma se esgueira
E entrega-se ao desejo mais voraz.
Pudesse ter ainda nos meus olhos,
Diverso dos caminhos entre abrolhos,
O brilho que nos trouxe esta emoção,
Envolto nos teus braços, não me canso,
Sabendo finalmente do remanso
Aonde deposito o coração...


12


Aonde deposito o coração
Encontro tanto amparo que prossigo,
Bebendo da divina sensação
De ter após batalhas, meu abrigo,
Vivendo neste mar de sedução,
Eu quero estar deveras já contigo,
E sinto ter provável solução
Deixando para trás qualquer perigo,
E sei que tantas vezes me querias,
Tramando nos teus olhos fantasias,
Ardendo com fulgor em cada chama,
Assento esta emoção em tuas mãos,
E os dias semeando raros grãos
Moldando com carinho a nossa trama...

13

Moldando com carinho a nossa trama
Descrevo a maravilha em que ora vivo,
No amor que tantas vezes se reclama,
Eu busco amanhecer suave e altivo,
Não quero sonegar a imensa chama
Por ela tão somente sobrevivo
E quando o grande amor deveras chama,
Dos gozos deste sonho não me privo.
E teimo em procurar felicidade
Aonde se encontrara a claridade
Do olhar da bela diva, deusa nua,
Espalhas pelos cantos e calçadas
Que quando passas vão iluminadas,
Douradas pelo encanto desta lua...


14

Douradas pelo encanto desta lua
As horas ditam sempre rara glória
E quando em minhas mãos, ela flutua
A sorte transformando nossa história,
Espalha tal beleza em cada rua,
A senda mais bonita e sempre flórea
Etérea maravilha continua
Brilhando a cada instante na memória.
Não deixo-me levar por falsos guizos,
Tampouco não suporto prejuízos
Aonde o desamor causara danos,
Sabendo das belezas destes sóis
Outrora aonde havia maus lençóis
Agora já percebo rotos planos.


23475


Relembro a rara e mansa formosura
De quem se fez a dona dos meus dias.
Peço-vos tão somente que alegrias
Que me dais, permaneça co’a ternura
Diversa de uma dor que nos tortura
E envolva com carinhos, fantasias
Jamais deixando as noites vagas, fias,
No Amor que nos guiando se procura.
Vós tendes, pois, nas mãos o meu futuro
E quando estais distante eu me torturo
Porquanto solitário, nada sou.
Ouvir-vos é saber o quão feliz
Quem tem; junto consigo o bem que quis
E em mares tão tranqüilos navegou...


23476

À sombra destes verdes arvoredos,
Adentro por caminhos mais felizes,
Não posso me conter frente aos deslizes
E o quanto te desejo sem segredos,
Deixando no passado velhos medos,
Mudando deste céu os seus matizes,
Tu sabes e porquanto sempre dizes
Do Amor que ora nos dita seus enredos.
Atravessando em paz mansos ribeiros,
Desejos que sabeis tão corriqueiros
Expressam os anseios de quem ama.
Perfaço sem temores; de bom grado,
E entrego-me deveras ao teu Fado,
Mantendo deste Amor a eterna chama...


23477

Num manso caminhar encontro em ti
A paz que é necessária para vida,
A dor, outrora viva hoje esquecida
Traduz os dissabores que vivi.
Permito-me sonhar e estou aqui,
Refaço prazerosa a minha lida,
E a sorte que julgara já perdida
Renasce desde quando a descobri;
Em águas cristalinas, fontes belas,
As raras maravilhas tu revelas
Trazendo então alento ao andarilho
Que outrora se perdendo em noite escura
Enquanto a solidão não mais perdura
Encontro em plenilúnio a luz que trilho...


23478


Aonde uma tristeza se desterra
O tolo desencontro se escondia.
Ardente e tão sobeja fantasia
O Amor bendito trama; e a porta cerra.
O Sol dourando agora toda a Terra
Reflete a luz intensa em que se via
O encanto da divina poesia,
Que olhar de quem desejo em paz descerra.
Quem tem a imensa sorte de saber
E ter nas mãos a fonte do prazer
Percebe quão se faz belo e luzente
Os passos se perfeitos sob a saga
Do encanto tão sublime em que se afaga
O Amor no qual o Eterno se pressente...


23479

Ouvindo do oceano o seu marulho
Chamados de Sirenas maviosas,
Encontro as nossas noites mais formosas,
E desta fantasia já me orgulho,
Na doce melodia, audaz, mergulho
As ondas muitas vezes caprichosas
Enquanto num murmúrio manso gozas
Afastam do caminho pedregulho.
E sentindo-me em paz, extasiado,
Revejo os desenganos do passado
E agora me permito um sonhador.
Numa expressão divina, bela e rara,
O mar em seus segredos nos declara
A incomparável força deste Amor...

23480

O Sol ao se esconder entre os outeiros
Não deixa que se veja tal beleza
Daquela criatura que indefesa
Expressa os meus anseios verdadeiros.
Caminhos que te trazem, derradeiros,
Enfrento o dissabor e a correnteza
Vencida com vigor e com destreza
Revela após cascatas, o ribeiro

Aonde em mansidão imensa vejo
A Musa que deveras eu desejo
E beijo tuas mãos, divina dama.
Alvissareiros dias de ventura,
Depois de tanto tempo em vã procura
A voz do Amor imenso, enfim, me chama...


23481

O Sol ao se esconder entre os outeiros
Não deixa que se veja tal beleza
Daquela criatura que indefesa
Expressa os meus anseios verdadeiros.
Caminhos que te trazem, derradeiros,
Enfrento o dissabor e a correnteza
Vencida com vigor e com destreza
Revela após cascatas, o ribeiro

Aonde em mansidão imensa vejo
A Musa que deveras eu desejo
E beijo tuas mãos, divina dama.
Alvissareiros dias de ventura,
Depois de tanto tempo em vã procura
A voz do Amor imenso, enfim, me chama...

23482


Das nuvens que escondiam lua plena
As marcas indeléveis de um passado,
Aonde se quisera iluminado
Caminho mais tristonho a dor acena.
O mesmo Amor que cura e me envenena,
A Sorte se detém nas mãos do Fado
Quisera tão somente um manso prado,
Porém o desamor à dor condena.
Arando com ternura o duro solo,
O medo se desfaz; com ele o dolo
Perdido entre os brilhares da esperança.
Luzindo em noite imensa, a lua clara,
A vida noutra vida já se aclara
E o Amor entre a neblina, enfim, avança...

]
23483


Envolto pelas tramas da Natura
Deitando em meu caminho arroio manso
A fonte dos desejos; logo alcanço
E a doce fantasia já perdura
Deixando no passado esta amargura
Que outrora fora fera; mas avanço
E tendo à minha frente este remanso
A dor enfim encontra a sua cura.
Pudesse eternizar este momento,
Estando sob as luzes de um alento
Não sendo tão somente um lenitivo,
Percebo quão o Amor se faz presente
Na imensa Natureza e em toda gente,
Por ele e só por ele, Amor, eu vivo...


84

A deusa que se fez mulher e trama;
Envolta nos anseios do desejo,
O Amor no qual mergulho e assim prevejo
Eternizada em mim a rara chama
Que tantas vezes chega e assim nos chama
Por vezes na figura de um lampejo,
Ou mesmo de um delírio tão sobejo,
Mas Vênus, neste instante já nos clama.
E entregue sem defesas à loucura
Que sana e nos tortura e abençoa
Invade pela popa, adentra a proa
Ao mesmo tempo fere e assim nos cura,
Trazendo um sofrimento encantador,
Maior que o próprio Zeus, somente o Amor...



85


Perdoe se talvez houvesse tido
Algum momento em que te magoei
Por vezes reconheço, tanto errei,
O Amor perdendo assim qualquer sentido.
Por tanto que eu já tenha percorrido
Às vezes noutras sendas, mergulhei,
Diversa desta rara e bela grei,
Aonde cada sonho foi vivido.
Escusas eu te peço, e mesmo imploro,
Se em pensamentos torpes me demoro,
Eu creio ser tão grande o sentimento
Que abarca do viver cada segundo
E nele tanto quanto me aprofundo,
Escravo sou de todo pensamento...



86


Amor que perpetua-se em prazeres
Trazendo a sorte imensa para quem
Vivendo a fantasia que contém
Em si toda a magia dos quereres.
Por onde e quais caminhos escolheres
Terás no Amor; intenso e grande bem,
É sendo e tendo sempre que ele vem
Descreve com doçura seus poderes.

Porém nas sendas frias e distantes
Ausência de luzeiros radiantes
Somente a escuridão; tormento e treva.
Uma alma sem Amor é quase nada,
A vida em desamor que tanto enfada,
Nas estações diversas, sempre neva...


87


Mores tristezas têm os que não sentem
A força imensurável de um Amor,
Pudesse ser somente um Trovador,
Enquanto os novos dias se pressentem;
As horas prazerosas nunca mentem,
E moldam com denodo encantador
Um tempo todo feito num louvor
Por mais que as velhas dores atormentem.
Serenando deveras a minha alma
Na paz de um sentimento que me acalma
Percebo ser possível tal herdade
Aonde desfrutando das venturas
Terás no pleno Amor o que procuras,
Verás nos braços teus, felicidade...


88


Fortuna se tornando uma inimiga
Daquele que se entrega sem defesas
Bebendo da alegria estas belezas,
Nos braços de quem ama já se abriga.

Mas quando a sorte muda e a vida intriga
Apenas entre as dores e tristezas
Já não comportariam fortalezas,
E o que era fantasia desobriga

A sorte sendo assim tola e volúvel
Problema sem resposta ou insolúvel
A vida em desamor não traz descanso.

E quando tão somente em ti percebo
A cristalina fonte que concebo
O Amor em plenitude e em paz, alcanço...


89


Pudesse descansar depois de tanto
Caminhar sem poder ver claridade
Envolto pelos mantos da saudade,
Que causa dor e traz um raro encanto.
Ao mesmo tempo atroz, molda meu canto,
Enquanto se mostrasse na verdade
A sombra do passado que me invade,
Apascentando em dor nela me espanto.
Mas quando percebendo a tua ausência
A vida se perdendo sem clemência
Volvendo ao mesmo nada de onde vim,
Acaso poderia ter a sorte
De ter sob o comando, o Fado e o Norte,
Saudade então no Amor; teria fim...

90



As asas das angústias nos tocando,
Na ausência deste tanto que buscaras
Apenas no lugar chagas e escaras,
O mundo se mudando desde quando.

Houvesse ainda um tempo em que plantando
Com tudo este cuidado que tens; aras
Cevando as flores belas; perlas raras
As dores arribando em louco bando

Terias a colheita que se espera;
Porém a solidão, amarga fera
Pantera que entre tantas reconheço

Diversa deste anseio que há em ti
Mostrando em claros tons o que senti;
Amor; Bem precioso, não tem preço...

91


Estando desde então sob os cuidados
Do Amor que nos encanta e nos conduz,
Vivendo a plenitude desta luz
Deixando para trás dores e enfados.
De todos os desejos procurados,
O encanto que em encanto reproduz
Amenizando o peso desta cruz
Sanando do andarilho os seus pecados,
Permite-se notar neste horizonte
O sol dos brilhos fartos, nobre fonte,
Azulejando assim, um belo dia,
Enquanto houver nos olhos tal beleza,
Terei decerto, amada, esta certeza
Que Amor em tanto Amor, Amores cria...

92


Houvesse desdobrado o sentimento
Aonde se moldara tal quimera
A vida não teria tanta espera
O Amor seria além deste momento.

E quando permaneço mais atento
A sorte que procuro e me tempera
Vencendo com ternura a fria fera,
Deixando no passado algum tormento.

Buscando a limpidez tão cristalina
Do encanto que deveras me domina
Terei sem ter mais dúvida o louvor

De poder caminhar, cabeça erguida
E dando enfim sentido à minha vida
Encontraria em paz, o imenso Amor...


93


Melhor seria não ter visto a cena
Aonde renegaste o sentimento,
Deixando tão somente o desalento,
Minha alma solitária se apequena.
E enquanto a poesia se diz plena
No canto em que louvei-te me atormento
Estando desde então bem mais atento,
A lua sobre as nuvens, dor acena.
Medonhas tempestades? Não queria,
Apenas uma frágil fantasia,
O Amor sendo demais, a dor é certa.
E eu sinto que deveras te perdi,
Vivendo esta ilusão, eu via em ti
A Sorte que insensata me deserta...


94

A dúvida acomete quem se entrega
Aos vários dissabores deste encanto,
Por mais que ainda em festa, o verso eu canto
A sorte se demonstra cedo cega,
O mar onde esperança em paz navega,
Tempestuosamente gera espanto
Quando das nuvens negras vejo o manto
Uma alma mais sensível não sossega.
Encontro num Amor, santo remédio
Que enquanto nos ungindo, gera o tédio
Dicotomia clara se apresenta.
Trazendo em si a paz que nos sacia
Ao mesmo tempo o medo e esta agonia
Amor é calmaria e vã tormenta...


95


Nas ondas que desfias em teus braços,
Tormentas entre doces ilusões
O Amor ao invadir os corações
Deixando bem marcados firmes traços,
Ocupa mansamente estes espaços
Diversas e sublimes tentações
Espalhando sensíveis furacões
Estreitando deveras fortes laços,
Embora muitas vezes lassos dias
Encontram solitárias noites frias
Vazios entre tantas maravilhas.
À sombra deste encanto mais perfeito,
Por vezes maltratado, eu me deleito,
Trazendo a escuridão, imenso, brilhas...

96


Porque deixaste aquele que querias
Além do tanto Amor; eterno amante
Nos olhos tu trouxeste o diamante
Por onde desfilavas fantasias.

Seqüelas deste encanto, noites frias,
Não vejo o sentimento qual rompante
Tampouco quero a voz que me acalante
Depois deixe deveras mãos vazias.

No Amor e só por ele inda existo,
Percorro vales, montes, cordilheiras,
As honras que ofereço; verdadeiras

Vivendo este momento e até por isto
Desnudo os meus segredos ao propor
Além da própria vida, eterno Amor...

97

Jamais eu deixaria de querer-te,
Se tenho em ti a glória e o descaminho,
E quando nos teus braços eu me aninho
Do sonho não há quem tente ou desperte.

O Amor quando em saudade se converte
Por vezes se tornando mais daninho,
Espalha a tempestade aonde o vinho
Bebera com ternura; e a paz deserte.

Não posso me calar, por isso canto,
E vivo ainda à luz do raro encanto
Que espalhas sobre a Terra, deusa nua,

Minha alma se mostrando transparente
E tendo esta candura que apascente,
Por sobre estas procelas já flutua.


98

A Ninfa desfilando sedutora
Desnuda entre os nenúfares, a vejo
Aumentando deveras o desejo
Imagem divinal e tentadora.

Minha alma tantas vezes sonhadora
Ao ver esta beleza que ora almejo
Vivendo além do Amor, louco lampejo
Teimando com tal senda promissora

Encanta-se e num átimo se faz
Além do que pensara calma e paz
Uma expressão que traz fausta ternura.

Ao mesmo tempo um ar tempestuoso
Dizendo desventura, anseio e gozo,
Porquanto me seduz; tanto tortura...


99

A Sorte se mostrando amara e escura
Mudando sempre antigas direções
Trazendo nos seus olhos, seduções
Que ao mesmo tempo dizem da tortura

Quem dera se tivesse tal ternura
Que aflorando em diversos corações
Expressa a maravilha das paixões
Aonde a eternidade não perdura.

Numa ávida e suprema fantasia
A cortesia foge e o medo cria
A dor que nos acolhe e nos conforta.

O Amor sendo um guerreiro; pacifica
Maltrata em finas luvas de pelica,
Gentil, arromba a casa, estoura a porta...


23500

Trazendo, o desamor, um negro manto
Aonde se escondesse a faca, a adaga,
A mão que na verdade ora te afaga
Prepara num segundo a dor e o pranto.

E quando mais mordaz o desencanto
Maior a solidão na escura plaga
Por mais que uma ilusão; o Amor nos traga;
Nestas veredas torpes; eu me espanto.

Quisera a claridade em raro sol,
Um helianto busca o seu farol
Nos olhos de quem ama e sabe bem

Cuidar com maestria deste sonho
Que em versos e sonetos eu componho
E sei que me avassala quando vem...

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