34801
Meus dias solitários, desgraçados
Os olhos na procura por alguém
Que tanto na verdade nunca vem
Deixando os versos frios e calados,
Os dias entre tantos são regrados
Apenas pelo medo e com desdém
A vida se negando não contém
Senão medonhos sonhos disfarçados
E bebo desta insólita tristeza,
De tantas armadilhas mera presa
O amor não mais consigo ter nas mãos,
Meus olhos no horizonte, em tez sombria,
O quanto ao menos luz eu poderia,
Porém meus pensamentos seguem vãos.
34802
Não quero que tu chores, nego o pranto
De quem se fez atroz e agora vem
Talvez por pena ou mesmo por desdém
Traçar uma ilusão; morro num canto
Sem ter sequer o afeto, desencanto
Gerado pelo anseio e quando tem
A sombra desairosa de outro alguém
Apenas um espectro, vil quebranto.
Mergulho nos meus dias sonhadores
Dos meus canteiros, mortas tantas flores
As cores do meu céu agrisalhadas,
As ruas em que adentro noite afora,
Estrela mais longínqua ainda aflora
Tornando mais doridas, madrugadas...
34803
Somente ouvindo a voz que me tortura
Do tempo aonde pude imaginar
Ainda nos meus olhos o luar,
Porém a noite segue tensa e escura,
Vencido pelo medo, esta amargura
Rondando não se cansa de tocar
O sonho onde pudera me ancorar
Depois de tantos anos, vã procura.
A sorte de quem ama sendo amado,
O tempo que ora vivo, desolado
Refém desta esperança que se aborta,
Ausente dos meus dias, fantasia,
O quanto deste amor tanto podia,
Mas como se não vejo aberta a porta?
34804
Quem dera se pudesse inda sentir
O doce amanhecer ao lado teu,
Meu mundo há tanto tempo escureceu
Matando o que pudesse ainda vir
E sem saber deveras meu porvir,
Adentro sem defesas tanto breu
E quando esta ilusão já se perdeu
A vida sem vontade de seguir,
Caminhos ermos, frágeis emoções
E quando ainda assim calor expões
E ditas novas regras, nada faço,
Apenas sigo só rumo ao vazio,
Enquanto o meu caminho assim desfio
Perdendo da esperança qualquer traço.
34805
Quem dera se pudesse abençoar
Meu mundo no teu mundo e ser feliz,
Mas quando a própria vida já desdiz,
Apenas sinto ao longe ressoar
A voz de quem deveras quis amar
E o tempo na verdade nada quis,
Revolvo no meu peito a cicatriz
E sinto esta vontade de chorar.
Renego qualquer luz que venha ainda,
Somente a solidão, meu peito brinda
E o quanto dos cristais despedaçara
A sorte desairosa e sem remédio,
Olhando para estrelas, ledo tédio,
A noite dentro em mim jamais é clara.
34806
O mundo não se mostra jamais belo
A quem em tantas mágoas vive apenas
E quanto mais ainda me envenenas
Destroças o que fora o meu castelo,
O quanto em desencanto me revelo
Buscando do passado antigas cenas
Resumo o meu caminho e quando acenas
Nas ilusões deveras, não me atrelo,
O todo se esvaíra e nada resta
Imagem mais sombria adentra a fresta
Do quarto e da janela que entreaberta
Ainda se permite alguma luz,
Mas quanto mais distante assim me pus
Minha alma uma esperança enfim deserta.
34807
Olhando para trás apenas vejo
Os restos de uma vida sem porvir,
E quando passo mesmo a pressentir
Alheios os caminhos do desejo,
O tanto que penara em ar sobejo
Refém desta esperança ao sentir
O fim da nossa história e me extinguir
Nas tramas mais atrozes de um lampejo.
Apenas recolhendo o que sobrara
Da vida outrora bela, mansa e clara,
Não tenho outro caminho: solidão...
E o peso desta amarga inconseqüência
Gerando a mais completa penitência
Matando eternamente algum verão.
34808
Imensa desventura acumulando
Quem tanto se pensara em luz, mas vê
O mundo sem saber quanto e por que
O tempo se mostrasse desde quando
O rumo noutro tanto transformando
A sorte desairosa e quando crê
Na face de um amor, velho clichê,
O temporal percebe desabando.
Assim ao caminhar sobre espinheiros,
Os sonhos são deveras mensageiros
Da morte que alimenta uma esperança.
No todo muito embora em frágil cena
Somente este vazio a vida acena
Sombria realidade ataca e avança.
34809
Ainda trago em mim bem vivas mágoas
De tempos onde há tanto quis a sorte,
E o quanto desta vida não comporte
Nem mesmo alimentando frágeis fráguas,
E quando noutro rumo tu deságuas
Sem ter no meu olhar ainda um Norte,
Apenas vislumbrando a própria morte
Nascente se perdendo em turvas águas.
Uma álgida lembrança do passado,
A trágica verdade diz do fardo
Enquanto o meu caminho já retardo
Bebendo do que fora meu legado,
O todo se transforma no vazio,
E a vida é como um duro desafio.
34810
Pudesse alguma luz, inda contê-la
Saber de outro momento mais feliz,
Porém a realidade contradiz
Negando no meu céu qualquer estrela
Ainda que eu pudesse enfim revê-la
A sorte noutro canto já não quis
O todo que julgara e por um triz
Perdendo o rumo apenas percebê-la
Resulto de uma vida sem sentido,
O amor se condenando em tolo olvido,
O passo rumo ao nada se mostrando.
Arisca sensação, felicidade,
Deixando o dissabor de uma saudade,
As esperanças fogem, vão em bando...
34811
Saudades em terríveis névoas, dores
E nelas bebo o gosto do passado
Por mais que o tempo tenha sonegado
Ainda restam sombras destas flores,
Os dias entre várias, grises, cores
E nelas o meu mundo desolado,
O fardo que carrego, redobrado
Seguindo cada passo aonde fores,
Sedento e numa fonte em aridez,
O quanto da verdade se desfez
Nos dias mais felizes já perdidos,
Saudades do que tanto não sabia
Vivesse eternamente em poesia
Tocando com vigor os meus sentidos.
34812
Seguindo sem destino mundo afora,
Resumo o que carrego no meu peito,
E quando no vazio inda me deito
Apenas a tempesta me decora,
A sombra do que fomos já devora
E mesmo quando a vida muda o pleito,
O sonho sendo em vão sempre refeito,
Tua presença volta e se demora.
Estás em cada imagem, cada brilho,
Seguindo um mesmo amargo e duro trilho
Não vejo mais saída e por isto,
Somente por saber que ainda existes
Embora os dias sejam frios, tristes,
É que deveras luto e inda resisto.
34813
A sombra do que fomos me persegue
E tanto quanto posso ainda luto,
Porém meu coração eterno luto,
Aos poucos se perdendo, mas te segue
E quanto mais o amor sinto e o renegue
Decerto estou mais frágil e não reluto,
A tua voz ausente ainda escuto
Não tendo nem alento que sossegue
Este passo incansável da saudade
E toda noite volta, e quando invade
Dissolve o que pudesse uma esperança
Assim ao ermo rumo do que fora
Uma alma sem destino, sonhadora,
Nos braços de um espectro enfim se lança.
34814
Trazendo no meu peito a desventura
Que tanto procurara ver alheia,
A lua refletindo em mar é cheia,
Porém minha alma segue sempre escura,
Numa incansável busca, vã procura,
A vida a cada noite se recheia
Da imagem mais cruel, leda, e rodeia
Na face mais atroz sempre tortura,
E o vento em desalento na janela
Qual fosse algum chamado se revela
Na mesma solidão que ontem tivera,
Eternizando em mim o duro inverno,
O quanto imaginara bem mais terno,
Apenas revigora esta quimera.
34815
Enquanto em dores faço cada verso
E deles me enveneno um pouco mais,
Aonde imaginara magistrais
Caminhos deles sigo tão diverso,
Percebo que deveras inda verso
Buscando raros motes divinais,
E os tantos brindes nobres em cristais
Transformam em nefasto este universo,
Restando dentro em mim o pouco ou nada
Do todo noutro rumo, noutra estrada
Estilhaçada sorte em desvario
Assim me aproximando do meu fim,
Saudade devorando tudo em mim,
A própria vida vira um desafio...
34816
Quem dera se dos sonhos fosse o eleito
Gerando alguma chance de poder
Viver a plenitude do meu ser
E ter o meu caminho satisfeito,
Mas quando solitário inda me deito
E nada do que sonho eu posso ver,
Sentindo o vento ao longe me tolher
Do gozo mais feliz, insatisfeito.
Somente desafetos pela vida
Que há tanto poderia, mas duvida
Da sorte desejosa e tão distante,
Ainda que pudesse crer no fato
Do amor onde decerto eu não retrato
O mundo noutro rumo se adiante.
34817
Quem tudo imaginara conhecer
Da vida se perdendo a cada instante,
O mundo este sobejo diamante
No qual e pelo qual se quer poder,
Não deixa-se levar e posso crer
Na força mais sublime e fascinante
E quando a cada passo se adiante
Distante do caminho a percorrer.
Mosaicos de figuras, sentimentos,
Enquanto em profusão dispersos ventos
Adentram dia a dia se percebe
Nobreza nos momentos infelizes
Tolice quando em ápices desdizes
A magnitude plena desta sebe.
34818
Inspiração dissipa-se no vento
E nada do que tanto poderia
Trazer alguma luz ou sintonia
Decerto dita o rumo em que alimento
O passo e se tento outro provento
A morte ou mais até vaga sangria
Desfila profanando o mero dia,
E o quanto se transforma em sofrimento.
Num multifacetário caminhar
É fácil muitas vezes sonegar
A imensa claridade que tu vês,
E nada do que tanto pude crer
Gerando alguma forma de prazer
Fugindo da completa sensatez.
34819
No verso que pudesse imensamente
Viver este talvez mesmo sombrio,
O tempo quando muito ainda guio
Tentando novo rumo, mas só mente
E trama mais dispersa uma semente
Gerada pela terra em pleno cio,
E quando toca a pele este rocio
A glória se moldando mais premente,
Nos ermos desta terra a vida aflora
E trama a eternidade da existência
E quando se negar a providência
Matando toda a fauna e toda a flora
O mundo em aridez, se agora eclético
Verás num ar terrível e desértico.
34820
Sonhar com claridade quando as trevas
Dominam minha noite, impedem dias,
Por onde na verdade não me guias
Ou mesmo no vazio em que me levas,
Negando com certeza sonhos, cevas,
As portas se fechando em heresias,
Dispersas realidades, agonias,
Aonde poderiam ser longevas
As sortes mais airosas que inda busco,
E quando neste tanto vejo o fusco
Caminho em tez sombria e desairosa
Esqueço algum canteiro em desventura
Nem mesmo uma esperança inda me cura,
Matando em nascedouro qualquer rosa.
34821
Andando pelo mundo e já se rumo
Galgando alguns espaços mais sombrios
E quando percebera ledos fios
Aos poucos neste inferno enfim me esfumo,
Do quanto poderia ter um prumo
E ver bem mais distantes desvarios,
Apenas acompanho velhos rios
Nos mares, quando em foz, também me escumo.
Esquivo-me das pedras, mas não vejo
Sequer a menor sombra de um desejo
Realizado ou mesmo concebido
Nas ânsias libertárias do passado,
Na morte a cada instante aprofundado,
A vida já não faz qualquer sentido.
34822
Tentara ter um norte e prosseguir
Embora acostumado aos devaneios
Os dias entre nuvens sem rodeios
Renegam o que possa ser porvir,
E quando me entranhando posso ouvir
Os sons dos sonhos vários, mas alheios,
Eu tento procurar ainda os veios
E neles este mar forte a bramir.
Afasto-me das tramas e me perco,
E quando do vazio já me acerco
Eu posso apenas crer que o fim se avança
E deixo para trás as meras sombras
Enquanto ainda vens e quando assombras
Renegas o que resta de esperança.
34823
Quem teve noutro sonho apoio e base
Por mais que ainda saiba estar distante
Do dia onde pudesse mais brilhante
Porquanto a própria vida sempre atrase
E a cada provimento já defase
E quando noutro rumo se adiante,
O medo do que fora fascinante
Não seja tão somente mera fase,
Eu tento adivinhar embora veja
A sorte noutra face mais andeja
Legando à solidão cada momento
Resumo no vazio todo verso
E quando noutra senda me disperso
Ao menos um sorriso ainda tento.
34824
A sorte se mostrando em cruz e medo,
O vago caminhar não poderia
Traçar noutro momento ainda um dia
E assim aos devaneios me concedo,
Alheio ao que pudesse ser degredo,
Em resoluto passo, uma agonia
Transcorre com terrível sincronia
Deixando o meu caminho atroz e ledo.
Pereço enquanto luto, mas atento
Aos tantos dissabores, teimo e tento
Permanecer ao menos, inda vivo.
E quando com silêncios, trevas, dores
Adentro o que pudessem ser albores,
Da dura realidade então me crivo.
34825
A névoa se esvaece deste olhar
Ausente que procura no horizonte
Ao menos vislumbrar onde se aponte
O mundo que tentara procurar,
Vagando sem destino, mergulhar
Na ausência de esperança, leda fonte
Ainda que se creia em vasta ponte,
O rio se transborda devagar.
Escassas soluções, árido solo,
Nas tramas da ilusão se me consolo
Percebo quanto a vida é tão fugaz,
De tudo o que buscara no passado
Apenas este estio é resultado
Do mundo em que tentara ver em paz.
34826
Guardando dentro em mim ledos rebanhos
E neles procurando me encontrar
Diversidade toma este lugar
Momentos mais dispersos ou estranhos,
E quando me permito em frágeis ganhos
A sorte muda sempre e a desvendar
Caminhos onde eu possa me encontrar
Gerando no futuro cortes, lanhos.
Aspectos tão sombrios do meu ser
Expostos neste fato em desprazer
Gestando a mansidão por vezes falsa,
Minha alma não se mostra resistente,
Mas quando outro cenário se apresente
Dos velhos vãos grilhões já se descalça.
34827
Ao conhecer a chuva, a tempestade
Assim como beber do imenso sol,
No quanto poderia ser farol
Por ter dentro de mim a claridade
Ao mesmo tempo em turva saciedade
O fardo pesa tanto no arrebol
Na falsa sensação de girassol,
Eu bebo com fartura a liberdade,
Enganam-se meus passos rumo ao certo,
E logo que os descubro já deserto
E tento o desvario em novo tom,
Sombrio, mas não sóbrio, sou assim,
E quando mais risonho vejo em mim
Um dissonante ou mesmo ausente som.
34828
Passeio pelas várias estações
E beijo os meus invernos, meus outonos,
E quanto mais entregue aos abandonos
Esqueço porventura alguns verões,
Primaveris momentos, soluções?
Distantes das que teimo sem os donos
Dos dias e também dos vários sonos
Estranhos caminhares, divisões.
Os passos rumo ao nada eu sei por tanto
Legar ao meu vazio o que pudera
Apascentar ou mesmo atiçar fera
E sendo assim por vezes eu me espanto
E queimo os meus neurônios sem sentir
O quanto poderia no por vir.
34829
A paz entre diversos desesperos
E nela fardos tantos; falso brilho
E quando no vazio ainda trilho
Espalho pelos cantos meus temperos,
No quanto ainda trago em mim os cleros
E os cantos pelos quais quero e palmilho
Deixando a cada passo outro polvilho
Os ermos que apresento falsos, veros,
São riscos de um complexo ser que entranho
Negando qualquer dano ou mero ganho,
Apenas por sentir e não querer
Apaziguar em mim seria a morte
E assim sem ter um corpo que comporte
Numa explosão enorme me perder.
34830
Não quero ser tristonho nem feliz,
Apenas prosseguir em calmaria
Embora saiba eterna a ventania
Distante do que sempre busco e quis,
O vandalismo gera este aprendiz
Que tanto quanto pode desafia
Ou mesmo noutra face fantasia
Enquanto logo afirma e já desdiz,
Incômodo viver se é desta forma
Ausência permanente de uma norma
Insaciável ser não se completa,
Que faço se deveras me devora
A vida sem ter tréguas, sem ter hora,
Se eu sou ou tento ser simples poeta?
34831
A noite qual falena adentra a casa
E toma toda a cena neste instante
Aonde poderia deslumbrante
Cenário quando amor invade e abrasa,
Mas tudo na verdade se descasa
E o tempo noutro tanto se adiante
E mostre do que pense fascinante
Apenas o vazio onde se embasa
A vida de quem sonha e não tempera
A sorte, vingativa tal quimera
Espreita algum momento e de tocaia
Prepara novamente um velho bote,
Porquanto a fantasia se desbote
E o sonho sempre atroz, deveras traia.
34832
Minha tristeza etérea e natural
Não deixa qualquer sombra que inda possa
Traçar outra verdade sendo nossa
A farpa sempre idêntica e venal,
Vagasse por espaço sideral,
Ou mesmo adentrando a enorme fossa
Seria na verdade o que se endossa
Na frase repetida e sempre igual,
Assisto à derrocada costumeira
E tendo mais alheia esta bandeira
Na qual a vida trama o fardo e traz
A sorte em desvario ou se apresente
Na forma mais atroz a persistente
Ausência do que fora ainda paz.
34833
Minha alma como fosse leda cruz
Carrega o dissabor de uma existência
Aonde sem caminho ou persistência
O tempo noutra face já compus,
Resumo o que talvez fizesse jus
Ao que se mostre sempre em inclemência,
Não adianta apenas a ingerência
Do mundo quando ao próprio enfim me opus.
Sorvendo da amargura cada gole
Enquanto esta aridez adentre e assole
Não deixa algum resquício de esperança,
Assídua esta presença da tristeza,
E nela não se vê qualquer surpresa
Porquanto ao vago passo esta alma lança.
34834
Ao menos no dobrar de um sino eu posso
Dizer do quanto em mim resiste ainda
E quando a sorte em morte bebe e brinda
O todo se mostrando agora nosso,
E assim enquanto um ermo passo endosso
Vibrando no que tange e já se finda
A face mais real tanto deslinda
Deixando meramente este destroço.
Escombro que avivado não me larga
E quanto mais eu possa estar na amarga
Realidade feita dia a dia,
Assisto ao derrocar do passo enquanto
No fardo mais pesado me levanto
E sorvo com prazer esta agonia.
34835
O pensamento açoda e tanto fere
E trama no silêncio a desventura,
O quanto de mim mesmo a alma procura
E a cada novo dia degenere
Assim a persistência se interfere
E trama a mais completa caradura
Na face desdenhosa da amargura
O quanto da verdade nada gere,
Eu sou e por ser sempre além do quanto
Espero sem descanso este quebranto
A dita noutra forma não se vê
E tendo a discordância como um fato
Aonde sem discórdias me retrato
No sofrimento encontro o meu por que.
34836
A espuma dita o verso de quem tenta
Vencer esta amplidão do imenso mar,
E quantas vezes tento navegar
Sabendo desde já farta tormenta,
O quanto na verdade me apascenta
Ou mesmo me impediu de procurar
Singrar este oceano e mergulhar
Na face dolorosa e violenta
À praia me legando a realidade
E quanto o pensamento ainda invade
Além do que pudesse em tom voraz,
O todo se apresenta em palidez
E o quanto ainda ausente tentas, vês
Somente a movediça areia traz.
34837
Sereias cujo canto inebriasse
Ao velho marinheiro em noite vã
Negando qualquer forma de amanhã
Gerando tão somente um vago impasse,
No quanto a realidade ainda grasse
Moldando a sorte amarga e tão malsã
Porquanto fosse trágico este afã
E nele a vida traz em turva face
O passo rumo ao nada sem, portanto
Trazer este sombrio e torpe canto
No qual eu me entranhando me perdi,
Audaciosamente o timoneiro
Tentando vislumbrar o derradeiro
Caminho que levasse sempre a ti.
34838
Navegando ao revés da calmaria
Beijando em teimosia esta procela
Na qual a fantasia se revela
E gera novamente a ventania,
Pudesse ser diverso e me traria
A paz aonde a vida já se atrela
E molda com terror o que se sela
Gestada pela vaga hipocrisia,
Melancolia trama novo verso
E nele se deveras me disperso
Encontro a realidade mais atroz,
Naufrágios são constantes e decerto
Enquanto a solidão tento ou deserto
O barco perde o rumo e encontra a foz.
34839
Amigos tão diversos, vida à popa
Seria muito bom não fosse assim
Realidade atroz e tão ruim
Negando o sonho aonde em vão galopa
Corcel de uma esperança e desta tropa
Apenas o que resta dita o fim,
Desdiz o sonho vivo quando enfim
Cetim não passa mesmo de uma estopa.
O todo se esvaindo no vazio
E o quanto do passado não recrio
Mudando pouco a pouco até que trame
Somente esta verdade mais dorida,
Assim se transcorrendo a minha vida
A fantasia traz falso ditame.
34840
Embriaguez convida ao falso sonho
E nele me entranhara vez em quando,
O todo noutro tanto se formando
Redunda no que vejo tão medonho,
Porquanto na verdade decomponho
Em ar tão mais temível quão nefando
O tempo se perdendo ou transmudando
O rumo do que eu possa e me proponho.
À sobriedade então nada resiste,
E ao ver esta verdade amarga e triste
Apenas no canteiro cevando urzes
Aonde imaginara lírio e rosa
A sorte é desvairada e caprichosa
E ao mais sofrível nada me conduzes.
34841
Amor escapa às mãos e quando voa
Levando para além minha esperança
No quanto do vazio já se lança
Apenas caminhando, sempre à toa,
A sorte muitas vezes tida boa
No fundo não passando por mudança
Negando desde já uma aliança
Decerto bem ao longe não ressoa,
Amar e ter respostas ao que sinto,
Bem mais do que um desejo, cego instinto,
É ter a plenitude em minhas mãos,
Mas quando mais distante dos teus olhos
Aonde quis roseiras tive abrolhos,
Inúteis meus vazios, toscos grãos...
34842
Ao ser assim deveras inconstante
O amor não se prepara, apenas vem,
E quando se percebe muito aquém
Apresenta-se enfim no mesmo instante,
Um lúdico e terrível diamante
Olhando muitas vezes com desdém,
No quanto ou no tão pouco que contém
Deveras apequene ou me agigante.
Ao ser assim o amor não tendo normas,
Ao mesmo tempo enquanto me deformas
Transformas minha vida num segundo,
Depois me abandonando deixa ao léu
Do inferno ao mais extremo e raro céu
É na verdade um nobre vagabundo.
34843
Enquanto te apascenta e de acalenta
Depois ao mesmo instante desafia,
Nas tramas deste encanto a fantasia
Por vezes tão suave ou violenta
Expressa uma bonança na tormenta
E quando na verdade se desfia
O amor é claridade, mas sombria
Mutante criatura se apresenta,
Insofismavelmente distraído,
Tocando sem pensar cada sentido
Aos poucos nos domina e nos devora
Após alguns momentos de domínio
Entrega-nos ao mais cruel fascínio,
Porém já satisfeito, vai embora...
34844
O amor por se tesouro em raro brilho,
Às vezes vira pó, bijuteria
E quanto mais assim já se querida,
Deveras se transforma num polvilho,
Dispara e mal concebe este gatilho
E nele com certeza mataria,
Ou logo após verões somente esfria
E segue sem juízo qualquer trilho,
Amar e ter certezas? Impossível.
Menino tão traquinas e safado,
O amor não tem remédio, dita o fado
Depois em outro instante é perecível,
Esgotando-se em tal saciedade,
Porém tem curto prazo, a validade...
34845
Dizer o quanto queres mais ouvir
É fácil, mas não sei se satisfaz,
No amor quando se mostre mais audaz
Talvez dando impressão de só mentir
Ou mesmo se talvez ao se omitir
Levando para longe qualquer paz,
No quanto deste intento se é capaz
Garantirá ou não algum porvir.
Brincando com a sorte vez em quando
O amor por vezes chega transformando
Ou noutras deformando o que existia,
No brilho incomparável, ou no nada
Figura que se vendo deformada
Transforma qualquer noite em pleno dia...
34846
O céu da minha infância, bem diverso
Da imensa e descorada cena que ora
No olhar de quem sonhara já se ancora
Mudando a direção de cada verso,
Outrora nestas nuvens quando imerso
Imagem mais mutante olhar explora
E quanta maravilha se devora
Com toda a fantasia. Hoje eu disperso.
A lua na verdade tinha brilho,
A via láctea nua aonde o trilho
Moldara em tal beleza, raros tons,
Agora esta brumosa face exposta
Deixando no passado uma proposta
Amortalhada em raios dos neons.
34847
Não tenho mais ouvidos nem olhar
Que possa discernir neste horizonte
A doce fantasia onde desponte
O velho e delicado desfilar
Das aves no momento de migrar
Nem mesmo perceber a frágil ponte,
Bebendo da pureza em rara fonte
Talvez outro caminho a desvendar.
Mas sei apenas isso, tudo passa
Em mim amordaçada qualquer graça
Trazida pela bela mocidade,
Meu filho no futuro repetindo
O mote em ladainha, sempre infindo
Imutável no mundo? Só saudade...
34848
Estou bem velho eu sei para poder
Viver o vicejar da primavera,
E sei que a cada tempo em nova espera
O todo poderá já renascer,
O muito que inda tenho pra aprender
Ou mesmo a solidão que o tempo gera,
Da sórdida ilusão se destempera
E teimo em meu passado reviver.
Já não me cabe mais o velho fato,
E quando neste morto eu me retrato
Também em luto vivo permanente,
Sangrias são inúteis, tolas crises,
Viver e reviver as cicatrizes
Matando o que me resta no presente.
34849
Amigos? Não mais sei se ainda os vejo
O tempo me afastou de qualquer luz,
E quando um novo dia eu recompus
Diverso totalmente do desejo.
O quanto ainda resta ou mesmo almejo
Já não comporta mais e nem traduz
O que noutro momento me propus
Somente foi, eu sei, mero lampejo.
Renovar é preciso? Mas me explique
Como posso se a cada dia eu tenho
Meu barco noutro mar, e sempre a pique
Naufrágios são constantes e a bonança
Defasa-se do frágil desempenho
Distante do que o olhar pálido alcança.
34850
Olhando o barulhento e tolo bando
De infantes percorrendo esta calçada
Eu tento ver a face desmembrada
Do tempo noutro tanto deformando,
O quadro que percebo me tornando
Imagem do passado desbotada,
Fotografia velha e amarelada
Numa gaveta, apenas garimpando.
Resisto o mais que posso e ainda tento
Sentir com paciência este tormento
E dele aproveitar algum nuance,
Mas velho e sem saber de uma esperança
A morte em ironia vendo avança
Até que qualquer dia enfim me alcance...
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