MORTALHA DO PASSADO
Saudade qual mortalha do passado
Trazendo em voz macia o que passou.
Vivendo noutra senda, em outro prado,
Revejo a luz que um dia, em mim, brilhou.
Meu canto em emoção vai decorado,
Revendo cada passo que trilhou.
Agora, tão distante, volto aqui,
Recolho estas estrelas que perdi.
Um gosto quase amargo forja o mel,
Que toca a minha boca e se transforma,
Recobre cada dia em novo véu,
Mudando num momento toda a forma,
Do inferno que passei recende a Céu,
Saudade não respeita qualquer norma,
Regada pelas flores e perfumes,
Saudade transfigura treva em lumes.
É como se eu pudesse perceber
Que a vida não seguiu, tempo parou.
O vento do passado; refazer,
Distante da verdade, nela eu vou
Na fantasia plena conceber,
Misturo o que sonhei e o que passou.
Dileta companheira em noite fria,
Trazendo algum resquício de alegria.
Saudade tantas vezes dói demais,
Maltrata e não permite cicatriz.
Um barco que se perde do seu cais,
Algema que se prende em louco bis,
Eu sei, não viverei isto jamais
Mas finjo, na saudade ser feliz
E tomo, novamente o mesmo vinho
Num falso sentimento de carinho.
Embora tão distante juventude,
É como se eu pudesse revivê-la.
Saudade me acarinha e sendo rude
Não deixa que eu perceba que uma estrela
Riscando o belo céu, tanto se mude
Que nada me permite mais contê-la,
Simples fotografia que jamais
Voltará, eu bem sei. Mas dói demais...
MARCOS LOURES
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