924
Agora que esta estrada já perdi
Não posso mais seguir contra a maré
Perdendo pouco a pouco minha fé,
Jamais encontrarei o que há em ti
A força incandescente de um carinho
Delírio feito frágua que incendeia
No doce emaranhado, tua teia
Na qual, tão suavemente ora me aninho
Sonhar nunca faz mal e me alimenta,
E nestas noites duras, solitárias,
As ânsias se mostrando sempre várias
Apaziguando assim cruel tormenta
E neles reacendo velhas piras
Aonde mansamente em mim te atiras.
925
Aonde mansamente em mim te atiras
Num átimo mergulho sem pensar.
Pudesse ao adentrar em raro mar
Viver longe de todas as mentiras.
Pudesse pelo menos, quem me dera,
Vencer os meus anseios e temores,
Colhendo finalmente em ti as flores
Plausíveis numa imensa primavera.
Pudesse ser feliz, eu tentaria
Vagar contra as tempestas mais ferozes,
Dos sonhos escutando brados, vozes,
Percebo ser somente fantasia
E quando a realidade em mim se lança
Sequer neste horizonte o olhar avança.
926
Sequer neste horizonte o olhar avança
E deixo para trás a caminhada
Sabendo tão distante esta alvorada,
Minha alma sobrevive da lembrança.
Eu quis beber da fonte maviosa
E dela ter eterna juventude,
Mas quando percebê-la vaga eu pude
A vida se mostrou em fria glosa.
E os rastros do cometa dito amor
Jamais eu consegui reconhecer,
Aonde se escondera o meu prazer,
A luz já não se põe ao meu dispor
E quando viva em mim terrível fera
Quem dera ser feliz, ah quem me dera.
927
Quem dera ser feliz, ah quem me dera
E ver após a chuva um belo sol,
E como fosse assim um girassol
Bebendo da alegria em primavera.
Assíduas emoções tomando o peito
Daquela que se deu sem perguntar
E tendo nos meus olhos este amar
Caminho muitas vezes satisfeito.
Mas vejo quão falsário este momento,
E nele não percebo mais a luz,
O olhar que do passado reproduz
O brilho se perdendo, desalento
E quem tanto eu queria, a se perder
Mentindo e sonegando este prazer.
928
Mentindo e sonegando este prazer
A vida destroçando a fantasia,
E quando novas luzes eu veria
O tempo novamente, escurecer.
Percorro os meus anseios e vontades
Desvendo cada queda e seu por que,
O mundo que sonhara não se vê
Tampouco reconheço claridades.
Os olhos embaçados pelo medo,
Vestindo este terror já costumeiro,
E quando em novas rotas eu me esgueiro
Uma esperança tola me concedo.
Assim domando a dor, terrível fera
Já não veria morta, a primavera...
929
Já não veria morta, a primavera
Tampouco poderia reclamar
A ausência da beleza de um luar
Que a cada nova noite destempera.
O verso repetindo a minha sina,
E nelas os meus enganos em contraste
Com toda esta ternura que encontraste
Carência toma a conta e me domina
Meus olhos entrelaçam a esperança
E ainda buscam luzes no horizonte,
Por mais que a realidade desaponte,
Futuro sob olhar chegando, avança
Quem sabe a recompensa possa ter
De quem se preparou para saber.
Nenhum comentário:
Postar um comentário