sábado, 19 de junho de 2010

37741 até 37760

1

Aonde em gelidez eu poderia
Apenas aportar, mas sou conciso,
Na ausência de improvável paraíso
Minha última morada, eterna e fria,
No quanto fui feliz ou não seria,
A sorte se acumula ou prejuízo
Ao fim tudo se perde, e mais preciso,
O passo rumo ao nada se desfia.
Não quero nem lamentos ou as cenas
Aonde muitas vezes envenenas
Com sórdidas lembranças de um ausente
A cruz eu a carrego aqui comigo
Quem sabe no final um manso abrigo
A quem se fez na vida um penitente.

2

Nesta única razão para os meus versos
Aprendo a cada instante um pouco mais,
E sinto os meus dezembros funerais
E neles os meus rumos são dispersos,
Pudesse acreditar em universos
Quem sabe; um derradeiro, manso cais.
Porém ao crer decerto no jamais,
Após somente os ossos sendo imersos.
Não bebo da esperança, nem talvez
Ainda mesmo quando se desfez
Minha última estratégia e me perdi,
Afasto qualquer sombra de ilusão
Jogado sob as pedras, ledo chão,
O quanto inda restara vejo ali.

3

Desolação somente aonde um dia
Talvez houvesse chance de mudança,
Porém quando ao vazio a vida lança
Um fardo que decerto se alivia.
O tanto quanto pude e não teria
Sequer ao fim da tarde uma esperança,
E quanto mais a noite em treva avança
Maior a imagem turva e mais sombria.
Recônditos diversos de minha alma,
Nem mesmo a fantasia vã me acalma,
E bebo com total sofreguidão
Da insânia e da verdade em turbulência
Em pouco só serei a mera ausência
Num corpo em farta e espúria podridão.

4

Sonhando em vida, às vezes comprometo
Cenário derradeiro e sei funesto,
Assim a cada ausência onde me empresto
Motivo para um novo e vão soneto.
Ao corte derradeiro me arremeto,
E tento novamente em louco gesto
Vencer e não ser só um vago resto,
Porém é novo engano que cometo.
Do quanto fora ou não, nada mais valho,
O tempo não perdoa e toma o atalho
Neste assoalho imerso eternamente,
A carne decomposta um ar sombrio,
Mais nada não concebo ou desafio,
Definitivamente estou ausente.

5

Deitando sob o solo em voz suave,
O quanto do vazio tenho em mim,
Ao adubar a terra, outro jardim,
No pasto onde o repasto já se trave,
O corpo decomposto, mera nave,
E nele entranham seres, ledo fim,
Até que da ossatura surja enfim
O derradeiro passo e nada agrave.
O fardo de uma vida se esgotando,
Cenário tanto brando quão nefando,
Dos restos desolados, nada resta,
A voz silenciada; o tempo passa,
Do todo meramente esta carcaça
Que ao máximo gozo assim se empresta.

6

A cura derradeira e mais gentil,
Apressa-se decerto no abandono,
E quando do meu canto enfim me adono
A mais do que decerto se previu,
O solo muitas vezes; quieto, ouviu
O vento perturbando eterno sono,
Um ermo solitário encontra o dono,
Num átimo esta cova em paz se abriu.
E assim neste mergulho em terra pobre,
Somente esta mortalha me recobre,
E adeus após adeus, apenas isto,
Aonde no passado houvera brilho,
Agora sem sequer um empecilho
Tranqüilo e sem esboço algum, desisto.

7

A Terra recebendo o que me dera,
Num ciclo aonde apenas se repete
O nada novamente me arremete
E assim se determina o fim de uma era,
Floradas de outra nova primavera
E nela nada meu inda remete
Ao vago que deveras me compete,
Somente um ermo solo o que inda espera.
Cratera aberta em lúbrico lugar,
A plaga derradeira e acolhedora,
Vivendo do que tanto um dia fora,
E agora enfim consigo desvendar,
A treva toma espaço e nada mais,
Do quanto imaginara outrora em cais.

8

As flores que me levas nada são,
O tempo não se conta mais, apenas
Retalhos de outras épocas amenas
Ausência eterna em mim de algum verão,
A morte não traduz desolação,
Apenas faces calmas e serenas
E nelas outras tantas; vejo plenas
E sinto a calmaria em meu timão;
Não tendo outro lugar, apenas morro.
E quando me entranhando sem socorro
Na leda solidão deste vazio,
O olhar sem horizonte a mente alheia,
A terra toma tudo e me rodeia,
Sem mais anseio, medo, angústia e frio.


9

A lua se derrama em erma plaga
E nada se transforma neste instante,
No quanto em vagos lumes me garante
Nem mesmo a fantasia ainda afaga,
Tampouco o sentimento, dura chaga,
A insólita e nefasta se adiante
E toda a inusitada doravante
Traduz o que talvez moldasse a draga.
Perpetuando o nada que ora adentro,
Nos ermos solitários, sendo o centro
Deste banquete aonde os vermes fartam,
Destroços do que um dia até pensara,
E incrível que pareça já sonhara,
E agora meras sombras não se apartam.

10

Despojos simplesmente de outras sendas,
Resumo de tais mortes, que alimento
E cíclico delírio de um tormento
Aonde novamente em vão atendas,
No corte em podridão logo desvendas
O quanto caberia em provimento,
E tanto quis apenas um alento.
Os ritos pós funéreos geram lendas.
Esgoto o meu caminho sobre a Terra
E quando sob o solo decomposto,
O verdadeiro ser agora exposto,
Já não permite mais outra mudança
Silente ermida resta para mim,
Da flórea expectativa, uma ilusão,
Adentro sem perguntas, ledo chão,
E chego plenamente ao vago fim.

11

Não alimento mais o sentimento
E tendo a solidão por companheira
A face mais escusa, e derradeira,
Do todo ou do vazio algum provento.
O ciclo costumeiro eu alimento,
E tendo a sorte ausente já se esgueira
O corpo noutra face, a verdadeira,
Do nada ao nada volto em vão provento.
Adentro estas vacâncias deste solo,
E assim deste vazio ora me assolo
E mera sombra ausente, nada leva,
O quanto poderia haver após,
Negando da esperança qualquer voz,
Gerando tão somente a eterna treva.

12

Escárnios do passado? Mera ausência,
O risco de viver já não procede,
E quanto mais o corpo à fúria cede
Maior dos vermes sinto esta inclemência,
Não tendo outro caminho, a coerência
À própria fantasia agora excede
E farto comensal já não se impede
De um ser tão soberano, esta excrescência.
O parto transformado em mero aborto,
Negando a quem se vai um cais e um porto,
Silêncio dominando este cenário.
A vida após a morte? Nada disto,
Apenas o vazio e nele existo
Um traste em tom nefasto e necessário.

13

Vinganças? Meramente em tal fastio,
Aonde o que se fez já não concebe,
O solo em paz superna me recebe
E assim entre as mortalhas, nada crio
Somente a provisão que ora desfio
E nesta realidade se percebe
A pútrida visão onde se embebe
O corpo num eterno e torpe frio.
O tanto em ares nobres não existe,
Apensa esta face ausente em riste,
Nem mesmo triste ou sórdida. Fumaça,
O corpo em podridão gerando o ocaso,
Refeito em novas formas, ao acaso,
E assim noutro cenário a vida passa.

14

Uma alma se inda existe após o fim?
Não posso conceber tal heresia
O nada após o nada se desfia
Etéreo caminhar? Jamais em mim.
O sórdido vazio ou nada enfim,
O todo deste pouco não recria
A face mais nefasta ou vã, sombria
Apenas os silêncios de um jardim,
Ausente esta esperança sigo o rumo
E quando terminar, em paz me esfumo
E nada do que fora resistindo,
O pó reinando inteiro sob a terra,
E assim capitulado o tempo encerra,
Em ares mais dispersos eu me findo.

15

A eternidade é mero desvario,
O corpo se transforma e nada mais.
Mortalha rege os ritos funerais
E o tempo noutra face não recrio.
Demônios, deuses, sonhos? Esvazio.
Nem tempestades, brisas, vendavais,
Os ermos são decerto atemporais,
Eterno dentro em mim, somente o estio.
Eclodo em podres ermos e desfaço,
Assim o derradeiro e ledo espaço
Jogado sob o solo escuridão.
O quanto fui ou nada, não importa,
Após ter se fechado última porta,
Apenas nos silêncios, solidão.

16

Teus deuses e demônios não me bastam,
Os riscos de sonhar? Já não carrego.
Apenas ao vazio se me entrego,
Os passos destes vagos, pois se afastam,
E quando novamente se desgastam,
Deixando para trás o quanto em ego,
Pudesse transformar, e nada emprego
Senão os tantos nadas que se gastam.
O parto repatria na partida
E traz outro vazio, mesma ermida
Do pó ao pó retorno e sem memória.
Assim ao completar a minha história
Sem dívidas nem juros, dividendo,
Ao solo esta carcaça se entregando,
Os vermes e bactérias, torpe bando
Em última festança me cedendo.

17

Quisera o lenitivo que tu trazes,
Seria mais tranqüilo, ou não seria?
A cena refletindo esta heresia
E nela se permitem duras fases,
Ainda se em mortalhas tão mordazes,
Assolas com teu medo as sacristias,
Demônios entre deuses logo crias
Somente após o todo te desfazes.
As bases desta tal religião,
São frágeis e tu sabes mesmo disto,
Existo e tão somente inda resisto,
Sabendo no final a negação
Herméticos delírios? Falsos mitos
Assim quais paraísos e infinitos.

18

Edênicas serpentes? Ilusões...
Os cortes e os teus prêmios, nada valem,
Bem antes que teus sonhos já se calem,
Deveras em fatais exposições,
Não tendo nada além desolações
Herméticos desejos nada falem,
Apenas outras eras que avassalem
Os teus caminhos, torpes direções.
Não tento conseguir qualquer alento,
Nem mesmo esta ignorância eu alimento
Já basta o que recebo e não mais quero,
Um ledo caminhar ou turbulência
Deidade não se mostra em ingerência
Nem mesmo outro delírio manso ou fero.

19

Não quero mais promessas sei que falsas
Infernos, edens, riscos, rota face
Aonde esta venal figura grasse
Tentando no futuro tolas balsas,
As almas são finitas, e tu calças
O quanto na verdade te desgrace
Ou mesmo se ofereça além do impasse,
Sonhando com terrores entre valsas.
As sórdidas mortalhas? Nada são,
Nem mesmo a tão feliz premiação
Banquete, na verdade és sobre a mesa.
Do quando nada tens e não terás,
O sórdido caminho não se faz
Apenas do vazio esta certeza.

20

Desolação é mera fantasia?
Mais fácil acreditar e dá conforto,
Ao ver o meu resgate após já morto
Retrato feito em dor e hipocrisia,
Do nada ao mesmo nada se recria
Negando na verdade qualquer porto,
Eu sei que sou somente um mero aborto,
Morrendo sem resgate, ou agonia.
Não tendo mais sequer prêmio e castigo,
O velho deus morrendo em desabrigo,
Apenas um ignaro bebe o vinho,
E inebriado segue sem temer,
A morte é derradeiro escurecer
Levando ao mais silente ermo, sozinho.

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