quinta-feira, 27 de junho de 2013

JOÃO POLINO E A CAIXA DE CEDRO

João Polino e a Caixa de Cedro 


Aquela caixinha de madeira era uma das coisas mais importantes que João Polino tinha.
Uma das mais não, a mais importante. Guardada a sete chaves não mostrava para ninguém a não ser para a sua amada Rita, mesmo assim depois de que essa jurou por todos os santos que não iria nunca revelar a existência de tal tesouro.
Não era muito bonita nem apresentava detalhes e nem entalhes, era uma pequena caixa feita de cedro, de forma quadrada com mais ou menos um palmo de altura.
Dentro dela nada havia sendo, por assim dizer, uma caixa rústica e comum; mas raríssima, ao mesmo tempo.
Não pela qualidade ou pela beleza da caixa, nem pela caixa ao menos, o que transformava tal objeto em peça única será explicado a seguir:
Nos idos de 1940, João Polino se tornara caixeiro viajante como pudemos relatar anteriormente.
Nas suas andanças pelo interior de Minas e do Espírito Santo, conhecera um turco, conhecido como Salim, embora seu nome provavelmente fosse outro, que vendia roupas e tecidos para as mocinhas curiosas e elegantes desse interior afora.
Um dia, por uma dessas desventuras que atingem-nos de vez em quando, a vida se tornara extremamente difícil para Salim. Envolvido em dívidas impagáveis, precisava urgentemente de dinheiro. E isso não era fácil, pois estamos falando de uma região decente, mas pobre, muito pobre...
Ao saber que João estava economizando dinheiro para comprar uma casinha onde iria compartilhar o amor de sua vida; Salim resolveu chorar suas mágoas com o velho amigo e pedir algum dinheiro emprestado.
João, como tinha um coração extremamente suscetível e gostava, realmente, do amigo turco, não pestanejou e emprestou cinco contos de réis a Salim.
Essa quantia era extremamente vultosa para os parâmetros da época e do lugar. Uma verdadeira fortuna!
Passados quase dois anos do empréstimo, nada de Salim falar em pagamento e, pelas vestimentas usadas por ele e, principalmente depois da compra de um carrinho, usado é verdade, pelo caixeiro, João começou a ter vontade de cobrar a dívida.
Quando falou em pagamento, Salim desconversou e alegando novas dívidas se disse impossibilitado de pagar o que devia.
João, ao perceber que tinha sido passado para trás, esperneou e falou mais alto, prometendo que iria receber o dinheiro a qualquer preço.
Sabendo da fama de brigão e bom de sela do companheiro, Salim fez uma proposta:
Já que não tinha dinheiro iria pagar com a coisa mais importante que possuía na vida, herança de seus antepassados libaneses: uma caixa.
Mas não era uma caixa qualquer, era uma caixinha de cedro feita pelo maior carpinteiro de todos os tempos.
Ele, Ele mesmo, Jesus Cristo!
Ao saber disso, sem pensar duas vezes, nosso herói aceitou tal objeto sagrado e único como forma de pagamento do empréstimo.
E, todas as noites, rezava defronte àquela relíquia com toda a fé e devoção.
Passou-se o tempo, recomeçou a ajuntar dinheiro, casou-se, mobiliou a casa e teve os filhos, um após o outro até completar seis com o nascimento da caçulinha Ritinha e a adoção do sétimo, nosso amigo Gilberto, a imagem espelhar de João Polino.
Gilberto era muito curioso e não respeitava nada dentro da casa, ainda mais que, por ser mais novo que os netos mais velhos de João e Rita, tinha os privilégios que somente os netos têm.
Um dia, sem mais nem menos, Gilberto pegou a caixa, semi apodrecida pelo tempo e corre pela sala mostrando a todos a sua nova descoberta.
A caixa de madeira, orgulho de João Polino. Ao ver o menino com aquele objeto na mão, dona Rita gritou para que ele a desse antes que João chegasse pois, senão a coisa ia pegar.
Gilberto, assustado com o grito inesperado de dona Rita deixou a caixa cair. O estrago foi imediato, com uma enorme fratura na madeira, deixando uma rachadura de ponta a ponta no objeto sagrado.
Dona Rita entrou em desespero, o que iria dizer para o marido, como impedir que esse desse uma sova em Gilberto, o que iria fazer?
Até que, num momento de serenidade, Loza, sua cunhada, teve uma brilhante idéia.
Levar a caixa até um carpinteiro conhecido em Iúna, cidade próxima, que daria jeito em dois tempos.
Combinaram que levariam a caixa para ser consertada no dia seguinte.
Chegando à carpintaria do “Seu” Juca, tiveram uma decepção gigantesca quando esse disse que não adiantaria tentar consertar o que não tinha mais conserto, devido ao fato de que a madeira estava totalmente apodrecida e não agüentaria nem uma meia sola.
Dona Rita, então, num gesto desesperado, contou a história da aquisição do objeto por João sem omitir sequer os detalhes da origem e raridade do mesmo.
Ao que, Juca não pestanejou e respondeu rápido:
“Dona Rita, o carpinteiro que fez essa caixa pode ser até Jésus mas, jamais Jesus”.
“Repare aqui no canto inferior da caixa”.
Ao que, entre decepcionada e aliviada dona Rita leu : “Fabricado em Ubá MG”.


MARCOS LOURES

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