quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O Quê ?


Em que cismas, poeta? Que saudades
Te adormecem na mágica fragrância
Das rosas do passado já pendidas?
Nos sonhos d’alma que te lembras?
- A infância!
Que sombra, que fantasma vem banhado
No doce aflúvio dessa quadra linda?
E a mente a folhar os dias idos
Que nome te recorda agora?
- Arinda!
Mas se passa essa quadra, fugitiva,
Qual no horizonte solitária vela,
Por que cismar na vida e no passado?
E de quem são essas saudades?
- Dela!
E se a virgem viesse agora mesmo
Surgindo bela qual visão de amores,
Tu, p’ra saudá-la bem do imo d’alma,
Diz-me, poeta - o que escolhias?
- Flores.
E se ela, farta dos aromas doces
Que tem achado nos jardins divinos,
Tão caprichosa machucasse as rosas...
Diz-me, meu louco, o que mais tinhas?
- Hinos!
E se, teimosa, rejeitando a lira,
a fronte virgem para ti pendida,
Dum beijo a paga te pedisse altiva...
O que lhe davas, meu poeta?
- A vida!

- Casimiro de Abreu (Rio, 1858), em “As primaveras”, 1859.

Ainda quando sinto esta fragrância
dos sonhos invadindo o velho quarto,
a mente atordoada, o corpo farto,
espera que algum verso um dia alcance-a;

ainda quando imerso em tal distância
o pouco que me sobra ao fim reparto
e faço da quimera um novo parto
um pária se traveste em elegância...

porquanto tantas vezes quis além,
e sei que no final o nada vem
o beijo no vazio estampa a sorte,

ao menos se viesse quem desejo,
num ato mais audaz, um doce beijo,
talvez já não quisesse a paz da morte...

Marcos Loures.

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