quarta-feira, 17 de março de 2010

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“És a glória talvez! Talvez a morte!”
Anseios tão terríveis, luz imensa
Aonde se pudesse em recompensa
Talvez ainda reste um rumo e um norte.

Saber dos meus propósitos e ter
Nas mãos o meu futuro ensandecido,
Mergulho no passado e até duvido
Ainda existiria algum prazer?

Quem és que ao mesmo tempo traz a dor
Alenta e me tortura, frágua e frio
Sentido algum; decerto em ti desfio,
Admiração gerando enfim pavor.

Adentras nos umbrais das minhas portas
Sorris enquanto o sonho em vão deportas.


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Sorris enquanto o sonho em vão deportas
Ao mesmo tempo trazes ilusões
E quando a realidade não me expões
Momentos de alegria logo abortas

Assim entre o não ser e o ser além
Percorro descaminhos entre as urzes,
Por mais diversas sendas me conduzes
Nem sempre num caminho que convém,

Escuto a tua voz em consonância
Com todos os anseios, vez em quando,
Mas logo toda a história transmudando
Trazendo tão somente discordância

Qual fora esta aridez já disfarçada
“Que te elevas da noite na orvalhada?”


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“Que te elevas da noite na orvalhada,”
Momento ainda vivo na lembrança
Enquanto esta seara já se alcança
Percebo quão distando uma alvorada.

Ascendo ao quanto quis e não podia,
Tampouco imaginara ser ainda
Possível o que a vida ora deslinda
Imagem soberana e tão bravia.

Angustiadamente o tempo passa
E traça novas luzes, cruzes várias
Tentando protelar as procelárias
Ao menos se percebe uma fumaça

Minha alma proferindo em voz intensa
Anseios tão terríveis, luz imensa.


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Anseios tão terríveis, luz imensa
E todo o pensamento se desvia
Traçando tão somente esta agonia
Diversa do que uma alma ainda pensa.

Vestindo a mansidão já não consigo
Saber do que tu queres nem desejas,
As alegrias mesmo se sobejas
Traduzem aos meus olhos o castigo.

E o peso do não ter qualquer aporte
Que possa me trazer tranqüilidade
Ainda uma esperança viva e brade,
Não vejo solução, apenas corte

E vendo-te sonhando, imaculada
“Tens a face nas sombras mergulhada...”


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“Tens a face nas sombras mergulhada”
O olhar procura em vão qualquer caminho
E o coração deveras tão sozinho
Aguarda qualquer luz de uma alvorada

Distante neste imenso pesadelo,
Arcando com enganos do passado,
O beijo muitas vezes sonegado,
Momento tão cruel inda revê-lo...

Sentir em nuvens feitas a manhã
E crer na claridade do futuro,
Vagando por um prado sempre escuro,
Já sabe quanto a vida é mesmo vã

O sol por sobre a treva que adensa
Aonde se pudesse em recompensa...


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Aonde se pudesse em recompensa
Saber de algum momento mais feliz,
Num céu que se mostrasse menos gris
Sublime claridade agora imensa.

Mas quando se percebe a realidade
Vagando por espaços siderais
Apenas o vazio sendo o cais,
O medo nos tomando, tudo invade.

E o peso da esperança verga as costas
E tendo por final esta ilusão,
Ausente dos meus olhos o verão
No inverno se fazendo m’as apostas

O sonho, meu amigo, este andrajoso
“Sobre as névoas te libras; vaporoso ...”


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“Sobre as névoas te libras; vaporoso”
Pensamento que tanto me fascina
Enquanto ao mesmo tempo em leda sina
Sonega algum prazer, imenso gozo.

A sorte tantas vezes traz e nega
O encanto que deveras dói e traça
Qual fora num segundo uma fumaça
E nela a realidade não navega.

Augustas esperanças, tristes fins,
Escravizando uma alma que se deu
E tanto se promete luz e breu,
Demônios disfarçados, querubins,

Em meio a tal vazio sem suporte
Talvez ainda reste um rumo e um norte.


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Talvez ainda reste um rumo e um norte
Depois dos temporais mais corriqueiros,
E quando enfim florisse em meus canteiros
A paz que me envolvendo já conforte.

Escuto a voz macia de quem tanto
Se fez em luzes fartas, bela amante,
Agora numa ausência torturante
Apenas resta em mim cruel quebranto.

Serenas noites, dias tão suaves,
Anseios satisfeitos, gozos plenos
Aonde se pensaram mais amenos
Decorrem nas terríveis, frias traves

E quando o sonho fora pavoroso
“Baixas do céu num vôo harmonioso!...”

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“Baixas do céu num vôo harmonioso”
Traçando os mais sublimes, belos ritos
E os dias que passara tão aflitos
Agora num perfil maravilhoso.

Andando sobre espinhos, carne viva
Cicatrizando agora após notar
Que finalmente em ti vejo ao luar
Uma esperança em paz, mansa e cativa.

Das farpas e dos cortes nem lembranças
E sinto nova aragem se espalhando
Traçando amanhecer mais claro e brando,
E nele todo o amor que agora lanças

Da ausência que reclamas de prazer
Saber dos meus propósitos e ter.

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