21
Espírito ocupado em ledo fardo
Caminho pelas sendas que deixaste,
A solidão expressa este contraste
Enquanto o passo enfim, mesmo retardo,
A sórdida noção deste petardo
Marcando o que pudera e não notaste,
Vencido navegante; naufragaste,
E nisto novo tempo em vão aguardo.
Resguardo algum alento que não veio,
E sigo sem sentido e mesmo alheio
Ao quanto ora incendeias, falsa luz.
O verso veiculado no vazio,
À sombra do que tanto desafio,
A vida noutra face não seduz.
22
Remordendo-me penso no que um dia
Pousasse noutro tema mais sutil
E o quanto na verdade não se viu
Gerasse novamente esta agonia,
Ao ver quanto se traça em rebeldia
O céu jamais se fez de novo anil,
O prazo se mostrasse mais hostil,
E o todo noutro instante se perdia.
Reparo cada espaço e vejo aquém
Do tanto que lutara e nada tem
Somente esta faceta vã, satânica,
A vida obedecendo tal mecânica,
Nascer, lutar, morrer acreditando,
No eterno após o fim se revelando.
23
Mendigo algum carinho, mas sei quanto
O tempo não presume alguma sorte,
E quando a realidade se comporte
Expressa tão somente o desencanto,
No fim apenas isso basta e o pranto
Revela a dor que sei audaz e forte,
No pânico gerado não se aporte
A luta que desenho e não garanto.
Amar e ter nas mãos a redenção?
Olhando para trás nada viceja
E sei do quanto pude enquanto é vão,
O prato sobre a mesa, a farsa e o tédio,
Aprendendo diversa esta peleja,
E o tanto que se faz em louco assédio.
24
Amar e ser feliz, um sonho ausente
Dos olhos que procuram pelo olhar
De quem pudesse ao menos navegar
Lutando contra a fúria da corrente.
O todo no final não apresente
Sequer o quanto pude imaginar,
Vagando a cada instante sem pensar
Ousando acreditar ser a semente.
Negar o quanto rege em tom atroz,
E o manto se recobre e sobre nós
Apenas expressasse esta vontade,
Mas quando se presume o fim de tudo,
O passo sem cansaço eu tento e mudo,
Enquanto esta ilusão avança e invade.
25
Não guardaria mesmo algum rancor,
Nem mesmo relembrasse qualquer fato
Traçando o que deveras mal constato
Gerado pelo tosco desamor,
Apenas noutro tom o refletor
Gestasse o que deveras não retrato,
E quando fosse a sorte o que maltrato,
O tempo não seria o condutor.
Acolho os velhos trajes de quem sonha
E bebo em cada noite outro cenário,
O sonho se fizera necessário,
E mesmo quando a vida além se enfronha,
Blindando com a farsa mais constante,
O mundo noutro vão não se garante.
26
Acrescentar o pouco que inda resta
De toda esta fartura quando a quis,
Navego contra o tempo, este infeliz,
E a sorte se apresenta mais funesta.
Resumo o meu caminho nesta orquestra
Que possa em noite clara dar o tom
Do amor que se moldara no neon,
Porém a vida segue tão canhestra.
O rumo se perdera há tantos anos,
E o vértice se fez em mero ocaso,
E quando noutro passo sempre atraso,
Acumulando apenas desenganos,
Esqueço simplesmente desta luz
Que agora noutro espaço se conduz.
27
Quisera acreditar no que não veio
Nem mesmo até pudesse adivinhar
O prazo quando a vida dá lugar
Ao tanto que se queira sem receio,
Olhando para trás, sonho eu grampeio,
E bebo da esperança em cada bar,
Na sorte que pudera divisar
Embora seja mero devaneio.
O caos se aproximando de quem dita
As tramas entre chamas e temores,
Ainda que puderes e te fores,
A luta na verdade é mais aflita
O rumo se perdendo neste instante
Sorriso já se molda provocante.
28
Não quero que se veja após a queda
As marcas mais atrozes, doloridas,
E sei das minhas lendas resumidas
Nas tramas onde o tempo me envereda.
Aproximando o caos, nada me seda,
Sementes sobre o solo, despedidas,
Versões das mesmas rotas e avenidas,
A sorte me domina e me empareda.
No féretro dos sonhos, abandono,
O quanto me pergunto e desabono
Atravessando as ruas sem olhar,
Assino o que pudera sem dissídio
E tento sem sucesso o suicídio,
Quem sabe noutro instante, outro lugar...
29
Apenas um momento aonde eu possa
Deixar o que inda trago sendo exposto,
O vento toca em fúria cada rosto,
Presença da esperança fosse nossa.
A gélida expressão agora apossa
Do quanto se fizera em tal desgosto,
Resumo o meu caminho e sigo oposto
Ao todo que não trame extensa fossa.
Esgoto o meu anseio neste bar,
E brindo ao que pudera desenhar
Artífice poeta, um tolo a mais.
Arquétipos de vidas tão diversas
E sei quando deveras além versas
Mesmo que inda se vejam temporais.
30
Findando o que me resta em tal momento
O lúdico presume o farto gozo,
Mas sei do quanto pude majestoso
Viver o mais completo desalento,
Até que acreditar, quem sabe, eu tento,
E nisto o meu tormento pedregoso
Gerasse outro cenário caprichoso,
Exposto sem defesa a qualquer vento.
Acolho entre os pecados e inocências
As tramas em diversas penitências
Marcadas pelo engodo costumeiro.
Não quero acreditar no que não vira,
A vida se prepara em tal mentira,
Adubo com meus sonhos tal canteiro...
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