quarta-feira, 5 de maio de 2010

31891 até 31940

31891

No parto que enfrentei, resta placenta,
Assim como nos sonhos nada existe
E a vida se apontando sempre em riste
Invés de calmaria diz tormenta,
Pudesse ter a sorte em que se alenta
O passo mesmo quando este persiste
Vencendo o coração embora triste
Mudando a direção enquanto venta.
Resisto por pensar em algum porto
Embora o sentimento quase morto
Transcende ao que seria mais tranqüilo
E assim entre o não ser e não poder,
Aos poucos passo mesmo a recolher
As sobras deste sonho em que desfilo.


31892

Nas cartas que não fiz, parca e megera
Verdade expondo a face mais cruel
E quando o mundo fosse um carrossel
Valendo sempre assim qualquer espera,
Mas logo o meu caminho destempera
E gera após o nada novo céu
Bebendo cada gole do teu fel,
O corte propagado dita a fera.
Resumo do que um tempo fora mais
E agora entre tormentas, farsas tantas
E nelas tu também já desencantas
Rasgando dos meus sonhos os jornais,
E acordo sem notícias, sem memória,
Quem sabe ali resuma a minha glória.


31893

Nos altos dos meus sonhos, ledos cúmulos
Tomando este horizonte, sol ausente,
E assim a própria vida me pressente
Ao fim de toda história simples túmulos,
E quando mais os medos se acumulam
As sortes não traçadas pelo sonho
Moldando bem diverso o que proponho
Nem mesmo as esperanças mais adulam
E o vândalo terror tomando os olhos
De quem ao semear pudesse crer
Num dia bem melhor e florescer
Além dos mais comuns e vis abrolhos,
Daninhos passos rumo ao nada, eu vejo
E assim dilapidando algum desejo...

31894

Homúnculos vestidos de quimera
Arfantes tempestades, vagos sonhos
E tantos dias mortos e bisonhos,
Aonde poderia a primavera
E quando a própria sorte degenera
Moldando os descaminhos que medonhos
Explodem em terrores e tristonhos
Adentram corações, imensa fera,
Residem nos meus dias outros tantos
Arcando com engodos, desencantos
Espanto-me se eu vejo outro cenário,
E tento navegar em mar imenso
E a cada novo dia me convenço
Do quanto o mar se fez mais temerário.


31895


Nas catedrais silentes de minha alma
Reféns dos sonhos trago as ilusões
E quando nelas dias vãos expões
Nem mesmo a solidão ainda acalma
E o pendular caminho dita a palma
E tento convencer com emoções
Diversas das que tanto nos verões
Gerassem muito além de simples trauma.
Riscando deste mapa cada farsa,
E a noite se mostrando mais esparsa
As graças e delírios de um passado
Jogado nos vazios da lembrança
E quando a própria morte enfim me alcança,
Momento a ser em paz comemorado.

31896

Não pude nem conheço nascer sol
Nem mesmo uma alvorada se desnuda
Aonde a vida eu vejo então miúda
As nuvens recobrindo em gris lençol
O mundo que pensara ser de escol
Aos poucos alma quieta morta e muda
Não tendo da esperança alguma ajuda
Isola-se qual fora algum atol.
E tudo se repete; é sempre igual,
A porta que pensara agora aberta
Aos poucos qualquer rumo se deserta
E o medo se tornando triunfal,
Trituro cada sonho neste não,
E preso não encontro um novo chão.


31897

Persigo meus defeitos de onde venho,
E sinto se esvaindo uma esperança
E quando no vazio a voz alcança
Deixando como morto algum empenho,
Mergulho no que tanto inda contenho
E o resto de uma sombra em aliança
Amortalhando a vida já me lança
Penhascos mais diversos e me lenho.
Legado ainda vivo em cada ausência
Não peço, por culpado ser, clemência
Apenas vou cumprindo esta sentença
A morte será sempre abençoada,
E dela cada frase desvendada
Da sua utilidade me convença.


31898

Vasculho em minha cama, nem lençol,
Aonde em sedas tive as ilusões
No fundo ao enfrentar tantos tufões
Ausente dos meus olhos qualquer sol,
E ainda que lutasse agora em prol,
Diversas as fatais conotações
E nelas estas vis anotações
Marcando com terror átomo e mol.
Melhor seria ter ainda em mim
O que pensara ser qualquer jardim
E agora em aridez vejo o deserto,
O peito sonhador exposto à flecha
Dos sonhos e delírios sequer mecha
Caminho para além jamais aberto.

31899


Vasculho nos meus bolsos, nada tenho
Nem mesmo a chave aonde algum segredo
Que tanto quanto posso não concedo
E deixa para trás qualquer empenho,
Fechando da esperança logo o cenho,
Nos ermos do meu mundo eu enveredo
E sei que qualquer tempo ainda é cedo
E vivo muito além do que eu convenho,
Velhusco camarada da sombria
Noturna e terrível melodia
Não posso mais sonhar, ah quem me dera,
Agora com os olhos no futuro
E vendo este horizonte turvo e escuro
Apenas a mortalha inda se espera...

31900

A noite no meu norte se desaba
E nada de amanhã, nova viagem
A vida não se fez qualquer miragem
E tudo o que eu sonhara agora acaba.
Palácio da ilusão é mera taba,
Porquanto não segura esta barragem,
A cada novo dia outra abordagem,
Dos tempos mais felizes, não se gaba
Quem tenta ver cenário mais audaz
E sabe do que ainda não se faz
Distando dos meus olhos a alegria.
Mergulho neste vão e vivo aquém
Do quanto em poesia já contém
Quem tanto com ternura e em luz se guia...

31901

Quem sabe sorriria para a morte,
Aliviando a dor de quem padece
E nada do que tanta dita a messe
E a vida com terror sempre mais corte,
Não posso contornar qualquer aporte
E vejo que o passado ainda tece
A fúria onde jamais nada amortece
Somente esta ilusão inda comporte
O vento na janela, meu momento
Aonde por descuido me apascento
E volta e meia sonho, sendo assim,
O quanto inda demore é sofrimento
E se deveras sonho ou mesmo tento
A glória redimindo no meu fim...


31902

A dívida que tenho nunca acaba
E sei que é interminável esta senda
Aonde nem o sonho mais se atenda
E toda a fantasia não se gaba
Do vento que devora e ainda trava
O passo de quem tenta ser feliz,
Pudesse caminhar, mas por um triz,
A sorte noutro não se alinhavava,
E o vandalismo escorre em cada olhar
Nos dedos entre sangue, morte e riso,
Assim o meu caminho se impreciso
Não tendo onde deveras aportar
Esboça a realidade de quem teima
Enquanto o dia a dia, toma e queima...


31903


Cáspite! Merecia melhor sorte
Quem tanto procurara um ar suave,
Mas quando a realidade sempre agrave
O passo condenando logo à morte,
O corte se traduz em novo norte,
E a cada caminhar imensa trave,
Porquanto o coração ditando a nave,
Não tendo nem aonde quer e aporte,
Ferrenhas ilusões, nefastos dias,
E assim entre temores e heresias
Não resta-me senão saber do fim,
O peso do viver já não comporto.
Nem mesmo outro cenário enfim suporto,
Refém do desespero, morro assim...

31904


O fogo vem subindo em minhas vestes
E nada que inda possa em paz fazer
O quanto desairoso algum querer
E nele com terror ainda investes
E quando desta dor inda revestes
O mundo perfilado em desprazer,
O todo noutro pouco pude ver
Solares emoções tempos agrestes.
Alvissareiro canto não escuto
E o tempo se mostrando em pleno luto,
Reluto e até refugo, mas não creio
Possível qualquer sonho se o que resta
Transcende à própria vida que é funesta
Gerando invés de paz outro receio.


31905

Os prêmios que perdi, paguei dobrado
E os juros sobre juros, tanta vez
Mostrando quanto a vida já desfez
Do que pensara ser novo chamado,
E tendo o desespero por legado
No olhar que ainda trago, estupidez
Aonde poderia em cupidez,
Mas rispidez em solo mal cuidado,
Esgarçam-se esperanças quando tento
Buscar ao fim da tarde algum alento
E o vento dissipando o que pudesse
Traçar nova alegria, mesmo quando
O sonho vira aos poucos desmanchando
Enquanto esta mortalha a morte tece...

31906

Rasgado pelas garras desta peste
O quanto desta fera existe em mim
E tanto poderia ser assim
Se o mundo noutro tanto ainda investe
O corte se profana enquanto deste
Imenso turbilhão chegando ao fim
E o vendaval acende este estopim
E nele todo o medo se reveste,
Anseio por momento feito em paz
E quanto mais a fome é tão mordaz
Escancarando o peito aos mais doridos
Caminhos entre tantos escolhidos
Resisto e não encontro ainda mais
O que pudesse ser quem sabe o cais.


31907

Mereço ter meu mundo estropiado,
E sei das garras, presas, duras, fartas
E quando deste encanto me descartas
O mundo sem sentir rodopiado
E tanto poderia de bom grado
Sanar as ilusões expondo as cartas,
Porém quando ao vazio ainda partas
Não deixas nem a sombra por legado;
Riscando cada verso nada mais
Do todo que pudesse ser uma obra
Aos poucos toda ausência vem e cobra
Descubro entre os sorrisos e cristais
Peçonhas do vazio aonde um dia
Gerara com ternura a poesia...

31908

O lobo me devora na floresta
Atocaiada fera não tem pena
E quando a minha vida quis serena
Apenas o vazio ainda resta,
A fenda aberta expande e em grande fresta
Mortalha sem defesas ora acena
A lua se deitando imensa e plena,
Nem mesmo a fantasia ainda empresta
A luz que se irradia nada vale
E quando tanto medo me avassale
Esboço algum sorriso, engano ledo,
Pereço enquanto busco solução
O preço de sonhar é negação
E pago quando em dor tenaz procedo.


31909

A vista que me deixa, fica turva
E quase não percebe esta seara
Aonde a poesia desampara
E a sorte se perdendo a cada curva,
E nada do que tanto poderia
Traçar outro caminho em meio ao nada,
Gerando com terror a velha estrada
Na cena que pressinto agora fria,
Verás apenas isto e nada além,
O mundo com terror já não convém
A quem se pensaria mais feliz,
Pressinto assim o fim do velho jogo
O amor não caberia qualquer rogo,
Porquanto a realidade contradiz...

31910

A morte se prepara para a festa
E ainda não prepara a vestimenta
No quanto uma alegria já se ausenta
O medo de sonhar, o que nos resta,
Aprendo com o quanto não se gesta
Do pouco que deveras me alimenta
E nada do passado ainda alenta
A morte com ternura, em plena fresta;
Fadado ao não ser mais do que podia
Aos pés do que sonhei, falsa alegria
Funéreo golpe eu sinto em minhas costas,
Pontadas entre lágrimas e risos,
Os dias mais doridos e imprecisos
Aqueles em que as sortes são expostas.

31911

Espero pela dor depois da curva,
E sei do canivete faca adaga
E quando a poesia ainda afaga
A noite não seria assim tão turva
E faço do poema meu diário
E tanto quanto posso eu me desnudo
Ao mesmo tempo finjo que sou tudo
Enquanto o nada ser é necessário.
Negatoscópio aonde eu me revelo
Ou mesmo outro planeta onde desvendo
O que não mais seria algum adendo
Porquanto sendo imundo se faz belo,
Qual fora um vício, abismo e precipício
Do verso meu refúgio em ócio e ofício.

31912

Apelos que eu já fiz, desesperados,
Arcando com engodos e mentiras
E quando exposto assim em ledas tiras
As velhas colchas dizem dos traçados
Moldados em retalhos destroçados
E deles as verdades tu retiras,
E sei que quanto mais queres, prefiras,
Os riscos de viver serão iguais,
Se os versos que ora faço são banais
Ou mesmo ainda tocam com ternura
Não sendo esta verdade a minha ou tua
Enquanto este bufão, desnudo atua
A sorte a cada não mais se amargura...


31913


Não sou metade nunca tive um meio
Tampouco poderia ser diverso
Se ainda tenho em mim potência em verso
Não posso acreditar no que incendeio
E vejo cada passo mais alheio
E tento desvendar este universo
Falando deste nada aonde eu verso
Colhendo cada flor, puro receio,.
Rastejo como a serpe em prado e campo,
E quando no infinito ainda acampo
Relâmpagos bebendo com furor,
A poesia é morta e não reage
Apenas do eu tanto quis o ultraje
Reveste o que inda resta com rancor.


31914

Castelos de princesas desabados
E sapos com aspectos mais terríveis
Assim os sonhos todos perecíveis
E as sortes noutros tantos alambrados,
Não posso mais ouvir deveras brados
Tampouco concentrar em novos níveis
Os dias que eu bem sei tanto falíveis
Momentos mais sutis erradicados,
Cangalha pesa tanto e quando a trago,
A sina se deslinda em tal estrago
E pago com o fim as minhas cruzes,
Já não me importa flores, colibris,
Do quanto ainda vês e sempre ris,
Revejo a cada dia velhas urzes.

31915

Só sei deste meu nada em nada creio,
E por ser quase cético eu mergulho
Sem ter sequer saber de pedregulho
E nada poderia ser receio
Aonde com terror tento o recreio
E não consigo mais, se eu sou entulho,
O mar sonega agora seu marulho
E o medo de viver ora rodeio,
Negar a minha história é como crer
No quanto vou sentindo esvaecer
O pouco que restara do que fora,
Soneto após soneto e ninguém lê
O mundo para mim sem ter por que
Palavra ensimesmada e redentora...

31916

As pernas nunca marcham em atrozes
Caminho feito em pedras e terrores
Ainda que se plantem sonhos, flores,
Os dias de outros dias são algozes,
Mesquinhas com certeza velhas vozes
E buscam te seguir por onde fores
Usando das palavras, dissabores,
Momentos solitários são ferozes.
Esqueço do meu nome, busco ainda
Outra notícia vaga em noite infinda
E quando nada vem, somente o não,
Açoda-me o temor de já ter sido
Há tanto pelos tempos esquecido,
Teimando em ver real situação.


31917

Quem fora simplesmente esse menino,
Que agora ao se mostrar noutro caminho
Ainda se perceba mais sozinho
E tenta outra mortalha; porém deste hino
Aonde imaginara outro destino
Não teve soluções, e o velho vinho
Agora avinagrado, de mansinho
Resulta no passado e não domino.
O pendular viver é traiçoeiro
E quando deste nada ainda inteiro
O pouco ainda resta, mas resisto,
E sendo solidária esta ilusão
O quanto do que ainda resta em vão
Num mote costumeiro, tento e insisto.


31918

As portas da saudade são ferozes
E nada deixam ver senão meus restos,
Mergulho nestes vãos duros, funestos
E tento dos meus sonhos novas fozes.
Exposto ao que pudessem noutras doses
Momentos maviosos? ‘Stão infestos
Dos tantos e inviáveis mortos. Gestos
Medonhos traduzindo nossas vozes.
Resisto o quanto posso, mas eu sei
Da invariável sorte, dura lei
Da qual e pela qual ainda existe
Um frágil andarilho dentro em mim,
Mas nada me amordaça e sigo ao fim,
O coração exposto e sempre em riste.

31919

Nos pontos de partida, sem destino
Pensando na chegada inalcançável
O passo que percorro imaginável
Levando ao descaminho e me alucino,
Pudesse reviver dobrar de sino,
Veria quanto o tempo é mais findável
Numa ânsia com certeza interminável
O ser e não poder logo imagino.
Esgoto minhas forças e exaurido
O ponto de chegada resolvido
No olvido cada fase que passara,
Refém deste futuro inatingível
O tempo sendo sempre perecível
A solução deveras se fez rara.

31920

Gargalha a gralha rindo-se histriônica
E vê o quanto fomos indigentes,
Os olhos se perderam noutras gentes
A vida se mostrara desarmônica
Aonde quis festiva e fora hedônica
Envolto nos deslumbres dos dementes,
Pudera acreditar, mas entrementes
A morte dominando cada tônica.
Palavra sempre em vão, vagando só,
O todo desfazendo cada nó
E o peso da esperança insuportável
Pensando num momento ainda em paz
O resto se demonstra e já desfaz
Cenário que ora vejo é deplorável.

31921

Nas costas tanto peso, lenhos, cruzes;
No quanto a vida traz já retratado
No espelho de minha alma o meu passado
Aonde a cada não tu reconduzes
Meticulosamente sei das urzes
E vejo o quanto em fúria foi negado,
O sonho novamente amarrotado
Cenário em barricadas, vis obuses.
Assim ao mergulhar neste reflexo
Percebo quanto a vida não tem nexo
E atento às minhas rugas, fugas nego,
E sei o quanto vejo envilecido
Marcando a minha face cada olvido,
Seria bem melhor hoje estar cego.

31922

A franja da ilusão raspando irônica
Tocando cada sonho ou pesadelo
Aonde poderia com desvelo
Viver outra emoção, mesmo sincrônica
A dor se transformando e agora crônica
Caminho não consigo mais contê-lo
E sei e pago tanto por sabê-lo
Da morte a cada falso, cena agônica.
E assino com meu sangue a frase inteira
Quem tanto me acalanta, traiçoeira
A porta não se abrindo realmente.
O vento assola assim meu pensamento
E tanto libertário me acorrento
Enquanto a fantasia ainda mente.

31923

No meu quintal brotando tais urtigas
E tantos espinheiros; das daninhas
Imagens que deveras já continhas
Em cenas tão terríveis quanto amigas.
E quando com teus nãos tu desabrigas
Quem sonha com palavras belas, minhas
No todo erguendo os olhos, mas não vinhas
Sangrias costumeiras e prossigas.
Extintas emoções, momento vago,
E sendo costumeira uma ilusão
Ainda sendo em mim pleno verão
Do inverno, minha herança, eu já me alago.

31924

A morte me namora e me cobiça
E a cada instante eu sinto esta presença
Porquanto a solidão se fez imensa
A vida se mostrara movediça.
Cansado com certeza desta liça
Não tendo no final a recompensa
Do quanto poderia, mas não pensa
Uma alma sem ternura e tão mortiça.
Recolho cada parte e tento ainda
Unir cada metade noutro tanto,
Mas vejo tão somente o desencanto
Aonde a realidade já deslinda,
Ansiosamente um dia quis feliz
O que cada momento contradiz.

31925


A vida sempre deixa um cruel trevo
Encruzilhadas tantas negam rumo,
E quando algum engano ainda assumo,
Não sei por qual caminho posso e devo,
A senda se mostrara e quando atrevo
Do todo nada resta nem o sumo,
E tanto poderia, mas me esfumo
Jamais o pensamento foi longevo.
E assim ao me mostrar inteiramente
A vida noutro tanto teima e mente,
E arisco caminheiro nada vejo.
Mortalha que se tece dia a dia,
Ainda bem distante poesia
Matando o que pudesse ser desejo.
31926

A ponte que me deste, levadiça,
A podre face exposta da verdade
E quanto mais ainda tente e brade
O medo se mostrando ainda viça
E o resto do que eu fora em vida omissa
Partindo do começo, ora degrade
O pantanal imenso que me invade,
Já sabe desta escória, vã premissa.
O peso do sonhar não mais comporta
A morte abrindo aos poucos cada porta
Porquanto me isolasse, nada sou,
Mergulho em brumosa noite vã
E tento adivinhar cada manhã
Somando este flagelo que restou.

31927

Sorrateira manhã que não atrevo
Nem mesmo poderia sendo assim
O resto dominando tudo em mim,
Ainda poderia ser longevo?
O quanto do passado ora descrevo
Usando do meu verso até que enfim,
Aceso desde sempre este estopim
Negando cada sonho onde me atrevo;
Esgarço com palavras o meu sonho
E quando ao que pudesse inda proponho
Não passa de nefasta face enquanto
Meu mundo totalmente destroçado
Ainda sou a sombra de um passado
E vendo o meu retrato eu já me espanto.

31928

Mordes-me com as presas afiadas
E arrancas mil pedaços quando ris
E ainda refazendo a cicatriz
Em novas faces mesmas desvendadas
No quanto poderia em disfarçadas
Expressas o quanto em fúria diz
Gerando a cada instante outro infeliz
E assim recomeçando as alvoradas;
Negando cada sorte em má ventura
O todo retratando a vã procura
Esgotam-se vontades no vazio,
E o frasco arrebentado mostra o quanto
De mim já se tornara outro quebranto
E mesmo sendo inútil, desafio.

31929

Os sons se repetindo em meus ouvidos
Traduzem velhas vozes do passado
O fogo há tanto tempo relembrado
Enquanto novos dias repartidos.
Servindo para quem dita os olvidos
O tempo nunca fora abençoado,
Amar mero fantasma desmembrado
Tocando com terror os meus sentidos,
Medonho e demoníaco caminho
E quando no não ser eu me avizinho
A fome toma conta e em nada creio.
Peçonhas espalhadas pelo vento,
Ao menos escapar por vezes tento,
E sei que não passara de um anseio.

31930


Apenas ao maior dos pesadelos
Ausência do querer que tanta vez
Levara à mais completa insensatez
Momentos tão difíceis de revê-los
O amor quando entranhando em raros zelos
E nele cada parte que se fez
Diversa da que ainda mesmo vês
Moldada pelos nãos, duros desvelos,
Assim ao me entregar sem ter respostas
As faces dos desejos decompostas
As horas não puderam traduzir
O quanto desejei e nada existe
Uma alma solitária segue triste
Buscando não sei onde algum porvir.

31931

Passando pela rua uma alma vã
Noturna melodia em tanta dor,
Dos sonhos se pudesse num andor
Traçar com novo brilho outra manhã
A morte renegando um amanhã
A quem pudesse ter ainda amor
E sendo assim eterno sofredor,
A cena que se vê sempre é malsã.
Resumo de uma vida enlouquecida
E tanto quis amar, mas despedida
A sorte se fizera traiçoeira,
Na ausência de esperança, sigo ausente,
Porquanto a fantasia se apresente,
Do todo que eu sonhei nada se inteira.

31932

Abençoados são aqueles que
No amor e na alegria tecem vidas,
Enquanto as minhas horas já perdidas
Apenas o vazio se revê,
E o quanto se pudesse sem se crê
Aonde as esperanças tão fingidas,
Nefastas realidades são urgidas
No quadro mais insólito e se vê
Amordaçado sonho de quem tenta
Vencer em calmaria esta tormenta
Alheio ao que jamais inda pudera
Alimentando assim a solidão,
Os dias do futuro mostrarão
Apenas retratada em mim, quimera...

31933

Meus dias são assim desventurados
E quando se aproxima o fim da tarde
Ainda que o terror pouco retarde
Momentos com certeza mais nublados,
E os dias esquecidos e passados
Ao lado de quem tanto em sonhos arde
A morte muitas vezes mais covarde
Reféns destes vazios, e vendados
Os olhos não percebem no horizonte
Nem mesmo um sol imenso que se aponte,
E sigo este noturno caminhar,
Pudesse ter ainda esta impressão
Embora saiba ser mera ilusão
Já que matei há tanto o meu luar...


31934


O quanto desejava um belo sonho
E ter ainda a chance de sonhar,
Mas quando a vida volta ao seu lugar
Retrato que ora vejo, o mais tristonho,
E quando algum cenário bom componho,
Imensa tempestade a me tocar,
Ausência de esperança a nos tomar
Meu canto se repete em enfadonho
Tormento aonde tento e inda persigo,
Porquanto não restara um só abrigo,
Eu teimo contra a fúria da estação
Inverno se tornando eterno e duro
Num céu demasiado amargo e escuro
Nem mesmo algum sinal de outro verão.


31935

A dor que ainda trago, sendo imensa
Já não se cala mais e adentra fundo,
E quando destas trevas eu me inundo
Não tendo quem da luz inda convença
A sorte se tramando em noite tensa
Restando ao sonhador um novo mundo,
Mas sei que o coração se é vagabundo
Qualquer réstia se torna mais intensa.
Não pude controlar os meus anseios
E bebo dos vazios sem rodeios,
Alheio ao que talvez pudesse ser
Maior ou mesmo além do nada enquanto
O mundo se tornando em turvo espanto
Renega qualquer forma de prazer...

31936

Espadas que me cortam são sinais
Destes momentos tolos onde eu quis
Vencer cada temor e ser feliz
Ainda que eu bem saiba ser jamais
O tanto onde pudera ou mesmo mais
Negando qualquer sorte, ausente bis
Galgando cada espaço, por um triz
Morrendo sem ternura, em abissais.
Não pude com certeza adivinhar
Momento em que pudesse me entregar
Sangrando em cada poro e sendo assim
O tempo renegando uma esperança
Amor amortalhado na lembrança
Traduz a cada ausência mais o fim.


31937

Pudesse deste amor, saber vacina
E mesmo quando em plena febre ou dor
Vencesse com ternura tal torpor
Que tanto quanto pode me domina,
Mas sendo sonhador, eis esta sina
Tentando novamente recompor
Um mundo aonde exista qualquer flor,
E nela novo tempo determina
Assaz maravilhosa noite enquanto
Realidade mostra em contracanto
O desencanto vário e doloroso,
Pudesse amar e ter a recompensa,
Mas quando não tem cura tal doença
O fim já se aproxima em medo e gozo.


31938

Amor saltando o muro desta casa
Não deixa sequer rastro quando passa,
E tanto se mostrando em vã fumaça
Apenas num momento mera brasa,
A sorte se inda existe já se atrasa
E não desejo ser somente a caça
Risonha fantasia segue escassa
Nem mesmo uma ilusão ainda embasa
E tudo se desaba num momento
E quando alguma sorte teimo e tento
Atento ao que não tenho sigo em frente.
Porquanto se apresente este cenário
Enquanto doloroso e temerário
Traduz qual a esperança uma semente...


31939

As cordas da viola arrebentadas
As ondas deste mar se sossegando
Aonde quis tempesta o mundo é brando
As noites entre estrelas decoradas,
Mas vejo noutras cenas retratadas
Imagens deste tanto que é nefando
E beijo o teu cadáver desde quando
As horas se perderam, vãs estradas.
Resíduo do que fora outrora messe,
E quando o meu caminho recomece
Percebo quanto inúteis foram cenas
Acendo o meu cigarro e mais trago
Da morte com certeza raro afago,
As incertezas sempre foram plenas...

31940

Fechando este portão por onde entrava
A sorte de quem tanto quis sorriso,
E ainda que este tempo é mais conciso,
Rondando o pensamento não se lava
Seara costumeira mesmo escrava
Perdendo com certeza algum juízo,
No fim não restará mais prejuízo
Enquanto o dia a dia sempre agrava.
E sei desta burguesa face aonde
A pura hipocrisia já se esconde
E traça com perfumes importados
Venenos em peçonhas mais atrozes,
E sendo assim diversas, mesmas vozes,
Os riscos sempre foram calculados...

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