quarta-feira, 10 de julho de 2013

AMA SECA

AMA SECA

Nunca gostei de cães, nunca. Sempre tive certa ojeriza a esses animais barulhentos, com suas manias absurdas, como arranhar a casa toda, sujar todos os ambientes, essas coisas...
Todos os cachorrinhos do mundo, em contrapartida, eram adotados por minha irmã, Andréa Cristina.
Deveria se chamar Francisca, tal a mania de trazer filhotes de animais para casa.
Lembro-me de pelo menos uns dez cães e outros tantos gatos. À noite, durante um belo par de noites, ninguém conseguia dormir direito com a sinfonia dos filhotes .
Andréa era cuidadosa e isso fazia com que a maioria sobrevivesse aos primeiros dias, crescendo amamentados pelas mãos carinhosas e meigas de Andréa.
Mãos cristinas, verdadeiramente cristinas.
Porém, depois de alguns dias, quando já estavam aptos à sobrevivência, misteriosamente desapareciam.
As “fugas” noturnas só nos foram esclarecidas depois de muito tempo, quando meu pai confessou ser o misterioso alforriador dos bichinhos.
Mas um dia, em Mirai, quando estávamos visitando nossa amada avó, fato que se repetia nas férias escolares ou nos feriados prolongados, Andréa abusou.
Àquela época, lá pelo final dos anos sessenta, ainda não havia essa conscientização com relação aos animais silvestres, portanto o estilingue ou atiradeira, era um dos brinquedos mais usados pelas crianças, além da espingarda de chumbinho.
Os ovos e pintinhos da casa da minha avó estavam desaparecendo, deixando marcas indeléveis da presença de algum “nefasto” visitante noturno.
O diagnóstico foi firmado e confirmado – Gambá.
Para quem não sabe, esse bichinho, além do hábito de comer ovo e pequenos pintinhos e frangos, tem a incontrolável obsessão por cachaça.
Gosta e gosta muito, bebe até cair e, depois disso, ali fica, rindo e satisfeito.
Feito isso, é só dar uma paulada na cabeça e a ninhada agradece.
Um belo dia, após terem sido executadas, com êxito absoluto, as táticas de guerra, meu tio anunciou a morte do fedorento animal.
Passados alguns instantes, eis que surge a minha irmã com uns cinco ou seis pequenos animais rosados nas mãos.
Não era gambá, era gamboa. E estava com uma ninhada dentro da bolsa.
O marsupial deixa o filhote na bolsa até completar o crescimento desses.
E, por sorte dos filhotinhos, isso estava para acontecer a qualquer momento quando houve a execução.
Pois bem, a franciscana Andréa, para assombro de todos e repugnância de alguns, menos do meu pai, resolveu adotar os bichinhos.
Esses cresceram e, desta vez, sem ajuda do abolicionista Marcos Coutinho Loures, deram vazão a seus instintos selvagem e fugiram, deixando minha irmã extremamente tristonha.
Ama-seca de gambá, primeira e última de que tenho notícia.


MARCOS LOURES

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