quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O TAL DO AMOR

Nasci naquela tapera,
Perto da curva do rio,
Onde à noite tanta fera,
Traz mais forte seu bafio,
Derrubando, sem demora,
Sem temer nem ir embora...

Tanta dor que me tempera,
Não me deixa mais vazio,
De tocaia, vou de espera,
Conheço vela e pavio.
Nem todo ovo que se gora,
Nem todo gosto d’amora...

Joguei cravinote longe,
Matei onça de empreitada,
Minha mãe fugiu com monge,
Pelos palpos dessa estrada.
Não tem mais como pereça
Virou mula-sem-cabeça!

Puxei forte da peixeira,
Sangrei mais de dez safados,
Fiz da morte, coisa useira,
Cantei rimas desfiados,
Fiz das primas meu deleite,
E não há quem não me aceite...

Sou peste sem pestanejo,
Desejo toda morena,
No meu sonho sertanejo,
A dor de longe, me acena,
Quem quiser ser a mulher,
Tenho casa de sapé.

No umbigo da montaria,
Atrelei minha placenta,
Vou correndo a fantasia,
Quero ver quem me agüenta,
Sou, de lado, vou de banda,
Vendo sangue na quitanda...

Tropecei nesse defunto,
Esquecido no relento,
Tanta coisa que fiz junto,
Meu olhar mais remelento,
Trago o gosto da remenda,
O luar faz minha tenda...

Mas não temo nem temia,
Venda nova nem fracasso,
Mingau da vida rugia,
No poleiro do cangaço.
Fiz mais três combinação,
Quisera ser Lampião!

Teimoso qual cascavel,
Escorpião da caatinga,
Roubando o brilho do céu,
No véu da noiva respinga,
Cascata da melodia,
Dourando essa cercania...

Meu falar enviesado,
É difícil traduzir,
É que, nele, vem atado,
O que melhor vai luzir,
Tradução de coração,
É brotado de emoção.

Vingança tem saliência
Coça na mão e no coldre,
Se for boa eficiência,
Traz logo, cheiro de podre.
Urubus descendo ao chão,
Querem dizer proteção.

Não virei mais à tardinha,
Nem de noite mais virei,
Na calada, vai sozinha,
A rainha desse rei.
Que não tem nem pode ter,
Contas para receber.

Já cumpri meus mandamentos,
Já te fiz meus rapa pés,
Nas feridas, sei ungüentos,
Misturando tantas fés.
Mastigando tais mezinhas,
Riscando com ladainhas...

Minha manta sei de couro,
Como é de couro o chapéu
Na boiada, meu estouro,
É o estorvo do meu céu.
Buscapé buscando gente,
Queima tudo, de repente.

No repente da viola,
Eu puxei minha peixeira,
Arrebentei a sacola,
Fiz promessa a vida inteira,
Nada consegui depois,
Na boiada, fui os bois...

Ferido de morte triste,
Aposentei o meu laço,
Esqueci tudo que existe,
Abandonado sanhaço,
Fui marcado sem perdão,
Tanta dor no coração.

Agora tô sossegado,
Já não tenho mais vontade,
Acabei envenenado,
Por essa estranha maldade,
Que matou o matador,
Essa praga: o tal amor!

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