1
Medito sobre a areia movediça
Dos sonhos entre trevas e fogueiras
Enquanto em tempestades já te esgueiras
E deixas muito além o que cobiça
A vida em avidez; enfrento a liça
E mesmo quando o sonho não mais queiras
Desfraldo da ilusão rotas bandeiras
Minha alma mais sedenta e nunca omissa.
Ressalto encarniças, vis batalhas
E quando mais a fúria tenta e espalhas
Navalhas adentrando o meu pescoço,
O tempo se perdendo em luz sombria
Apenas a vingança doma e guia
Gerando este cenário em alvoroço.
2
Buscando muito além deste horizonte
O quanto posso mesmo imaginar
Nas tramas mais diversas do luar
E nele cada engano já se aponte
Por mais que a vida insana desaponte
Cansado de tentar e em vão lutar
Não tendo outro caminho e nem lugar
Transcrevo em fantasia a dura fonte,
E nela me embebendo em turbulência
Não quero e não permito uma ingerência
De quem se mostre alheio e não prossiga
Ao passo da loucura em que me entranho,
O dia se fazendo em perda e ganho,
No entanto o sonho sempre perde a briga.
3
As mãos de quem se quis, entrelaçadas
Olhares se perdendo sem que eu creia
Na sorte incontrolável, mas alheia
Vagando pelos ermos das calçadas,
As horas entre tantas malfadadas
Mergulho neste vão que me rodeia
E a vida sem destino se incendeia
Alçando vis degraus da inglória escada.
Ao ter esta escalada dentro em mim,
Resumo cada passo e chego ao fim
Depois de incontroláveis disparates,
Assim ao me sentir em polvorosa
A vida por si só anseia e glosa
Enquanto emudecida me arrebates.
4
Dos velhos caminheiros, calafrios
Entranham pela pele, tomam forma
E cada passo além tanto deforma
E gera novos tolos desafios,
Pudesse qual funâmbulo em seus fios
Gerindo cada tempo em sua norma,
Mas quando a realidade volve e informa
Deixando sem fluência sonhos, rios,
Enfrento as desavenças mais mordazes
E sei que quanto mais terrores trazes
Maior a inconseqüência do meu verso,
E tento um esfaimado e último bote
Porquanto a própria vida nega e embote,
O rumo se mostrando então disperso.
5
Nascentes entre bosques, prados, sendas
Diversas onde entranho quando quero
Viver este momento mais sincero
E nele sei que tanto em vão pretendas
Enveredando em ti temíveis lendas
E nelas se pudesse ser mais fero
Teria todo o bem que ainda espero
E sei quando no fim não mais atendas.
Atenciosamente a vida doma
E traz entorpecido o sonho em coma
Gestando este vazio em pleno aborto,
E quando mergulhara em teus enlaces
Veredas da esperança tanto embaces
Negando ao navegante abrigo e porto.
6
Quando em cinzel se fez minha esperança
Apenas a sombria realidade
E sei do farto não quando degrade
O passo que sequer teimando avança,
Trazendo dentro em mim morta criança
Renasço-a nos ardores da saudade
E quando a fantasia em vão invade
Matando o que pensara em temperança
Lembranças de outros tempos, nada mais,
E assim ao me encontrar nos desiguais
Daninhos ermos rumos do vazio,
Eu tento novamente ser feliz,
Mas quando a realidade me desdiz
Apenas mera imagem tosca, eu crio...
7
Arbustos, velhas sombras, mesmo prado
O corte na raiz das ilusões
E nele com certeza tu me expões
Já velho, sorrateiro e ultrapassado,
Bebendo a mesma angústia do passado,
Risível camarada de emoções
Entregue às mais terríveis sensações
Tentando o meu viver noutro traçado,
Imagem decomposta se transforma
E tento conseguir a mesma forma
Da qual me fiz raiz e nada além,
Mas quando neste espelho vejo em rugas
O tempo não perdoa e também sugas
Traçando a morte enquanto ela não vem.
8
Caminho em passos graves e infelizes
Gerados pela antiga convivência
Com toda fantasia em inclemência
Enfrento com mim mesmo velhas crises,
E sei quão são comuns os meus deslizes
E sondo numa amarga penitência
O quanto do meu sonho em má fluência
Enfrenta os temporais conforme dizes,
As sórdidas palavras que disseste
O mundo mais atroz, feroz e agreste
O canto em solidão, apenas isto
E nada do que outrora se fez quando
O passo noutro rumo desviando,
Porém sem ter descanso eu não desisto.
9
Antros em mim deveras seguem vãos
E teimam contra a sorte desairosa,
Assim ao penetrar jardim e rosa,
Meus olhos se perdendo,vis pagãos,
E tento inutilmente cevar grãos
A dita tantas vezes pavorosa
O passo na verdade a vida glosa
E sei dos tantos dias, vários nãos.
Resumo de uma vida entorpecida
Nas velhas fantasias, sendo urdida
Na inútil caminhada tempo afora,
Do todo consumido dentro em mim,
Apenas vejo além o ledo fim
E nele a realidade em vão se aflora.
10
Atravessando o mar encontro as rocas
E nelas meu naufrágio não escapa
Minha alma enquanto alheia se esfarrapa
Trazendo esta ilusão que ora provocas,
Aonde poderia haver um trilho
Ou mesmo até quem sabe uma esperança
Ao ledo caminhar a vida avança
E sei quando intempéries eu polvilho,
Nos versos desalentos corriqueiros,
As sombras dos meus dias seguem vãs
E sem saber sequer de outras manhãs
Os cantos do futuro mensageiros,
E sei que nada resta e muito menos
Os dias dos meus sonhos, mais amenos.
11
Surgindo dentre as lavas do meu sonho
Metástases dos tempos inauditos
E quanto mais atrozes e malditos
Maiores os temores, não me oponho.
E em cada novo verso recomponho
Os cantos mais temíveis sendo aflitos
Reflito na verdade tolos ritos
De um tempo mais atroz, cruel, medonho,
Satânicas vontades, morte à vista
Minha alma com certeza não resista
Ao tantos e comuns, doces apelos
Dos tenebrosos passos rumo ao vago
E quando de promessas eu me alago,
Meus sonhos mais distantes; posso vê-los...
12
Amortecendo gozos do passado
Aonde em vis bacantes poderia
A cada novo templo a mesma orgia
Num cálice sobejo e consagrado,
Vestindo este terror, o duro enfado
Entranho sem certeza cada dia
E bebo com ternura esta sangria
Decerto e com razões, o meu legado.
Bisonhos caricatos versos ditam
Ao mesmo tempo insanos coabitam
Demônios e também os querubins
E trago a sutileza dos infernos
Nos dias mais suaves, mesmo ternos,
Qual serpe em tons sombrios nos jardins.
13
Por baixo destas tantas vestimentas
Desnuda maravilha se adivinha,
Mas quando a face vil torpe e daninha
Na qual e pela qual tu te alimentas
Transforma em vagas noites mais sedentas
O templo aonde o nada já se alinha,
Destroços do que fora outrora vinha
No espelho, decomposta, te apresentas.
E beijas as sutis velhas ganâncias
Morrendo e maculando em ignorâncias
Os dias onde tanto quis e pude,
Vencer os meus fantasmas, mas nem todos,
E quando vejo em ti os meus engodos,
Trucido num instante a juventude.
14
O seio já desnudo desta que
Domina o pensamento e me sugando
Ao mesmo tempo um néctar mais nefando
Por outro lado a intensidade vê
Reflete outra verdade em vão clichê
E tanto poderia navegando
Por mar suavemente mesmo quando
A vida noutra face já se crê
Após a tempestade em tal bonança,
Mas quando no vazio a voz se lança
Perdendo toda a fé, sem serventia,
Eu sigo cada rastro que legaste
E tendo em ti decerto o mesmo traste
Por onde se mostrara esta agonia.
15
Das noites mais sombrias sou reflexo
Brumosa madrugada em tez temida,
Assim ao mergulhar em turva vida
Perdendo com certeza qualquer nexo
E quanto me percebo em genuflexo
Minha alma se entregando e sendo ungida
Nas tramas de Satã, beijo a ferida
E sigo sem destino, e vou perplexo.
Apenas tão somente sou daninho,
E morro com a fúria em que me aninho
Nos ermos mais profanos, sou hedônico,
O passo rumo ao farto deste gozo
No olhar maravilhado e majestoso
O tempo não seria desarmônico.
16
Adentro as tempestades mais funestas
E bebo cada gole em sangue e vinho,
O quanto na verdade sou mesquinho
Enquanto às fantasias tu te emprestas
A treva penetrando pelas frestas
Tomando em sordidez a casa e o ninho
Nos ermos demoníacos me alinho
E sei quanto também ali te emprestas.
Essencialmente digo aos meus demônios
O quanto desta vida dita hormônios
E neles entranhando em sutileza
Das velhas e bacantes heresias
E nelas profanando sacristias,
Mergulho em raro fausto, nesta mesa.
17
As virgens do passado em sacrifício
Sanguíneas faces mostram a verdade
A cada novo gozo que as degrade
Ousando na esperança ter o ofício,
Jogado deste enorme precipício
Meu corpo nos teus antros quer e invade,
E quanto mais enfrento algema e grade
Retorno sem pudor ao velho início
E dessedento a fúria sem defesas,
Adentrando esta pele minhas presas
Dilacerando a carne imaculada,
Orgástica loucura em profusão,
Satânica presença desde então
Moldando com terror a minha estada.
18
Qual sátiro que entranha em bacanais
Hedônicos caminhos desvendados,
Os dias entre tantos são tramados
Nos velhos e temido festivais,
Resulto do vazio de um jamais
E teimo contra os ditos alegados
Gerando dentro em mim mansos recados
Deixando num momento os vendavais,
Mas quando te percebo mais sedenta
Minha alma sem temor quer, violenta
Arranco-te dos sonhos e traduzo
O pasto em fases turvas e sombrias
Enquanto tanto gozo tu querias,
Gestando tão somente um torpe abuso.
19
No barco em travessias delicadas
A morte se aproxima sutilmente
E quando no final já se apresente
As garras dentro em mim sendo entranhadas
As horas com certeza estão marcadas,
Os dias são decerto imprevidentes,
Mas quando dos terrores mais descrentes
Piores as imagens desvendadas,
Dragões, porões senzalas, sarças, medo,
O meu caminho agora, amargo e ledo
Não tendo solução, é o que me resta,
E pude acreditar na poesia?
Ao menos a verdade mostraria
A face nua e crua, vil. Funesta.
20
Demônios que entranhei em brumas; sei-os
E sigo seus caminhos sem temores
A vida desta forma em dissabores
Adentra dos meus dias, velhos veios,
Na doce sensação túrgidos seios
Assim exalas fúrias, despudores
Regida pelo gozo dos humores,
O todo se desnuda sem receios.
E tudo se desvenda em tal promessa
Enquanto a festa orgástica começa
E gere cada passo rumo ao fim,
Tempestuosamente num mergulho
Dos ermos que carrego já me orgulho
E sei ter garantido o meu Jardim.
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