1
Ao ter a consciência do que sou
Um verme que disforme tenta a vida,
Lutando sem saber quando há saída
Alimentando em mim quanto sobrou
Do tempo aonde um templo se buscou
Nas duras impressões da despedida
Porquanto cada fonte sendo urdida
Nos antros onde a sorte me embrenhou.
Neblinas, brumas, sombras, mero espaço
Aonde sem defesas eu me enlaço
Nas ledas cordoalhas da esperança,
E estando semimorto nada vejo
Senão as frágeis linhas do desejo
E nelas meu olhar torpe se lança.
2
O resto do que fora consciência
Agora exposto em vaga e amarga face,
A cada novo tempo se desgrace
O quanto inda restara. Sem clemência.
A vida se transforma em penitência
Porquanto este nefasto rumo trace
E tendo em minhas mãos o desenlace
Mergulho na total incoerência.
Resumo-me no inerme ser que ainda
Respira e percebendo: já se finda
A peça em ato atroz, última cena.
Adentra nos seus ermos e se esgota
Perdida há tantos anos senda e rota
Minha alma ensimesmada se envenena.
3
O quanto do passado dita o orgulho
De ter além do cais qualquer espaço,
E agora quando aos poucos me desfaço,
Restando do que fora mero entulho,
As sendas de outros tempos eu vasculho
E tento ainda crer mantido o laço
E assim uma esperança, tolo, traço,
E apenas resta espinho e pedregulho.
Do todo; mera sombra e nada mais,
Meu verso se perdendo sem jamais
Ter tido a consciência do que sou,
E quando em noite fria vago só
Da longa estrada apenas vejo o pó
Do imenso orgulho, tudo o que restou...
4
O quanto em mim apenas desmorona
A cada passo um pouco do meu sonho,
E quando a nova estrada eu me proponho
A sorte simplesmente me abandona,
A vaga podridão subindo à tona,
O corte se mostrando em ar bisonho,
No passo rumo ao nada, ainda sonho,
Porém realidade desabona.
Um mero caminheiro do vazio,
Enquanto me percebo e assim desfio
Meus derradeiros passos sobre a terra,
A vida se esvaindo a cada instante
Do quanto imaginar fascinante,
Apenas esta sobra ainda encerra.
5
Aonde poderia ter criado
Um mundo bem melhor onde eu tivesse
Apenas tão somente uma benesse
Invés do céu amargo e tão nublado,
Resumo cada engodo do passado
E o sonho noutra face inda se tece,
Porém realidade me enlouquece
O rumo nunca sendo o desejado.
Dos altos edifícios da esperança
Um suicida insano enfim se lança
E tomba sobre o solo do real,
Assim percebo o fim dos velhos dias
Nas noites e nas tramas mais sombrias
A morte sendo um ato triunfal.
6
Exalam-se de mim pútridos cheiros
A carne decomposta em alma imunda
Enquanto de terrores já se inunda
Tomando os seus sentidos verdadeiros,
As ânsias, primaveras, nos canteiros
A sorte noutra face se aprofunda
E quando me percebo em nauseabunda
Imagem; bebo os ritos derradeiros.
E sinto a cada instante se esvaindo
O quanto ainda resta deste findo
E espúrio ser venal que vês; desnudo.
Ao menos me percebo plenamente,
Minha alma em ar sombrio não mais mente
Tampouco, na verdade não me iludo.
7
O tempo em agonia chega ao fim,
Resumo de uma vida inconsistente,
Por mais que outro caminho ainda tente
O templo destruído e ledo em mim,
Do todo aonde busco e de onde vim
Olhar de um ser caótico e demente
E a morte me rondando se apresente
A derradeira flor deste jardim,
Da vida entranhas loucas e diversas
E nelas outras sendas vão imersas
Bebendo dos meus antros, matam sonho.
E o quanto pude sempre muito aquém
Apenas o vazio me contém
Num mundo tão venal quanto enfadonho...
8
Palmilho pelos antros de um passado
Aonde esta disforme criatura
Bebendo cada cálice, amargura,
O templo deste sonho destroçado,
Resumo de outros tantos, meu legado
Será a falsa imagem que perdura
Deste sujeito em paz, tanta brandura
Diverso do meu eu entronizado.
Medonho e caricato, na verdade,
Um monstro em face cálida e não mais,
Enquanto vivo intensos vendavais,
A todo instante busco o que te agrade,
Nesta esquizofrenia eu me consumo,
Negando esta visão do podre sumo.
9
O mundo em que me entrego, mais austero
Tramado pelos ermos da ilusão
O quanto poderia em negação
Diverso do vazio aonde espero
A morte redimindo, o quanto a quero
E vejo bem mais próxima, o porão
De uma alma feita em dor e podridão
Resultado de um tempo insano e fero,
Esgota-se nos antros mais vulgares
E quando um ser espúrio tu notares
Vagando pelas ruas noite afora,
Verás o que inda resta deste inerme
Estúpido cadáver; vivo verme
Que das minhas entranhas já se aflora.
10
Desníveis entre tantos passos; tramo
Bebendo cada gole da aguardente
Espúria, mas porquanto ainda tente
Diversidade; nada encontro e clamo
Apenas pela paz, e quando chamo
Ninguém escutaria um ser demente
Ainda quando em ânsias se apresente
E em fúria vez em quando em vão me inflamo.
Tomado por dispersas ilusões
E nelas vejo vindo aos borbotões
Estúpidas promessas da esperança
O tempo renegando desafia
E deixa sempre exposta a fantasia
Enquanto a morte doma e leda, avança.
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