segunda-feira, 22 de novembro de 2010

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Sinto-me em casa em qualquer sitio; e é sempre o desejo que me manda embora.
André Gide

Jamais sossegaria
Um coração em fúria
E sei de cada incúria
Aonde em agonia
A sorte dia a dia
Já traz viva penúria
E quando esta lamúria
Festeja em fantasia,
Situo meu caminho
Enquanto eu me avizinho
Do quanto pude ou não
Destarte o ledo traço
Dizendo deste escasso
Cenário em turbilhão.

52

Já escrevi e estou sempre disposto a voltar a escrever o seguinte, que se me afigura de uma evidente verdade: «É com os bons sentimentos que se faz a má literatura». Nunca disse, nem pensei, que só se fazia boa literatura com maus sentimentos.
André Gide

A dor gera a beleza
E amor noutra faceta
Aonde se cometa
Maior que esta incerteza
As cartas sobre a mesa
A vida qual cometa
No todo se arremeta
E traz sempre a surpresa,
No quanto pude ou não
Vibrar e desde então
A vida se renega,
O prazo determina
O sonho em leda sina
A luz é sempre cega.

53

Como é que se vê que o fruto está maduro? Quando ele cai do ramo.
André Gide

Maturidade dita
O fim da vida em nós
E o manto mais atroz
Na face tão maldita
Gerando esta desdita
Rondando a velha foz
Marcando em leda voz
O quanto se acredita,
Presumo o fim de tudo
E nada mais iludo
Num passo convergente,
Embora tente ao menos
Vencer velhos venenos
A morte se apresente.

54

Aquilo a que chamo fadiga é a velhice, de que a morte constitui o único repouso.
André Gide

Após farta batalha
O fim se aproximando
Tornando bem mais brando
Cenário onde se espalha
No fio da navalha
A luta em solo infando
O mundo desenhando
O passo a cada falha,
Expresso no final
O ledo ritual
Na renovável luz,
E o quanto ainda resta
Embora em leda fresta
O nada reproduz.

55

Cada desejo enriqueceu-me mais do que a posse sempre falsa do objecto do meu desejo.
André Gide

Imagem mais distante
E tanto desejada
Traduz bem mais que o nada
E o quanto não garante
Assim e doravante
A luta onde se brada
O todo em vão evada
Matando o diamante,
Não pude e nem tentara
Vicejar tal seara
Diversa da que eu possa,
Após a queda eu tenho
Certeza do desenho
Amargo desta troça.

56

As adolescências muito castas fazem as velhices dissolutas.
André Gide

O dia se anuncia
Em vária face quando
Aos poucos desenhando
A cena em agonia
A vaga alegoria
O mundo em contrabando
O tempo se formando
Aonde não viria
E neste caos total
A luta é desigual
E gera outro tormento,
Assim poeira toma
A vida em leda soma
Enquanto em vão me assento.

57

Se não fizeres isto, quem o fará? Se não o fazes logo, quando será?.
André Gide

Quem sabe faz agora
Não deixa que o sublime
Caminho não se estime
E o tempo se demora,
O corte que apavora
O templo onde redime
O mundo me aproxime
Do quanto a sorte ancora,
Vencer cada momento
O medo de seguir
Trazendo o que há por vir
E nisto sempre atento
Vestindo desde já
O todo que virá.

58

O mundo só poderá ser salvo, caso o possa ser, pelos insubmissos.
André Gide

Quem cala e não diz nada
Lavando as suas mãos
Deveras nega os grãos
A terra desolada,
O sonho onde se evada
As horas noutros chãos,
Traçando velhos vãos
Matando cada estrada,
O passo mais audaz
Loucura sempre traz
E gera novo enredo,
Assim ao me entregar
Sem medo e sem vagar
Ao todo eu me concedo.

59

A maior infelicidade dos que são bafejados pela felicidade, é não saberem dizer: basta!
André Gide

Felicidade um dia
Termina e quando vem
A vida com desdém
Matando a fantasia
Gerando a mais sombria
Noção da qual não tem
Sequer o que convém
E mesmo merecia,
Ao fim de certo tempo
Apenas contratempo
Vislumbro no horizonte,
O gozo diz da dor
E nisto o redentor
Caminho desaponte.

50860

O que há de mais precioso de nós mesmos é o que fica por dizer.
André Gide

O quanto poderia
E não consigo agora
Deveras me devora
E marca em agonia
A sorte sem valia
O corte que apavora
O tempo sem ter hora
A vida em tal sangria,
Faltando o que pudera
Apascentar a fera
Traçando em plena paz
O quanto inda terei,
Ou morta a velha grei
Decerto, um incapaz.

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