terça-feira, 15 de junho de 2010

37001 até 37020

1
Ao ter noção da imensidão do mar
Aprofundando o sonho entre sargaços
Aonde se pensara em velhos laços
Apenas a vontade de entranhar
Nefasta realidade a me tomar
Olhares mais terríveis, mortos, lassos
E os dias entre vários torpes traços
A senda se transforma em frio altar.
A pútrida incerteza em tez sombria
A morte ronda e quando em euforia
Agônica presença me transtorna,
Mas sei da necessária penitência
E vejo sem sentidos a clemência
De quem alheio à dor manso se entorna.

2

A terra se devassa a cada passo
E nada do que eu possa ainda crer
Permitirá risonho amanhecer
Enquanto a realidade turva eu grasso,
Não tendo a poesia mais espaço
A morte se aproxima e passo a ver
Na fonte desairosa cada traço
Por onde muitas vezes quis prazer.
Rondando a rapineira desventura
Carcaça de quem sonha já procura
E entranha suas garras sobre mim,
Um novo Prometeu que se apresenta
Na fúria mais faminta e tão sedenta
Eu peço em prece apenas o meu fim...

3

Mistérios entre falsas impressões
Resíduos de outras eras onde eu pude
Às vezes mais cruel ou mesmo rude
Vencer os meus terríveis vergalhões
E tento procurar e não expões
Caminho aonde a sorte ainda ilude
Matara há tanto tempo a juventude
Olhares miram velhas podridões.
A face carcomida segue inerme
Aguarda este festim, espúrio verme
Destroços de minha alma, meramente.
O pendular caminho se esboçando
A morte a cada dia me rondando
Com seu olhar suave e até clemente.

4

Acompanhando a sombra do que eu fui
Cenário mais atroz se desnudando
Olhar entre penumbras vai nefando
O quanto houvera em mim aos poucos rui,
Pudesse ser feliz, mas nada influi
No passo rumo ao vago já se dando
E tantas vezes quis olha mais brando,
A vida renegando tudo pui.
Percebo de soslaio a redenção
Amortalhada cena se aproxima
Num gélido sorriso muda o clima
E traz aos meus anseios, solução.
O luto se prepara, finalmente
Na morte que deveras me apascente.

5

Acompanhando o passo ao funeral
Aonde a carcomida face exposta
De quem se imaginara em vã proposta
Das sendas naturais tão desigual,
O olhar da morte ronda triunfal
Em pouco tempo a carne decomposta
Trará com tal firmeza esta resposta
Gerando este cenário virtual.
Assisto à derrocada do meu sonho
Enquanto em plena vida eu decomponho
E sinto a fetidez já se espalhando,
O meu esquife eu vejo, se aproxima
Sem nada que a verdade mais suprima
O meu olhar se mostra bem mais brando.

6

Procuro vagamente em nova esfera
Além dos meus momentos mais sombrios
Aonde poderia haver os fios
E neles outra sorte já se espera,
Medonha imagem viva da pantera
E nela se percebem rodopios
Os dias que pensara serem pios
Ao fundo preparando a noite fera.
A porta escancarada e tumular
Na lápide se vê uma alma insana
Aonde em epitáfio, soberana
Presença da funérea fantasia
Traçara algum encanto aonde jaz,
E finalmente encontra a mera paz
Que tanto nesta vida, mais queria.

7

Rolando na amplidão mera figura
E nela se percebe a falsa imagem
Daquele que pensara ser miragem
A face decomposta, a criatura,
E vendo tal fantoche se assegura
Da inútil previsão de tal viagem
Rompendo do existir frágil barragem
Adentra a noite eterna, vaga e escura.
Apodrecendo em vida, tão somente
Agora sob a terra, uma semente
Gerando novas formas de viver
Redime a inexistência quando estive
Minha alma em holocausto sobrevive,
Meu corpo se luzindo a esvaecer.

8

Sepulcros dentro da alma em corpo inerte
A senda do viver já se esgotara
Ao ver assim deveras minha cara
E nela todo o verme se converte,
O peso do viver não mais reverte
A vida no passado, tão amara,
Agora no frescor desta seara
Aos seres mais vulgares, só diverte.
Desencarnado o corpo, sou destroços
De tantos dissabores sobram ossos,
E destes com o tempo, só sinais.
Assim a vida em barro se resgata
Aquilo que foi homem gera a mata
Eternizando em ciclos, funerais...

9

Cinzenta tarde anunciando
A noite em tempestades. Não lamento
E sorvo a cada instante o intenso vento
Olhando o meu espectro tão infando,
O mundo se moldara desde quando
Da morte me tornara um alimento
E quando noutra forma já provento
A vida noutro tanto renovando.
Perfaço o meu caminho e sem enganos,
Dos tantos e decerto tolos panos
Apenas a poeira dita a regra,
E o que era dor e medo, agora quieto
Vivendo no seu rito predileto
Enquanto o corpo, a terra desintegra.

10

Buscando inutilmente este infinito
Sabendo do fatal apodrecer
E nele em vermes tantos renascer
Gerando um ciclo imenso e sei bendito.
Perfaço nesta noite um mero rito,
E sinto o meu respiro esvaecer,
Do corpo nova forma a se tecer
Na eternidade assim, eu acredito.
Quem fora verme volta a ser um verme
Um ser se decompondo, quase inerme
Rendido ao mais perfeito dos caminhos,
Deixando para trás sombra dispersa
Por onde um infeliz às vezes versa
Em sonhos tão terríveis e mesquinhos.

11

Além do que tecesse a caridade
O ser humano apenas cultuando
Num ar quase nubloso e mais nefando
Apenas o que tanto nos degrade,
Na fúria em seu vigor e intensidade
O tempo novamente transtornando
E o passo para o fim aprisionando
O quanto não mais vi: tranqüilidade.
E nesta iniqüidade em absoluta
Realidade o corte não reluta
A morte se propaga sem critérios,
E o quanto de esperança ainda havia
Coberta com a manta mais sombria
Desvendando os mais tétricos mistérios.

12

O vício propulsiona a face escusa
De toda humanidade desde quando
O tempo se mostrando mais infando
Enquanto a natureza está confusa,
Assim de um privilégio já se abusa
O sangue inutilmente derramando
E o vandalismo impera desde quando
A mente se tornara tão obtusa.
Partícipe de orgástica loucura
Desvelo dominando a desventura
Que agora se aproxima do final,
O mundo se extermina pouco a pouco
E quando me pensava ausente e louco,
Percebo mais de perto o funeral.

13

Houvesse um astro além em farto brilho
E nele percebesse a luz eterna
Quem sabe ao cultivar esta lanterna
O velho coração de um andarilho
Ainda mesmo inútil ora palmilho
Tentando usar palavra mansa e terna,
Porém realidade tanto inferna
Gerando este torpor que assim polvilho.
Esdrúxulas palavras? Pois nem tanto,
E quando vez por outra inda me espanto
Ao ver este retrato mais fiel,
Ausente dos meus olhos a esperança
A voz em tom nefasto ora se lança
E ganha a imensidade deste céu.

14

A dor incontrolável que se abate
Por toda humanidade, seca e fome,
No fogo que decerto nos consome
Antigamente apenas disparate,
Mas quando o dia a dia nos desate
De uma esperança além e tudo some,
Sem ter a mão mais forte que inda o dome
Incontrolável fera agora mate
Deixando para trás a bela história
E nada levará; torpe memória,
Senão os derradeiros passos onde
Houvera plenitude em gesto e gozo,
Caminho mais tranqüilo e prazeroso,
A Terra em sua morte nos responde.


15

Desfilo nesta câmara de horrores
E vejo decomposta a minha face,
Ainda quando além o sonho grasse
Sonhando com jardins, canteiros, flores
Herdando e por legado deixo dores
A vida determina a cada enlace
O resto aonde em trevas já se trace
Caminho que verás por onde fores.
Apenas a brumosa moradia
Satânicos herdeiros numa orgia
Cadáveres nos pastos, verme e inseto.
Assim caminha a tola humanidade
Apenas pesadelo? Na verdade,
O caçador é o prato predileto.

16

Das mágoas que carrego e são tantas
Apenas vejo restos, mera escória
Escombros inda vivos na memória
Aonde com terror maior levantas
Expondo tais demônios sob as mantas
E tendo mais distante rumo e glória
No cômodo caminho da vitória
Chacais entre os abutres não espantas.
E quando não houver sequer a mera
Lembrança do que fosse primavera,
O vento em agonia desfilando
Um ar em turbilhão irrespirável
E o solo de um viver mais agradável
Será um pasto ausente, vil, nefando.

17

Arrasta-se por sobre a Terra inteira
A imagem caricata de Satã
E vendo esta figura amarga e vã
Do fim da vida, a turva mensageira
O olhar tenta fugir, mas não se esgueira
Sabendo não haver sequer manhã
Buscasse noutra senda novo afã
Antes que desça a treva derradeira.
O ciclo se refaz em novos seres
Diversos dos sonhares e quereres,
Residualmente sobre as vis matérias
Apodrecidos corpos sobre as mesas,
Seremos de gigantes em destrezas,
Banquetes para vermes e bactérias.

18

Aonde se arrastando e tão somente
Um réptil sobre a face desnudada
Da Terra há tanto tempo degradada
E nem sequer a vida se pressente,
Dos vermes o alimento e até semente
Humanidade tende a ser o nada
E quando esta planície desolada
Por onde andara raça vil, demente
A vida se refaz disto estou certo,
A eternidade é um campo sempre aberto,
Porém seres disformes, nada além
Depois da plenitude do saber,
A turva névoa doma o amanhecer
Que ainda, inesperado, volve e vem.

19

Aonde semeasse flores, plantas
Diversidade feita em fauna e flora,
O tempo noutra face me apavora
Enquanto de outra forma tanto espantas
Gerando a dissonância em cores tantas
E nelas o que tanto quis outrora
Anseia pelo fim e já devora
Desértico cenário me adiantas.
E vejo ser real o pesadelo,
O céu com tanta bruma posso vê-lo
Selando o que seria a vida em paz,
Demônios e satíricos nefastos
Os olhos mais vazios, rotos, gastos,
Figura tão real quanto mordaz.

20

Abrindo do futuro as suas portas,
O tanto que se vê direciona
O passo de quem tanto tenta à tona
Figuras tão sutis, porém já mortas,
E quando com verdades não te importas
Esta imbecilidade já se adona
E a sorte do planeta se abandona
Nos sonhos onde fera, tu abortas.
Falar da realidade te aborrece?
Melhor é se esconder atrás da prece
Ou mesmo da riqueza e do conforto,
Mas quando o sol partir e não voltar
O que deveras resta há de encontrar
O rei da natureza exposto e morto.

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