João Polino em Santa Marta
Como um ícone seria
Sobre as mesas cada carta
Noutro tom se mostraria,
Da verdade não se aparta
Quem promete e já vigia,
Mesmo quando a sorte parta,
Não será jamais sombria,
Prometendo na verdade
Ir ao Rio de Janeiro
E matar curiosidade
Deste povaréu inteiro,
Que com tal ansiedade
Esperava o mais ligeiro.
2
Na década de quarenta
Sem ter trem sequer estrada
Tem coragem quem enfrenta
Uma história alucinada,
E decerto estando atenta
Sobretudo a mulherada,
Um herói decerto ostenta
Força nunca imaginada,
Pois então a sua irmã
A caçula dentre vinte,
Sem pensar no duro afã
Onde quer que se a sorte pinte,
Sendo a vida tão malsã,
Simples não se torna acinte.
3
Quando lera no almanaque
Que seu pai sempre comprava,
A notícia gerou baque
Explodindo como lava,
Já pensava ser de araque
E decerto não contava,
Mas Polino sendo um craque
Toda estrada desbravava.
Pois não é que lá dizia
Deste mar azul imenso,
Água quente morna ou fria,
E, porém, salgada, eu penso
Sendo assim só pediria
Comprovar e me convenço.
4
João Polino e seu cavalo,
Um enorme garanhão
Aproveitando este embalo
Segue em rumo e direção,
Ao distante Rio. Calo,
Sem dinheiro e previsão,
Cabra macho. E nada eu falo,
Sigo ouvindo esta versão.
Pois decerto um viajante
Na verdade noutro pólo
Quando muito se garante
Neste mundo que ora assolo,
Apresenta num instante
Como fosse um Marco Polo.
5
Mas de Polo e de Polino
Diferença não se vê
Igualzinho no destino,
Cada história em seu por que,
Sendo assim eu me fascino
E decerto o quanto crê
Sem temor, quase menino,
Numa casa de sapê,
Enfrentando com coragem
A aventura agora incerta,
Tão imensa esta viagem
A porteira estando aberta,
Vendo ao longe a paisagem,
Sua terra ele deserta.
6
Tantos dias numa estrada
Sem sequer ter um tostão,
Noite fria e congelada
Tão vazia a provisão,
A coragem reforçada
Traz em fogo o coração,
Não temendo quase nada,
Nem sequer assombração,
Noite e dia num anseio,
De cumprir sua promessa
Sem ter nem em devaneio
O que tanto sempre apressa
Juventude encontra um meio
E a passada recomeça.
7
Santa Bárbara ficou
Já pra trás, agora resta
Mais um pouco e logo estou
Invadindo outra floresta
Desta forma ele pensou,
A verdade então se atesta
No que tanto mergulhou
Coração vibrando em festa.
Nas entradas do Araçá
Um aviso, mas decerto
O que tanto se fará
Juvenil o peito aberto
Nem sequer reparará
Mesmo o longe fica perto.
8
Mais dois dias e em Celina
Descansando o seu corcel,
Vendo a lua que alucina
Dominando inteiro o céu
A vontade ora domina
E comanda este cordel,
Tanto tempo em cristalina
Maravilha; solto ao léu,
E dormindo no relento,
Pois dinheiro não havia,
Só coragem, juramento
Tanta força em fantasia,
E entregando ao próprio vento
O destino que teria.
9
Quis a sorte traiçoeira
Que uma gripe então viesse
Frio imenso e na poeira
Não resolve só com prece.
Procurando a benzedeira
Que decerto se padece
Dando a mão mais verdadeira
Como fosse uma benesse.
Até que curado estando
Recomeça esta aventura
Num caminho jamais brando,
Todo passo, uma tortura,
Neste céu relampejando,
Mas mantendo firme a jura.
10
Seu cavalo, tão cansado
Sei que um tanto envelhecido,
Ao se ver estropiado,
Já caindo e sem sentido,
Tudo fica desolado,
Tanto chão a ser cumprido,
Mas a vida em seu recado
Traz resposta e não duvido.
O rocim sem força alguma
Desabando em pleno chão,
Na incerteza que se assuma
Não resolve uma oração
E decerto a vida arruma,
Nova senda e solução.
11
Para o Rio, com certeza
Talvez mesmo já não dê
Vencer toda esta aspereza
E no fim sei lá pra que?
Quem de uma onça fora presa
Nada teme e mesmo vê
No problema a sutileza
Que permita o quanto crê.
Prosseguindo mesmo a pé
Desce a serra tão bravia,
Com perícia e tanta fé
Nada mais sossegaria
Deus protege e por que é
Não existe uma agonia.
12
Para Alegre mais dois dias,
De viagem depois disto,
Noutro rumo poderias
Ver o quanto não desisto,
Mesmo em noites tristes frias,
Coração sendo benquisto
Superando as mais sombrias
Emoções; teimo e persisto.
Nada no mundo destrói
Que com Deus já se aliara
Nem tampouco corta e dói
Quem desbrava uma seara.
Assim fala nosso herói,
Numa força imensa e rara.
13
Ao chegar na Charqueada
Percebendo muito bem,
Que valera tanta estrada,
Mesmo quando segue aquém
Da paragem tão sonhada,
Mas decerto o que convém,
Trabalhar e com a enxada
Vintém junto com vintém
Até que possa voltar
Para a amada Santa Marta
Depois de tanto lutar,
Mesmo quando a vida é farta,
O que resta então? Sonhar.
Juventude não descarta.
14
Na colheita do café
Um momento salvador,
Com trabalho e muita fé
Vai mostrando o seu valor,
Labutando sempre até
Conseguir tudo repor,
Um cavalo, e não a pé,
Retornar em destemor,
Ao que tanto além deixara
Sua terra tão querida,
Sendo sua esta seara
Numa estrada desmedida,
Outra sorte se prepara,
Renovando então a vida.
15
Mas lembrando da promessa
De levar água do mar,
A vontade se confessa
E não deixa de falar,
Onde tudo se professa
Nada mais irá calar,
E pensando assim depressa:
“Isso é fácil de arrumar”.
Na quitanda compro o sal,
Água serve a do cantil
E decerto sem igual
Seu caminho repetiu.
Falta o azul, mas tá legal,
Basta um cubinho de anil...
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