quarta-feira, 26 de junho de 2013

GILBERTO, O CAÇADOR...

Gilberto, o Caçador... 



Gilberto tinha arranjado uma namorada. Uma moça muito recatada, daquelas que o povo da roça diz “que é pra casar”. Menina prendada, filha de um vizinho do Seu João Polino, um homem sério, de poucas palavras, fiel a Deus, um homem honrado.
A moça, apesar de baixinha, era muito apetitosa, dona de um par de coxas roliças e curtas, com um jeitinho de cabocla solta dentro de um vestidinho deliciosamente curto.
As brincadeiras dos namorados, simples e ingênuas, levantavam, de vez em quando o vestidinho da moça, o que deixava Beto totalmente excitado, mas os conselhos de dona Rita batiam fundo, e Beto evitava provocar mais a menina, sob a pena de ser admoestado tanto pelos pais dele quanto pelo sisudo pai da menina.
Aquele domingo estava maravilhoso, um sol claro prenunciava uma noite clara de lua cheia, muito bom para a caça; esporte proibido, ainda mais naquela região próxima ao Parque do Caparaó.
Mas o que é proibido para um jovem inquieto como Gilbeto?
Nada, absolutamente nada e, temerário, combinou com um amigo ir caçar naquela noite.
O problema era a menina, acostumada ao namoro na sala de casa todos os dias, depois da missa.
Conversa vai, conversa vem, Gilberto inventou uma viagem até Ibitirama, naquela noite para justificar a sua ausência.
Depois das lágrimas mal disfarçadas da menina e das desculpas esfarrapadas, Gilberto planejou se encontrar com o amigo lá pelas sete horas da noite e se embrenhar na mata próxima aonde morava, em busca das pacas e tatus que aparecessem...
Naquela noite, lá pelas seis da tarde, Gilberto passou na casa da moça e procurando por ela, obteve a resposta de que ela, já que Beto não passaria por ali naquela noite, tinha ido visitar uma tia que morava lá pelos lados de Iúna, distante então da mata onde iria acontecer a caça.
Caçar é, com perdão dos ecologistas, um dos mais deliciosos esportes; já que faz parte do instinto básico de sobrevivência do ser humano.
A liberação de adrenalina é total, com uma sensação de prazer equiparado com a pescaria, com a conquista de um amor, como a conquista, enfim.
Gilberto, puro e instintivo, obtinha com a caça uma sensação quase orgásmica!
Noite alta, lua cheia, uma espingarda meia boca, os nossos dois heróis, a ponto de realizarem uma das maiores caçadas das suas vidas!
Já tinham matado duas pacas e um tatu, caçada inesquecível.
Mas, de repente, um barulho atrás de uma moita chamou a atenção, pelo tamanho do bicho não era coisa pouca não.
O amigo de Gilberto, Manezinho Chicote, pensou logo em tamanduá bandeira; Beto, mais audacioso, imaginou um veado campeiro.
Veado campeiro é raridade absoluta naquelas bandas, mas se contam histórias da captura de um ou dois exemplares daquele animal, provavelmente, fugidos de algum criador clandestino.
Quietos, sem fazer barulho algum, se aproximaram da moita e mandaram bala.
Se ouviu, neste instante, um grito, muito mais humano do que qualquer coisa.
E, junto com o grito, avistaram uma bunda branca, saindo correndo ensangüentada...
Logo em seguida, uma forma feminina se levantou, e Gilberto reconheceu, sob a luz da lua, aqueles cabelos lisos e aquele rosto por quem tinha se apaixonado!
Xingando a moça, Gilberto partiu atrás dela mas, propositadamente, Manezinho, sabendo da fama de violento de seu amigo, deu-lhe uma providencial rasteira.
Que esfriasse a cabeça e não fizesse besteira.
No dia seguinte, já mais calmo e desiludido, Gilberto saiu de casa para comprar um maço de cigarros na vendinha do povoado e chegou a tempo de ouvir uma conversa esclarecedora.
Doutor Marcos Valério que tinha atendido mais cedo no posto, comentava o fato com o enfermeiro que atendia à população santamartense da necessidade de se encaminhar Pedro Malta, um campeiro que trabalhava para o seu Joaquim, vereador adorado do distrito, para Guaçui.
O motivo: um tiro de espingarda que tinha atingido a bunda do pobre rapaz e parecia ter se alojado perto do quadril do moço.
Gilberto tinha quase acertado na vítima. Campeiro sim, veado não. O chifre ficara por conta dele, Beto.


MARCOS LOURES

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