30546
A vida sem mistérios não teria
Sequer esta beleza em que se tenta
Vencer qualquer discórdia, uma tormenta
Que quando não tem fim jamais se adia,
E vendo assim a imensa fantasia
Na qual e pela qual a dor se aumenta
E quanta vez eu vejo e me atormenta
Enquanto traz o medo ou a alegria,
Imensurável tempo em carrossel
Girando eternamente dita o léu
E o véu que assim decerto nos recobre
E trama o que não sendo passa a ser,
Gerando a fonte imensa do prazer
Somente ao existir se faz mais nobre.
30547
Unicamente sendo por talvez
Expressar o quanto pude e não refaço
Se o magistral permanecer diz passo
O que a verdade poderá não vês
Se eu sou medonho e no disfarce crês
O meu caminho em podridão eu traço
E no poder que da senzala espaço
Ocupa alcanço a procurar porquês
Não mais liberto ou tentaria ser
O que decerto sonegou prazer
Não vale a pena nem se Deus quisesse
Assim se mudo ou transmudo em prece
O quanto valho e na verdade vejo
Não merecendo nem sequer desejo.
30548
Da rara formosura apenas traço
E nada do que pode merecer
Talvez ainda mostre este prazer
Embora na verdade sem espaço
O quanto meu caminho se faz lasso
E o quando não já pode apetecer
Transcende a qualquer dor dita o cansaço
E assim ao me mostrar quase desnudo
Se eu posso ou se não devo mais acudo
E teimo contra a força desumana
A poesia traz e tão somente
O que deveras quis ser a semente,
Mas sei que no final decerto engana...
30549
Original caminho desengana
Quem tenta procurar alguma senda
Aonde na verdade se desvenda
A face muitas vezes soberana
Daquela que se diz tola e profana
No fundo aos meus desejos não atenda
E pode-se dizer que estando à venda
Não Vale sequer mês, talvez semana.
Peçonha se demais, matando a cobra,
E quando do que nada às vezes sobra
Não serve como alento a quem picara
Assim ao se trazer pura verdade
Nem tudo que se fala aqui te agrade
Diverso caminhar, mesma seara?
30550
Os vinhos nesta orgia mais banal,
São quase bagaceiras, nada valem,
Bem antes que estes tolos já me calem,
Eu falo e me transtorno, não faz mal,
Pagando o mesmo preço, é tudo igual,
Porquanto as almas toscas se avassalem,
Não tendo mais os colos que me embalem,
Procuro noutra face o ritual,
Sem louros de vitória, sem a glória
Refaço a cada mês a mesma história
Pagando este aluguel para viver,
Se o verso não tem pé nem tem cabeça
Já serve para aquela que endereça
O resta nem precisa me entender...
30551
Os corpos entre copos, vinhos, taças
E as noites envolvidas na demência
Aonde poderia a convivência
Gerar as fantasias em que grassas,
Assim ao se encontrar enquanto traças
Momentos mais audazes, a inocência
Deixada para trás, conveniência
Aonde houvera fogos há fumaças,
Incandescente noite em fúria e gozo,
Penetro no cenário majestoso
E bebo em brindes fartos esta orgia
Bacantes desfilando em tal nudez
E toda esta heresia que ora vês
Criada pela insana fantasia...
30552
Na taça primorosa de cristal
O vinho maturado em minha adega,
Aonde esta vontade já se apega
Traçando este momento magistral,
O amor ao conhecer tal ritual,
Porquanto novos rumos, pois navega
Sabendo a divindade desta entrega
Percebe este delírio sem igual,
Na lânguida presença feminina
Enquanto uma alma imersa se fascina
Adentro os paraísos entreabertos,
E assim em festa e dança a noite esvai,
Mal importando a chuva que ora cai,
Porém dentro de mim, vivos desertos...
30553
Nos requebros vorazes dos quadris,
As ânsias em olhares desejosos,
Momentos que adivinho prazerosos,
E sei o quanto a cena quer e diz,
E tendo esta volúpia agora eu quis
Beber dos mais sobejos majestosos
Caminhos que me traguem raros gozos,
Por um momento, ao menos, sou feliz.
E tento desfazer qualquer martírio
Envolto em tal cenário, num delírio
Anseio seios coxas, toques, pernas,
E mesmo que se saiba ser fugaz
O encanto aonde a vida já se faz
Transforma poucas horas em eternas...
30554
Sentindo este gentil sorriso aonde
Convites mais audazes tu me fazes,
Meus dedos, minha boca agora audazes
Descobrem onde um deus sobejo esconde,
Porquanto cada instante o anseio sonde
E adentre por locais tensos, vorazes,
E quanto de prazeres tu me trazes,
No gozo que decerto em brado estronde.
E sei da perfeição deste segundo
Aonde num Olimpo eu me aprofundo
E a sílfide se faz a companheira,
Por mais que temporária esta visão
Valendo qualquer dor esta explosão
Embora a noite, eu saiba, traiçoeira.
30555
Erguendo-se desnuda esta sereia
Deitada em minha cama, seminua,
E quando uma alma embebe-se e flutua
A fúria prazerosa me incendeia,
E a lua se derrama prata e cheia,
E quando sobre nós a dama atua
A senda mais audaz já continua
Seara com prazeres se recheia.
E tento desvendar cada mistério
E dele me tornando algum vassalo,
Silente coração já nada eu falo
Domino por segundos este império
E como um cavaleiro enluarado,
Deveras num momento, enamorado...
30556
Aonde fiz altar, teu corpo belo
Trazendo a cada noite nova prece
Enquanto esta loucura assim se tece
Momento mais airoso enfim revelo,
E quando se entranhando traço anelo
E bebo com ternura tal benesse
O amor sem ter juízos obedece
No teu delírio o meu deveras selo,
E sendo teu somente e nada além
O quanto de desejo nos contém
Persiste mesmo após o amanhecer
Adentro os paraísos que me dás
E sei o quanto posso ser audaz
Vicejando esta insânia ao bel prazer.
30557
Transborda-se em desejos madrugada
E tanto se percorrem infinitos,
Os dias em prazeres são benditos
E quando se percebe emoldurada
Na senda mais sublime e delicada
Audaciosamente em brados, gritos,
Prazeres decifrados, raros ritos,
A lua se derrama na calçada
E traz a cada instante um brilho farto
Adentra estes umbrais domina o quarto
E transcendendo à própria vida emana
Vontade que somente amor sacia,
E assim ao perpetrar a fantasia
A noite se transcorre soberana...
30558
Tua nudez reflete este luar
E quando mergulhando em tal beleza
Levado por sublime correnteza
Sem nada que inda possa me domar,
Tocando a tua pele devagar,
A boca se deslinda com destreza
E sendo assim tão farta a nossa mesa,
Banquete se fazendo até fartar.
E quero repetir a cada instante
O prato principal, pois deslumbrante
Momento se tornando ritual,
E tanto que te quero e nunca omito,
Aos poucos penetrando no infinito
Conheço assim de cor o imenso astral...
30559
Tocando a tua fronte mansamente
Percebo este delírio feito em fúria,
Esqueço do passado e sem lamúria
A vida se transforma plenamente,
O amor que tanto quero e já se sente
Enquanto a vida dita alguma incúria,
Não posso permitir a dor. Depure-a
E assim verás o sonho enfim, presente.
Arfantes madrugadas em gemidos,
Prazeres sem limite são sentidos
E neles embarcando a minha nau,
Encontro-me decerto neste instante
Qual fora um raro e belo diamante
Tocado por um raio magistral.
30560
Olhar tão provocante me tocando
Lascívia se traduz felicidade,
E quando este desejo mais invade
Meu barco no teu porto se ancorando,
Delírio pouco a pouco devorando,
Sabendo deste sonho que te agrade,
Não respeitando mais algema e grade,
Não quero nem saber aonde e quando,
Apenas mergulhar e sem defesas
Beber das mais profanas correntezas,
Santificando a glória de poder
No altar maravilhoso, esta nudez,
Tocado por completa insensatez
Cada gota divina, enfim, beber...
30561
Um véu em transparência simplesmente
Recobre a tua pele bronzeada,
A noite assim em prata demonstrada
No quanto em brônzea fronte se apresente
Mergulho nesta insânia e qual demente
Percorro em devaneios esta estrada
E a cada ponto audaz, nova parada
E assim neste delírio o bem consente
E traça novo rumo a quem outrora
Apenas conhecera solidão,
E quando vejo enfim tal explosão
Extrema maravilha me devora,
E tento desvendar cada fronteira
Dos deuses a perfeita mensageira...
30562
A bela cabeleira sobre o colo,
Negrume em alvos seios bela cena,
E quando a noite dita a mais amena
Beleza sem defesas eu me assolo,
E tomo neste cálice tal vinho
E embebedado enfim por raro sonho,
O quanto ser feliz ora proponho
E sei já não irei jamais sozinho,
Vencidos os meus medos, sigo em frente
E nada me contém nem temporais,
E quero deste encanto e muito mais
Do que deveras pude e se pressente,
A face deste amor em luz imensa
Traduz o que pensara em recompensa...
30563
A multidão parada quando passas
E desfilando assim tanta beleza,
Desafiando a própria natureza
As ninfas se perdendo em vãs fumaças,
E quando os meus caminhos queres, traças
Seguindo cada passo com firmeza
Amor ao se mostrar em fortaleza
Supera dos temores ameaças.
E tendo em mim a glória mais audaz,
E nela meu caminho feito em paz
Permite que se veja divindade,
E assim qual fora mesmo rara déia
Por mais que embevecida esta platéia
É minha com certeza a claridade...
30564
Incita-me à loucura esta vereda
Aonde perfilasse maravilhas
E quando em astros tantos vejo trilhas
Porquanto tanto amor já se conceda,
A pele tão macia fosse seda,
E assim incomparável também brilhas
Enquanto por espaços tu palmilhas
A vida noutro fato me segreda
Divinas luzes trazes neste olhar
E quando posso aos poucos me entranhar
Da farta e tão sutil serenidade,
Persisto enamorado e não renego
O mundo em que meu sonho adentro e emprego
Traçando desde sempre a liberdade...
30565
Imagens dissolutas do passado,
Medonhas faces dizem o não ser,
E quando pude enfim te conhecer
O mundo novamente iluminado.
Residuais tormentos, duro enfado,
E tudo o que se poder agora ver
Permite tão somente este prazer
Enquanto amor me dá o seu recado,
E sei ser mais feliz enquanto pude
Viver com tal beleza a juventude
E agora agrisalhado pela vida,
Ainda permaneço junto a ti,
E sei de cada gota que sorvi
Por deuses e alquimistas sendo urdida...
30566
Num triunfo divino feito em glória
Jazendo dentro em mim velha mortalha
A sorte muitas vezes não batalha
Sabendo da verdade sempre inglória
E tanto poderia ter vitória
Quem sabe e se perdendo nada valha
Sequer o mesmo corte não espalha
A fúria que é decerto merencória.
Resisto ao não saber do quanto trama
A vida em dolorosa e forte chama
Na ardência contumaz de quem se conhece
A morte bem de perto e não se cala,
Uma alma não se mostra assim vassala
E busca mesmo em vão qualquer benesse.
30567
O mar passeia em ondas sobre a areia
Trazendo estas notícias de outras terras
Também quando os desejos tu descerras
Na frágua dos anseios incendeia
A vida enquanto a sorte nos anseia
E muda a direção, logo desterras
E deixas para trás enquanto cerras
As portas desta luz que te rodeia,
As artimanhas todas de uma vida
Mostradas neste instante em que se volta
Gerando em turbulência esta revolta
Aonde se pensara decidida
A sorte de quem tanto quis sentir
As mesmas ilusões de outro porvir...
30568
Traços de luz dourando o amanhecer
Permitem que se tenha esta visão
Do quanto poderia em procissão
O mundo a cada dia renascer,
E sinto no provável novo ser
As horas que deveras mostrarão
Quem sabe novo rumo ou direção
Depois de tanta dor a entorpecer,
Espúrias madrugadas, noites vãs
Agora ao me perder nestas manhãs
Expondo o que melhor existe ainda
E tanto se percebe insanidade,
Que quando a luz imensa a terra invade,
Nem mesmo a poesia em mim deslinda...
30569
Desponta este luar por sobre o monte
E traça em prata imensa a noite escusa
E quando a solidão adentra e acusa
Matando o que talvez já desaponte
Avermelhado brilho no horizonte
Tornando esta vereda mais confusa,
E nela quando a fonte em luz seduza
Promete do futuro rara fonte,
E sendo assim escravo desta cena
Porquanto se mostrasse bela e plena
A vida traduzindo esta seara
Na qual a maravilha dita a norma
E a cada anoitecer já se transforma
Qual deusa que sobeja semeara...
30570
Sobre as vagas azuis a luz da lua
Deitando a claridade mais audaz,
Assim também a vida agora traz
Beleza sem igual enquanto atua
E tanta maravilha já flutua
E nela cada passo agora faz
Do mundo derradeira e bela paz,
Deslinda esta beleza seminua.
Acrescentando a glória mais sobeja
Ainda que a manhã rara preveja
Enaltecidos brilhos nesta aurora,
Assim em cores várias perfiladas
Adentro o paraíso em alvoradas
E tanta luz em sonho amor aflora...
30571
As mãos de quem tocara no meu rosto
Em palidez intensa; fossem mortas
Abrindo do passado velhas portas
Deixando o meu caminho assim exposto,
O quanto do viver há decomposto
E nele com certeza não aportas
Nem mesmo em horas turvas, rotas, tortas
Reacendendo enfim tanto desgosto.
A par dos descaminhos que enfrentara
A morte tão somente semeara
Deixando para trás qualquer sinal
Daquilo que pensara em liberdade
E agora que este mundo em vão degrade
O que restou de nós; bebo o final.
30572
O tom opaco, dita este cenário
Aonde noutros dias quis marfim,
O amor chegando aos poucos, ledo fim,
Meu rumo se perdendo em vil fadário.
Espero qualquer dia? É necessário
Saber do quanto posso e de onde vim,
Mortalha me recobre e sei que assim
Agrisalhada noite em tal cenário.
Esparsos cantos mortas ilusões
E quando noutros sonhos tu te expões
Desnudando esta face denegrida,
A porta se fechando, e sem futuro,
Ainda que se veja vão e escuro
Restando algum resquício de uma vida...
30573
Um gesto em tal leveza que pudesse
Trazer algum momento mais eclético,
O quanto se fez tolo e mesmo aético
Não deixa que se pense em qualquer prece,
E tendo o que a verdade me oferece
Por mais atroz ainda e não atlético
O mundo que sonhara em mal genético
Aos poucos tal mortalha já me tece.
Vencida cada etapa nada resta
E a senda que se vê sendo funesta
Talvez inda redima cada crime,
Porquanto a luz apenas ameniza
Passada para a morte é mais precisa,
Sem ter quem alivie ou mesmo estime.
30574
A voz que tanto ordena e mais suplica
Não vale um só momento de atenção,
E sei das desventuras que trarão
A imagem mais nefasta, embora rica,
E quando o nada ser já me complica
Ausente dos meus olhos, direção,
Não posso mais levar a embarcação,
Viagem sem destino sacrifica
E transmitindo assim a voz ao léu,
Pudesse percorrer o imenso céu,
Mas asas não as tenho e porventura
A queda livre nega qualquer chance
Bem antes que este medo venha e alcance
A solução deveras se procura.
30575
Elevando este olhar ao infinito,
Pudesse até quem sabe adivinhar
Diversidades tantas e encontrar
Quem sabe da verdade rota e rito,
Mas quando inutilmente eu tento e grito,
Ao menos me perdendo devagar
Cansado de tentar e de lutar
Ao próprio suicídio enfim me incito.
E tanto poderia ser diverso
Não fosse assim meu passo mais disperso
Tampouco tão inglória a minha vida,
Mas tanto se batalha e nada vem,
Apenas o vazio e sigo aquém
Do quanto imaginei; luta perdida...
30576
Diante dos altares sonhos tantos
E neles desvendando cada engano,
O quanto se fez duro em pleno dano
Somando os mais diversos desencantos
Os tempos modificam todo plano
E tecem com terror nefastos mantos,
E posso garantir em meus quebrantos
Inútil conhecer o ser humano.
Assim mesquinhos dias são freqüentes
E mesmo quando aqui tu já te ausentes
O teu perfume toma todo o quarto,
Porquanto poderia ser liberto,
Mas quanto mais o sonho enfim deserto,
De ti já não consigo nem me aparto.
30577
Partindo brevemente deixarei
Apenas os meus versos como herança
Aonde houvera paz e temperança
A morte transtornando toda a grei,
E quando no vazio mergulhei
Traçando com terror a imensa lança
A sombra do não ser agora avança
E todo este cenário desvendei.
Outrora fui poeta e sonhador,
Agora só resta em mim a dor
Da qual já não consigo me livrar,
Morfina após morfina, o câncer come
E o quanto do que fui, aos poucos some
A sombra vai tomando o meu lugar...
30578
Somente as sombras restam do que antanho
Já fora um homem forte, um sonhador,
E agora apodrecido a decompor,
Deveras quase mesmo um ser estranho,
E aonde se pensara em algum lanho
Imensa escara vejo a se compor
Tomado por insânia e num torpor,
As sendas infernais agora entranho.
E sigo cada rastro rumo ao fim,
Fracasso após fracasso o que me resta
Seara dolorosa e tão funesta,
Recende ao mesmo nada de onde vim
E assim retornarei de peito aberto,
Enquanto esta batalha em vão, deserto.
30579
Minha alma enlouquecida nada vê
E sabe tão somente do vazio,
E quando a cada passo mais desfio
O que deveras nada e ninguém crê
O quanto poderia e sem por que
Apenas resta em mim, ledo pavio,
E a morte se aproxima, desafio,
Mas cada face escusa se revê
E nela mergulhando em vão espelho,
O olhar por vezes vejo assim vermelho
E as lágrimas tentando disfarçar,
Somente este sorriso de sarcasmo,
Enquanto sobrevém um novo espasmo,
A fonte pouco a pouco a se secar.
30580
As noites são brumosas, sem a lua
A sorte não percebe qualquer chance
E quando de algum brilho este nuance
Ainda que distante em vão atua,
A morte se aproxima e continua
Enquanto a solidão bem mais se avance
Do quanto poderia e não se lance
A vida numa imagem nua e crua.
Restando talvez mesmo o precipício,
Abissais estas fossas, reconheço,
E quando do terror sei o endereço,
Pudesse retornar e desde o início
Soubesse caminhar entre espinheiros,
Os dias não seriam traiçoeiros...
30581
Esfaimadas as bocas dos meninos
Em cada esquina vejo a mesma cena,
E ainda quando a noite é mais amena,
Os mesmos e terríveis desatinos,
Assim ao se dobrarem tantos sinos,
Nem mesmo esta mortalha me serena,
A fome se mostrando imensa e plena,
Enquanto outros caminham vis, ladinos.
Assisto ao mesmo enredo há tantos anos,
E penso serem fatos desumanos
Aqueles que se mostram corriqueiros,
Abutres de nós mesmos, fera em fera
A morte nos decora e nos tempera,
É dela que renascem os canteiros.
30582
Descendo sobre a terra a lua traça
Detalhes desta noite amortalhada,
E quando desnudando esta calçada
Enquanto a podridão em vida passa,
Eu vejo a mesma cena, esta fumaça
Erguida dos cachimbos, nova fada
Gerando fantasias, molecada
Entregue aos mesmos vícios, mesma praça.
Assim ao se sentir normalidade
Na noite em lua cheia e treva farta
Um carro de polícia já se aparta
Reparta esta propina, volta e meia,
A morte não perdoa este cenário,
E o mundo neste podre itinerário,
Apenas esta pedra se incendeia...
30583
As mágoas corriqueiras dos casais
Cevando violência em noite fria,
E quando se percebe esta heresia
Estrelas sobre a terra, magistrais,
E quando se preparam funerais,
Velório se fazendo dia a dia,
A morte sustentando a hipocrisia
Abutres em delírios mais carnais,
Existo ou simplesmente ainda resto?
Não posso ser deveras mais funesto
E vivo em solilóquio qual demente,
Depois de algum calmante, uma aguardente
O fim de uma esperança quando atesto
O meu também se vê, claro e premente.
30584
Tateio procurando alguma agulha
E tento no palheiro encontrar trigo,
Mas joio tão somente o que consigo,
A luz que imaginara? Só fagulha,
O estômago deveras já se embrulha
E tento consolar-me; mas nem ligo,
O quanto posso ainda ora desligo,
Somente sendo pária não sou pulha.
E cada entulho feito em vil carcaça
Não deixa que se veja o que se passa
Além dos olhos mortos da criança,
A noite apresentando prostitutas,
Travecos e vadias mais astutas,
Reduzem vestimentas e esperança.
30585
Fechando os olhos posso adivinhar
O que talvez se visse não sabia,
O peso da finada fantasia
Costuma normalmente me envergar,
O parto a cada dia sonegar
O quanto na verdade se esvazia
E gera nova senda em nova cria,
Refaz o mesmo nada, par a par.
Partícipe da festa rapineira,
A vida não se mostra por inteira
E não desejo mesmo o lixo e o vão,
Mas como me negar a ver o claro?
Apuro com terror visão e faro
E sinto dentro em mim a podridão...
30586
Repousa este cadáver sob o templo
Aonde se erigira a falsidade
E quando percebera a divindade
Da podre realidade que contemplo,
Não tendo para tal qualquer exemplo
Não sigo esta maré que agora invade
Portanto quando a vida me degrade
No quanto poderia eu já me exemplo,
Servindo de repasto às tais rapinas,
Enquanto noutro lado te fascinas
Eu vejo o meu final em podre face.
E sendo assim a sorte traiçoeira
Do quarto mais escuro já se esgueira
Aquela em cuja boca eu me desgrace.
30587
Cerzida nestes tons amortalhados
A alfombra que me deste nada traz
Senão a mesma cena onde mordaz
Vivemos vis momentos, mil enfados,
E quando se mostrassem derrotados
Caminhos que trouxessem canto em paz,
O quanto deste sonho se desfaz
E neles velhos sóis já tão nublados.
Partindo do princípio que não tenho
Sequer da melhor sorte um desempenho
Que possa pelo menos me alentar,
Só resta a quem se entrega este final,
E nele algum velório é ritual,
Talvez consiga assim comemorar...
30588
A morte como fosse um sono extenso,
Talvez aplaque a dor do amanhecer
E quando se percebe o fenecer
É nele que deveras recompenso
Os erros mais comuns enquanto penso
Em formas de poder fugir ou ver
Somente novo tempo a se tecer,
Mas sei que o céu será decerto tenso.
E quando não encontre outra saída,
A perda do que dizem ser a vida,
Permitirá viver, pois, finalmente.
Mortalha como terno sob medida
E tudo se fazendo mais premente
Talvez a solução que ainda eu tente...
30589
Não quero mais martírios nem tormentas
Delírios são comuns a quem anseia,
Mas quando a lua morre e nunca é cheia,
Somente tão diversos dias ventas
E beijo o que deveras desalentas
Enquanto a solidão volta e rodeia,
Perdendo todo sangue em minha veia,
Anêmica loucura e me apascentas;
Servindo de retalho a quem tecesse
A colcha feita em morte, novos panos,
Não tendo além dos erros velhos danos,
A morte talvez venha qual benesse,
Riscando assim do mapa qualquer sombra
Daquele que odiaste e já te assombra.
30590
Espessa sombra ronda a minha cama,
E traz o doce alento feito em morte,
Cansado de viver sem ter suporte,
Aonde a solidão teima e reclama
Realça-se esta cena e tanto clama
Quem nunca mais soubera de algum norte,
Apenas aumentando cada corte,
Entranho sem defesas nesta lama,
E o pântano que deste de presente
Porquanto a cada dia mais aumente
A fúria deste charco dentro da alma,
Jogado sobre as pedras, mar imenso,
No quanto nada sou eu sempre penso,
E apenas o não ser decerto acalma.
30591
Às horas mortas vejo esta figura
Decrépito fantasma que persigo
E quando no meu peito faz abrigo,
A noite se mostrando sempre escura
Enquanto se traduz leda loucura
Eu vejo a cada passo outro perigo
E tanto ou quase insano assim prossigo
Traçando nova senda em amargura,
Herméticos caminhos me levando
Ao quadro mais atroz, duro e nefando
Nevando dentro da alma solitária,
Aonde quis a paz e não soubera
Revive esta tristeza douta fera
E a sorte se vier, é temporária.
30592
A face ensangüentada da verdade
Resiste ao que pudesse ser um sonho,
E quando novo tempo a mim proponho
Decerto cada fato desagrade,
E sei do quanto diz a realidade
Diversa deste mundo vão risonho
E tanto que deveras não reponho
Caminho sem sentido, ou liberdade.
Morrer é ter deveras o meu cais
Cansado destes tantos temporais
Pudesse descansar eternamente,
Mas quando a dor refaz a velha estada
Eu tento seduzir a madrugada
Porém esta mortalha apenas mente...
30593
Meu corpo estando exausto da batalha
Assaz desnecessária e tanto inglória
Pudesse reverter a minha história
E nela entranhar firme esta navalha,
O corte a cada dia mais retalha
O corpo em tal imagem merencória,
E nada do que trago na memória
Ainda qualquer coisa mesmo valha.
Sou nada e deste nada reproduzo
Um passo rumo ao fim, tosco e confuso,
Apenas velho traste em tez imunda,
Ouvindo o mesmo não, velha resposta
A face já deveras decomposta
A morte abençoada enfim me inunda...
30594
Ao expirar num último momento,
Eu vejo as dissonâncias de uma vida
Que há tanto se fizera mais perdida
Gerada pelo infausto em desalento,
Não quero da esperança mais o vento,
Nem mesmo perpetrar qualquer saída
Se tudo o que pensei traz despedida
E na verdade nada mais agüento.
Pereço a cada não que tu me deste,
E o quanto sou medonho e mesmo agreste
Espelhos de minha alma em água fétida
Apenas esta face que enrugada
Traduz e tão somente mostra o nada,
Figura sempre apática jaz gélida...
30595
Aonde nigromantes, sacrifícios
Ditavam os meus dias em quebranto,
Ainda se procura a cada canto,
Diversos e medonhos vãos ofícios
Entregue à profusão de vários vícios
E deles sei deveras quando e quanto
Mereço cada queda e se levanto,
Os ossos são beirais de precipícios
Mecânica da vida se traduz
Na falta terminal de qualquer luz,
A terra recobrindo a dura ossada,
E tanto que sonhei, fiz versos, cri,
E agora o que restara vês aqui
Medonho e caricato, vago, nada...
30596
Melancolicamente a noite trama
O fim de cada sonho e por ventura
A vida se transforma e me amargura
Enquanto a dor mantendo viva a chama
Que traz a inglória luta, tolo drama
E quando alguma chance se procura,
O medo a cada instante mais perdura
E nada do que quero ainda exclama
Uma alma solitária em vão, demente,
E tudo o que sabe e o que se sente
Traduz o nada ser e não podendo
Viver um só momento de esperança
A noite em solidão, atroz avança
Quem a sabe a morte um bem tão estupendo?
30597
Ruínas do que fomos vejo agora,
E tento disfarçar qualquer enredo
E quando algum sorriso inda concedo,
Vontade de partir já me devora,
E tanto poderia sem ter hora
Saber da vida cada vão segredo
E tendo o meu caminho amargo e ledo,
O fim já se aproxima e nada ancora
Saveiro que se fez em temporais
E sabe tão distante qualquer cais
Além desta mortalha em verdes tons,
Os dias transcorrendo em dor e mágoa
Somente o frio imenso em mim deságua
Da morte ouvindo os sinos, belos sons...
30598
Sombrias noites trazem o silêncio
E nele me entranhando totalmente,
Sem ter qualquer alívio em minha mente
O dia a cada treva que inda adense-o
Permite que se creia no vazio
E neste nada ter a minha herança
Aonde se pudesse em esperança
Apenas o não ser eu principio
E tento vez em quando algum sorriso,
Embora mais nefasto que pudera,
Aguarda-me com fúria a torpe fera
E assim o meu caminho sem juízo
Amortalhando o passo rumo ao vão
Traçado pela imensa solidão...
30599
Fatais acordes trazem melodias
Aonde não se ouvindo algum alento,
O peso do viver vira tormento,
As noites solitárias e sombrias
Diverso do que tanto prometias,
Ainda não resta sequer vento,
Enquanto respirasse ainda tento
Vencer as mãos terríveis onde guias
Erráticos caminhos pelo nada,
E tanto quanto pude imaginar
Jamais eu poderia me encontrar
Sabendo tão diversa assim a estrada
E na estalagem feita em ilusão
Somente meus espectros se verão.
30600
Medonha carruagem leva ao fim
E traça com seus passos os meus dias,
Arcando com diversas ironias
Apenas o vazio tenho enfim,
Pudesse ser diverso, mas assim,
Ao menos ao beber das ironias,
Descrevo com meus versos poesias
Amordaçando a sorte que há em mim,
Finalizando assim cada poema,
Apenas não suporto alguma algema
A morte me liberta deste inferno
Que a vida pouco a pouco me deixara,
E quando se percebe tal escara
Até o fim se mostra bem mais terno...
30601
Formas que tanto dizem dos anseios
Delírios de um poeta simplesmente?
Desejo dominando corpo e mente,
Lembrança de teus belos, rijos seios.
Falando sem frescuras e rodeios,
O quanto que te quero? Imensamente
E todo este prazer que ora se sente,
Envolve o pensamento em devaneios.
Assim ao seres minha, pois quem sabe
Sofreguidão imensa, enfim acabe
Ou revigore a fúria e desde então,
Sabendo ter decerto uma alma escrava,
Entregue sem defesas, medo ou trava
Às sanhas sem limites da paixão!
30602
Errantes quais cometas, noite afora,
Os brilhos de teus olhos meus faróis
Quais fossem, pois noturnos belos sóis
Vontade de te ter, tanto devora
E quando a poesia assim se aflora
Domina a rispidez dos arrebóis
Dois corpos isolados, dois atóis
Unidos num só corpo, sem demora.
A lua enternecida tudo vê
O mar em seus marulhos canta um hino
E quando em tal cenário eu me fascino,
A vida passa a ter algum por que,
Depois de tanto amor, tanto prazer,
Desnudos vendo o dia amanhecer...
30603
Desejos que ora sinto indefiníveis
Vontades discrepantes, dor e gozo,
O tempo em lua imensa, esplendoroso,
Momentos de carinho inesquecíveis
Os sons das liras sendo assim audíveis
O encanto que se mostra majestoso,
A noite em raro tom mais prazeroso,
O amor adentra em mim, todos os níveis.
Mas quando penso agora no amanhã
A vida retornando ao velho afã,
Vontade de talvez eternizar
Pudesse ter nas mãos este cinzel,
Eu pararia estrelas, vida e céu,
O tempo neste instante enfim, parar...
30604
Suprema melodia diz da amiga
Que tantas vezes dando o seu apoio
Transforma a corredeira em manso arroio
E a cada novo engodo tanto abriga,
A vida muitas vezes se periga
De suas mãos eu vejo alheio o joio,
Estrelas se desfilam num comboio
Enquanto a boa sorte se consiga,
Viver esta amizade em plenitude
E assim todo o caminho ora transmude
Gerando a imensidade feita em paz,
No quanto já me tem ao lado seu,
Meu mundo finalmente conheceu
O quanto este poder se faz capaz.
30605
Encontro em harmonia, pareados
Os passos que permitem horizonte,
E quando o sol maior, raro desponte,
Belezas embebendo nossos prados,
Os dias sendo assim iluminados,
A vida encontra então sobeja fonte
E dela num relance, firme fronte,
Trazendo estes momentos desejados.
Nos laços que nos unem a amizade
Traduz da própria vida a qualidade
E dando a segurança a quem caminha,
Expressa o sol enorme que se emana,
Imagem sobre tantas, soberana,
Aonde a divindade mor se aninha.
30606
Porquanto vaporosa seja a vida,
São poucos lastros firmes que nós temos
E quanto mais deveras envolvemos
A sorte com inglória senda urdida
A cada nova queda ou despedida,
Se na amizade encontro lemes, remos,
Viagem mais segura enfim teremos
Sabendo desde o início uma saída.
Ao ter esta certeza navegando
Com teu braço, decerto, timoneiro
O encanto se mostrando bem mais brando
E assim o mundo tece em segurança,
Do quanto ser feliz eu já me inteiro,
Ao ver nesta amizade uma esperança.
30607
Dos cânticos que uma alma traduzisse
A voz de quem se foi e não retorna
Ferrenha tempestade já se entorna
E a vida volta a ter esta mesmice,
Falar que tanto amor fora crendice,
A sorte furiosa agora é morna
Somente esta lembrança atroz adorna,
A vida que deveras se desdisse,
E fosse assim; quem sabe, em novo dia
O encanto que decerto se perdia
Enquanto tu saíste pela porta.
A vida revivida a cada noite,
Realidade corta feito açoite,
Uma esperança há tanto semimorta...
30608
Edênicos caminhos percorri
Durante tanto tempo, mas eu sinto
Que tudo o que vivera agora extinto
Já não encontra nada, mesmo aqui.
O quanto necessito enfim de ti,
Bebendo da ilusão, deveras minto
E tanto do passado em que me pinto
Falando do que outrora em paz, vivi,
Mas nada do que sou mais interessa,
A vida com certeza já se engessa
E tudo o que pudesse vira pó,
Saudade diz do quanto pude um dia,
E agora quando a casa esta vazia,
Apenas meu silêncio amargo e só...
30609
Disperso caminhar traduz o quanto
Eu tento perceber tua presença
E quando tua ausência me convença
A vida se perdendo sem encanto,
Porquanto ainda busco em qualquer canto,
Saudade se tornando tão imensa,
Jamais terei decerto a recompensa,
Apenas o vazio, turvo manto,
Negando a própria essência do existir
Não tendo mais sequer qualquer porvir,
Resisto tão somente e nada mais,
Aonde te escondeste estrela guia?
A noite se tornando dura e fria,
O mundo me repete enfim: JAMAIS!
30610
São mórbidos caminhos que percorro,
Na ausência de qualquer luz que inda trace
De um mundo bem melhor, imagem, face
Apenas no poema eu me socorro,
E quando se percebe em cada morro
A luta se transforma em novo impasse,
Porquanto cada passo enfim trespasse
Aos poucos, solitário, cedo e morro.
Vazia vida dita a minha sorte,
E quando só restando agora a morte,
Não tendo solução, o que fazer?
Seguir a correnteza e ser mais um,
Olhando em volta e vejo, então nenhum
Momento que inda possa dar prazer...
30611
Meus versos traduzindo a luta inglória
Da qual a minha vida se fez nada
E tanto se pudesse ter atada
Em mim a sorte imensa da vitória,
Mas quando me percebo pária, escória
Preparo o caminhar vazio em cada
Momento aonde a sorte já traçada
Exprime a realidade merencória.
Perdido entre espinheiros, dia a dia,
Nem mais qualquer lanterna enfim me guia,
Vagando sem destino vida afora,
E quando me percebo solitário,
Apenas o vazio é solidário
Enquanto a morte aos poucos me devora...
30612
Quisesse ter no olhar este otimismo
Que tantas vezes traça alguma luz,
Ferrenha caminhada ora conduz
À beira deste enorme vão, abismo.
E quando ainda teimo e insano cismo
Vencer qualquer momento ao qual me opus,
Restando dentro da alma a lama e o pus,
Sentindo em quem me abraça este cinismo.
Esbarro nos meus erros do passado
E tento ainda mesmo respirar,
Percorro cada estrada a divagar
E apenas o terror segue ao meu lado,
Pudesse ter pujante sol em mim,
Mas quando me percebo, estou no fim...
30613
Fulgindo neste céu a rara estrela
Que tanto procurara e não soubera
Exposto a cada dia, tosca fera,
Agora finalmente posso vê-la,
E quando me proponho a recebê-la
Já dista dos meus olhos primavera,
No outono a frialdade é o que se espera,
E assim jamais poder em mim contê-la.
A temporã estrela dita a sorte
De quem se imaginara bem mais forte,
E sente-se esvair em frágeis luzes,
Luzerna do passo, pirilampo
E quando nos meus sonhos eu acampo,
Apenas brilhos foscos reproduzes...
30614
Meu rumo se perdera entre os penhascos
Escarpas e falésias, cordilheiras,
As sortes se mostrando traiçoeiras
Amores são dos sonhos vis carrascos,
E quando se percebem noutros frascos
Venturas que julgara verdadeiras
Aos poucos dos meus olhos tu te esgueiras
E sinto o teu terror, temores, ascos.
Não pude ser feliz e isto já basta,
Ingrata realidade se contrasta
Com todo o sonho imenso em que vivi,
E quando me percebo em tanta dor,
Porquanto pude ser um sonhador,
Apenas um fantasma eu vejo aqui...
30615
Imerso nos caminhos mais ditosos
Os dias que passara junto a ti
Falando deste sonho que vivi,
Momentos tantas vezes prazerosos,
Porém são meus caminhos caprichosos
E tudo o que tivera enfim perdi,
E nada do que quis mantenho aqui,
Meus olhos seguem rotos e andrajosos,
Ansiosamente espero nova chance,
Mas nada do que tanto quero alcance
O passo sem sentido, rumo e nexo,
O amor se fez ausente e sendo assim,
O quanto poderia dita o fim,
O fato de viver, duro e complexo...
30616
Pudesse algum caminho ao paraíso
Quem sabe nos teus olhos, tua pele
E quando à tal loucura me compele
O passo mais audaz, mesmo impreciso,
O quanto se perdendo de algum siso
Ainda que deveras tente e apele,
O fardo se pesando me atropele,
E no final das contas: prejuízo...
Assim a vida dita suas normas
E quando vez por outra tu me informas
De sonhos mais felizes? Só bravatas...
O mundo me ensinou a cada não
Que nunca se sabendo a direção
As ondas com certeza são ingratas...
30617
Aonde em claridade quis farol
Apenas outra noite em tempestade,
E quando a realidade se degrade
Aonde poderia haver um sol?
Se ainda sou somente um girassol
Durante a noite o medo sempre invade
E tudo que deveras desagrade
Permite toda a fúria do arrebol,
A timidez dos óculos, meu medo,
E mesmo tão calado inda procedo
E tento novo rumo, mas mentiras...
Qualquer nuance novo de vitória
Tu vens e repetindo a velha história
Esta esperança logo, pois, retiras...
30618
A lua banha o turvo mar com prata
E tento em rastros claros ver o quanto
A vida poderia ter o encanto,
Mas sei que a cada instante se desata
Caminho ainda atroz, a cena ingrata
Reveste mesmo em claro e argênteo manto
Traçando tão somente medo e espanto,
Aonde desejara mais sensata
A sorte que deveras desconheço
E sendo assim comum novo tropeço
Não resta enfim mais nada, morro em vida.
Ainda procurando alguma paz,
Nem mesmo este vazio satisfaz
Preparo tão somente a despedida...
30619
Qual fosse um belo sol, a lua cheia
Domina a noite imersa em solidão,
E tendo assim deveras a impressão
Da vida que em loucuras devaneia
O quanto se percebe em voz alheia
Beleza mais distante, negação
E novos dias sempre me trarão
O canto mais audaz desta sereia
Aonde me imbuindo de vontades,
Perdendo logo o rumo e liberdades,
Não pude mais seguir a vida em paz,
E quando a lua invade imenso mar,
Vontade de também já mergulhar,
Mas nada, nem o tédio, uma onda traz...
30620
Das esperanças todas que inda espalhas
Tomando cada cena onde imagino
Um novo tempo claro e cristalino,
Vencendo as mais doridas, vãs batalhas,
E quanto mais deveras amealhas
Momentos divinais, eu me alucino
E perco a cada instante mais o tino,
Rendido aos teus carinhos, doces malhas,
Mergulho insanamente neste fogo
E nada nem sequer lamúria ou rogo
Escutas, e dominas plenamente,
E assim escravizado em doce algema,
A vida dita o lúbrico poema
E tudo se transforma de repente...
30621
Tua beleza dita este cenário
E quando me percebo hipnotizado,
Relembro cada engodo do passado
E tento prosseguir; sei temerário
Caminho que me leve a tal templário
E sinto como fosse iluminado
Num átimo, de novo enamorado,
O quanto em sofrimento é necessário?
Não posso mais conter este desejo
A queda a cada instante, pois, prevejo;
Mas sei que não consigo mais calar
O quanto se é possível ter em mente,
E mesmo que decerto o sonho ausente,
Valeu apenas mesmo por te olhar...
30622
Os rastros que deixaste enfim persigo
E tento conceber tua presença,
Vontade se tornando tão intensa,
Embora se pressinta algum perigo,
O quanto desejara estar contigo,
E sei que em teu olhar a indiferença
Ditando a dolorida e vã sentença,
E dela me condeno ao desabrigo.
Mas mesmo assim, não temo mais a sorte,
E quando se aproxima enfim a morte,
Terei esta certeza de um momento
Aonde fui feliz e conheci
O raro amanhecer que vem de ti
E neste instante ao menos, solto ao vento...
30623
Da vida um helianto e nada mais,
Procuro a cada instante a estrela guia,
E quanto mais a vida não traria
Mais forte estes desejos rituais,
Talvez se inda fossem triunfais
O mundo não teria esta magia,
Sonhar e tão somente dia a dia,
Permite anseios fartos, desiguais.
E tento transformar a cada instante
O que se fora atroz em deslumbrante
A vida vale mesmo pelo quanto
Possível se tentar, embora em vão,
O olhar ao encontrar a direção,
Sabendo ser alheio a mim tal porto,
Prazer talvez insólito e assim torto,
Imerso em fantasias, tento e canto.
30624
Por onde passas deixas demarcado
Caminho que persigo a cada instante
O mundo sendo assim tão fascinante
Aonde se mostrara este recado
Deixado em cada passo, lado a lado
O quanto poderia deslumbrante
Cenário que pra ti é degradante,
Porém me deixa sempre extasiado.
Não pude conhecer felicidade,
Apenas qualquer sonho satisfaz
E deixa que adormeça em fim em paz,
Porquanto esta ilusão enquanto invade
Inunda o coração de um vão poeta,
A vida mesmo em não já se repleta...
30625
Não posso condenar meu erro quando
Pensara tão somente em te encontrar
E quando tantas vezes divagar,
A vida sem destino me fartando.
No caminhar diverso de um nefando
E tímido bufão, qualquer luar
Expressa muito além; podes notar
O todo dentro em mim já se emanando.
Eu poderia apenas ter te dito
Do quanto se tornara mais bendito
O mundo desde quando eu te encontrei,
Mas quando fui além e quis até
Tocar-te mansamente, tola fé,
Aí talvez deveras eu errei...
30626
Deténs em tuas mãos as alegrias
Que tanto procurara inutilmente
Porquanto novo rumo se apresente
E nele com certeza tu me guias
Levando para longe as agonias
Tomando o coração, domina a mente
E tudo o que sonhara ultimamente
Agora se transforma em claros dias.
Um sonho e nada mais, eis o que fora,
A sorte muitas vezes tentadora
Não deixa que se faça realidade
E a cada passo em falso, nova dor,
Assim errando sempre, aonde eu for,
Somente a solidão dita a verdade...
30627
Quisera ter um álibi qualquer
Justificando a volta à nossa casa,
Mas quando a vida muda e se defasa
Não tendo mais sentido o que vier
Apenas o vazio e se puder
Talvez resida ainda frágil brasa,
A frágua sem sentido não abrasa,
O quanto se propõe já não me quer.
E tudo foi assim, um mero engano,
Aonde quis a messe resta o dano
E dele não consigo me livrar,
Pudesse novo dia, mas agora,
A imensa solidão que se demora,
E nada está de volta em seu lugar.
30628
Envolto pelas sombras do passado,
Não tenho mais saída e embora tente
Um tempo tão amargo é o que se sente,
A morte ecoa forte em alto brado,
Reside dentro em mim um duro fado,
E quando outro caminho se apresente
A dor revolve o peito e tão freqüente
Não vejo qualquer rastro iluminado.
Pudesse ver nos olhos deste sol,
A clara sensação, raro farol,
Mas tudo sonegando a fantasia,
Apenas a mortalha inda me resta,
A cena que se vê, dura e funesta
Felicidade nunca mais se via...
30629
Amor que sem enganos imagino
Não existindo aqui nem haverá
E sei desta verdade e desde já
Apenas num delírio perco o tino,
Cansado desta luta, meu destino
Jamais em novas luzes brilhará
E todo o meu anseio mostrará
O quanto vivo só, e não domino
Sequer o meu caminho e até por isto,
Deveras não concebo mais, desisto
E tudo o que pensara ser tão certo
Agora não se vê nem se adivinha
A sorte não se fez jamais, pois, minha
Uma esperança assim eu já deserto...
30630
Se a vida permitisse o pleno amor
A quem se deu demais e nunca vira
Sequer de uma emoção, um rastro e a mira
Desanda sem talvez nada propor,
E tudo o que pensara a decompor,
O encanto cada vez mais se retira,
E embora novo tempo se prefira,
A morte é o que me resta, qual favor.
E tanto poderia ser diverso
Não fosse tão doído cada verso
Que tento em voz cansada e sem futuro,
Mergulho dentro em mim e não desvendo
Sequer qualquer delírio e nada tendo,
O tempo de viver, somente escuro...
30631
Pudesse acreditar noutra emoção
Que tanto me trouxesse paz enquanto
O mundo se transforma em desencanto
E perco totalmente esta noção
Do quanto poderia ser em vão
A vida se tornando em dor e em pranto,
O peso de viver, gerando espanto
E quando vejo falta a direção,
Negar a fantasia é ter a morte
E dela se fazendo a cada corte
Maior a expectativa de vingança,
Assim o fim do jogo se aproxima,
E quando ainda vejo o mesmo clima,
Ao nada, sempre ao nada a vida lança...
30632
O quanto poderia em bons momentos
Fazer dos versos traços de alegria,
Mas sei quando em mim fotografia
Transmite tão somente desalentos,
Procuro da ilusão velhos sustentos
E quanto mais feroz, maior sangria
E todo este delírio se porfia
Enfrento com temor, diversos ventos,
E ainda creio ter nesta senzala
A voz que não se ouvindo, não mais fala
E deixa que se leve a correnteza,
Aonde quis cenário mais suave
A vida se tornando duro entrave,
Restando para mim tanta incerteza...
30633
O tempo ao nos trazer sabedoria
Impede a derrocada da esperança,
Mas quando no vazio a vida avança
O que deveras inda em dor me guia
Apenas tempestade e ventania
Ausente do meu peito a temperança
A sensação feroz desta vingança
Que a cada novo não a vida urdia,
Percebo ser inútil cada sonho
E tanto quanto posso até me oponho
Ao vândalo fantasma da ilusão
E morto antes do tempo nada vejo,
E quando alguma luz inda desejo,
O peito mais silente grita: não!
30634
Aonde um sonhador há tanto houvera
Agora nem a sombra de quem tanto
Sofrendo a cada passo desencanto
Renasce dentro em si, soberba fera,
E quando imaginara nova espera
A morte se transborda e em turvo manto
Gerando a quem me vê, total espanto,
A sorte num terror já degenera.
As garras afiadas, minhas presas,
Aonde se mostrasse com surpresas
Suprimo qualquer forma mais humana,
Entre neblinas tantas, tez espessa
A fronte destroçada e na cabeça
A fúria sem sentido, soberana...
30635
Convivo com momentos de alegria,
Embora seja sempre um ledo engano
E quando novo tempo ainda ufano
Mortalha novamente se recria,
E tanto posso mesmo ou poderia
Viver qualquer sentido sem o dano
De quem se fez deveras soberano,
Mas teme com razão seu dia a dia,
Nefasta imagem trago a cada não,
E tento mesmo quando em viração
Vencer os vendavais, mas não consigo,
E tanto poderia acreditar
Na sorte desairosa a me guiar,
Porém somente o nada, inda persigo...
30636
Tentando enfim seguir com mansidão
Aonde tantas vezes não resisto
E sinto que deveras se inda insisto
Apenas os vazios tomarão
O mundo sem sentido ou mesmo em vão
Amor se transformando em torpe cisto
E quando ainda resto e não desisto,
Medonha face eu vejo: exposição
Dos erros mais comuns que tanto fiz,
E sei que decerto um infeliz
Procura por momento que inda possa
Saber do lenitivo que não vem,
A cada dia o sonho, mas ninguém,
O encanto que vivera? Simples troça...
30637
Aonde a poesia se fez senda
Diversidade dita o que não traço
E sei do quanto perco a cada espaço
Sem ter sequer a luz que ainda atenda
O gozo se mostrando sob a venda
E nela não se vê ainda um traço
Do quanto poderia e já desfaço,
O amor se transformara em tola lenda,
Realço com meus versos o sentido
Do pendular momento em que vivido
Angustiadamente nada resta,
E tento disfarçar, ledo sorriso,
Meu passo rumo ao quanto se indeciso
Transcende ao que seria mera fresta.
30638
Do quanto vejo em pura discrepância
Atendo aos meus instintos e não mais,
Esgoto a minha força, mas jamais
Concebo noutro rumo, esta elegância
Aonde não se vê torpe ganância
Que é tudo o quanto move em rituais
Momentos onde sinto tão banais
Vontades em diversas vis, estâncias.
Resido no que posso acreditar
E teimo contra a fúria mais cruel,
O mundo não se mostra em carrossel
E quando vejo as fases do luar
Pressinto em espiral o dia a dia
E perco desde sempre a montaria...
30639
Sonhar é permitido, mas que vale
O sonho se com fé não realizo,
O tanto que inda ganho é prejuízo
Porquanto tão somente inda resvale
No todo que imagino, e não se fale
A sorte me remete ao vil granizo
E quando noutras cores me matizo
Mimetizada vida nega o xale,
E o frio dominando o dia a dia,
Esboço reações, mas não podia
Saber do quanto resta em luz e dor,
Abrindo esta janela, num convite
Mergulho no vazio e sem limite,
Sobrevoando a vida em tal torpor...
30640
Teria o que talvez inda quisesse
Não fosse a vida assim tão traiçoeira
Se eu faço da ilusão minha bandeira,
Jamais terei da sorte esta benesse,
O quanto do vazio se obedece
Na fonte aonde a seca é verdadeira,
Não posso contra a vida em derradeira
Medonha face, tudo não mais tece
O parto sonegado, ledo aborto,
Navio sem destino busca o porto
Na ausência de caminho, norte ou rumo,
E tanto quanto pude até navego,
Mas sendo eternamente tolo e cego,
Naufrágio da esperança eu sempre assumo...
30641
Procuro uma saída e não percebo
Sequer qualquer momento que me acolha,
O amor numa outonal e tosca folha
A cada novo dia em vão concebo,
E sendo assim da vida este placebo
Que cada sonho então já se recolha
E trancafie o canto em tola bolha
Do quanto poderia e nem bebo.
Erguendo a velha taça de cristal,
Aonde quis um copo de tomate,
O amor por ser assim velho arremate
Não deixa depois disso algum sinal,
E tanto se desvenda este mistério
Na falta de juízo ou de critério...
30642
Já não escuto mais o que me dita
O débil coração que tanto teima
E quando esta verdade doma e queima
A sorte se transforma em tez maldita,
Pudesse até sonhar com tal desdita
E nada do que cismo é guloseima,
Amor vira do avesso e vira teima
Enquanto não conserto e a morte pita.
Esfumaçada cena noite em branco,
Às vezes é melhor que eu seja franco,
E aos trancos e barrancos levo a vida,
Caindo vez em quando me levanto,
E quando me machuco, sem espanto,
Encontro em solidão, uma saída...
30643
Quem diz felicidade não conhece
Da vida nem sequer mínima parte,
E quando se fizesse assim descarte
O todo não merece qualquer prece,
Aos poucos esperança já fenece
E deixa no lugar um Malasarte
Teimoso cavaleiro que reparte
Colheita que deveras não merece.
Pergunto e sem respostas sigo em frente
Por mais que na verdade ainda tente
Fugir do meu espelho, sou assim,
Medonha face exposta no presente,
O quanto do passado ainda ausente
Não dita a primavera e nem jardim...
30644
Moldando a cada passo um novo prédio
Aonde poderia ter sossego,
Verdade é que pedindo sempre arrego,
Não vejo qualquer sonho, e morro em tédio,
Amor fazendo sempre um tolo assédio,
Não quero e não mereço mais apego,
Já não suporto mais este morcego
Anêmico delírio quer remédio.
Mas quando esta morena se apresenta,
A boca se mostrando mais sedenta,
E tudo novamente recomeça,
Na fresta que se abriu amor já vem,
Depois de certo tempo sem ninguém,
E este idiota aqui sempre tropeça...
30645
Aonde se pudesse ter o píncaro
Apenas um terrível abissal,
O amor que tanto quis fenomenal,
Traduz a realidade de um novo Ícaro,
Cincada após cincada sigo assim,
Jogado contra as pedras, nada valho,
O quanto este danado dá trabalho
Depois de certo tempo chega o fim,
E volto novamente à solidão,
Qual onda em praia nunca deixo a areia
A movediça sorte me incendeia,
Porém o tempo dita a viração,
As asas derretidas, nova queda,
Porém eu pagarei: mesma moeda.
30646
Gerido pela vã necessidade
O tempo em vilania se percebe
E quando mergulhando escusa sebe
O temporal deveras nos degrade
E gera com terror esta ansiedade
Aonde a paz jamais viva concebe
E tudo o que decerto se recebe
Não traça senão dor e falsidade.
Errôneos dias vago sem sentido
E tudo se perdendo em fome e tédio,
Sabendo tão distante algum remédio
Até da própria vida já duvido
E sendo assim pecado em voz sombria
Recado demoníaco eu prevejo,
Regrando cada nota de um desejo
Traçando em torpe esgoto a poesia...
30647
Ocupa-se da dor meu parco espírito
E tanto navegando em água imunda,
A sorte no vazio se aprofunda
Errático e satânico eis o empírico
Caminho que perfaço em tom etílico
E vago pelas hordas mais temíveis,
Os sonhos se os tivesse; imprescindíveis
Famélica figura, um ser idílico
Não posso prescindir desta quimera,
Pois dela ao absorver cada respiro,
No quanto em tal abismo já me atiro
Somente a solidão ainda espera
Quem tanto desejara alguma paz,
E apenas a mortalha satisfaz...
30648
Alimento os meus demônios com a fúria
Que tantas vezes dita o dia a dia,
E quando ainda assim se lamuria
A sorte se percebe em tal incúria,
Resisto o quanto posso e nesta escura
Seara não desvendo qualquer luz,
A morte, eu sou sincero, me seduz,
E nada além do fim, a alma procura.
Nefasta realidade diz de quem
Vivera sempre à sombra e nada fora,
Na fétida ilusão tão tentadora,
Meu enlutado riso se contém,
Convenha qualquer ópio que entorpeça
A quem interessasse: a vida avessa...
30649
Não quero um misantropo, a mendicância
Gerada pela insânia de quem sabe
O quanto a cada dia mais desabe
O mundo sem ternura em tal vacância
Marcado pelas garras da ganância
Bem antes já vivera o que não cabe,
E parto do princípio que se acabe
Aquilo que transcorra em discrepância.
Velhusco coração de um ser otário
Sabendo quanto o fim é necessário
Um pária se envolvendo em qualquer trama,
Eu sinto ser deveras mais urgente
O quanto necessito e penitente
A voz deste demônio já me clama.
30650
Já não me arrependendo sigo em frente
E tento vez em quando um novo engodo,
A vida me levando ao mesmo lodo
E nisto cada dia se apresente,
Aonde poderia ser o todo,
Deveras nem metade se pressente,
Da sorte se decerto fui ausente
O sonho a cada não sombrio eu podo,
E enredo-me nas tramas desta pútrida
Visão que tanto pude enquanto cúpida
Vivenciar o torpe descaminho,
Agora em cena tétrica desvio
A direção fugaz de um velho rio
Nas margens deste inferno já me aninho...
30651
As minhas confissões, erros, pecados
Jamais me permitiram salvação
Enquanto a vida traça a viração
Volvendo aos meus diversos vãos e enfados,
Não deixo mais sequer meros recados,
Nem tento novos dias, pois virão
Somente os mesmos ledos, sem verão
Inverna a cada dia nestes prados.
Igrejas e demônios poluindo
O quanto poderia ser infindo
Cenário decomposto, sem ternura.
Caminho sem sequer ter um momento
Aonde poderia sem tormento,
Sobrando para mim tanta amargura...
30652
Adentro felizmente este caminho
Que leva ao meu querido Satanás
E tenho nesta fúria, a imensa paz,
Da qual e pela qual me fiz daninho,
Erguendo um brinde ao Demo, vou sozinho
E embora na verdade tanto faz,
O quanto me fiz rude e até mordaz,
Sangrando a cada verso, traço o ninho.
Não quero o teu perdão nem mais preciso,
Se a vida sempre traça um prejuízo
De que me vale assim, misericórdia,
O passo mais feroz que inda se dê
Transforma qualquer coisa sem por que
No anseio mais sublime da discórdia...
30653
Lavando os meus pecados com as lástimas
Que tanto surtem ledo e triste efeito,
Já não seria assim tão satisfeito
O mundo feito em pulhas, vagas lágrimas,
E tantas vezes traço em tom atroz
O quadro que tecera a mansidão
Se eu quero e mesmo adoro a danação
É nela que se torna firme a voz,
Augúrios entre sonhos, senda vis,
Resenhas costumeiras, e as jornadas
Deveras entre tantas malfadadas,
Assim talvez me faça mais feliz.
Reparo a sombra escusa desta bruma,
E toda esta esperança em vão se esfuma...
30654
Deitado sobre as sombras do que fui
Encontro esta satânica figura,
E quando se percebe assim ternura,
A morte em minhas veias, segue e flui.
O quanto deste demo sempre influi
No passo que deveras transfigura
Embora te pareça uma loucura,
Revela o que decerto pressinto e rui.
Não pude contra a força mais insana
E tantas vezes alma tão profana
Hedônico demônio me tocara,
Assim ao se sanar a solidão
Nos ermos deste inferno a solução
Cicatrizando o não, dorida escara...
30655
Espírito satânico domina
O verso mais audaz que poderia,
E tanta vida feita em tez sombria
Negando desde sempre alguma mina,
Aonde se emanara podre sina
E tanto quanto pude em agonia
Dizer do meu fantasma que se cria
Enquanto este terror tanto fascina,
A sorte desvendada neste enredo
E quanto mais ao demo me concedo
Percebo enfim a tal felicidade,
Assim ao retratar a humanidade
Nas sendas de Satã eu me enveredo
Minha alma pouco a pouco se degrade...
30656
Poder que nos seduz, dinheiro e gozo,
Assim ao mais sublime dos altares
E quando com certeza tu tocares
Verás o quanto é belo e majestoso,
Ainda quando agora, este andrajoso
Demônio nos diversos lupanares
Caminhos mais sutis tu profanares,
Após a tempestade o prazeroso
Cenário se mostrando em ouro e fêmeas
Diversas almas sendo quase gêmeas
E nelas se desnuda este delírio,
Deixando para trás a virulência
Da espúria e sem proveitos inocência
Matando o que restara em ti, martírio...
30657
Sentindo-me deveras no vapor
Aonde se esfumaça a liberdade,
Vencendo com furor a tempestade,
Gozando deste imenso dissabor,
O preço que se paga pelo amor,
Enquanto o tempo tudo em vão degrade,
Rompendo dos pudores qualquer grade,
Não vejo mais a cena a se compor,
Fagulhas incendeiam os infernos
E deles novamente ricos ternos,
E tantas maravilhas prometidas,
Infaustos nesta vida? Nunca mais,
Auríferos caminhos magistrais,
Nas hordas de Satã enternecidas...
30658
Marcado pelas ânsias do demônio
Não pude mais seguir tal procissão,
Nos círios e nas lágrimas de então
Agora dentro em mim tal pandemônio,
Ao ser deste Satã um patrimônio,
Não quero mais a dura solidão
Tampouco este silêncio e me ouvirão
Do grande aristocrata ao vil campônio.
Servindo ao grande pai, o majestoso,
Herdando a terra inteira após o fim,
Medonho caricato um querubim,
Andando pelas ruas, pegajoso,
Verá depois de tudo o grande Império
Aonde o despudor dita o critério.
30659
Encontro no que tanto te traz pejo
O gozo mais sublime e tão perfeito
E quando em trevas tantas eu me deito,
O fim maravilhoso ora prevejo,
Nas sanhas mais sublimes um lampejo
Transcorre furioso e me deleito,
Agora por Satã se sou aceito,
O mundo em glórias fartas, mais sobejo,
Alívio aos meus tormentos, minhas dores,
Espinhos derrotando podres flores
E todo este cenário decomposto,
A pútrida visão, mera carniça
Poder que enfim se emana da cobiça
E Jeová enfim será deposto!
30660
Herdeiro deste Reino demoníaco
Satã, um soberano em gozo e festa,
Assim ao se pensar quanto funesta
Deveras noutra face afrodisíaco,
E tendo esta verdade em ser maníaco
Aonde se pensara em qualquer fresta
Adentra o coração e assim se empresta
Hedônico portal, paradisíaco.
Enquanto rege o Império do sentido,
Tomado pelas ânsias da libido,
Eclético senhor, dita o poder,
E assim ao se mostrar desnudo ser
Edênica serpente? Ledo engano
É belo e tentador tal soberano.
30661
Através destas trevas tentadoras
Adentro pouco a pouco o ledo inferno
E quanto mais nos ermos eu me interno,
As horas com certeza redentoras,
Ainda que diversa tu já foras
Verás no verso agora o que externo
Um mundo que é decerto duro e terno,
Em sendas mais doridas, promissoras.
Eu sei o quanto é vário o seu caminho
E fácil te garanto, prosseguir,
Assim ao se embeber neste elixir
Jamais terás um dia em vão, sozinho,
Das chamas entre lodos, pantanais
Cenários com certeza magistrais...
30662
Apenas nesta vida um libertino
Que tanto se entregou sem ter medida,
E agora quando finda a sua vida,
Deveras procurando outro destino?
No quanto em tal cenário me alucino
Do labirinto ausente uma saída,
Porquanto quem adentra não duvida,
O quanto se faz turvo o cristalino.
Assaz diverso o rumo aonde encontro
E nele a cada passo o desencontro
Forjando novos dias, mesmas eras,
Não vês o quão soberba esta emoção
E segues sem pensar na direção
Aonde em mansa espreitas vejo as feras...
30663
A prostituta, o velho, este menino,
As somas dos vazios entre tantos
E quando se cobrissem com tais mantos
Invés do que pensavas desatino
Vivenciando assim um diamantino
Delírio entre fulgores, mais encantos,
E quanto mais sobejos os quebrantos,
Mais alto deste inferno eu ouço um hino.
Dos pélagos dos sonhos, nada existe
Senão este cenário que de triste
Não tem a menor sombra, mas diverso,
E vejo entre desejos, nuas musas
E quanto mais anseios, mais abusas,
Orgástico momento, e nele imerso.
30664
Prazeres que conduzem ao vazio
Entregues em momentos triunfais,
Percebo tão somente dos umbrais
O tempo se tornando bem mais frio.
E quando este fantasma enfim recrio,
Tocado pelos gozos dos cristais,
Aonde se mostrasse em magistrais
Momentos, o que tanto desafio.
Relendo cada página da vida,
A estrada que percebo já perdida,
Conduz ao mais terrível desatino,
Mas como posso ser assim diverso,
Se neste mundo escroto andando imerso,
Um tosco viajante, um clandestino...
30665
O quanto se roubando deste sumo
No qual ao se mostrar extasiado,
Talvez já te pareça algum pecado,
O gozo que eu desejo e sempre assumo,
No quanto ser feliz eu me acostumo,
E sei que tantas vezes desvairado,
O mundo sonegando algum recado,
Dos ermos mais profanos me perfumo.
Aonde se pudesse e sei quem mude,
Não tendo mais pudor, sequer virtude,
Anseio pelo orgasmo e nada além,
A fúria das tempestas? Passageira,
A mão que te abençoa, traiçoeira
Demônios, na verdade ela contém.
30666
Helmínticos momentos, parasitas
Aonde o que talvez não percebesse
Mudasse na verdade qualquer messe
Verdade conhecida, mas evitas,
E tentas disfarçar horas malditas
E delas cada cena que se tece
Fazendo do vazio, tosca prece
Enquanto ainda insana; teimas, gritas.
E tanto poderia acreditar
No quase que decerto já nos guia,
A porta ao esconder a fantasia
Transcende ao que seria lupanar,
Prostíbulos que tanto freqüentei
Conhecem dos prazeres cada lei.
30667
Bulindo em minha pele tais anseios
Gerindo cada passo rumo ao cardo,
E quanto se percebe imenso fardo,
Relembro tuas pernas, coxas, seios,
E deixo para trás velhos receios,
Qual fora algum poeta, mesmo um bardo,
A vida penetrando feito um dardo
Matando o que pensara em vãos recreios.
Negar o descaminho por onde adentro,
E tendo esta figura como centro
De todo pensamento que se tenha,
Viver ensandecido, forma vã
De poder num louvor clamar Satã
Por mais que uma alma tola se contenha...
30668
A morte se adentrando em mim traçando
A cada novo dia outro desgaste,
E tanto sem poder contar com a haste
O mundo pouco a pouco desabando,
E sei que meu futuro é tão nefando
Durante o que vivera fora um traste,
E agora com a merda que legaste,
O pouco que me resta destroçando.
Fagulhas não permitem farta frágua
Aonde a labareda enfim deságua
Ardência sonegada, fim imundo,
Nas tramas do que tanto desfiara
A vida se transcorre tão amara,
E nesta insânia imensa eu me aprofundo...
30669
Descendo cachoeiras e cascatas
Resisto vez em quando ao que pudera
Gerar dentro de mim a imensa fera
E nela descontando tais bravatas
As horas poderiam insensatas
Beberem do que um dia em primavera
Pensara e quando vi se desespera
Enquanto os nossos laços tu desatas.
Resisto ao mais terrível dos momentos,
E sei quantos prováveis sofrimentos
Terei ao me tornar de ti diverso,
E quanto mais eu luto e não consigo,
Cevando a cada não meu desabrigo
No olhar, que sei temido e tão perverso.
30670
Punhais cravados todos no meu peito,
Palavras que disseste no passado,
E tanto quanto pude desmembrado
Viver a tepidez de insano leito,
Agora quando em morte enfim me deito,
Arisco tento mesmo novo fado,
Porém o meu caminho demarcado
Não aceitando mais espúrio pleito,
Assaz nefasta a vida de quem tenta
Vencer em mansidão qualquer tormenta
E sabe dissonantes emoções
Assim ao perpetrar este caminho,
Eu sei que na verdade estou sozinho,
E nada, nem perdão agora expões...
30671
Unidos pelo amor, mesma placenta
Que tanto nos irmana e nos concebe
Presença tão igual, diversa sebe,
E quando em temporais, já nos alenta.
Vencido pela fúria da tormenta
Aonde cada gozo insano bebe
O corpo enaltecendo se percebe
E nem sequer a paz inda o sustenta.
Arcando com meus erros, não prossigo
E tento vez em quando, estou contigo,
Saber de outro momento mais feliz.
Porém ao me perder em senda escusa,
A fúria do vazio me seduza
E faz comigo aquilo que bem quis.
30672
Destino desairoso, o que fazer?
Somente caminhar e nada mais,
Assisto às derrocadas ancestrais
E digo, tenho até certo prazer,
Mas quando mergulhando no meu ser
Anseios e desejos animais,
Arcando com demônios sem jamais
Poder às tais vontades conceder.
Eu sinto ser volúvel coração
E nele se percebe a direção
Insólita que tantas vezes dita
O rumo de quem tenta e por um triz
Já tendo tatuada a cicatriz,
Condena-se decerto em vã desdita...
30673
Do quanto resta assim de uma alma estúpida
A fonte interminável de ilusões
E nela cada dia tu me expões
Em forma tão sutil e às vezes cúpida.
Porém ao perceber ser a crisálida
Que um dia libertária se fará,
O quanto desvendara desde já
Deixando a minha face agora pálida,
Acalma-me saber do fim do jogo,
E tanto posso mesmo em tal derrota
Mudar o que se fora antiga rota,
Jamais ouvindo assim pedido e rogo,
Seduz-me o que não pude e poderia,
Mas nada vale mais que a fantasia...
30674
Entre chacais ferozes, na tocaia
A senda que percorro se mostrara
Na ausência de esperança mais amara,
Enquanto a solidão assim se espraia,
Ainda vejo ao longe, areia e praia,
Durante a vida inteira navegara
Buscando qualquer cais, mas nada ampara
Apenas me pedindo em vão que eu saia.
Reluto ao perceber ainda a chance
E tanto quanto em fúria já se avance
No sôfrego delírio este naufrágio,
Porém a vida cobra e como eu sei,
Assim é que se faz a sua lei,
E imenso com certeza sempre este ágio.
30675
Escorpiões, aranhas e serpentes,
Medonha face exposta deste que
Falaste tantas vezes e se vê
Diverso do que tanto me apresentes.
Trazendo sempre a faca entre teus dentes
O todo prometido? Não se crê
No fardo de viver tento e cadê?
As sortes nunca foram previdentes...
Herdando qual legado este aracnídeo
Momento desairoso em tal dissídio
Transporta a morte em vida e nada traz
Senão este vazio que me deste,
Gerando dentro em mim terror e peste,
Na face mais atroz, dura e mordaz...
30676
Guardadas nesta jaula, incoerências
Medonho olhar tomando este horizonte
Bem antes que meu passo desaponte
Não quero nem preciso mais clemências
Urdidos pelas mãos das inocências
Imensa poluição tomando a fonte,
Não posso e talvez sequer aponte
As mortes que carrego em prepotências.
Acolho os meus fantasmas e me vingo
Embora saiba bem cada domingo
Do peso da semana que virá,
Acréscimos de dores e discórdias
Não quero nem pretendo em tais mixórdias
Colher o que plantei aqui ou lá.
30677
Eu vejo caricata face quando
No espelho me envaideço em cada ruga,
E tendo na verdade como fuga
Momento que pensara se fadando
Nas mãos deste demônio demonstrando
Aonde a sorte toma ou mesmo aluga,
Minha alma a cada farsa mais se enruga
Retrato se moldando assim nefando.
E tenho sempre boa companhia,
Jamais andei sozinho e não podia
Saber das heresias se não fosse
A vida companheira de desditas
E quando noutros rumos acreditas
Não vês demônio aonde és agridoce...
30678
Despojos que saqueio do passado
Trazendo para mim um novo corte,
Aonde se produz a minha morte,
E deixo apenas isso qual legado,
Cadáver que cultivo com o enfado,
Não tendo quem deveras o comporte,
Transcende com certeza à própria sorte
Decerto o seu caminho, ilimitado.
Pereço quando vejo o meu retrato
E tanto quanto posso eu mesmo trato
Dos erros que costumo cometer,
Se eu trago puro estrago dentro da alma,
Certeza do vazio já me acalma,
A morte ao ultimar seu parecer...
30679
O mundo entregue às feras e eu aqui,
Tomando o meu sorvete calmamente,
E quanto mais o tempo se faz quente
Maior esta certeza do que vi,
A podre sensação da qual sorvi
O tanto que talvez inda apresente
A morte noutro fato, mais contente,
Trazendo o que talvez não conheci,
Enverga-me o terror e nada sendo,
Apenas do passado algum adendo,
Adentro pelos ermos deste vão,
E tanto poderia ter em mim,
Ainda qualquer flor, pomar, jardim,
Mas como se não vejo irrigação?
30680
Meus olhos emprenhados de terror,
Arcando com tamanho prejuízo,
E sendo muitas vezes mais conciso,
Não posso novo tanto recompor,
Se ainda houvesse em mim além do horror
O que perdi decerto, todo o siso,
Navego contra a força do impreciso
Oceano sem saber o que propor.
Hercúlea força dita este demônio
E tanto quanto pode cada hormônio
Ditando o meu futuro desde então,
Nas sendas do prazer, orgasmos tantos
Depois ao me perder em desencantos,
Hiberno mesmo sendo em mim verão.
Extra
É necessária sempre a confiança
Que possa permitir o passo forte,
Mudando num segundo nosso norte
É base para a vida em esperança.
E assim nas mãos suaves da amizade,
Encontro a realidade de um amor,
Baseado nos anseios de igualdade,
Num tempo fabuloso a se compor.
O sonho de uma vida bem melhor,
Trazendo a quem batalha tanta fé
Sabendo desta história já de cor,
Lutando o tempo inteiro, vou até
Poder ter em meus braços rara tília
Que forma-se no amor de uma família...
30681
Um delicado monstro, besta fera
Que habita dentro em mim e se desnuda
Na sorte desejada e mesmo muda
Transformação que a vida por si gera,
Acoito desde sempre esta pantera
E dela com certeza tanta ajuda
Enquanto se percebe mais miúda
A face que este tempo degenera.
Resido nestes antros, súcias, hordas
E quando novos dias vês e abordas
Não tento disfarçar realidade.
Porquanto cada passo dita o não,
Aonde se pensara em direção,
A cada engodo eu sinto se degrade.
30682
Decreta-se o terror a cada olhar
E tento vez em quando algum disfarce
Porquanto a própria vida nos esgarce
Não tendo após tempesta outro luar
O quanto é necessário acostumar-se
Com toda a farsa feita, este lugar
Transcende ao que pudesse imaginar
Enquanto sorrateiro não notar-se
A fúria do que tanto produzira
Ainda com terror e sendo a mira
A morte que procuro a cada instante,
O vândalo fantoche num mergulho
Tocando sem defesa o pedregulho,
Transformo-me em tal fera degradante...
30683
Enfastiado tento alguma voz
Que possa transcender à própria vida
E quanto mais quem sabe já duvida
O passo se transcorre em tom feroz,
E nada do que fora outrora algoz
Permite que se veja outra saída
E sendo assim a morte diz transida
A sorte de quem sabe ser atroz.
Ouvisse qualquer hino em tal louvor
E tendo a cada dia mais o horror
Gravado dentro da alma aventureira,
Imerso neste imenso pandemônio,
O fim será deveras patrimônio
Que deixo para quem inda me queira...
30684
Aonde na verdade nada tema,
O peso do viver pendendo em fúria,
Não posso com temor sequer lamúria
Minha alma não suporta alguma algema
E quando mais feroz já se blasfema
Sabendo tão somente desta incúria
A sorte se demonstra agora espúria
E sabe discernir diversa gema.
Pepitas entre falsas pedrarias
Assim a cada tempo mais adias
Herdades que trouxeste em farto gozo,
Meu mundo não se vê nem mesmo cabe
O quanto dentro em mim já se desabe
Outrora num cenário majestoso...
30685
Não quero e não suporto tal piedade
Nem mesmo poderia ter em mente
Além do que se fez ora descrente
Gerando com terror a sobriedade
Aonde se mergulha insanidade
E tento desvairado plenamente
O que no coração agora ausente
E a cada novo não bem sei me invade.
Resenhas entre fardos, fotos, vãos
Inóspitos deveras tantos chãos
Arguta natureza sobrevive,
Ainda não contenho o que pensara
Matando desde já qualquer seara
Por onde andei ou mesmo nunca estive...
30686
Um ninho de serpentes se mostrando
Aonde um dia quis ter mais tranqüilo
O dia em que sereno e em paz desfilo,
Tentando ser ao menos bem mais brando,
Mas desde que percebo, aonde e quando
O tempo não se mostra em tal estilo,
E quando desatino, e enfim destilo
Veneno que recebo, retornando,
Traduzo a realidade deste mundo
Aonde com terror eu me aprofundo
E vejo especular retrato meu.
Porquanto poderia ser sereno
Aos pouco eu também já me enveneno
Bebendo o que decerto a sorte deu.
30687
Terrível irrisão já se apresenta
E nela se percebe a minha face,
O quanto noutro canto uma alma trace
Diverso do que agora se aparenta,
Apenas semeando mais tormenta,
Gerando a cada não um novo impasse
Por mais que a vida doa e eu sei que passe
Nem mesmo alguma voz suave alenta.
Bebendo deste fel que também crio,
O fardo se divide por igual,
Aborto de esperanças espectral
Regenerando assim todo o vazio
Por onde caminhara há tantos anos,
Devolvo tão somente velhos danos...
30688
Maldito seja o dia em que nasceste
E tanta vez eu quis acreditar
Que ao me embeber de ti, pensara altar,
Porém só percebendo agora a peste
Aonde a vida atroz, funesta e agreste
Encontra seu caminho par em par,
A vida deveria exterminar
Ou mesmo envenenar o que comeste.
Carcaça exuberante putrefata
A sorte na verdade me maltrata
E tendo no horizonte esta semente,
Funérea face exposta em torpe vida,
Quem sabe em tua morte uma saída,
Ou mesmo a redenção que se apresente...
30689
Expiação gerada por quem tanto
Quisera algum alento e te encontrando
Não via teu retrato mais nefando
Tampouco imaginara o desencanto,
E agora que espalhaste dor e pranto,
O pantanal em ti se transformando
Em rito tão comum e quebrantando
Tornando bem mais torpe cada canto.
Vencido pelas forças das marés
Agora já sabendo quem tu és
Não resta-me sequer uma esperança,
Mortalha que teci com minhas mãos,
Trazendo para a terra podres grãos,
Ao charco eterno uma alma ora se lança.
30690
Tu foste entre as mulheres, preferida,
Mas quando vi a face demoníaca
Enquanto imaginei paradisíaca
Assim perdi deveras minha vida.
Não tendo outro caminho, a despedida,
Quem sabe a solução seja cardíaca
Melancolia em face atroz, maníaca
Acidulando enquanto quis ungida.
Ofídica presença se alastrando,
Rasgando com as presas minha pele,
E quando a tal delírio se compele,
Meu sangue pouco a pouco se inundando
Do sórdido veneno que ora emanas,
Searas que, satânicas, profanas...
30691
Famélico cadáver da esperança
Aonde já se vê o podre fim
Reside tal demônio dentro em mim
Enquanto a fúria torpe ora me alcança
E quanto mais a vida assim avança
Mortalha se tecendo vejo enfim
A porta escancarada de onde vim
Traçando com furor, a seta e a lança.
Se acaso merecesse outro nuance,
Mas quando tanta dor deveras trance
E beba deste sórdido caminho,
Perpetuando o quanto poderia
Viver em noite trágica e sombria,
Fazendo do não ser o eterno ninho.
30692
Expondo este odioso caminhar
Jamais conseguirei outra seara,
E quanto a realidade demonstrara
A fúria aonde pude me embrenhar,
Não tendo com certeza outro lugar,
A pedra se espatifa e gera a escara,
A boca que me escarra e desampara
A mesma outrora um dia quis beijar.
No término da vida não me resta
Senão esta figura, leda fresta
Aonde pode entrar a claridade.
Turvando o meu caminho rumo ao nada,
A fonte poluída, desolada,
Somente este terror que me degrade.
30693
Perversidade dita o dia a dia,
Em face tão medonha sendo exposta
Imagem muitas vezes decomposta
E nela não se vê mais poesia,
Reside dentro em mim tanta heresia
E quando se percebe em tola aposta,
A morte se apossando rompe a crosta
E gera com prazer farta sangria.
Apresentando agora última cena,
Quem tanto me acarinha e me envenena
Já sabe muito bem deste final.
Risível tal bufão, que ora em frangalhos
Pensara desta vida seus atalhos
E em precipícios faz seu funeral.
30694
Sorvendo cada gota deste fel
Aonde se fizera minha vida,
E tanto quanto pode mais acida,
Negando qualquer luz, matando o céu.
E vejo este cenário mais cruel,
A porta que pensara destruída,
O risco de sonhar, já não duvida
Mergulho neste imenso carrossel
Arisco no passado, hoje venal,
O quanto se mostrasse desigual
Caminho traduzido em dor e morte,
Não pude conceber qualquer alento,
E quando entregue assim ao sofrimento,
Somente a podridão já me conforte.
30695
Aonde poderia haver um crime
Matar quem se fez ódio e nada mais,
Assim seriam dias triunfais
E neles toda a sorte que se estime,
A morte muitas vezes nos redime,
E quando em minhas mãos doces punhais
Adentram tais demônios colossais
O próprio suicídio se suprime.
A guilhotina espera, a forca, a bala
Mas nada neste mundo mais abala
Uma alma que vassala se liberta,
Porquanto sou feliz após o fato,
E tanto na mortalha me retrato
Mantendo esta esperança agora alerta...
30696
Quem dera se tivesse esta tutela
De algum ser que talvez me apascentasse
A vida mostraria noutra face
O que na realidade me revela,
E assim ao ser liberto, arreio e sela
Vagando em meu corcel, sobrevoasse
Momento mais feliz em que se lace
A sorte desejada, clara e bela...
Apenas fantasia ou otimismo,
Somente conhecendo o cataclismo
Não posso adivinhar senão a guerra,
Batalha após batalha, nada tenho,
E quanto valeria algum empenho
Vazio tão somente se descerra...
30697
Bastardo coração, vaga sem prumo
Mordaz caricatura do que outrora
Pudesse ser feliz, mas sem ter hora
Perdera cada essência, tez e sumo.
Ainda quando teimo ou mesmo rumo
Buscando qualquer luz, nada decora,
Somente este vazio onde se ancora
A sorte à qual deveras me acostumo.
Não tive soluções, nem mesmo busco
Assim ao me entranhar num céu tão fusco
Neblinas são ditames do que sou.
E tudo o que pensara no passado,
Agora num cenário desolado,
O frio foi somente o que restou...
30698
Pudesse ter a messe de um maná
Aonde se percebe podridão,
Mudasse de repente a direção,
E o sol que nunca em mim mais brilhará
Talvez possa deveras noutro chão
Vencer cada tormento e tomará
Com cores variadas e fará
A vida noutro tom, nova emoção.
Ilusionária face da mentira,
E quanto ao precipício enfim se atira
Uma alma desvalida e sem sossego,
Do todo nada resta e sendo assim,
A senda se aproxima do seu fim,
E morro sem saber de algum apego...
30699
Jogado contra as pedras, nada sobra
Daquele que se fez noutro momento
Um homem e deveras sofrimento
Agora com tal ágio volve e cobra,
Enquanto cada passo se recobra
E nele não se tem pressentimento
De um dia mais tranqüilo, eu me atormento,
Uma alma sem destino se desdobra
E busca inutilmente algum apoio,
E morto em vida, apenas trago o joio
Aonde num trigal sempre pensara,
A sórdida presença de Satã
Matando o que julgara em amanhã
Semeia a podridão nesta seara...
30700
Caminho para a Cruz, eu reconheço,
E sei cada coroa e cada espinho,
De tanto que deveras fui sozinho,
Nem mesmo a morte sabe este endereço.
A cada caminhada mais tropeço
Um ser inútil passa, sem carinho
Fazendo do vazio o seu caminho,
No fim a solidão que eu sei, mereço.
Resisto a qualquer luz, mesmo se a treva
Domina tal paisagem e ainda neva
Jamais eu soube afeto, e nem procuro.
Apenas sobrevivo e nada mais,
A vida sem festejo ou vendavais,
Caminho eternamente vão e escuro...
30701
Por não saber falar desta maneira
Que possas finalmente dar valor
Eu sei que tantas vezes bebo a dor,
E faço da esperança uma bandeira
Enquanto a realidade já se esgueira
As mãos de um insensato sonhador
Procuram qualquer luz, mas sem calor,
A vida se transforma em tal geleira,
Não pude e nem devia ser feliz,
Destino desta forma nunca quis
E aventureiro sigo sem paragem,
Apenas esta sombra me seguindo
Aonde imaginara quase infindo,
Vazia totalmente esta paisagem...
30702
Usando tais vernáculos atrozes
Não pude imaginar outra saída
Perdera há muito tempo a minha vida,
Ninguém escutaria torpes vozes,
E quando se percebem mais atrozes
As luas preparando a despedida
De quem imaginara condoída
Estrada, eu determino então as fozes.
Refém de qualquer luz que ainda houvesse,
Nem mesmo amanhecer ainda tece
Quem sabe deste nada a que se deu.
A porta se cerrando eternamente,
E todo este vazio que se sente,
No fundo, este problema é todo meu...
30703
Perdi meu tempo vendo outro cenário
Tecendo alguma peça, não encaixa,
Palavra me congela e quando enfaixa
Não deixa que se veja o necessário.
O tempo não decide itinerário,
Neblina agora intensa, densa e baixa
A força mais sutil já desencaixa
O coração que fora incendiário.
Percebo neste espelho em contra-senso
A face distorcida e me convenço
Que a vida tão somente deixa um rastro
Daquilo que já fora ser humano
E agora com meu ar de desengano,
Perdi qualquer apoio e vou sem lastro...
30704
Apenas excrementos ditam vida
E tanto quis deveras um momento
Aonde se vivesse sem tormento,
Porém a minha história envilecida
Só deixa que se veja a entristecida
Face quando se expõe ao sofrimento,
E quando em vão procuro algum alento,
Não resta nem sequer a despedida.
Ausência de mim mesmo, pouco a pouco,
Sem rumo e sem destino, quase louco
Não vejo mais cenário que me envolva
Assim talvez quem sabe finalmente
A morte que deveras se pressente
Problema mais temível, pois, resolva...
30705
A vida me feriu sobremaneira
E não deixou restar sequer um traço
E assim sem ter remédio me desfaço,
A sorte com certeza é traiçoeira
Porquanto algum caminho ainda eu queira
No fundo não se vê qualquer espaço
E quando mais audaz fosse meu passo,
Maior será deveras a rasteira.
Resumo em versos toda a minha sanha
Perdido sem razões, o corte lanha
E nada do que posso ainda vejo,
Restando esta mortalha semi-viva
E quando a própria história já me priva
Felicidade? Apenas vil lampejo...
30706
Em todos os momentos frialdade
Gerada pelo fato de não ter
Sequer a menor sombra de prazer
No quanto nada resta nem saudade
Ainda quando a força teime e brade
Mortalha a cada dia se tecer,
Sem ter nenhum caminho a percorrer
Somente a solidão agora invade
E tento transformar algum sorriso
Em ato mais gentil, mas impreciso,
E sei que nada sou nem mesmo fui.
Resumo neste outono o que deveras
Morrera sem saber de primaveras,
Qual sombra que decerto se dilui...
30707
Por mais que me ensinaste a resistência
Apenas coleciono desventuras
E assim ao me entregar sem ter ternuras,
A luta por venal sobrevivência,
E tento com vontade ou eloqüência,
Mas nada me restando, são escuras
As sebes que me deste e se procuras
Verás quão fútil foi minha existência.
Não passo de um fantoche e sem remédio
Assola-me deveras simples tédio
E a morte pode ser um doce alento
A quem se nada fora, não será
E assim me preparando desde já
Entrego-me ao sabor do forte vento...
30708
Correndo sem por que; qual a razão?
Já não conheço mais sequer pretendo
Momento que pudesse se estupendo
Trazer a plenitude da amplidão,
E sei que já não tendo solução
A morte se aproxima e me detendo,
Proponho finalmente o que desvendo
Imensa e mais completa negação.
Durante tanto tempo resistira
E quando a vida traça em tal mentira
Seara sem propósito, vazia,
Do quanto nada fui e nada sou,
Apenas este verso me restou
Em noite desumana amarga e fria...
30709
Traçando outros caminhos, as senzalas
Ainda dominando toda a cena,
Não tendo nem a dor que me serena
Enquanto nada digo, nada falas,
As sortes de outras sortes são vassalas
E nesta indecisão se concatena
Miséria dentro em mim, agora é plena
A morte vai abrindo suas alas,
E sei que me abarcando não terei
Sequer qualquer alento, eis a lei
E dela não consigo mais fugir,
Aonde quis momento feito em paz,
A vida se apresenta mais mordaz
Negando qualquer sonho de um porvir...
30710
Espreita-me deveras tal coiote
E a morte se aproxima, nada faço,
Seguindo do vazio cada passo,
A fúria desdenhosa do chicote
A vida não ensina novo mote,
E a dor ocupa enfim maior espaço,
E quando em esperança o sonho eu traço,
O luto se tornando assim meu dote.
Reside em mim a fome do que tanto
Pensara e não pudera, desencanto
Vazio tão somente, sigo alheio,
E o quadro denegrido mostra a face
E mesmo que outra cena ainda trace
Falena simples luz, tolo rodeio...
30711
Exalas teus perfumes quando domas
Os sonhos deste velho caminheiro,
E como fosse imenso este canteiro
Com toda esta alegria tu me tomas,
E quando se perfazem novas somas,
O amor já concebido por inteiro
Qual fosse um doce alento, o derradeiro,
E assim maravilhosa tu te assomas
Dos ermos deste antigo sonhador
Que encontra um sentimento redentor
E dele tais momentos magistrais,
Assim ao se mostrar somente teu,
Meu mundo; o recomeço concebeu
Na limpidez suave dos cristais...
30712
Ausentes dos meus olhos os sinais
Que um dia demonstraram a presença
Traçando esta beleza rara e imensa
E agora tão somente vendavais,
Vagando por espaços siderais
Distante solução, quem me convença
Do amor que se mostrara por demais
Transido nos momentos terminais,
Causando tão somente desavença.
Assim ao me entregar eu me perdi,
E tudo o que eu buscara estava em ti,
Nefasta realidade gera o cardo,
E tanto poderia ser alguém,
Mas quando a solidão, deveras vem,
O amor se transformando, enorme fardo...
30713
Seara que talvez inda permita
Ao andarilho a fonte em que sedento
Transforma totalmente o sofrimento,
Em hora soberana e já bendita,
Assim quem neste amor tanto acredita
Percebe o quão volúvel é o vento
E quando novamente teimo e tento
Resgato do passado esta pepita
Lapido o sentimento em mansidão,
Mas sei das tempestades que virão
E vejo quando outono for inverno,
Que nada mais terei senão frio,
Porém neste momento enfim desfio,
Sabendo tanto amor não ser eterno...
30714
Aonde galopasse no passado,
Trotando vou seguindo mansamente
E quando um empecilho se pressente
Eu tenho já deveras decifrado
O rumo que por vezes decorado
Permite o prosseguir tranquilamente
E mesmo quando a luz de mim se ausente
O fim eu reconheço, velho prado...
Sementes que espalhara há tantos anos
E agora se colhendo em novos planos
Deixando os abandonos para trás,
Cevando com ternura o agricultor
Conhece estas searas de um amor
E sabe ter enfim a vida em paz...
30715
Pudesse reviver em novos dias
Aqueles que já foram mais felizes,
Embora ainda veja as cicatrizes
Os sonhos perfilando tais magias
E quando por momentos me dizias
Das horas em doridas, tolas crises
E agora tão somente, pois tu dizes
Das nossas manhãs claras e alegrias.
Assim a vida passa e junto a ti
Caminho para o etéreo concebi
Vivendo o que me resta em plenitude,
Amor sobrevivendo aos desenganos,
Matura qual o vinho e com os anos
Mantendo ainda acesa a juventude...
30716
As horas solitárias são nocivas
E trazem tanto medo a quem pressente
Momento de ternura estando ausente
Verdades doloridas, mais altivas,
E quando tão somente sobrevivas
Invés de ter o quanto em bem se sente,
Vazio caminhar que se freqüente
Medonhas faces, noites corrosivas,
Arrisco-me a tentar outro caminho,
E mesmo que eu prossiga mais sozinho,
Jamais me entregarei, torpe batalha,
Aonde pude ver um lenitivo
Dos sonhos mais felizes não me privo,
Tampouco a fantasia me atrapalha...
30717
Boníssimo caminho traduzido
Nas ânsias de quem busca a maciez
Afasta de sua alma esta aridez,
Seu passo pelos sonhos conduzido,
Não posso em calar e nem duvido
O tanto que deveras inda crês
Espalhas os desejos quando vês
O mundo noutro mundo renascido,
Erguendo a minha voz, estou contigo,
E tudo o que mais quero e ora persigo
É ter a mansidão de quem conhece
A vida e sabe bem deste perdão,
O amor em paz se faz a solução,
Fazendo deste encanto a sua prece...
30718
Sagacidade dita o caminhar
De quem procura as sendas mais tranqüilas
E quando ainda assim veneno estilas
Diverso do que pude imaginar,
Não tens nem a beleza de um luar,
As horas são terríveis quando grilas,
Saqueias sem pudor, favelas, vilas
Abutre com carcaça a se fartar.
Insaciável ser a face exposta
Permite que se veja uma alma imunda,
E quando nestes ermos se aprofunda,
A carne devorada decomposta,
Esgota-se por certo a sanidade
E sobra este terror: sagacidade?
30719
Aonde se acredita ter a fonte
Da qual já se sacia o viajante,
Momento que pensara fascinante
Matando qualquer sol, ledo horizonte,
Portanto quanto mais ao longe aponte
O sonho desfigura e se adiante
Tornado mais temível, degradante,
Não deixa restar nada, sequer ponte,
E tudo se traduz em podridão,
Aonde novos dias não virão
Deixando alheia assim a primavera,
Erguendo o meu olhar se nada vejo,
Aonde saciar o meu desejo,
Se a vida por si só me desespera?
30720
Se as pedras costumeiras reconheço
Não tendo mais sequer o que temer,
Ainda na verdade posso ver,
O quanto me transtorna algum tropeço,
Virando a minha vida pelo avesso,
Passado novamente reviver?
Não posso e nem concedo este prazer
Futuro mais tranqüilo, pois, mereço.
E sangro quando penso no que fora
Uma alma tantas vezes pecadora,
Mas tanto arrependida busca a foz
E tendo assim diversa sua vida,
A tez que outrora fora poluída,
Restando cristalina logo após...
30721
De outros tempos, do passado
Navegante solitário
Onde quis ser solidário
Segue agora abandonado,
A incerteza de seu fado,
Louco e tenso itinerário,
No seu peito este canário
Morto em vida, amordaçado,
Sonhador buscando espaço
Caminheiro do vazio,
Tanto pode em tempo frio,
Um verão que sonho e traço,
Mas no fundo só granizo,
Temporal, mundo impreciso...
30722
Se por onde não passei
Adivinho cada porto,
O que outrora se fez morto
Renovado nesta grei,
No vazio desvendei
O que tanto fora torto,
E seguindo assim absorto,
Em que estrelas me espalhei?
Navegante sem sentido,
Um escravo da libido
Hoje busca a redenção,
Do amor que tanto quis,
Sorte amarga, meretriz,
Noutro rumo e direção...
30723
Não encontro nesta vida
Mais momento de prazer,
O que pude conhecer,
Na verdade sempre acida
E se tudo já decida
Noutro claro amanhecer,
O meu rumo a se perder,
Nesta senda em despedida,
Risco o nome do caderno,
E deveras se eu me interno
Procurando uma resposta,
O meu mundo já desnudo,
Muito embora siga mudo,
Minha mesa estando posta.
30724
Por não ter sequer nem tido
Nem tampouco conhecendo
O que tanto ora desvendo
Meu passado corroído
Nas entranhas deste olvido,
Qualquer luz é dividendo,
Outro tempo se estupendo,
Na verdade não duvido,
Se jamais assim eu pude,
Vai longínqua a juventude,
E deveras nada traz,
Resta a mim, pobre campônio,
Este fim em pandemônio
Onde ausente morre a paz...
30725
Outra noite já perdida
Entre sonhos, pesadelos,
Tão difícil, pois contê-los
Onde vejo uma saída?
Resta a sorte dividida
Restam tolos vis novelos
E se tanto posso vê-los
Por que não a despedida?
Vento dita a minha sorte
Preparando cada corte,
Na ferida já se expõe,
O que tanto fora meu,
Hoje eu sei que se perdeu,
Mesmo a vida decompõe...
30726
Passando pelas ruas mais estreitas
Buscando outro caminho aonde eu possa
Viver tranquilamente, sendo nossa
A sorte em que deveras te deleitas,
E quando a realidade enfim aceitas,
Palavra mais suave sempre endossa
E o passo se mostrando a quem destroça
Renova esta emoção conforme deitas,
E faço do meu canto um novo acorde
E mesmo que decerto já discorde
Eu sinto ora perdida qualquer chance,
Porquanto a minha voz fosse feroz
E agora mansamente junto a nós
O brilho deste sol que nos alcance...
30727
A sorte perdendo o prumo
Nada tendo pela frente
Quem se fez tolo ou descrente
Na verdade esquece o sumo,
E se tanto assim resumo
Meu viver onde se ausente
Prosseguindo simplesmente
Cada engodo agora assumo,
Vejo os ermos dentro em mim
E desvendo até o fim
Passo dado em direção
Tão diversa da que outrora
Conhecera e sem demora
Novas sendas se verão...
30728
Percebera nestas salas
Onde outrora quis a festa
Ao entrar em cada fresta
Tanta fúria, me avassalas
E deveras nada falas,
Simplesmente o que me resta,
Desamor que o tempo gesta,
Entre facas, gumes, balas,
E se fossemos talvez
Dominando a insensatez
Navegantes do futuro,
Não teríamos sombria,
Nem a sorte que nos guia,
Nem o tempo sempre escuro...
30729
Os dentes podres sorrindo
A funérea face exposta,
Tanto possa quanto gosta
De quem tenta sendo infindo
Caminhar onde deslindo
A manhã já decomposta,
Coração gerando crosta
Defendendo-se e traindo.
Tudo o que decerto pude
Mais distante juventude
Atitudes tão diversas,
Minha vida nada vale,
Sem ter nada que te cale
Refazendo tais conversas...
30730
Ao voar sobre meu rosto
Asa aberta, liberdade,
Seu sentido agora invade
Deixa o coração exposto,
E sentindo então tal gosto,
Perfazendo a claridade,
Vivo então farta saudade,
Mas não trago mais desgosto,
Sendo assim vida mutável,
Meu amor quero potável
Muito embora assim volúvel;
Meu caminho em teu caminho,
Mas se tanto não me aninho,
O problema é insolúvel...
30731
Decerto algum perdão, quem sabe até mereça
Quem fala com franqueza e tenta realista
Falar da poesia, assim hoje malvista
E tantas vezes li e sei se reconheça
A força de algum verso e nela se tropeça
Infelizmente eu sei que para ser artista
Não basta só palavra ainda que eu insista
Com arte e galhardia um soneto se teça
Não tendo para tal sequer a qualidade
Vivendo do passado e o quanto em vão se brade
Não muda a situação, meus amigos, perdões...
Não falo para agredir, ao ter opiniões
Diversas das que tens, melhor é ser astrólogo
Caminho solitário é meu este monólogo...
30732
Pudesse tão somente desvendar
O quanto a poesia traz em si
Vivesse desta forma o que vivi,
Não importando mais qualquer lugar,
Cansado nesta vida de lutar,
Deveras meu amigo eu percebi
Que toda a realidade já sorvi
E nem mais reparei se tem luar.
A vida modifica a cada instante
Cenário no passado deslumbrante
Agora noutro rumo se perdeu,
Soneto na verdade, apodrecido,
Condena-se já sei ao duro olvido
Trancado numa sala de museu.
30733
Partindo do princípio que estas uvas
Há tanto pareciam mais maduras,
Agora as noites claras são escuras,
E sei que no final, somente chuvas,
Não cabem mais decerto velhas luvas,
E quando novos rumos tu procuras,
As sendas mais doridas, mesmo duras
Agora no canteiro só saúvas...
Aonde no passado algum poeta
Pudesse ainda ter a serventia
Do verso, e quem sabe garantia
Com tal a mais superna e plena meta,
Percebo no presente o que se vê,
Um verso sem cadência e sem por que...
30734
O encanto quando dita algum ofício
E traça no escritório outra saída,
Não vê o que se passa nesta vida,
Tampouco o tão imenso precipício,
E quando se mostrara desde o início
A sorte em pedregulhos repartida,
Não pude acreditar, mas não duvida
Uma alma que se sabe em sacrifício...
Restando a quem procura a poesia
Apenas um momento de prazer,
Não posso nem pensar quando tecer
O mundo em provável rebeldia,
Falar de amor talvez faça tão bem,
Porém disco arranhado não convém...
30735
Não dou mais peteleco em quem agride
Nem mesmo se tomar um pontapé
Decerto se inda tenho em mim chulé
Até de quem eu sei também duvide
A luz que sobre todos sempre incide
Não deixa que se prenda em tal galé
O verso, na verdade sei sem pé
Ou mesmo se quebrado, se divide.
Escusas se ora peço, por favor,
É que talvez não tenha este sabor
Aonde poderia sobremesa,
Assim também na fala sem medida,
Ternura deve ser ora sentida,
O que importa deveras? A beleza!
70376
Não sei se tenho culpa no cartório
Ou mesmo se talvez seja ironia,
O quanto se propaga em poesia
Jamais deixa o caminho merencório,
Riscando qualquer coisa no escritório,
Bem antes que o patrão faça a heresia
E tente desviar o que me guia,
A musa num cenário mais inglório.
Esplêndido fulgor em frases feitas
E quando noutra forma tu me aceita
Talvez seja melhor, pois repartir,
O bolo tem fatias à vontade,
Mas antes que eu decerto desagrade,
Eu sinto já é hora de partir...
70737
O quanto na verdade eu reconheço
Do todo que se fez após o nada,
A sorte sobre a mesa está lançada
E sabe já de cor seu endereço,
Aonde se pudesse sem tropeço
A vida preparando uma guinada,
Recende à primavera e sem florada,
Eu tenho na verdade o que mereço,
Um velho parasita da palavra,
Que quanto mais labuta, teima e lavra
Maior será deveras o ostracismo,
E quando vez por outra ainda sonho,
Pesadelo em questão, sendo medonho,
Condena-me decerto ao grande abismo...
70738
Nas horas mais difíceis, a certeza
De um dia que me trace novo sol,
Pudesse desfazer tal caracol
Aonde se prepara uma defesa,
Ainda que se pense com destreza,
Jamais imaginei algum farol,
E tanto poderia no arrebol,
Mudar o rumo desta correnteza.
Percebo que se nada inda fizer
Não tendo mais momento enfim qualquer,
Somente me restando a solidão
Pressinto que ao dobrar dos velhos sinos,
Os dias entre medos, desatinos
Estas mortalhas grises vestirão...
30739
O quanto na verdade devo a ti,
Não vale um só momento de atenção,
Se eu sei e é por acaso da estação,
O rumo ao te seguir, sempre perdi,
E quando novamente conheci
Da vida qualquer rumo ou direção
Pudesse ter nas mãos a gratidão,
E sei que me afastando já daqui
Eu pude conceber realidade
E toda a tua vasta insanidade,
Aonde porfiaste com terror,
Depois a me cobrar algum carinho,
Se aonde procurei fazer o ninho,
Trouxeste como alento o dissabor...
30740
Tanta saudade querida
De outros dias velhas eras
E deveras sem esperas
Nada vale a nossa vida,
Se em ternuras tu temperas
E decerto não acida
Outra senda mais dorida
Sonegara primaveras,
Mas agora quando tenho
A certeza deste empenho
Mergulhando nos teus braços,
Nada temo, pois em ti
Tanto amor eu conheci,
São estreitos nossos laços...
30741
Sem princípio meio e fim,
Minha vida em abandono
Do que ainda tento e adono
Não conheço mais assim,
E se tanto quanto eu vim
Tu vieste em pleno sono,
O meu mundo vai sem dono,
Caminhando ledo enfim,
Nada devo e nem percebo
Não concebo o que virá,
E se tento desde já
Novo mundo em que me embebo
Noutro enredo faço a sorte,
E aprofundo em mim tal corte...
30742
Tantas cinzas do passado
Poluindo um céu imenso,
E se tanto me convenço
Do viver sempre ao teu lado,
O meu canto é malfadado,
Meu caminho é sempre tenso,
Na verdade a luta eu venço
E percebo tanto enfado,
Ao verter em dura senda,
O que a sorte já desvenda
E se atenda em nova foz,
Não te tenho como amiga,
Mas também tanto prossiga
Sendo assim amante e algoz...
30743
Eu deixo-te com tua própria vida
E sei do teu labor, tanta labuta
A sorte na verdade sendo bruta
Impede que se veja uma saída,
E enquanto o labirinto se decida
Quem tenta nova senda não reluta
Até quando se mostra mais astuta
Seara se transforma em tanta luta,
Razões para batalhas, todo dia,
Injustas mãos sevícias costumeiras,
E quando socialistas as bandeiras,
Uma esperança sempre já nos guia
Quem tem nas mãos perfumes de roseiras
Espinhos enfrentando em galhardia...
30744
Ainda que se possa um povo inculto
Traçar primitivismo enquanto tento
Com classicismo insano solto ao vento,
De vez em quando vejo mero vulto,
Um morto que deveras insepulto
Não tem sequer merece algum alento,
E quando me proponho em sofrimento,
Tentando vez por outra ser adulto,
Negando a realidade, não concebo
Além desta aguardente que ora bebo,
Caminho sendo assim decerto tétrico,
Não uso qualquer ritmo demarcado,
O verso deve ser, pois liberado,
Jazendo há muito tempo o que era métrico...
30745
Apenas sou mais um na multidão,
Às vezes encontrando no meu prédio,
O ascensorista em leve e breve assédio,
Porteiro, zelador, a condução...
Trabalho, almoço e janta e a sensação,
Da vida em tão terrível duro tédio,
Não tendo para tal qualquer remédio,
Gravata, paletó, televisão...
O sábado, o domingo, uma semana
Um mês, um ano a vida é sempre assim,
Cotidianamente não tem fim,
Até que surja a morte soberana,
Anônimo na vida, igual na morte
Entregue plenamente à própria sorte...
30746
Mais uma noite em branco e a vida passa
Aonde se pudesse ver a luz
Apenas um momento em contraluz
Tomado pela bruma e por fumaça,
O quanto do vazio a vida traça
E mesmo quando em tese reproduz
Aquilo que não fui, mas me propus,
A história se repete em sorte escassa.
Negar a fantasia? Não consigo
Não tendo mais aporte e nem abrigo,
Seguindo no revés da correnteza,
Ainda se possível quero ter
Ao fim da minha lida algum prazer,
Mas como se vazia a minha mesa?
30747
No cabaré vazio o fim da festa,
Apenas uma taça, amargo vinho,
Mais uma noite vã, sigo sozinho,
Pra casa retornar, eis o que resta,
Uma espera adentra a fina fresta
E quando me percebo sem caminho,
Ainda no passado se me aninho,
A imagem permanece, e sei funesta.
No cabaré vazio, a noite fora
Decerto em bons momentos, tentadora.
Agora a luz sombria, a despedida,
Assim no cabaré vejo o resumo,
Do quanto em alegria, mas sem rumo,
Vivera com certeza, a minha vida...
30748
Não tendo quem me explique ou mesmo diga
Do quanto a vida nada valeria
Não fosse o reviver da poesia,
Que ainda em meus ouvidos é cantiga,
E quando esta vontade desobriga
E trama em solidão, a noite fria,
Amar se resumindo alegoria,
Saudade corroendo me persiga...
Jogado contra as feras num processo
De imensa desvalia e retrocesso,
Omisso vez em quando, ainda tento
Vencer com mansidão tal tempestade,
Mas quando se percebe o que degrade,
Levado pela força deste vento...
30749
A greve que fizeste determina
O fim da relação, ao menos quando
A noite devagar vai esfriando
E nada da presença feminina,
Aonde este prazer doma e fascina,
Vazio se completa e me tomando
O tédio incontrolável e nefando,
Vontade na verdade determina,
Porém a noite passa e tão sozinha,
Apenas solidão, deveras minha
Lembrança de teu corpo, cunilíngua...
O quanto deste encanto fora bom,
Agora desafina e sem um tom,
Concerto solitário? Morro à míngua!
30750
Nem mesmo uma aguardente ainda aquece
A noite solitária, e dentro em mim,
Apesar de lotado o botequim
Vazia sensação temores tece,
Pudesse ter talvez alguma messe
E tendo quem me ouvisse, ou coisa assim,
A vida não seria tão ruim,
Mas nada no horizonte me apetece.
Risonha, a garçonete até me agrada,
São duas, ou três horas, madrugada,
E nada do que fui ainda existe,
A lua incendiando, a rua cheia
O sonho ainda teima e até anseia,
Mas a alma continua amarga e triste...
30751
Vem deste amor acabado
Tanto sonho que perdi,
Procurando e não te vi,
Faço parte do passado?
Coração desesperado
Vai buscando sempre em ti
Tua voz já nem ouvi,
Deste amor, sequer recado...
Viveria novamente
Se eu pudesse, é tão urgente
Refazer nosso caminho,
Mas que faço se não vejo,
Nem a sombra do desejo,
Lamentando em dor meu pinho...
30752
Quando o sonho se termina
A saudade dita a norma
Toda a vida se deforma,
Vejo seca a antiga mina,
Onde a lua me fascina,
Hoje a dor tomando a forma
A lembrança sempre informa,
Mas persiste em mim, ladina,
Onde posso te encontrar
Se deveras o luar
Já se esconde sobre a bruma,
A minha alma se perdendo
Onde outrora um estupendo,
Hoje tudo em vão se esfuma...
30753
Só me resta a solidão
Do que tanto imaginara
Noite imensa, lua clara
Maravilhas de um verão,
Outros dias não verão
Esta imagem sendo rara,
A saudade desampara,
Deturpando a direção,
Quando ouvindo este marulho,
Relembrando com orgulho
Da sereia que foi minha,
Mas agora nada resta,
Onde outrora houvera festa
Noite segue só, daninha...
30754
A lembrança de um amor
Que deveras foi demais,
Hoje em dias tão banais,
Sofrimento toma a cor,
A saudade em vão louvor
Em momentos mais venais
Onde quis tão magistrais,
Nada tenho a meu favor,
E deveras continua
Noite fria e sem a lua,
A calçada mais vazia.
Tudo o quanto ainda tenho,
Nada vale, sem empenho,
Morta vejo a poesia...
30755
No sertão de minha terra
Nas agruras de um momento
Onde em puro desalento,
A saudade lá se encerra,
Toda a solidão descerra
E tomando o sentimento,
O que tanto busco e tento,
A verdade agora ao longe enterra,
Cismo à toa, noite insana,
Qualquer sombra já me engana
Nela eu vejo quem se fora,
A minha alma está vazia,
Quanto mais a noite esfria
A lembrança, tentadora...
30756
Por essa noite perdida
Em completa nostalgia
Todo o sonho e fantasia
Dominando a minha vida,
Mas a sorte em despedida,
O passado se recria
E decerto o que me guia,
Já não vê sequer saída,
Não consigo imaginar
Outro tempo mais feliz,
Se o meu mundo contradiz
Sigo ausente, céu e mar,
Solitária navegante
Naufragando a cada instante....
30757
Nunca mais eu encontrei
Quem por certo fora sonho,
O futuro é tão medonho,
Solidão ditando a lei
E o que tanto procurei,
Um momento em que proponho
Caminhar claro e risonho,
Mas no fim nada terei,
Condenado ao mesmo nada,
Sem o sol, sem alvorada,
Tantas névoas, nada além,
E de um sonho mais feliz,
Se este mundo nada quis,
Com certeza nada vem...
30758
O que perdi pela vida
Nem a vida mesmo sabe,
Antes que decerto acabe
Minha sorte em despedida,
A saudade dolorida,
Todo o sonho já desabe,
No momento o que me cabe
É cuidar desta ferida
Feito chaga no meu peito,
Divagando sobre o fim,
Meu caminho chega enfim
Ao diverso, e duro leito,
Como então saber da foz,
Se não resta nada em nós?
30759
Nesta busca sem sentido
Caminhando em contraponto,
Sem destino, sempre tonto,
O meu sonho dividido
Entre agora e o já vivido,
Novo tempo ainda apronto,
Mas não fora além de conto,
O que tanto fora ouvido,
A saudade carpideira
Derradeira companheira,
Não me deixa aqui sozinho,
Sem deveras ter a sorte,
O viver sem rumo e norte,
Do vazio me avizinho...
30760
Passando ruas estreitas
Procurando a direção
As esquinas mostrarão,
Neste todo em que me espreitas
As vontades sendo aceitas,
Não pudesse a negação
Ditar norma e solução,
Se sozinha agora deitas.
Resistindo ao meu cantar,
Serenatas ao luar,
Nada valem, sigo só,
Deste encanto que tentava,
A minha alma tola escrava,
Dos meus sonhos nem o pó...
30761
“Sonhei um sonho sonhado”
Tantas vezes prometido,
Ansiedades da libido,
Medo,anseio, degradado
Mundo torpe, escuso, errado,
Cada engodo cometido,
Outro sonho ressurgido
Deste sonho desnudado,
Se decerto o sonho dita
A verdade, nossa dita
Se é benquista ou se medonha,
No que tanto sonho agora,
Outro sonho sem demora,
Quando a vida já não sonha...
30762
Encruzilhadas sem rumo
Vida afora encontro e vejo
Quão perverso este desejo
E se tanto engano assumo,
Na verdade tento o prumo,
Quando o sonho é mais sobejo,
Se o meu céu em azulejo
Quando em mágoas eu me esfumo.
Tento a sorte noutro tanto
E se pude em desencanto
Permitir a nova aragem,
Não negando alguma sorte,
Cada não decerto corte
Degradando esta paisagem...
30763
Quando a vida perde o prumo
Nada resta do que fomos,
Na verdade meros gomos,
Quando sem saber do rumo
Tanto quanto me acostumo,
Se deveras inda somos,
Desta estante (vida) tomos,
Sendo igual o mesmo sumo.
Pude em sanhas perceber
O diverso parecer
Do que um dia sou ou fui,
E se tento nova história
O que trago na memória
Com certeza sempre influi...
30764
Mal percebo e logo acordo
Pesadelos noite afora,
A lembrança quando aflora
Devaneio trago à bordo
E o vazio enfim abordo
Tanto posso sem demora
Procurar, mas muito embora
Do que fui já não recordo,
Sendo assim tão frágil vida,
O que às vezes nos agrida
Noutro dia o tempo esquece,
Resistir às tempestades,
Peneirar nossas saudades,
Só maturidade tece...
30765
Ao voltar às mesmas salas
Onde quis e não sabia
Quantas vezes a alegria
Pensas logo e quando falas,
Esperanças avassalas
E deveras já nos guia
O terror em agonia,
Morte em facas, tantas balas,
A famélica ilusão,
Ausência de direção,
Navegando sem meu leme,
Porém, peço, nunca tente
Nem grilhão sequer corrente,
Sentimento não se algeme...
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