sexta-feira, 12 de março de 2010

ESPIRAL DE SONETOS 2

ESPIRAL DE SONETOS

13 SONETOS BÁSICOS

DESILUSÃO


1
Pudesse ser a noiva dos teus sonhos
E ter tua alegria junto a mim,
O tempo não traduz nem traz assim
Momentos que desejo mais risonhos.

Vivesse novamente em luzes tantas
Durante as minhas idas por aí
E tudo que deveras conheci
Jamais demonstraria quanto encantas

E sei que não podendo ter nas mãos
A sublime ventura de assim ser
Buscando a qualquer custo algum prazer
A vida repetindo velhos nãos.

Aonde te encontrar, querido meu
Se a estrela que me guia se escondeu

2

Se a estrela que me guia se escondeu
Depois de tantos anos sem ninguém
Somente a fantasia ainda vem
E nela tão somente imenso breu.

Vasculho dentro em mim e nem sinais
Dos dias que pensara poder ter
E sem saber sequer o que é viver
Os dias transcorrendo sempre iguais.

Vencida sem batalhas simplesmente
Morrendo sem saber felicidade
No olhar toda a tristeza que degrade
A vida a cada passo mais me mente.

E o gosto de um momento mais feliz,
Realidade chega e contradiz...

3

Realidade chega e contradiz.
Não deixa sobrar pedra sobre pedra
O coração deveras já se medra
Enquanto sou decerto uma infeliz.

Vestindo esta ilusão que não me cabe
No olhar lacrimejada negação,
E o tempo sonegando outro verão,
Aguardo que este sonho em vão desabe

E todo o meu caminho outrora belo,
Espinhos, pedregulhos são constantes,
Momentos de prazer tão deslumbrantes
Apenas nos meus sonhos eu revelo,

E quando acordo, nada me fascina,
Voltando para a triste e vã rotina...


4


Voltando para a triste e vã rotina
Apenas o cansaço me entretém
Quisera nesta vida ter alguém,
Somente a solidão inda domina

E muda a direção da minha vida,
Transforma toda luz, escuridão.
E sei que na verdade não virão
Momentos onde a sorte é decidida.

Saber do nada ter e prosseguir,
Buscando algum momento pelo menos
Alçando tão somente tais venenos,
Aonde se buscava um elixir.

Eu vejo este futuro em frio e treva,
Diverso do que uma alma tola, ceva...


5

Diverso do que uma alma tola, ceva
O mundo se propôs em aridez
Enquanto a fantasia se desfez
A sorte que buscara ser longeva

Agora se esvaindo pouco a pouco,
E amante da ilusão nada me resta,
Viver se traduzindo em voz funesta,
Sem ter sequer encanto me treslouco

E vago, solitária em noite imensa,
Tentando ser feliz. Oh! Quem me dera,
Amortalhada enfim, a primavera
Nem mesmo a fantasia recompensa

Quem tanto se entregou e nada vindo
Pensou num louco amor, superno e infindo...



6

Pensou num louco amor, superno e infindo
Até chegar à dura realidade
Por mais que a fantasia ainda brade,
Verdade pouco a pouco já deslindo

E vejo que talvez pudesse ainda
Viver algum momento de ventura,
Mas quando vejo inútil tal procura
Uma esperança aos poucos sei que finda.

E beijo o teu retrato amarelado,
Amado que se foi e não voltou,
Levando a melhor parte só deixou
Um rosto pelo tempo amargurado,

Um dia há de voltar quem tanto espero,
O amor, meu derradeiro e mais sincero...

7

O amor, meu derradeiro e mais sincero
Jogada pelas ruas, abandono,
E quando me percebo em tom profano,
Nos braços de outro alguém me desespero.

Vencer os meus anseios e poder
Seguir tranquilamente a minha vida.
Depois de uma esperança já perdida,
Não posso e nem pretendo mais saber

Do amor que dominando me escraviza
E tanto me seduz, mas me maltrata,
Não faço do meu verso uma bravata,
Tampouco necessito desta brisa,

Apenas quero ser feliz um dia,
Bem mais do que a verdade propicia...


8


Bem mais do que a verdade propicia
O mundo se propõe num desafeto,
Não tendo mais sequer algo concreto
Restando tão somente a fantasia,

Navego por um mar desconhecido
Buscando o marinheiro que partiu
Num sonho tão cruel, amargo e viu,
E nunca mais voltou. Aborrecido?

Não sei e nem pretendo solução,
Apenas quero ter felicidade,
E rompo do passado a velha grade
Procuro novos dias que virão...

Mas quando adormecendo solitária,
A vida se repete. Temerária...


9


A vida se repete temerária
E nada do que quis ainda trago,
Viver sem teu carinho, sem teu afago
É como ser na vida uma alimária.

Os sonhos não consigo mais vivê-los
Realidade aos poucos me consome,
Na noite a solidão, terrível fome
Transborda nos terríveis pesadelos

E vendo que amanhece e é tudo igual,
Repete-se esta vida rotineira,
O amor que imaginara já se esgueira
E a seca vai tomando o meu quintal,

Pudesse ter ao menos uma chance...
Quem tanto espera, eu sei, nunca descanse...

10


Quem tanto espera, eu sei, nunca descanse,
Mas teima e tenta ver a claridade,
E mesmo quando a treva adentra e invade
Do Amor pretendo ter algum relance.

E nada se apresenta e me atormento,
A insânia vai tomando minha mente,
O amor que tanto quis forte e envolvente
Já não me abandonando o pensamento

Domina cada fato, a cada dia
E não me deixa mais pensar em nada,
Viver eternamente apaixonada?
Procuro alguma carta de alforria

E nela a liberdade que desejo,
Porém tanto procuro e nada vejo...

11

Porém tanto procuro e nada vejo
E sei que talvez haja um novo alguém,
E enquanto o amor maior inda não vem
Dos sonhos tão somente algum lampejo.

Vivesse a maravilha de poder
Ter sob o olhar o brilho fascinante
Então eu poderia num instante
No amor maior em vida mesmo crer...

Sabendo ser apenas ilusão
Vencida após batalhas que travei,
Sozinha não procuro reino e rei,
As horas mais benditas não virão.

E quando me entranhasse em noite escura,
Sabendo que esta dor, vaga, perdura...


12


Sabendo que esta dor, vaga, perdura
Já não conseguirei outro caminho
E quando em ilusões teimosa, aninho
É como se buscasse inútil cura.

Escrava da emoção, a liberdade
Ausente da senzala feita em vida,
E quanto mais se teima, mais se acida
E o medo tão somente inda me invade.

Estando solitária e nada vendo
Senão este vazio que eterniza,
Buscando em tempestades pela brisa,
Felicidade nunca é dividendo

Pra quem se fez em dívida co’a sorte,
Sem ter amor que ainda me conforte...


13


Sem ter amor que ainda me conforte
Vagando pelas noites: solidão
Ainda que procure a direção
O barco já se fez sem rumo ou norte,

E quando me pergunto onde tu andas
Estrelas e cometas, nada vejo.
Somente alguma imagem, num lampejo
De luas enfeitando estas varandas.

Medonhas madrugadas, dias frios,
Saudade dominando o pensamento
Olhando para o enorme firmamento,
Os olhos sem ninguém morrem vazios.

E aonde te encontrar; meu bem amado,
Apenas se eu mirar o meu passado...



14

Apenas se eu mirar o meu passado
Consigo vislumbrar alguma luz,
E nela teu reflexo não reluz,
O sonho a tanto tempo anunciado

Jamais resistiria ao medo imenso
Da solitária noite que adivinho,
Na falta de ternura e de carinho
No amor que já se foi agora eu penso

E tudo se transforma em dor e pranto,
Tristeza dominando o dia a dia,
A dor se renovando, e esta agonia,
Servindo de mortalha, frio manto.

Quem dera reviver o meu jardim
E ter tua alegria junto a mim,

15

E ter tua alegria junto a mim
Seria o que melhor pudesse ver,
Somente me restando o desprazer,
O mundo se tornando um mal sem fim

Anseios são deveras quais açoites
E cortam minha pele a cada instante
O amor que desejara deslumbrante
Se traduz em terríveis, frias noites

Mergulho no silêncio e nada ouvindo
Somente o vento bate na janela
E assim a solidão já se revela
E o medo de viver se torna infindo.

O vento é o companheiro que inda vem
Depois de tantos anos sem ninguém.


16

Depois de tantos anos sem ninguém
Vasculho dentro em mim e nada encontro,
Somente tanto medo e desencontro
O coração sofrido inda contém.

Pudesse ser feliz ao menos isso,
Vivendo um grande amor em plenitude,
Porém por mais que o vento ainda mude
Diverso do que quero e até cobiço,

O mundo se transcorre em treva e medo,
Ainda que talvez haja esperança
Ao longe meu olhar vazio lança
E quando uma alegria eu me concedo

O olhar da solidão, que tanto medra
Não deixa sobrar pedra sobre pedra.

17

Não deixa sobrar pedra sobre pedra
O desencanto toma este cenário
E amor que sei sublime e necessário
Esvai-se e meu caminho então se medra

O beijo que recebo, falso brilho
E nele nada tendo só promessa
Enquanto uma ilusão vã recomeça
Realidade chega e nela trilho.

Amante de mim mesma e nada mais,
Vazios entre tantos pensamentos,
Aonde poderia ter alentos
Diverso dos meus sonhos, não há cais.

E quando me percebo sem ninguém.
Apenas o cansaço me entretém


18

Apenas o cansaço me entretém
E quando teço um sonho nada vejo
Prazer que imaginara tão sobejo,
A vida transcorrendo muito aquém.

A moça que pensava ser princesa,
Depois sem ter castelos, hoje é só
Do rei sequer sobrou poeira e pó,
O vento derrubando a fortaleza

E o solo aonde um dia cultivara
Já não produz senão estas daninhas,
Belezas que julgara serem minhas,
A sorte se propaga em fria escara,

E quando a poesia se desfez
O mundo se propôs em aridez.


19


O mundo se propôs em aridez
A quem se poderia crer no amor
Aquém do paraíso vejo a dor
E nela minha amarga insensatez.

Beijando boca a boca, não sacia
A sede de um anseio mais dileto,
E quando noutro braço me completo,
Somente algum lampejo em fantasia.

Vivenciando assim a triste sorte,
Morrendo sem ter nada que me ajude,
Há tanto já distante juventude
Deixando se perder sem ter aporte.

Caminho quando o sonho ainda invade
Até chegar à dura realidade.

20


Até chegar à dura realidade
Vagando por diversas fantasias
E nelas com certeza não me guias,
Distante dos meus olhos, na verdade.

Nos bares entre festas e baladas,
As danças e os delírios mentirosos,
Momentos que bem sei são caprichosos
Percorro sem sentido, tais estradas,

Menina já se foi faz tanto tempo
Agora só restando uma amargura
E nada, nem a festa inda me cura,
Somente algum terrível passatempo

A esperança, mal chega a mim o sono
Jogada pelas ruas, abandono.

21

Jogada pelas ruas, abandono
Os sonhos que talvez pudesse ter
E neles tão distante do prazer
Vivendo em mais completo desabono.

Às vezes me pergunto por que Deus
Deixou em mim a marca tão cruel
E ainda que perceba sigo ao léu
Somente preparada para o adeus.

Risonhas maravilhas? Vou distante,
Quem tenta e não consegue e assim desiste
Condena-se à verdade dura e triste
Por mais que um falso brilho se agigante

Ausente deste amor, não me completo
O mundo se propõe num desafeto.


22

O mundo se propõe num desafeto
E quem ainda crê numa esperança
Somente no vazio já se lança
Aonde te encontrar, amor dileto?

Não pude perceber tua presença
Nem mesmo nestes raios de luar
E quando me encontrava à preamar
A dor me transtornava, mais intensa.

Ausente do que possa uma alegria,
Queria pelo menos num momento,
Distante do terror e do tormento,
Uma alma sem ninguém só fantasia

Realidade nega algum afago
E nada do que quis ainda trago.

23

E nada do que quis ainda trago
Nem mesmo algum lampejo do que outrora
Se fez em alegria e me devora,
Causando tão somente dor e estrago.

Assisto aos meus momentos derradeiros
E neles a menina não está
Há tanto se perdeu e desde já
A seca destroçando os meus canteiros

Jamais imaginei jardim e rosa,
Somente em vãos espinhos fez-se a ceva
E a noite se embrenhando em dura treva
Aonde se queria maviosa.

Um coração em medo já se invade
Mas teima e tenta ver a claridade.

24


Mas teima e tenta ver a claridade
Quem tanto se acostuma: escuridão
E quando se entregando à tentação
Por mais que a vida atroz tudo degrade

A fútil sonhadora não descansa
E teima contra tudo e contra todos,
Mesmo que enfrente apenas os engodos,
Procura a fantasia calma e mansa.

Se a vida em turbulências já se fez
E nisso posso ver o meu retrato,
O mundo é tão feroz, cruel e ingrato
E nele se perdendo a lucidez

Mas teimo e uma esperança sempre vem
E sei que talvez haja um novo alguém.


25

E sei que talvez haja um novo alguém
Portanto não me canso de esperar
E bebo cada raio do luar
E nele uma alegria que convém

A quem se fez em sonho e em vã promessa,
A sorte desvendando o meu segredo,
E quando a tempestade vem não cedo
E a senda novamente recomeça

Usando da esperança, frágil arma
Lutando pela glória que não veio,
No olhar incontestável devaneio,
Porém realidade me desarma,

E quando nela faço pouso e ninho,
Já não conseguirei outro caminho.


26

Já não conseguirei outro caminho
E teimo contra a força da maré,
Ainda resta em mim imensa fé
E nela com certeza ora me aninho.

Açoda-me a vontade de te ter
E junto a ti na mesma caminhada
Seguindo com ternura nossa estrada
Rumando para a glória de um prazer.

Eu sei quanto me dói tal esperança
E nela a dor invade e toma tento,
Insisto e novamente quero e tento
Enquanto a vida em vão dorida avança

E em meio à turbulência e escuridão
Vagando pelas noites: solidão


27


Vagando pelas noites: solidão
Medonha face vejo da verdade,
Quem teve uma ilusão, felicidade,
Já sabe quanto a luta é sempre em vão.

Percebo nos teus olhos, meu amado
Distância insuperável que dói tanto
E apenas coletando o desencanto
Vivendo novamente o meu passado

Aonde a luz se fez tão parca e fria
Negando uma esperança e sem aporte
Somente me restando a dor do corte
Qual trágica e sem ritmo melodia

Quem dera ter florido o meu jardim;
O tempo não traduz nem traz assim.

28

O tempo não traduz nem traz assim
As marcas de um amor que poderia
Calar com mais vigor tal agonia
Sombria fantasia dentro em mim.

Vergastas me açoitando em noite imensa,
Meu corpo se tomando, corte e chaga,
Apenas ilusão ainda afaga
E nela posso ver a recompensa.

E quando procurando sem destino
O encanto de um menino que me queira,
A solidão é minha companheira
E nesta busca inútil me alucino

Gritando tolamente por alguém,
Somente a fantasia ainda vem.


29

Somente a fantasia ainda vem
Depois dos temporais, vaga bonança
E nela o coração jamais alcança
Prazeres e se encontra muito aquém

Viver tal emoção? Ah!Quem me dera,
O tempo não consegue confirmar
As ânsias de quem tanto quis amar
Matando qualquer flor e a primavera.

Inútil caminhada contra o vento,
Esmagam-se as vontades, nada resta,
E a vida continua e em cada aresta
Aumenta sempre o enorme sofrimento.

Na estrada feita em urze, medo e pedra
O coração deveras já se medra


30


O coração deveras já se medra
E nada poderia ser diverso,
Aonde se fizera triste verso,
No peito apenas vejo fria pedra,

Ansiosamente busco alguma fuga
E nada se apresenta, tão somente
O gélido momento em que se sente
Na face renascendo a cada ruga

Temor de solidão eterna e crua,
Uma alma sem destino segue assim
E nada se aproxima, vejo o fim,
As nuvens escondendo ao longe a lua

Enquanto o nada ser já me contém
Quisera nesta vida ter alguém.


31


Quisera nesta vida ter alguém
Que ao menos me trouxesse uma esperança,
Mas quando no vazio já se lança
A voz e na verdade nada vem,

Retorno à mesma ermida aonde tanto
Lutara inutilmente pela sorte,
Sem ter quem me acarinhe e me conforte,
Só resta tão somente o desencanto.

E aonde se pensara em alegria
O mundo renegando cada passo,
O sonho pouco a pouco já desfaço
Somente uma ilusão inda me guia

E vejo, se aproxima a insensatez
Enquanto a fantasia se desfez.



32

Enquanto a fantasia se desfez
Em dores e terríveis temporais,
O amor que tanto quis não vejo mais
Aonde se espalhara uma aridez.

Medonhos os momentos solitários
E neles uma emoção se mostra algoz,
Ninguém escutaria a minha voz,
Os rios não conhecem estuários...

Vazia e sem sequer expectativa
Percorro os descaminhos, dor e mágoa,
A solidão em mim chega e deságua,
Mas tento me mostrar audaz e altiva,

Não sei mais discernir felicidade,
Por mais que a fantasia ainda brade.

33

Por mais que a fantasia ainda brade
Reluto e não consigo perceber
Ao fim da tarde algum mero prazer,
Vivendo esta cruel realidade.

Mergulho então em pleno desvario
E saio sem destino por aí,
Há tanto que o caminho já perdi
Da chuva não restou sequer rocio.

E entrego-me ao primeiro que encontrar,
Sem ter sequer amor ou mesmo afeto,
Sabendo que em tal ânsia não repleto
O coração cansado de esperar,

Na noite solitária já me dano
E quando me percebo; em tom profano.


34

E quando me percebo; em tom profano
Vagando bar em bar, uma vadia,
A sorte sem destino não me guia
E a cada novo passo, novo engano.

Mesquinhos os desejos masculinos,
E se os satisfaço fico aquém,
Eu sei que este caminho não convém,
Mas nele pelo menos desatinos.

Viver tão solitária não permite
Que eu possa ter escolha, meu amigo.
Buscando algum prazer, tanto persigo
E não sei mais se existe algum limite.

Meu mundo sem ninguém é incompleto
Não tendo mais sequer algo concreto.


35


Não tendo mais sequer algo concreto
A vida vai cobrando cada toque
E mesmo quando o tempo não retoque
Procuro inutilmente colo e teto.

Sarjetas que freqüento, botequins,
Os tempos são bem árduos, disto eu sei,
Amante que se dá em qualquer grei,
Motéis, vilas e bares, e capins

Os homens são chupins e nada dão
Somente a sensação deste abandono,
E quando volto a casa já sem sono,
O cheiro que se emana: podridão

Porém o que me causa mais estrago:
Viver sem teu carinho, sem afago


36


Viver sem teu carinho, sem afago
É como me perder na multidão,
Sabendo ter comigo a solidão
Diversa da que em sonho ainda trago,

Vencida pelas ânsias costumeiras
De quem se fez amante e não sabia
Que ainda tendo aqui tanta agonia
As dores se fizeram as bandeiras

Às quais infelizmente inda me algemo,
Embora tanto lute contra e creia
Que a lua nascerá de novo cheia,
E sei que este vazio enorme, eu temo.

Teimando vejo tento a claridade
E mesmo quando a treva adentra e invade.


37

E mesmo quando a treva adentra e invade
Eu posso tentar crer noutro momento
Lutar contra a maré, amado eu tento,
Fugindo do que seja realidade.

Teimosamente a vida diz o não
Repete novamente a mesma história
A lua nascerá mais merencória
Brumosas madrugadas mostrarão

O quanto foi inútil cada sonho,
O mundo desabando dentro em mim
Retrata este vazio de onde vim
Na imagem de um amor tosco e bisonho

Eu vago sem destino e sem ninguém
E enquanto o amor maior inda não vem.


38

E enquanto o amor maior inda não vem
Cansada desta velha ladainha,
Vivendo cada noite tão sozinha,
A solidão eu sei, conheço bem

Bebendo cada gota da aguardente
Que a vida preparou em dor e medo,
Lutando contra a sorte logo eu cedo
E o nada se aproxima calmamente.

Espreito e tento ver a claridade
Diversa do que vejo: escuridão.
Os dias mais felizes de verão
Morreram sem sequer tranqüilidade.

Só sou feliz quietinha no meu ninho
E quando em ilusões teimosa, aninho.


39

E quando em ilusões teimosa, aninho
Depois de tantas vezes procurar
E nada nem ninguém eu encontrar
Deixando solitário o meu caminho

Em sendas bem mais claras, pensamento
Vagando pela noite em lua cheia,
O sonho pouco a pouco me incendeia,
E nele com certeza enfim me alento...

Mas sei que é fantasia e nada mais,
Os dias se repetem bem ou mal,
O quanto se deseja triunfal
Perdendo sem saber se existe cais,

Naufrágio vai tomando a embarcação
Ainda que procure a direção.

40



Ainda que procure a direção
Em meio aos temporais eu nada vejo
Sequer a simples sombra de um desejo
Somente neste olhar, a ingratidão.

Arranco dos meus dias esta luz
E bebo desta sombra que me ronda,
Buscando inutilmente tola sonda
Caminho que deveras não conduz

Esbarro nas mentiras e tramóias
Comuns de quem tentando ser feliz
Invés de realidade contradiz
Tirando desta náufraga, tais bóias

E assim transforma em fardos tão medonhos
Momentos que desejo mais risonhos.

41

Momentos que desejo mais risonhos.
Apenas são falácias, nada mais,
O amor se transformando em vendavais
E neles nem sequem restam meus sonhos.

Pudesse pelo menos ter no olhar
O brilho de quem tanto quer e teima,
Mas quando na ilusão tudo se queima
Não resta nem escombros, perco o ar.

Antigas emoções não mais sustentam,
Os dias são iguais. Monotonia...
Uma alma solitária fantasia
Enquanto no horizonte olhares tentam

Ver o sol, mas a noite em mim se deu
E nela tão somente imenso breu.





42

- E nela tão somente imenso breu
Assim eu vejo a vida e nada faço,
O medo demarcando este compasso,
O dia sem o sol escureceu.

E tudo o que pensara fosse ter
Há tanto que não vejo e nem pressinto,
O amor em forma bela estando extinto
Levando junto a si todo o prazer

Não deixa sequer sombras dentro em mim,
E morta em plena vida, sigo amarga,
A voz quando te chama já se embarga
Sentindo vem chegando agora o fim,

O teu sorriso em festas tudo diz
Enquanto sou decerto uma infeliz.


43

Enquanto sou decerto uma infeliz
Sem rumo nem destino por aí,
O amor eu mal toquei e conheci
Destino cada vez me contradiz

Deixando tão somente esta ferida
E nela se retrata uma amargura,
Levando sem remédios à loucura
História no vazio decidida.

Aonde quis um reino, ou simples lar
A sorte desbotando a cada dia
Matando alguma luz, sem fantasia
Ir contra a correnteza e navegar.

Mas quando de um amor procuro a mina
Somente a solidão inda domina.

44

Somente a solidão inda domina
A vida desta eterna sonhadora,
Suprema fantasia tentadora
Enquanto a realidade desatina.

Pudesse em versos nobres te dizer
Amado, sou feliz... Mas o que faço
Se há queda a cada novo e tolo passo
Deixando tão somente este sofrer

Herança de quem tanto desejara
E nada tendo além da solidão
Mergulha no vazio da amplidão
Bebendo desta fonte tão amara

A morte pouco a pouco muda em treva
A sorte que buscara ser longeva.

45


A sorte que buscara ser longeva,
Aos poucos vai morrendo em minhas mãos,
Aonde os dias seguem sendo vãos,
Não tendo quem em sonhos já se atreva

E bebo o nada ter como se fosse
Um néctar costumeiro e fabuloso,
O coração deveras andrajoso
Aguarda um novo dia bem mais doce.

Porém em tenebrosa tempestade
A vida não permite outro caminho,
E sinto cada toque mais daninho
Na fúria deste vento que degrade

Do sonho que pensara outrora lindo
Verdade pouco a pouco já deslindo.


46

Verdade pouco a pouco já deslindo
E deixo a fantasia para trás
O amor que nunca veio é bem capaz
De transformar um sonho quase infindo

Num pesadelo enorme e nada além
Do riso desdenhoso da quimera
Trazendo neste olhar a fria espera
Sabendo que a tocaia sempre vem…

O caos vai se gerando no meu peito
E a fonte ora salobra me entorpece,
Aonde poderia reza e prece
O sonho há muito tempo está desfeito;

Não tendo nada além de um dia fero
Nos braços de outro alguém me desespero.

47


Nos braços de outro alguém me desespero
Após ter procurado inutilmente
O amor que tanto agrade e me apascente
Momento pelo menos mais austero,

Viver e ter certeza deste sonho
E nele cada frase se completa,
Mas sei que a vida trama em nova meta
Um dia tão cruel, frio e tristonho.

Melancolia toma cada espaço
E tento prosseguir e vou assim
Sabendo que ao final morrendo em mim
Esta esperança tola que hoje traço

O mundo toda a sorte destruía
Restando tão somente a fantasia.


48


Restando tão somente a fantasia
A quem se deu inteira e nada teve
O amor quando distante se reteve
E a solidão adentra a poesia

No infausto de uma vida em dores feita
Ausência de um carinho me transtorna,
Não quero a realidade assim tão morna
Tampouco com o pouco se deleita

Uma alma sonhadora e caprichosa,
Cevando uma esperança mais audaz,
Não quero ter ermida como paz,
Canteiro que plantei não tendo rosa,

Viver sem a paixão tão temerária
É como ser na vida uma alimária.



49



É como ser na vida uma alimária
Viver sem este sonho tão profundo,
E quando em solidão de medo inundo
A vida se transforma; dura e vária.

Vencer os meus pudores e poder
Reconhecer as ânsias mais audazes,
E ter nas mãos os riscos que me trazes,
Pois neles talvez veja algum prazer,

E ser mais agressiva com a sorte,
Não ficar tão passiva como sou,
Se o tempo no vazio mergulhou
Preciso pelo menos de um suporte

E quando na loucura enfim me lance,
Do Amor pretendo ter algum relance.

50


Do Amor pretendo ter algum relance
Que possa permitir um novo brilho
Aonde com ternura maravilho
E bebo esta emoção que inda me alcance;

Vencida pelos medos do passado
Andando em noite frágil, pois escura,
Insanamente tento em vã procura
O amor há tanto tempo desejado.

E creio ser possível, mas bem sei
Que tudo não passando de promessa
A vida a cada noite recomeça
E neste grande abismo mergulhei,

Procuro pelas ruas e não vejo
Dos sonhos tão somente algum lampejo


51

Dos sonhos tão somente algum lampejo
Já bastaria a quem não tendo nada
Há tanto se permite tão cansada,
Porém este vazio eu não almejo.

Assisto aos meus momentos derradeiros
Ferida pela dor de uma saudade
A cada novo dia mais degrade
Deixando para trás os mensageiros

Que em formato de sonhos conheci
E agora me abandonam totalmente,
O próprio dia a dia não desmente,
O encanto se perdendo por aí

E ter nas mãos somente esta procura
É como se buscasse inútil cura.


52

É como se buscasse inútil cura
Sabendo quanto a vida nos maltrata
E sendo a cada dia mais ingrata
A sorte que minha alma em vão procura,

Anseio por momentos mais felizes
E neles embaraço-me em teus braços
Vivendo esta ternura feita em laços,
Esqueço dos tropeços e deslizes,

A moça em sonhos feita renascendo
Vestígios do passado, não mais vejo
E tudo o que deveras inda almejo
Traduz um dia lúdico e estupendo...

Mas quando acordo sem quem conforte
O barco já se fez sem rumo ou norte.

53

O barco já se fez sem rumo ou norte
E aquela timoneira do passado,
Sem ter quem tanto quis sempre ao seu lado,
Vislumbra da esperança, medo e morte.

Pudesse acreditar em novo dia
E ter tua presença junto a mim,
O amor que tantas vezes dita o fim
A sorte desairosa não mais via,

Mas quando se aproxima a noite imensa
E nela sem o brilho do luar,
Sonhando com teu corpo a me tocar,
Sem ter sequer alguma recompensa.

Tivesse a maravilha em que me encantas
Vivesse novamente em luzes tantas.



54

Vivesse novamente em luzes tantas
Quem sabia inda teria alguma chance,
Mas quando ao mesmo vão o amor se lance
Usando tais mortalhas como mantas,

Eu tenho este crepúsculo brumoso
Numa alma tão cativa e sonhadora,
Por mais que em sonhos tolos sempre fora
Diversa do que agora em tom jocoso

A vida perpetua em voz terrível
E enquanto ainda fosse cristalino
Caminho que deveras não domino,
Restando este espinheiro mais temível.

Buscando pelos rastros dos cristais
Vasculho dentro em mim e nem sinais.

55


Vasculho dentro em mim e nem sinais
Do todo que pensei pudesse ter
Na ausência tão funesta do prazer,
Aonde poderia ter um cais?

Vencida pela mesma insanidade
Que tanto me maltrata ultimamente,
O amor intempestivo não desmente
Enquanto a cada dia se degrade,

Sem louros de vitória, sem troféus
Sequiosa nada tendo busco a fonte,
Aonde o coração ainda aponte,
Embrenho meu delírio em falsos céus,

Ainda que este mundo vão desabe,
Vestindo esta ilusão que não me cabe.


56

Vestindo esta ilusão que não me cabe
Procuro calmamente algum lugar
Aonde o sonho venha devagar
Vivendo todo o encanto que se sabe,

E adentro fantasias; juventude,
E bebo cada gota deste nada
Penando sem destino, madrugada
Enquanto a realidade não transmude

E torne o meu viver insuportável,
Sangrantes emoções, vagos lugares,
Por mais que tantos brilhos procurares
O amor jamais seria tão potável

A sorte tão somente nos acida
E muda a direção da minha vida.

57

E muda a direção da minha vida
A sorte desairosa em que me meto,
E ainda tendo a voz do meu soneto,
Usado vez em quando qual guarida,

Por mais que tantas vezes siga vã
Não quero transformar em tempestade
O vento tão inútil que me invade
E não permitirá nova manhã.

Assim caminho contra os meus anseios,
Vestígios do que fora, nem conheço;
Somente percebendo este tropeço
Em dias que julgara mais alheios,

E o sonho de um amor imenso se louco
Agora se esvaindo pouco a pouco.


58



Agora se esvaindo pouco a pouco
O mundo pelo qual tanto lutara,
A sorte muitas vezes mais amara,
Enquanto em vão caminho, eu me treslouco.

Amenas emoções são falsas luzes,
Serenas estruturas desabando,
E o quanto mergulhara em lago brando
Diversas ondas fortes reproduzes,

E o beijo prometido não me ilude
Senzalas não traduzem um amor,
Quisera mais que um templo em que louvor
Roubasse o que me resta em juventude.

Adentro neste vão que se deslinda
E vejo que talvez pudesse; ainda...

59

E vejo que talvez pudesse ainda
Depois do nada tendo ver a fonte
Aonde o coração em luz se aponte
Promessa de manhã brilhante e linda.

Mas quando me percebo em trevas tantas
Diverso que o sonho me traçasse.
O amor em tal caminho, ledo impasse
Enquanto com palavras desencantas.

Vestindo esta ilusão já não suporto
Beber da mais pálida inocência,
Não quero um só minuto de clemência
O verso alentador, calando, aborto

Quisera sem poder ter teu prazer
Vencer os meus anseios. E poder...


60


Vencer os meus anseios e poder
Saber dos meus direitos de mulher,
Por mais que a tempestade inda vier
A calmaria eu busco conhecer,

Esboço reações e teimo tanto,
Lutando contra as dores e meus medos,
Conheço na verdade tais segredos,
Por isso é que iludida ainda canto,

E sinto alvorecer uma esperança
Aonde não podia nem pensar
Trazendo um belo raio do luar
E nele o meu olhar, sobejo lança

O coração deveras destemido,
Navego por um mar desconhecido.


61


Navego por um mar desconhecido
E enfrentando borrascas e procelas
Enquanto o desamor tu me revelas
Legando esta paixão ao vil olvido,

Quisera desfrutar a maravilha
De um dia mais feliz. Ah quem me dera...
Não tendo sequer flor ou primavera
Vazio este caminho que alma trilha

Levando ao mundo vão do esquecimento,
E nele tão somente a escuridão
Nos dias mais doridos que virão
Não adivinho nem restos do alento

Imersa nos terríveis pesadelos,
Os sonhos; não consigo mais vivê-los...


62

Os sonhos; não consigo mais vivê-los
Tampouco imaginar o amanhecer
Sem ter esta alegria e receber
Somente dos vazios, seus novelos.

Mesquinhas ilusões? Não acredito
O tempo muitas vezes não responde
Sequer se existe um gozo, e nem sei onde
Talvez se tenha um dia mais bonito,

Vagando por estradas sem destino
Durante madrugadas de abandono,
O tempo se percebe ledo e insano
E sem ter teu amor já me alucino.

Chamando inutilmente grito ao vento
E nada se apresenta e me atormento.

63


E nada se apresenta e me atormento
Depois de vagar tanto em solidão,
Momentos mais ferozes mostrarão
Que inútil foi deveras sofrimento;

Audaciosamente busco ainda
Quem possa me trazer felicidade,
E mesmo que mais alto ainda brade
Nem mesmo a fantasia se deslinda

E bebo a ingratidão, terrível fera
Afetando o meu dia, ser medonho,
E quando novo tempo recomponho,
Aonde me esconder sem primavera?

Sem ter onde pudesse algum prazer
Vivesse a maravilha de poder.


64

Vivesse a maravilha de poder
Sentir o teu respiro junto ao meu,
O sonho em desespero se perdeu
E nada tendo em triste alvorecer

Escuto a voz de um vento na janela
Chamando para as brumas, tão somente,
E quando a fantasia se desmente
A podre realidade se revela,

Esgoto minha força e sigo só,
Vencida pela dor desta ilusão
Somente novos dias mostrarão
Resquícios deste frio e duro pó.

Perdendo, sem ternura em dura grade,
Escrava da emoção, a liberdade.


65

Escrava da emoção, a liberdade
Não deixa que se pense no futuro,
O céu deveras negro, tosco e escuro
Apenas ilusão que se degrade

Falseio pelas ruas, sem destino,
Vendida pelas mesmas sensações
Que quando em realidade tu me expões
Provocam tão somente o desatino

Somente tenho alguma luz à noite
Nas sendas traiçoeiras do prazer,
E tendo em minhas mãos o nada ser
Verdade carcomendo como açoite.

O gozo passo a ter em vis demandas
E quando me pergunto onde tu andas.

66

E quando me pergunto onde tu andas
Depois de tanta dor em vaga ausência
O mundo se desnuda em impotência
E vivo o meu destino noutras bandas.

Ao ver já retratado este vazio
Que foi meu companheiro a vida inteira,
A sorte pelos cantos já se esgueira
E apenas o não ser vejo e recrio.

Astuciosamente o tempo diz
O verso mais audaz e tão cruel,
Aonde quis ternura tenho o meu,
E assim prossigo amarga ou infeliz.

Apenas a tristeza eu conheci
Durante as minhas idas por aí.

67

Durante as minhas idas por aí
Ao enfrentar diversos temporais,
Sonhando com momentos magistrais
O rumo desta história eu já perdi.

Anseio por teus braços meu amado,
Carinho que jamais poder me dar,
E tendo esta esperança a mergulhar
Num prédio há tanto tempo abandonado,

O mar que desejara ter em mim
Na areia movediça se espalhando,
E a fúria me transtorna desde quando
Inútil meu lutar começo ao fim;

E posso tão somente a sombra ver
Dos dias que pensara poder ter.


68

Dos dias que pensara poder ter
Carinho de quem tanto se fez fúria,
A sorte se desfaz e quem procure-a
Jamais o seu olhar vai conhecer

Espreito atocaiando alguma luz
Em trevas ardentias não se vêm
E o medo de viver sem ter ninguém
Imagem tão medonha reproduz.

Pedaços do que fui, meros resquícios
Da sonhadora fútil do passado,
E o beijo inutilmente tão sonhado,
Beirando a cada passo precipícios.

Os dias tão somente mostrarão
No olhar; lacrimejada negação...


69

No olhar; lacrimejada negação
Redunda-se do quase que não veio;
E tendo vilãmente este receio
O beijo muda a rota e a direção;

Mas cardo ou espinheiro que eu perceba
Durante a minha amara caminhada,
Expõe toda a verdade desta estrada
Por mais que nova senda inda conceba

O coração se faz aventureiro
E teima contra a força das marés,
O amor atando firme noutros pés
Sonega qualquer flor neste canteiro

Realidade crua e em tempo vão
Transforma toda luz, escuridão.


70


Transforma toda luz, escuridão.
A fria realidade e nela vejo
Bem mais do que talvez mero desejo
Dispersando de vez a tentação.

Aos pés de quem desejo amado meu,
Não posso controlar quando me invade
Matando qualquer sonho e claridade,
Mergulho no vazio feito em breu

Quisera pelo menos um momento
Aonde a sorte em paz se mostraria,
Mas vejo-me enredada em agonia
Bebendo deste imenso sofrimento

Durante a minha vida quis a festa
E amante da ilusão nada me resta.

71

E amante da ilusão nada me resta
Somente o gosto amargo de um passado
Há tanto sem destino abandonado
Nem mesmo a lua adentra em fina fresta

E o jeito é caminhar sem ter um porto
E nesta noite imersa no vazio,
O amor que tanto quero em vão desfio
E o sonho se transforma em mero aborto.

Menina acostumada à fantasia
Castelos desenhados, são ruínas,
E quando vez ou outra me dominas,
A sorte noutra senda não me guia.

Pudesse em noite triste e tão escura
Viver algum momento de ventura.



72


Viver algum momento de ventura
Depois de não ter mais qualquer caminho
Na ausência do alento de um carinho
A sorte que pensara não perdura.

Apenas ilusão e nada mais,
O tempo destroçando esta alegria,
Deixando tão somente uma agonia
Expressa nos terríveis temporais.

E o caos tomando toda esta existência
Que um dia se pensou bem mais tranqüila,
Verdade a cada passo mais destila
A dor gerando incômoda inclemência

Pudesse em plena luz embevecida
Seguir tranquilamente a minha vida.



73

Seguir tranquilamente a minha vida
Sem ter que perguntar aonde e quando
O mundo noutro rumo bandeando
Deixando para trás qualquer ermida,

A boca que me beija falsifica
O sonho e me promete o que não dá,
Sentindo esta impotência desde já
O amor já não me traz caminho ou dica

E beijo mesmo assim pensando além,
Vivendo este momento sem prazer,
O encanto no passado eu pude ver,
Porém mera saudade inda contém,

E a vida transcorrendo em ar sutil
Buscando o marinheiro que partiu.


74


Buscando o marinheiro que partiu
Durante um temporal e não voltou,
Levando tudo aquilo que inda sou,
O sol depois de tudo não se viu.

Esqueço a minha luz em nova estrada
E sei o quanto estúpido lutar
Por mais que ainda creia no luar,
Escura e solitária a madrugada,

Descrevo no vazio o meu caminho
E teimo em emboscadas tão escusas
Bem sei que nos seus olhos outras musas
Transbordam no desejo de um carinho.

Enquanto a noite chega e o brilho some
Realidade aos poucos me consome.


75

Realidade aos poucos me consome
E nada do que outrora desejara
Ainda que se torne bem mais rara
A sorte que deveras não se dome

Permite uma emoção mesmo que falsa
E teimo caminhando contra o vento,
Apenas noutros braços eu me alento,
Enquanto a fantasia, o meu sonho alça

Esgares desta sorte sem guarida
São fatos e retratos do que fui,
E o todo num momento não influi
Por mais que ainda a luz invada a vida

E sendo muita vez incoerente
A insânia vai tomando minha mente.

76


A insânia vai tomando minha mente
E não deixa sequer a lucidez
Viver além do quanto se desfez
Em sorte o coração de uma demente

O beijo se transforma em faca, adaga,
O tempo transcorrendo solitário
Amar e ter no olhar tão visionário
Caminho aonde o gozo não afaga

Persisto em ter nas mãos esta promessa
Sabendo que talvez o nada venha,
Amor desconhecendo qualquer senha,
E enquanto a tempestade recomeça

Querendo em fantasia tola neste instante
Ter sob o olhar o brilho fascinante.


77

Ter sob o olhar o brilho fascinante
E ser além de tudo mais feliz,
Enquanto a minha vida contradiz
Por mais que a realidade se agigante

Medonhas ilusões fazem de mim
Estúpida quimera se aproxima,
E nela se transforma a mera estima
Em rara florescência num jardim

Percebo ainda viva a primavera
Depois de tanto inverno desfrutado
O beijo noutro beijo anunciado,
Ainda me seduz e me tempera

A fantasia invade a velha ermida
Ausente da senzala feita em vida.


78

Ausente da senzala feita em vida
Esqueço dos momentos mais cruéis
E vejo renascidos gozos, méis
E neles a saudade em despedida.

Assumo o meu delírio e teimo ainda
Vencendo os mais constantes dissabores
Buscando nos canteiros minhas flores,
Em tarde insuperável, rara e linda...

Astuciosamente a sorte atocaiada
Expressa uma ilusão onde talvez
A sorte que a verdade já desfez
Permita alguma luz nesta alvorada.

Mas quando a realidade diz desejo
Estrelas e cometas? Nada vejo...


79


Estrelas e cometas? Nada vejo,
Somente escuridão tomando a noite,
O vento maltratando duro açoite,
Ao longe do luar algum lampejo

O amor se transformando em heresia,
Medonha tempestade em turbulência,
A sorte com terrível penitência
Somente o medo imenso se procria,

O gosto do não ser tomando a vida,
E o tempo sem ternura nada traz
O beijo que queria mais audaz
Distante dos meus olhos, tudo acida.

Só trago em mim o medo do que vi
E tudo que deveras conheci.

80

E tudo que deveras conheci
Apresentando o nada mais constante
Por mais que a fantasia se adiante
O rumo deste sonho já perdi.

E o quadro se tecendo em tanta dor,
Ausente dos meus olhos a esperança
Deveras tão somente o medo alcança
E trama a solidão, cruel louvor,

Assisto à derrocada deste sonho
E bebo este vazio que me dás,
Não posso perceber sequer a paz,
O olhar se torna amargo e tão medonho

Assim prossigo ausente do prazer
E sem saber sequer o que é viver.

81

E sem saber sequer o que é viver
Vasculho os meus guardados, dor e festa,
E quando à fantasia amor se presta
Depois de certo tempo; desprazer.

Encontro nos baús, velha lembrança
Do tempo aonde a sorte se dizia
Em tanto brilho e bebo da alegria
Aonde o coração audaz se lança.

Mas quando se tornou cruel outono
O frio se tornando mais freqüente,
Apenas meu inverno se pressente
E nele esta impressão, vago abandono

Somente medos tantos nascerão
E o tempo sonegando outro verão.

82



E o tempo sonegando outro verão
Matando as minhas últimas vontades
E nelas com terror ainda brades
Deixando para trás a sedução

Esgotam-se esperanças benfazejas
E quando nada vejo não percebo
Se amor é meramente algum placebo
Diverso do que tanto inda desejas,

Passando pelos olhos, um cometa
Que tanto se perdeu em noite escura,
Após a minha vida em tal procura
Ao nada novamente se arremeta

Estrelas perdem rumo e direção
E sei que na verdade não virão.

83


E sei que na verdade não virão
Os dias que talvez pudesse ver
Ao entranhar em mim tal desprazer,
O medo transtornando leva ao chão

Os sonhos de um momento feito em paz
Depois de inúteis passos por aí
E tudo o que deveras concebi
Transforma-se em delírio tão mordaz.

A morte se aproxima dos meus olhos
E nela talvez tenha um lenitivo,
Cansada de penar, só sobrevivo
Andando em tais caminhos, mil abrolhos.

Agora o que em verdade ainda resta?
Viver se traduzindo em voz funesta.


84


Viver se traduzindo em voz funesta
E tendo em meu olhar este vazio
Enquanto algum prazer eu propicio
A sorte me desdenha e me detesta.

Eflúvios tão diversos, riso farto
Em ritos nababescos, bacanais.
Os dias tão monótonos e iguais,
O encanto a cada tempo mais descarto.

Vagando por aí sem rumo ou nexo,
Noctívaga falena se perdendo,
Não tendo nem sequer um dividendo,
Não posso me entregar ao vago sexo.

Buscando a claridade em noite escura,
Mas quando vejo: inútil tal procura...


85


Mas quando vejo: inútil tal procura,
Não tendo escapatória, sigo triste.
O amor quando demais ainda insiste,
E mesmo contra tudo, já perdura.

O quadro se emoldura em fartas luzes,
Embora sejam falsas, de neon,
Ao ver este caminho audaz e bom
Por onde caminhando tu reluzes,

Espero pelo menos uma chance
E nela com certeza ora mergulho
Além deste espinheiro e pedregulho,
Que a sorte pelo menos inda alcance

E mude a direção de minha vida
Depois de uma esperança já perdida.


86

Depois de uma esperança já perdida
Descubro alguma chance de alegria
E enquanto outro caminho assim se urdia
A noite não teria amanhecido.

Espinhos são comuns nesta senda,
Canteiros não produzem tantas flores
E quando se nublando os meus albores
Nem mesmo uma emoção amor desvenda.

Apreço se transforma em dor e pranto,
Delírios costumeiros? Nada disso.
O beijo que deveras mais cobiço
Morrendo num completo desencanto

Qual cega num desejo torpe e vil
Num sonho tão cruel, amargo e; viu...


87

Num sonho tão cruel, amargo e viu
Caminhos mais diversos; se fez cega
No mar tempestuoso não navega
Teimando neste encanto mais gentil.

Assisto à derrocada do que outrora
Pensara solução, mas nada vindo,
O amor que imaginara ser infindo
Somente no vazio se demora.

E o bêbado desejo segue fútil,
O passo não traduz felicidade,
Por mais que uma emoção ainda brade
O tempo de viver se fez inútil.

E quando uma ilusão ainda dome
Na noite a solidão, terrível fome...

88

Na noite a solidão, terrível fome
Escuto apenas vento e nada mais,
Assim ao enfrentar os vendavais
O Amor não se aproxima e logo some,

Vencer as minhas urzes e seguir
Por mais que talvez possa imaginar
Momento mais gostoso, num luar,
A noite se eterniza no porvir.

E o passo quase trôpego traduz
A queda inevitável da esperança
E mesmo contra tudo ainda avança
Buscando a claridade que seduz

E ainda insanamente se pressente
O amor que tanto quis forte e envolvente.



89

O amor que tanto quis forte e envolvente
Não pode me trazer senão a dor,
E o gosto se traduz em amargor
No encanto que deveras já se ausente...

Persisto no caminho que escolhi,
Vagando sem destino em noite fria,
Pudesse ter a luz do amor que guia
Talvez me conduzisse então a ti.

Peçonhas são comuns em armadilhas,
Tocaias costumeiras me entranhando,
O mundo que pensara claro e bando
Diverso do que agora sei que trilhas

Porém um mundo raro e deslumbrante
Então eu poderia; num instante...

90

Então eu poderia; num instante
Saber dos meus momentos mais felizes,
E quando se cultivam cicatrizes
O mundo se tornando terebrante

Escuto a voz do encanto que não veio
E beijo a solidão, velha quimera,
Depois de tanto tempo em fria espera,
Apenas neste olhar um devaneio.

Augustas emoções são raridades
E tantas ilusões me amortalhando,
O sonho num instante desabando
E a cada novo não bem mais degrades

Assim vou persistindo em tola vida
E quanto mais se teima, mais se acida.


91

E quanto mais se teima, mais se acida
Embora possa crer num novo tempo,
Mergulhando num vago contratempo
A história se fazendo em despedida,

A porta se trancando e nada tendo
Aprendo a me fazer calada então,
Mesquinhas madrugadas não trarão
Saciedade alguma em dividendo

A par do que não sou e nem seria,
O amor já não conhece mais limite,
E mesmo que esperança inda palpite
Aporta-se distante a fantasia

Do sonho que buscara e que desejo
Somente alguma imagem, num lampejo.



92

Somente alguma imagem, num lampejo
Retrata um coração enamorado,
E quando se escutando um manso brado
O mundo mais feliz, tola, prevejo.

Assim ao caminhar entre tempestas
Vestindo esta terrível ilusão,
Atalhos desairosos mostrarão
Apenas as entranhas mais funestas

Dos meus anseios tolos e vulgares,
Arcando com enganos mais constantes
Pudesse pelo menos por instantes
Saber o que tu queres, teus altares,

Porém toda a verdade entre outras tantas
Jamais demonstraria quanto encantas.


93


Jamais demonstraria quanto encantas
Momento em que se mostre o verdadeiro
Retrato de um sutil, vil jardineiro
Aguando com malícia suas plantas.

Esgueiro-me entre as flores do jardim
E sinto o seu aroma quase inerte
E toda esta ilusão já se converte
No imenso e transbordante, tolo fim.

Aonde quis um dia mais sereno
Vestido de poesia, feito em paz,
Somente o nada ser ainda traz,
E neste abandonar eu me enveneno

Invés de belos ritos magistrais,
Os dias transcorrendo sempre iguais.


94


Os dias transcorrendo sempre iguais
Devoram o que fora fantasia,
E o amor se transcorrendo em voz vazia
Mesquinhos os desejos mais banais.

Eu tinha esta esperança de outros tempos
Melhores, mas bem sei foi um segundo
Aonde no não ser eu me aprofundo
Bebendo tão somente contratempos.

E a casa construída em base frágil
Não resistindo ao vento mais feroz,
O rio se perdendo desta foz,
O amor se torna arisco e bem mais ágil.

Vivendo tudo aquilo que se sabe
Aguardo que este sonho em vão desabe.



95

Aguardo que este sonho em vão desabe,
E assim quando em ruínas já se fez
O amor que se pensara insensatez,
Bem antes do prazer assim se acabe,

Nefastas as verdades que me dizes,
E sinto dolorido o peito em fúria,
O quanto desta vida em vil penúria
Somente deixará mais cicatrizes

No peito de uma tola sonhadora,
Bem mais do que qualquer doce ilusão,
Meu barco sem caminho ou direção
Distante do que sempre quis e fora

Aguarda tão somente em torpe vida
Momentos onde a sorte é decidida.


96



Momentos onde a sorte é decidida
Depois de tanta busca em vão, percebo
O amor como se fosse algum mancebo
Distante de meu sonho e teimo ermida.

A porta não se abrindo e esta ventana
Perpetuamente em travas se guarnece,
E tento pelo menos ter a messe
Que o tempo sempre nega e agora adia.

Eu penso ser possível ter nas mãos
A luz de intensa e rara claridade,
Mas quando escuridão de novo invade,
Percebo novamente os mesmos nãos.

O brilho sendo opaco e o gozo pouco,
Sem ter sequer encanto me treslouco.


97

Sem ter sequer encanto me treslouco
Na busca por mim mesma e nada vindo,
O amor que desejara raro e lindo,
Estacionando o tempo sei que é pouco.

Apreço de quem tanto necessito
Se mostra, quando muito de amizade,
Por mais que o coração teimando brade,
Repete-se deveras tosco rito.

Medonhas ilusões são companheiras
Daquela que se deu em dor imensa,
No quanto em nosso amor, já não se pensa
Enquanto noutros rumo tu te inteiras;

E assim ausente em nós a noite linda,
Uma esperança aos poucos sei que finda.


98

Uma esperança aos poucos sei que finda,
Não deixa sequer sombras pelo chão,
O beijo que se fez embora vão,
Vivendo no meu peito expõe ainda

Um raro amanhecer em luz constante,
Quimera que traduz tal vilania,
E o quanto se pudesse e não faria
Por mais que uma esperança se adiante

O mundo não permite tal viagem,
E nela se perdendo o meu destino,
Quisera novamente este menino
Que agora se transforma em vã miragem,

E quando sonho em raro amanhecer
Não posso e nem pretendo mais saber.

99

Não posso e nem pretendo mais saber
Daquele moço belo que talvez
Ainda me causando insensatez
Mergulha num terrível desprazer.

O beijo num momento feito em glória
Agora não traduz felicidade,
Aguardo outro tormento que degrade
Deixando a minha lua merencória

Vestida de ilusão? Jamais. Entranho
Dentro em mim tormento que se faz
Deveras tenebroso e tão mordaz,
Falando deste sonho vil de antanho.

O Amor partiu deveras desvalido
E nunca mais voltou. Aborrecido?

100

E nunca mais voltou, aborrecido
Depois de tantos dias em que pude
Notar tanta inconstância em atitude
Somente nos guiando uma libido,

Esbarro no vazio do não ter
E quando me desnudo não te vejo,
Percebo bem distante do que almejo
Um tempo tão mesquinho em desprazer.

Assisto ao derrotar-se da ilusão
Quimera me tomando em noite fria,
Aonde se escondeu a estrela guia
Que apenas tempestades se trarão

O mundo feito em dores e desvelos
Transborda nos terríveis pesadelos.


101

Transborda nos terríveis pesadelos
A imensa solidão que me domina,
Aonde houvesse sonho, doce mina,
Momentos de prazer? Jamais vivê-los.

Sentindo a dor de quem se deu demais
E não se percebendo mais feliz,
A sorte a cada dia contradiz
A paz imersa em fúrias, temporais.

E o quando se tornasse mais palpável
O medo desabando sobre nós,
Amor ao mesmo tempo bom e atroz
Um dia mais distante ou improvável

E assim este terrível sofrimento
Já não me abandonando o pensamento.


102

Já não me abandonando o pensamento,
Vontade de te ter bem junto a mim,
Aonde houvesse flor, paz e jardim
Ali encontraria algum alento.

Mas tudo não passando de falácia,
O gosto de um prazer se torna ausente,
Por mais que a fantasia se freqüente
E nela com certeza alguma audácia,

O mundo me prepara para o não
E dele não consigo liberdade
E quando esta vontade ainda invade
Somente dores tantas mostrarão

Quão impossível neste desprazer
No amor maior em vida mesmo crer...


103


No amor maior em vida mesmo crer
Sabendo desfrutar tanta alegria,
A vida sem perguntas fantasia
Promete um belo e manso alvorecer.

Mas quando me percebo solitária
Andando pelas ruas, sem destino,
No quanto nada posso me alucino
A sorte me transforma numa pária;

Esqueço os meus momentos mais felizes
E teimo nesta incrível emoção
Vivendo sem limites e perdão,

O tempo sonegando a claridade
E o medo tão somente inda me invade.



104

E o medo tão somente inda me invade
Fazendo desta vida um triste inverno
E quando noutros sonhos eu me interno
Distante dos meus olhos, realidade...

Estúpida manhã vaga e brumosa,
Nefastas ilusões em tosco bando,
E o todo que desejo sonegando
Amor que a cada dia mais se glosa.

Perpetuando a dor do não saber
Sequer se existe luz após a chuva,
No leito tão sofrido de viúva,
Apenas muito me do e desprazer,

Saudade que acompanha em outras bandas,
De luas enfeitando estas varandas.

105

De luas enfeitando estas varandas
Há tempos quando eu via neste espelho
O olhar que agora sinto mais vermelho
Sem saber meu amor por onde é que andas.

Vivesse pelo menos para ver
De novo um sol imenso na manhã,
A sorte muitas vezes tão malsã
Não deixa qualquer rastro de prazer.

Assumo os meus engodos, porém devo
Pagar eternamente meus pecados?
Os dias são deveras malfadados
O sofrimento é duro e mais longevo

É como poder crer em bentos grãos
E sei que não podendo ter nas mãos...

106


E sei que não podendo ter nas mãos
O encanto de um amor que me suprisse.
Premissa de ilusão que se desdisse
Em dias e momentos todos vãos.

Escura furna diz da tua ausência,
Amado que se foi pra nunca mais
Deixando dias frios e invernais
Qual fosse para mim a penitência.

Descrevo este abandono com ternura
E sei que talvez ouça a minha voz,
A morte se tornando mais feroz,
Enquanto a solução não se procura

Quem segue tão entregue já se sente
Vencida sem batalhas simplesmente.


107


Vencida sem batalhas simplesmente
Encontro o desconforto de pensar
Que ainda poderia relutar
E ter nas mãos uma semente

E dela se cevando com carinho
Poder acreditar no renascer
Da vida que cansada de perder,
Traduz o coração tolo e sozinho.

Mas quando me imagino junto a ti,
Ausente dos meus olhos a alegria,
Apenas o temor inda me guia
Dizendo deste tanto que perdi

Levaste num só golpe meu castelo
E todo o meu caminho outrora belo.


108

E todo o meu caminho outrora belo
Agora se transforma em dura senda,
E quando a realidade se desvenda
Destino noutro rumo teimo e selo.

Apenas o passado vive ainda
E a fúria se transforma em pesadelo,
O quanto poderia revivê-lo
É ter uma amargura quase infinda,

Mas louca uma vingança se prepara
E dela me alimento sem descanso,
Não quero mais saber de algum remanso,
Tampouco noite mansa em lua clara

No peito em dor imensa persistir,
Saber do nada ter e prosseguir.


109


Saber do nada ter e prosseguir
Lutando contra tudo e contra todos,
Aonde se pensara em tais engodos,
Distante da emoção sem ter porvir

A máscara que usara não ilude
Tampouco alguma força me conduz,
Ausente do caminho ainda a luz,
Perdendo sem prazeres, juventude.

Vergastas sobre mim a cada noite
São tantos os momentos de terror,
Seguindo teu caminho aonde for,
Saudade maltratando, frio açoite.

Sabendo quão distante a recompensa
E vago, solitária em noite imensa,


110


E vago, solitária em noite imensa
Depois de perceber o quão vazia
A vida sem ternura ou alegria,
E assim sem ter alguém que me convença

Mergulho nesta intensa sordidez,
E farta da aguardente mais amarga,
A voz titubeante já se embarga
E todo o meu castelo se desfez.

Esgarçam-se os resquícios da esperança
E o peso desta vida me vergando,
O mundo pouco a pouco lacerando
Enquanto a realidade dura avança

Sozinha, sem ninguém aqui do lado,
E beijo o teu retrato amarelado.

111


E beijo o teu retrato amarelado
Sabendo que talvez não voltes mais,
Momentos solitários e banais
O tempo já se fez abandonado.

E o gosto tão amargo da saudade
Reinando sobre mim me aprisiona
E quando este prazer retorna à tona
A força do vazio mais invade.

Determinada sorte se perdendo
E nela o meu caminho se faz vão,
Aonde se pensara em direção
A fantasia é simples tolo adendo;

E todo sonho chega e ainda avisa
Do amor que dominando me escraviza.


112

Do amor que dominando me escraviza
Não quero mais saber, mas sigo só
E tento desfazer o incrível nó,
Nem mesmo algum sorriso suaviza.

E o peso do viver já se agiganta
O gozo se tornando mero sonho,
O mundo que percebo mais medonho
Avilta a minha antiga e frágil manta.

Esboço reações. Mas nada disso
Permite um novo tempo ou quem sabe,
Ainda que meu todo se desabe
Perceba alguma paz que inda cobiço,

Porém ora cansada deste não
Não sei e nem pretendo solução.


113


Não sei e nem pretendo solução
Tampouco qualquer luz que inda clareie,
E mesmo que meu mundo devaneie
Galgando um novo rumo ou direção

Acendo esta ilusão que me permite
Viver sem ter talvez medo ou terror,
E nesta imensidão quem sabe amor
Ainda se perceba sem limite.

Calcando o meu viver nesta esperança
Desnudo-me das dores e prossigo
Buscando algum sentido, algum abrigo
Aonde o coração firme se lança

A vida se repete em ritual,
E vendo que amanhece e é tudo igual.

114

E vendo que amanhece e é tudo igual
Não posso mais calar a dor que sinto,
O amor ao se mostrar em puro instinto
Desfila um ar deveras sensual,

Mas nada disso eu quero para mim,
Romântica, pretendo um companheiro
Que sendo mais leal e verdadeiro
Ajude a cultivar este jardim.

Porém quando percebo, o que se vê
É mera falsidade em tosco guizo,
Diverso do que sonho ou mais preciso,
Encontro tão somente e sem por que

Imagem que ilusão já fantasia
Domina cada fato, a cada dia.

115

Domina cada fato, a cada dia
O amor que não se deu e nem dará
Encanto que preciso desde já
Verdade, sem remédio, sempre adia.

O beijo muitas vezes significa
Bem mais do que um carinho, ou vontade,
Mas quando me percebo em realidade
Distante deste tanto que edifica

Eu vejo se arruinando um belo sonho
Matando o que pudera ser feliz,
Diverso deste amor que tanto quis,
Traduz momento frio, ora medonho.

E aonde posso crer na solução
Sabendo ser apenas ilusão?


116

Sabendo ser apenas ilusão
O encanto que pensara mais constante,
Ainda vejo a luz onde adiante
A sombra de uma nova dimensão

Ausente desta luta na inconstância
Capaz de destroçar qualquer paragem,
Mirando tal mutável paisagem
O amor se fez cruel em discrepância.

E o passo rumo ao nada é bem mais forte
Do tanto se transforma em mera luz,
Estrela tão distante não reluz,
Nem mesmo sei quem tanto me conforte.

Felicidade eu sei, um tolo adendo
Estando solitária e nada vendo.


117

Estando solitária e nada vendo
Pergunto ao sol e à lua aonde vejo
O Amor que inutilmente ainda almejo,
Diverso desta dor que ora desvendo.

Percebo tais vazios no meu peito
E nada se criando deste vão
Apenas os tormentos voltarão
E o mundo se passando insatisfeito.

Usando do meu verso como uma arma
Pretendo ver o brilho mais tranqüilo
Do sol que se mostrando noutro estilo,
A minha fantasia já desarma.

Mas quando me percebo sem estios,
Medonhas madrugadas, dias frios.


118

Medonhas madrugadas, dias frios
E tanto te procuro inutilmente,
A sorte a cada vez que mais se ausente
Prepara estes terríveis desafios,

E o vento na janela me chamando
Trazendo alguma paz vira tormenta,
Nem mesmo uma esperança me apascenta
O amor se fez ausente em duro bando.

As mesmas ilusões do meu passado,
O caos me transtornando, nada sei.
Vazia dolorida a minha grei,
Sem ter o nosso amor, abençoado.

Sonhar é tão somente conceber
A sublime ventura de assim ser.


119


A sublime ventura de assim ser
Eterna sonhadora; já traria
Quem sabe algum momento de alegria
Além do que podia conceber...

A par dos meus anseios tu persistes
E noutras aventuras me abandonas,
E quando do meu sonho ora te adonas
Deixando os meus olhares bem mais tristes

Não vês o quão dorido é ser assim,
Ausente de teus braços e carinhos,
Os dias transcorrendo tão sozinhos
A dor que tanto sinto não tem fim.

Olhando para a amarga realidade:
Morrendo sem saber felicidade.


120

Morrendo sem saber felicidade
Não poderei seguir contra a maré,
O amor por ser somente assim já é
Motivo de ternura em dura grade.

Partindo sem saber se existe rumo,
O beijo sonegado ou mentiroso,
Caminho muitas vezes tão danoso
Em medo e desespero me consumo.

Acasos entre ocasos, noites vãs
Tecendo este vazio que ora adentro,
Na luz que ainda toca me concentro,
Promessas de quem sabe outras manhãs.

Mas como se em caminhos discrepantes
Espinhos, pedregulhos são constantes.

121


Espinhos, pedregulhos são constantes
Na vida de uma tola caminheira,
E quando esta paixão é verdadeira
O mundo se perdendo por instantes.

Do todo que talvez pudesse ter
Ao menos um vestígio poderia,
Mas quando vejo em mim tanta agonia,
A morte passo então a conceber.

Esqueço das mentiras que disseste,
E teimo contra toda esta falácia,
O passo se transcorre com audácia
Diversa da que tanto propuseste.

Ainda creio em dias mais serenos
Buscando algum momento pelo menos.


122

Buscando algum momento pelo menos
Aonde desvendar este segredo
E nele todo amor que te concedo
Traçando outros caminhos mais amenos.

Assim talvez pudesse ver em mim
O florescer da paz que necessito,
Um dia com certeza mais bonito
Tomando com riqueza o meu jardim,

Alucinadamente o nada vem
E a carga deste sonho pesa tanto,
Percebe finalmente o desencanto
Traçado pelo rumo sem ninguém.

Assim eu já perdi a primavera
Tentando ser feliz. Oh! Quem me dera...

123


Tentando ser feliz (Oh! Quem me dera)
Andando pelas noites mais escuras,
Rondando pela rua onde procuras
Quem tanto tu desejas, louca espera.

Assim não poderia ser feliz,
E ter ao mesmo tempo esta alegria,
Enquanto se percebe a poesia
Ainda o coração teimando diz

Do todo que imagino ser plausível,
A farsa, esta conheço muito bem,
E nela só meu medo ainda vem,
Tornando o meu viver quase impossível.

A causa deste nada quer ora sou:
Amado que se foi e não voltou.


124

Amado que se foi e não voltou
Tornando a minha vida um vago inferno,
Nas ânsias mais doridas eu me inverno
E bebo tão somente o que restou.

Vasculho dentro em mim qualquer sinal
Aonde se pudesse traduzir
Momento mais airoso no porvir,
Sorriso que se mostre triunfal.

Assim sem ter destino em noite amara,
O beijo mentiroso da quimera
Trazendo sempre à tona a mesma fera
Na qual a solidão já se declara

Pudesse ter a luz que ora arrebata
E tanto me seduz, mas me maltrata...



125



E tanto me seduz, mas me maltrata,
A força incontestável deste amor,
E nele com firmeza e com vigor
Talvez vida não fosse mais ingrata.

Assisto à derrocada deste sonho,
Menina que deveras se tornou
Amarga criatura. Aonde vou
Retrato este porvir triste e medonho.

Acordos destruídos, medos tantos,
E neles o retrato mais fiel
De quem ao procurar na terra o céu
Somente descobrira desencantos.

Sozinha atrás do medo, fria grade
Apenas quero ter felicidade...




126

Apenas quero ter felicidade
E ver algum momento aonde um cais
Depois destas borrascas, vendavais,
Traria a mansidão que tanto agrade.

Mas sei ser impossível. Porém tento
E quando mais audaz maior a queda,
A vida vai cobrando em vil moeda
Tomando com terror cada momento.

E assim após tentar somente o todo,
Não tendo nem pedaço, sigo só.
Atrás não se percebe nem o pó,
Somente lama, barro, frio e lodo.

E a cada noite vaga e corriqueira
Repete-se esta vida rotineira.


127

Repete-se esta vida rotineira
E nela sem disfarces eu mergulho,
Cevando cada espinho e pedregulho
Quem dera se pudesse jardineira

De um solo bem mais fértil. Aridez
Tomando cada ponto nada vem
E vivo tão distante e sempre aquém
Do amor que na verdade já não vês.

Esqueço de mim mesma e quando vejo
A solidão se torna bem maior,
Caminhos para a dor eu sei de cor.
Distante desta paz morto o desejo

A sorte se apresenta destroçada
E não me deixa mais pensar em nada.

128

E não me deixa mais pensar em nada
O anseio de um momento aonde eu possa
Ressurgir da terrível, funda fossa
Há tanto pela vida demonstrada.

Endosso os meus caminhos com ternura,
Mas nada disso traz felicidade,
Morrendo solitária, na saudade
O fim de uma esperança. A dor perdura.

O peso desta vida me vergando,
O corte se aprofunda em vaga escara
Chagásica ilusão já se escancara,
Enquanto os dias turvos se mostrando.

O corpo segue lasso nesta grei
Vencida após batalhas que travei.

129

Vencida após batalhas que travei
Não posso imaginar outro momento,
Tomada pelo imenso sofrimento,
Diverso do prazer que imaginei,

Espero qualquer dia mais tranqüilo
E nele as emoções serão maiores,
Porém sem ter nas mãos dias melhores
Sozinha em noite amarga e vã; desfilo.

O passo se retém quando se vê
Alguma luz embora mais sombria,
E quando vejo ao fundo a estrela guia
Procuro pelos raios. Mas cadê?

E nada da alegria ainda avisa
Senão este vazio que eterniza.


130

Senão este vazio que eterniza
Propaga-se entre as trevas mais ferozes,
E quando se procuram tuas vozes,
A sorte vai levando em fria brisa.

O quadro se deslinda sempre assim,
Caricaturas ditam o não ser,
E tendo a cada passo o desprazer
A história com certeza não tem fim.

E quando me imagino mais feliz,
Na lábia de outro alguém que me fascina
Esgota-se em vazio nova mina,
E o tempo todo o sonho contradiz...

Olhando neste espelho me atormento,
Saudade dominando o pensamento.


131

Saudade dominando o pensamento
De quem se desejou feliz, há tempos
E agora ao enfrentar tais contratempos
Percebe tão somente este tormento.

Mesquinhos os caminhos de um amor
Que se promete tanto e não diz nada,
Ainda posso crer numa alvorada
Perfeita em raro brilho, em mais fulgor?

Sementes abortadas, ledo chão,
O gosto desta boca não percebo,
E tudo o que deveras inda bebo
Transmite a mais dorida sensação,

Pudesse nesta noite me perder
Buscando a qualquer custo algum prazer...

132

Buscando a qualquer custo algum prazer
Não vejo mais saída e me inebrio,
O coração se expondo qual vadio
Amortalhado sonho passo a ter.

Entrego-me sem ter qualquer pergunta,
E nesta sensação de tolo gozo,
O mundo se mostrando desairoso
E sobre este vazio não assunta.

Ocaso tão somente e nada mais,
Assim eu me sentindo sempre usada,
Na lama do viver já mergulhada,
Momentos na verdade tão banais

Trazendo invés de luz, felicidade,
No olhar toda a tristeza que degrade.

133


No olhar toda a tristeza que degrade
Expondo a realidade mais cruel,
Aonde amor traduz delírio e fel,
Jamais se conheceu tranqüilidade.

A par dos desenganos a menina
Não vê mais esperança de outro dia.
E quando a cada passo fantasia,
Apenas a verdade inda domina

E nela os meus olhos lacrimados
Traduzem o vazio do não ter
E nele refletido o desprazer
Os sonhos sei que estão abandonados.

Quisera, pelo menos por instantes
Momentos de prazer tão deslumbrantes...


134


Momentos de prazer tão deslumbrantes
Ainda que possíveis, não mais vejo.
E quando se transforma em vão desejo,
Os dias que virão são torturantes.

Acordo e não consigo vislumbrar
O sol que tantas vezes desejei,
Brumosa e tão etérea a minha grei,
Também não reconhece mais luar.

A sorte se atocaia, vil serpente
E neste bote traz o meu final.
Aonde se quisera bem, o mal
É tudo o que deveras já se sente

Distante dos meus dias mais serenos
Alçando tão somente tais venenos.


135

Alçando tão somente tais venenos
Que tanto destilaste; bem amado.
O gosto do prazer e do pecado
Transforma em temporais ares amenos.

Mas quando me dou conta e só percebo
Irônica figura junto a mim,
O mundo se tomando pelo fim,
O olhar intolerante de um mancebo

Beijando minha pele em arrogância,
Qual fosse alguma forma de dizer
Que caridosamente deu prazer,
Num ato de total deselegância

E vejo neste olhar de tosca fera
Amortalhada enfim, a primavera.

136



Amortalhada enfim, a primavera
Jamais proporciona em mim algum verão
E todos os meus dias mostrarão
A dor aonde a sorte destempera.

Peçonhas espalhadas dominando
Cenário que pensara benfazejo,
E quando o meu final, ora prevejo,
Sabendo desde sempre como e quando,

Vergastas vão lanhando a minha pele,
E o tempo se tornando contra mim,
Ainda teimo mesmo vendo o fim,
Abismo sem limites me compele.

E quem nos meus caminhos me mostrou
Levando a melhor parte; só. Deixou...

137


Levando a melhor parte só deixou
Resquícios e os escombros que carrego,
O passo sempre trôpego vai cego
Dizendo na verdade o que ora sou.

Medonha garatuja; sobrevivo
Depois de temporais e noites vãs
Sem ter a perspectiva de amanhãs
Ainda tendo olhar bem mais altivo.

Esgoto-me em bebidas e mentiras,
Nefasta realidade me desdenha
Do amor sem saber códigos nem senha,
Restando do passado simples tiras,

Enquanto a vida marca e me maltrata
Não faço do meu verso uma bravata...


138


Não faço do meu verso uma bravata
Tampouco vou me expor inutilmente
A imensa tempestade se pressente
Em noite tão vazia quanto ingrata.

Semeio nos canteiros a esperança,
Mas sei que não colhi sequer um pouco
Do tanto que quisera e me treslouco
Enquanto este vazio em nós se lança,

Mostrando a minha face mais audaz,
E nela se tempera uma ilusão
Diversa do que versos mostrarão
Traçando o que deveras satisfaz

Audaz não temo mais qualquer verdade
E rompo do passado a velha grade.


139


E rompo do passado a velha grade
Depois de não viver tranquilamente
E quando este futuro se desmente
Desencanto onde se a sorte se degrade

Mesquinhos caminhares traduzidos
Em tolas emoções e nada mais
Do que diversos dias tão banais
Expostos aos delírios das libidos

Medonha fantasia caricata
E nele retratado este vazio
Por onde a cada passo, não desfio
Gerando desde sempre o que maltrata

Aonde se fizera uma porteira
O amor que imaginara já se esgueira.


140

O amor que imaginara já se esgueira
Por entre tantas luzes de neon
E o mundo modifica o velho tom
Falsária sensação tão corriqueira

E teimo pelas ruas sem guarida,
Perpetuando o medo que me entranha,
Pudesse com a sorte em tal barganha
Saber o quanto o gozo ainda acida

Quem tanto se fizera quase louca
E agora ao discernir um novo rumo,
Os erros cometidos eu assumo
Certeza pouco a pouco já treslouca,

E como poderia em torpe estrada
Viver eternamente apaixonada?


141

Viver eternamente apaixonada?
Cansei de ter em mim o brilho falso
Que me trará no fim o cadafalso,
Depois de tanto crer, sobrando o nada.

Apenas nos meus olhos, lassidão,
E tudo vai passando sem sequer
Saber de uma alegria, e se puder,
Ainda poderia ver verão.

Mas tudo se repete em luz sombria,
O passo retardando o caminhar,
Amar e novamente tanto amar?
A casa pouco a pouco já ruía.

E assim de tanta dor que eu encontrei
Sozinha não procuro reino e rei.


142

Sozinha não procuro reino e rei
Vestindo esta ilusão não caberia
Sequer pensar num tempo de alegria
Se tudo o que pensara, não herdei.

Acordos destruídos, falsos sonhos,
Momentos mais cruéis, somente enganos,
Aonde se pudesse crer em planos
Os dias são vorazes e tristonhos.

Perdendo a direção, sem um remanso
A timoneira afasta-se do cais
E sabe que somente em vendavais
O porto que desejo não alcanço.

Viver sem ter ar que suaviza
Buscando em tempestades pela brisa.

143


Buscando em tempestades pela brisa,
Não poderia mesmo ter a chance
De ter além do quanto o olhar avance
Saudade maltratando, traumatiza.

E o peso do passado ainda trago,
E nele não consigo perceber
O quanto ainda tenho de prazer,
Se jamais encontrei em ti afago.

Pergunto por talvez quem possa dar
Notícias de quem foi pra nunca mais,
Os dias que sonhei fenomenais,
Eu sinto tão distantes deste olhar

E assim procuro ainda algum alento
Olhando para o enorme firmamento.


144


Olhando para o enorme firmamento
Não vejo mais o brilho deste sol,
Brumosa realidade no arrebol,
E a cada amanhecer outro tormento.

Vivesse pelo menos a alegria
De ter nos meus momentos mais felizes
Além de simples cortes, cicatrizes,
E neles outro tempo então veria.

Acasos dominando a minha história
Perguntas sem respostas, sigo em frente.
O amor que na verdade sempre ausente
Só torna a fantasia merencória.

Invés de me trazer sobejos grãos,
A vida repetindo velhos nãos.

145


A vida repetindo velhos nãos
Jamais me trouxe a luz que necessito
E o dia que pensara mais bonito,
Demonstra tantos sonhos cegos, vãos.

E neles o retrato desta que
Depois de tanto tempo não sabia
O quanto se perdera em agonia
Buscando a sua sombra, mas cadê?

O que me resta é simples: mesmo nada
Do qual se gera a morte a cada passo,
Nos braços de um qualquer já me desfaço
E vejo a noite em fúria deslavada.

Tomando o caminhar desta demente
A vida a cada passo mais me mente.


146


A vida a cada passo mais me mente
E assim vou caminhando contra o vento,
Bebendo tão somente o sofrimento
Qual fora simplesmente uma descrente.

Atéia sem destino em noite escura,
Vivenciando apenas solidão,
Distante dos meus dias de verão,
Vazio dentro da alma me tortura...

Pusesse noutro mar o meu saveiro,
Vagando com a bússola do sonho,
Talvez o meu destino mais risonho
Além deste terror já corriqueiro

Porém este caminho mais singelo
Apenas nos meus sonhos eu revelo.

147


Apenas nos meus sonhos eu revelo
O quanto me entregara ao teu carinho,
E agora no vazio em que me aninho
Ausente de meus olhos o castelo

Que tanto desenhei na mocidade,
Vencendo os meus temores e pudores
Seguia qual caminho aonde fores,
A vida tal desejo já degrade.

E o pêndulo oscilando sorte e dor,
Mesquinhas emoções, proporciona
E quando a realidade volta à tona
Somente se percebe este terror

Doente, sem remédio, prosseguir
Aonde se buscava um elixir.

148



Aonde se buscava um elixir
Apenas ilusão que ainda trago
E nela se percebe tal estrago
Que tanto se mostrando faz sentir

O medo do caminho mais audaz,
E tendo esta visão conservadora,
Diversa do que outrora sempre fora,
Dos sonhos já não sou sequer capaz.

E tendo esta certeza do não ter
E vendo a cada dia desabar
A casa que pensei edificar
Nas ânsias dolorosas do prazer.

E a dor ora me inunda e tão imensa,
Nem mesmo a fantasia recompensa.

149


Nem mesmo a fantasia recompensa,
O amargo caminhar de uma mulher
Que tanto necessita quanto quer
A glória de um amor, sobeja e intensa.

Vestindo solitária alegoria
O medo se disfarça com palavras
E quando outra senzala ainda lavras
O peso em minhas costas se recria.

Amordaçada voz de uma esperança
Mesclando cardo e dor em dura senda,
O sonho na verdade não desvenda
Realidade tosca em que se lança

Mostrando num desenho destroçado
Um rosto pelo tempo amargurado.

150

Um rosto pelo tempo amargurado
Expõe a face amarga da pantera
Que tanto se perdeu em tola espera
Vivendo tão somente do passado.

Pudesse pelo menos ver na face
Retrato de um momento mais feliz,
Diverso do que tanto em vão eu quis
Realidade fútil inda embace.

Tornando a caminhada quase espúria
E nela tropeçando, sigo em frente,
Por mais que a tempestade se apascente
Restando tal figura de uma incúria.

Já não desejo enfim quem suaviza
Tampouco necessito desta brisa.

151


Tampouco necessito desta brisa
Que falsamente espalhas por meu ar
E nela poderia te encontrar
Se a vida de outra sanha não me avisa.

Descasos são comuns em quem não sabe
Do amor que tantas vezes se aprofunda
E tendo uma alma sórdida circunda
Vagando mesmo quando mais cabe

A solidão entranha-me deveras
E tendo a tempestade costumeira
Por mais que na verdade ainda queira
Exposta à vilania destas feras

Olhando para longe, na amplidão
Procuro novos dias que virão...


152

Procuro novos dias que virão,
Tentando acreditar no amanhecer,
E tanto acostumada ao nada ter
Somente vejo a mesma negação.

E parto rumo ao vago no horizonte
Buscando cordilheiras e não tendo,
Momento aonde um sonha ora estupendo,
Porém realidade desaponte

Aquela que se fez inteira e tanto
Queria pelo menos ter a paz,
E quando nada chega e satisfaz
Sobrando para mim o desencanto

Estio se transforma em ritual
E a seca vai tomando o meu quintal.


153

E a seca vai tomando o meu quintal
Depois de procurar uma invernada,
E agora que não resta quase nada,
O dia sem ternura, é sempre igual.

A face desdenhosa da saudade
Tomando este cenário não permite
Que tenho sob o olhar outro limite
Senão tal demarcado pela grade.

Enquanto a fantasia se cerceia,
Apenas o terror chega e me engano
Vivendo este momento mais profano,
Bebendo da ilusão torpe, mas cheia

E sem ter quem sequer ainda guia
Procuro alguma carta de alforria


154

Procuro alguma carta de alforria
Embora saiba o quanto isto me custa,
A vida que queria mais augusta
Transcorre sem ternura em agonia.

Expondo em cada verso o que desejo
Apenas um momento de ternura,
Cansada de encontrar em vã procura
Somente vez em quando algum lampejo

Do todo necessário para quem
Adentra os seus castelos, falsos sonhos
Que mesmo sendo às vezes mais risonhos
Traduzem o que espera e nunca vem.

E assim sem ter caminho ou direção
As horas mais benditas não virão.

155

As horas mais benditas não virão
E assim o tempo passa amargamente,
O sonho a cada dia mais desmente,
E nele tão somente a negação;

Pudesse ter no olhar esta alegria
Que tanto desejou a sonhadora,
E quando mais distante ainda fora
O mundo sem calor, noite sombria.

E tendo em cada olhar um brilho insano,
Vivendo da ilusão que não sacio,
O sonho se mostrando então vazio
Mudando a direção de cada plano

Pra quem se fez mulher e em tudo crendo
Felicidade nunca é dividendo.



156


Felicidade nunca é dividendo
Somente maltrapilho coração
Espera sem caminho na amplidão
E os dias sem ninguém, vou percorrendo...

E o canto da esperança não escuto,
O Amor jamais se deu em luz intensa,
Sem ter sequer quem mesmo me convença
O olhar da fantasia sendo astuto

Transforma em desencanto o que em verdade
Maltrata muito além do nada ser.
E beijo com ternura o desprazer
Por mais que tanta dor já me degrade

Os olhos sem ninguém morrem vazios
Perdendo esta noção em frágeis fios.

157


Perdendo esta noção em frágeis fios
O quanto desejara ainda trago,
Por mais que ainda cause algum estrago
Não posso suportar tais desafios.

E o gosto tão amargo da vingança
Jamais combinaria com meu sonho
E quando novo dia em ti componho
A sorte sobre a mesa enfim se lança.

E todos os momentos são terríveis,
Ausente de teus braços; não sou nada
Pudesse reviver a caminhada
Levando aos mais supernos, altos níveis.

Depois que minha vida se perdeu
Aonde te encontrar, querido meu?

158


Aonde te encontrar, querido meu?
Ausente dos teus braços; nada sou
Meu mundo no vazio mergulhou
Felicidade há muito se esqueceu

E quando me recordo de outro tempo
Vivendo com total fascinação,
Eternizando em nós claro verão,
Ausente dos meus passos, contratempo.

Porém a vida trama novas sendas
E nelas minhas sanhas se denigrem
Distantes ilusões por onde migrem
Sequer tu me confessas ou desvendas

Lembrança do que outrora sempre quis
E o gosto de um momento mais feliz.

159


E o gosto de um momento mais feliz
Ainda saboreio em noite clara,
Vivendo a fantasia que me aclara,
Mesmo se a realidade contradiz.

Pusesse meu saveiro em mar mais calmo,
Teria ancoradouro nos teus braços,
Mas quando se perderam nossos laços
Minha alma sem perdão em tolo salmo

Vagando pela noite, escuridão,
Toando esta canção que desalenta,
A sorte se transforma em violenta
Mudando com certeza a direção.

História feita em paz já desatina
E quando acordo, nada me fascina.

160

E quando acordo, nada me fascina
Apenas o terror domina a cena,
O amor que desejava e que serena
Secara com certeza antiga mina.

Delírio que pensara feito em gozo,
Tormenta se espalhando pela casa,
O medo do futuro ora me abrasa
O dia se promete pavoroso

Nefasta realidade sonegando
O que uma fantasia procurava
De ti querido amante quase escrava,
E o temporal ressurge destroçando.

Uma esperança atroz e nesta ceva
Eu vejo este futuro em frio e treva.


161


Eu vejo este futuro em frio e treva
E nada me permite outro caminho
O coração cigano vai sozinho
E em plena tempestade ainda neva

Esgotam-se estas chances no vazio
E o todo se desfaz em triste campo,
Nos sonhos muitas vezes eu acampo
E um tempo mais tranqüilo ainda crio.

Mesquinha realidade me consome
E deixa para trás a fantasia.
Enquanto um novo mundo amor urdia,
No olhar de quem ficara, medo e fome

Assim em temporais ora deslindo
Quem tanto se entregou e nada vindo...

162


Quem tanto se entregou e nada vindo
Jamais imaginara outro momento
Além do que se fez em tal tormento
Medonho que percebo ser infindo.

Vestindo esta emoção ainda creio
Num último segundo feito em festa,
Mas quando o tempo chega e nada resta
Aumenta a cada dia meu receio.

E o pranto se espalhando em olhos tristes
Estorvos tão comuns no desamor,
Ainda trago em mim a antiga flor,
Porquanto no meu peito ainda existes

E assim mesmo que seja um sonho fero,
Um dia há de voltar quem tanto espero.

163


Um dia há de voltar quem tanto espero.
Após o sofrimento que se emana
De uma ilusão feroz e soberana
Morrendo deste modo tão austero.

Sincera, muitas vezes inda quis
Teimar contra a verdade mais atroz,
E ainda que se ouvisse a minha voz
Somente expressaria cicatriz

Que tanto me tortura e me faz mal,
Deixando o coração em polvorosa
Jardim que imaginara, sem a rosa,
Abrolho se espalhando no quintal.

Embora passageira da agonia
Apenas quero ser feliz um dia.


164


Apenas quero ser feliz um dia
Podendo num sorriso perceber
Maravilhosos sonhos em prazer,
Deixando para trás vida sombria.

O quanto se deseja e nada vindo
Permite ao coração somente o pranto
E neste mundo amargo em desencanto,
Dor traduz pesadelo quase infindo

Ocasionando em mim tal cataclismo
E nele sem saída, volto ao pó,
Caminho sem ninguém, meu mundo é só,
Vagando em noite frágil, louca eu cismo.

A multidão em volta imensa e vária
Mas quando adormecendo; solitária...

165

Mas quando adormecendo; solitária,
Depois de ter nos sonhos a alegria,
É como se esta estrela que me guia
Levasse à solidão tão temerária.

Aos olhos de quem amo, nada sou,
E sinto que talvez ainda possa
Erguer-me da terrível, fria fossa
Aonde o desamor me mergulhou.

Vacante coração procura alguém
Que possa me trazer felicidade,
Mas quando o mundo chega e a dor invade
Somente este vazio ainda vem

O olhar tão pensativo em vão se lance:
Pudesse ter ao menos uma chance...

166

Pudesse ter ao menos uma chance
Quem sabe encontraria enfim a luz
E quando à imensa treva me conduz
O que pensara outrora ser romance
Nuances do passado rebrilhando
Tocando a minha pele, em dura chaga
Apenas o terror ainda afaga
O rosto que quisera bem mais brando.

E o beijo que recebo de um falsário
Avança sem destino e perde o rumo,
Os erros cometidos eu assumo,
Jamais me trancaria num armário.

A luz de um novo tempo enfim prevejo
E nela a liberdade que desejo.

167


E nela a liberdade que desejo,
Na sorte que desmente o dia a dia,
Pudesse ter no olhar a poesia,
E nela saciado o meu desejo.

O quarto de dormir. Cada lençol
Trazendo ainda a marca de quem tanto
Perdera com o tempo o raro encanto,
Morrendo pouco a pouco o antigo sol.

São turvas as estradas que professo,
E delas não encontro mais final.
O amor imenso e torpe ritual,
Não causa a quem se entrega algum progresso

Prazer traria luz nesta procura
E quando me entranhasse em noite escura.

168


E quando me entranhasse em noite escura
Em plena tempestade eu poderia
Viver quem sabe ao menos a alegria
Que tanto me sacia enquanto cura.

O beijo de quem amo me faz bem,
Mas quando este vazio toma a cena
Sem nada nem ninguém que me serena,
A vaga solidão já me contém

E tudo o que pensara ser verdade
Morrendo pouco a pouco, nada deixa,
Queria ser a fêmea, deusa e gueixa,
Delírio que deveras alto brade

E nisso uma emoção deveras forte
Pra quem se fez em dívida co’a sorte.

169

Pra quem se fez em dívida co’a sorte
O tempo desafia e não permite
Que tudo ultrapassando algum limite
Mudando com certeza rumo e Norte,

Estranhas ilusões são costumeiras
E quando perpetuam trazem dor,
Aonde se pudesse ter calor,
Diverso deste sonho em que queiras

Viver o que desejo sem perguntas,
Mas sei ser impossível sonho, então
Os dias mais sombrios mostrarão
Almas que jamais andaram juntas.

Pudesse ter nos olhos belo prado
E aonde te encontrar; meu bem amado.

170

E aonde te encontrar; meu bem amado
Num céu feito em neblinas mais cerradas,
Vasculho nos caminhos, nas estradas
Montanhas, vales, planos, no cerrado

E nada de encontrar quem tanto quero
Amante que se fez em perfeição,
Meus olhos sem destino não verão
O amor que desejei farto e sincero.

Saber da solidão que agora invade
A casa e toma conta disto tudo,
Ainda que em verdade enfim me iludo,
Já sei do meu final: ansiedade.

E como me furtar ao grande breu
Se a estrela que me guia se escondeu.

171

Se a estrela que me guia se escondeu
Não tenho outra saída: escuridão!
Ainda quando em mim houver verão
Descrente coração venal e ateu

Mudando a direção do pensamento
Vagando sem destino por aí,
O encanto que bebera outrora em ti
Agora se transforma em vil tormento.

Os passos pela casa, noite afora,
O teu perfume invade esta janela,
E quando uma verdade se revela,
Somente a fantasia me devora.

Aonde imaginara ser feliz
Realidade chega e contradiz...


172

Realidade chega e contradiz
O todo se transforma em nada ter,
Apenas nos meus olhos desprazer
E o coração inútil aprendiz.

Vivesse pelo menos a esperança
E dela não sorvesse tanto medo,
Além deste carinho em que me enredo
O amor neste nuance então se lança

E vejo algum sorriso prazeroso
E dele sinto vir suave brisa,
O cheiro deste corpo suaviza
Promessa delicada de algum gozo.

Porém quando a verdade descortina
Voltando para a triste e vã rotina...

173

Voltando para a triste e vã rotina
Retornando ao vazio que me deste
Caminho em pedregulhos tão agreste,
Somente a solidão inda domina

O medo de seguir impede o passo
E quando me encontrara mais feliz
O mundo sonegando e a cicatriz
Traduz o pesadelo aonde eu traço

As minhas ilusões cruéis e fúteis,
Sangrando inutilmente e sem ninguém,
O amor que tanto quero e nunca vem
Transforma dias calmos em inúteis.

Encontro tão somente frio e treva
Diverso do que uma alma tola, ceva...


174


Diverso do que uma alma tola, ceva
O mundo se traduz em crueldade
E quanto mais ao longo o sonho brade
Vislumbra a realidade feita em treva.

Aonde se encontrasse algum prazer
Não tendo mais sequer outro momento,
Nas ondas deste mar eu me atormento
E o cais e ancoradouro; não sei ver.

Restando para mim o descompasso
Marcando cada dia desta vida,
Imagem que ora vejo tão sofrida,
Caminho aonde o mundo já desfaço.

Matando quem num dia claro e lindo
Pensou num louco amor, superno e infindo...

175

Pensou num louco amor, superno e infindo
Quem tanto desejara reviver
Um dia feito em glória. Ao me perder
O mundo em minhas mãos se destruindo...

Pudesse ter no olhar ainda vivo
O belo sentimento ao qual me dei,
Nos braços do meu homem mergulhei,
Momento de prazer tão incisivo.

Agora a moça espreita na janela
Nem nada nem ninguém presta atenção
Naquela que se fez em ilusão
E ao que passou ainda em vão se atrela,

Pudesse ter de novo o que mais quero
O amor, meu derradeiro e mais sincero...



176

O amor, meu derradeiro e mais sincero
Seria como um último suspiro
E quando no vazio inda me atiro
Reflito este momento que venero

Do tempo mais feliz de minha vida,
Reflete dentro da alma esta esperança
E quanto mais audaz o tempo avança
Revejo esta lembrança tão doída.

Assim quem sabe um dia enfim pudesse
Ter toda esta alegria que inda busco,
A madrugada adentra e o lusco fusco
Impede que este brilho enfim regresse

Apenas resta em mim vã fantasia
Bem mais do que a verdade propicia...


177

Bem mais do que a verdade propicia
O sonho traduzindo o que deveras
Ainda provocando vãs esperas
Pudesse transformar tanta agonia.

A sorte não se faz tão benfazeja
Tampouco vejo a luz que inda procuro,
O chão aonde piso, árido e duro
Felicidade em mim já não bafeza.

Medíocres emoções, restos do que
Pensara e não sabia aonde existe,
A caminheira amarga, agora triste
Buscando um bom momento e nada vê

E assim como se fosse uma adversária
A vida se repete. Temerária...

178


A vida se repete temerária
E nada do que eu quis se realiza
O amor como se fosse mera brisa
A solidão se mostra vil corsária

E tudo se esvaindo na fumaça
Ao menos um sorriso; mas cadê?
O olhar enternecido não mais vê
E a vida sem prazeres, triste, passa.

Bebendo desta dor que é costumeira,
Ainda que perceba algum momento
Sem ter aonde um dia veja alento
Jamais se viu aberta esta porteira

Permite a realidade este nuance
Quem tanto espera, eu sei, nunca descanse...


179


Quem tanto espera, eu sei, nunca descanse
Depois de ter na vida os temporais
E não saber se existem magistrais
Momentos tão sublimes num romance.

Ao menos; meu caminho ainda creio
Ser feito em luzes pálidas. Mas quando
Percebo todo o sonho desabando
Restando novamente este receio,

Esquivas alegrias não consigo
E o peso do passado em minhas costas
Diverso da esperança, não apostas,
Pois vês no meu olhar o desabrigo.

Buscando ter nas mãos o meu desejo
Porém tanto procuro e nada vejo...


180


Porém tanto procuro e nada vejo
E sinto ser assim a minha vida,
Prepara-se com fúria a despedida
Deixando para trás sonho sobejo.

O gosto do não ser me mortifica
E o beijo que não veio, ainda guardo.
Caminho feito em pedra, medo e cardo,
Não tendo da alegria alguma dica.

Cravado dentro em mim esta presença
Da chaga que jamais cicatrizasse,
E quando vejo apenas tal impasse
Angústia se tornando tão imensa

E como poderia ter ternura
Sabendo que esta dor, vaga, perdura?


181

Sabendo que esta dor, vaga, perdura;
Caminho pelas trevas nada além,
E quando inda percebo e ninguém vem
Não posso merecer carinho e cura.

O corte se aprofunda dentro da alma
E o gozo que pensara ser possível,
Agora numa voz quase inaudível
Impede finalmente paz e calma.

O quanto desejara e nada veio
Somente a ingratidão, medo feroz,
Espalho sem sentido a minha voz
E o coração não sente e fica alheio

E como poderia ter um Norte
Sem ter amor que ainda me conforte?



182


Sem ter amor que ainda me conforte,
Termino este cantar em amargura,
Aonde se pensara em sonho e cura,
Vislumbro no final, a minha morte.

E tudo já perdido, o que me resta?
Somente a solidão incrível fera.
Se jamais pude crer na primavera
O sol não adentrando pela fresta

Aberta do meu peito sonhador,
Mesquinha realidade me domina,
Secando sempre a fonte, cadê mina?
Olhando para frente, vejo a dor

Se eu quero algum momento abençoado
Apenas se eu mirar o meu passado...

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