Descreve um horroroso dia de trovões
Na confusão do mais horrendo dia,
Painel da noite em tempestade brava,
O fogo com o ar se embaraçava
Da terra e água o ser se confundia.
Bramava o mar, o vento embravecia
Em noite o dia enfim se equivocava,
E com estrondo horrível, que assombrava,
A terra se abalava e estremecia.
Lá desde o alto aos côncavos rochedos,
Cá desde o centro aos altos obeliscos
Houve temor nas nuvens, e penedos.
Pois dava o Céu ameaçando riscos
Com assombros, com pasmos, e com medos
Relâmpagos, trovões, raios, coriscos
Gregório de Mattos
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“Relâmpagos, trovões, raios, coriscos”
E a Terra em convulsões leda bramia,
Deixando um ar terrível de agonia,
Os sonhos fugidios, mais ariscos.
E em maremotos, trêmulo planeta
Dos Céus nuvens espessas, tempestades,
Assisto á derrocada das cidades
Ao nada do depois nos arremeta
A sorte desairosa cultivada
Por mãos tão agressivas e insensatas
Imensos fogaréus tomando as matas,
Depois de tudo vejo o simples nada.
Ocaso se demonstra no horizonte,
A fera, raça humana, fim e fonte.
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A fera, raça humana, fim e fonte
Momento apocalíptico desnudo,
E quieto observo tudo e sigo mudo
Aguardo alguma luz que inda desponte.
Mas nada. Só percebo este revolto
Mar que adentra praias, casas, ruas.
As faces do planeta, agora nuas,
É como se um demônio eu visse, solto
E o fogaréu se espalha sobre todos,
Ardendo em fartas chamas corpos nus,
Dos Céus se percebendo então a cruz
Que emerge sobre o charco, podre lodo.
Ao ver tal turbilhão memória grava
“Painel da noite em tempestade brava.”
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“Painel da noite em tempestade brava”
Cenário demoníaco se vê
E quando se pergunta como e o que
Uma alma da verdade sendo escrava
Percebe nossa culpa e não domina
A voz que lancinante solta em brado.
De tudo me percebo tão culpado
Deveras da hecatombe sou a mina.
Esgotam-se esperanças, vago inferno,
Corruptas ilusões, chagas imensas,
E mesmo que do fato não convenças
Realidade em fúria, logo externo
Já generalizada esta agonia
E a Terra em convulsões leda bramia.
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E a Terra em convulsões leda bramia
Gerando o desespero em cada face
Destino que profético se trace
E dele desairosa fantasia.
Dos píncaros aos vales mais profundos,
Tempestas e borrascas, nas procelas
Estrelas desabando em turvas telas
Galgando o fim de todos, vários mundos
Nefasta paisagem se percebe
E nela reproduzo os meus temores,
Cenários demoníacos e horrores
Invadem sem limite toda a sebe
Vulcânica expressão em fúria e lava
“O fogo com o ar se embaraçava.”
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“O fogo com o ar se embaraçava”
Em erupções diversas sofrimento
Gerado pela insânia do tormento
Que a tudo sem descanso dominava.
Na inglória caminhada pela Terra
A raça humana em dívida venal,
Percebe neste estranho ritual
Sua jornada agora já se encerra
Gargalham-se satânicas figuras,
Voando como corvos sobre todos,
Emergem mais demônios destes lodos
Algum remanso inútil; crês. Procuras.
Mas nada neste inferno ainda havia
Deixando um ar terrível de agonia.
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Deixando um ar terrível de agonia
Em pandemônio vejo o nosso fim,
A morte se espalhando e mesmo assim,
A face do terror inda sorria.
Irônicos fantoches que satânicos
Embebem-se do sangue em profusão,
E deles novos seres se farão
Gerando sobre todos, outros pânicos.
Vendavais assolam; chuva intensa,
O solo vai se abrindo e devorando,
As esperanças fogem; torpe bando,
Não há que do futuro se convença
No universo em completa rebeldia
“Da terra e água o ser se confundia.”
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“Da terra e água o ser se confundia”
Insondáveis mistérios concretizam
Enquanto tantos seres agonizam
A noite desabando espessa e fria.
Os mares em terríveis ondas tomam
As ilhas, as calçadas e edifícios
Abrindo sob os pés os precipícios
Enormes pesadelos já se somam,
A neve sobre escombros se acumula,
Multidões vagando em procissão,
Não tendo mais destino ou direção,
Demônio satisfaz imensa gula.
Das carnes decompostas, seus petiscos,
Os sonhos fugidios, mais ariscos.
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Os sonhos fugidios, mais ariscos
Percebo agonizante a Terra inteira,
E a morte de outra morte mensageira
Eternizando a dor, trovões, coriscos
E as ânsias de uma vida bem melhor
Agora sepultadas neste Inferno,
O que pensara ser suave e terno,
Tragédia vai se impondo, tão maior.
Carcaças devoradas por rapinas,
Não resta sequer pedra sobre pedra,
O olhar mais corajoso já se medra,
Não sobram nem sequer becos e esquinas
E ainda sobre o nada que se cria
“Bramava o mar, o vento embravecia.”
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“Bramava o mar, o vento embravecia”
A vida que com luzes foi criada,
Agora totalmente destroçada
Enquanto toda a Terra enegrecia.
Partícipe do caos; nada mais posso
Somente me levar pela torrente,
Por mais que tal cenário me atormente,
Nenhuma reação, ainda esboço.
Insetos, vermes sendo então herdeiros
Fazendo dos escombros a partilha,
Alguma criatura ainda trilha
E avança sobre corpos, garimpeiros
Por mais que o vento ainda se arremeta
E em maremotos, trêmulo planeta.
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E em maremotos, trêmulo planeta
Não suportando mais tanto terror,
Desaba a tempestade e neste horror,
Esperança se torna uma falseta
Vivenciando o fim da nossa história
Cumprindo-se deveras o que oráculo
Dissera há tanto tempo, um espetáculo
Horrendo em tez terrível, merencória
A Terra expondo em dor suas entranhas
Devora gigantesca engenharia
E o nada após o nada se recria,
Não há mais cordilheiras nem montanhas
E após a tempestade feita em lava
“Em noite o dia enfim se equivocava.”
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“Em noite o dia enfim se equivocava”
Estúpido final da raça humana,
Que outrora se pensando soberana
Por toda esta extensão, tola, reinava.
Em gestos de ganância destroçando
O que talvez eterno se fizesse
Tentando amenizar com rito e prece,
Porém jamais agira em fogo brando.
E a fúria gera fúria, nada mais,
Repasto para as últimas fornalhas,
Riquezas são deveras meras tralhas,
Poderes emanados de boçais
Criando como fossem frias grades
Dos Céus nuvens espessas, tempestades.
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Dos Céus nuvens espessas, tempestades
Rolando sobre os vários elementos,
E nelas se refazem os tormentos
Por mais que ainda tentes, grites, brades
Silêncios absolutos pós a fúria
Deixando esta convulsa Terra nua,
A noite não terá estrela ou lua,
Somente e plenamente farta incúria.
Penúria se mostrando em face escusa,
Na candidez do nada exposto o vão,
E fendas abismais tomando o chão,
Resíduos tornam cena mais confusa
Nem sombra do terror que se espalhava
“E com estrondo horrível, que assombrava.”
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“E com estrondo horrível, que assombrava”
Momentos tão convulsos sobre todos,
E toscas criaturas, podres lodos,
Uma onda gigantesca, imensa e brava
Derrama-se por sobre cada estrada,
Desabam cordilheiras, terremotos,
Os sonhos se tornando mais remotos,
A Terra sendo aos poucos destroçada.
Venais tormentos tomam meu olhar
E tudo o que pensara se desfaz,
Retrato tão terrível quão mordaz,
Percebo sobre nós se acumular
E bêbado de tantas tempestades
Assisto à derrocada das cidades.
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Assisto à derrocada das cidades
Na face degradada e dolorida,
Ainda que restasse qualquer vida
Diversa das antigas realidades.
Estúpido fantoche ainda vê
Retrato do futuro e nada faz,
Lutasse tão somente pela paz,
Mas sobrevive apenas, sem por que.
Destroça a mãe que um dia alimentara
Matando o Pai que outrora em sacrifício
Já fora seu cordeiro, e desde o início
Se arrependera até do que criara.
Reflexo da voraz, tosca heresia
“A terra se abalava e estremecia.”
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“A terra se abalava e estremecia”
Enquanto em palidez venal momento
Gerando totalmente o desalento
Matando e torturando em agonia.
Espúrio olhar ao longe regozija
Gargalha-se Mefisto, vaga sobre
O escombro que deveras já recobre
E nada após o tanto inda se erija
Deixando o caos completo como herança
Daquela que se fez autoritária,
Rainha sem escrúpulos, falsária
De torpe vaga e pútrida lembrança
Assim após o fim deste Planeta
Ao nada do depois nos arremeta.
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Ao nada do depois nos arremeta
O quadro lacerado que ora vejo,
E quando se pensara em azulejo
Agrisalhada face se cometa.
Acinte repetido em gerações
Diversas espalhando esta aridez
Na qual toda uma história se desfez
Não escapando nem mesmo os grotões;
Exala-se este odor adocicado
De pútridas carcaças que se espalham,
Abutres entre os corpos já retalham
O que se percebera destroçado.
E a Terra desnudando os seus segredos
“Lá desde o alto aos côncavos rochedos”.
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“Lá desde o alto aos côncavos rochedos”
Dos vales mais profundos aos abismos,
Depois dos mais terríveis cataclismos,
Assim se encerrarão nossos enredos.
Nefasta face expondo esta verdade,
Culpado e suicida, o ser humano,
Tomado tão somente por engano
Mesmo quando esta face se degrade
Desiste da esperança quando assola
Com fúria e destemor, a mãe gentil,
Que um dia insanamente assim pariu
O ser que de servil, ora controla
Do amor que foi parido, pari o nada
A sorte desairosa cultivada.
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A sorte desairosa cultivada
Por mãos gananciosas nada traz,
Num ar tempestuoso e tão audaz
O que já fora vida se degrada.
Ilude-se em venal quinquilharia
Vendendo-se ao demônio pouco a pouco,
E quando ainda insurjo me treslouco
A sorte a cada passo se esvazia.
Partícipe da festa, vez em quando,
Não nego com certeza minha culpa,
Por mais que outro caminho já se esculpa
O quadro cada vez se deformando
Traçamos com terríveis, toscos riscos
“Cá desde o centro aos altos obeliscos”
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“Cá desde o centro aos altos obeliscos”
Aspectos mais funestos da verdade,
Aonde se pudesse em liberdade
Os homens sendo sempre mais ariscos
Desviam cada vez a própria fonte
E matam o que resta do porvir,
Apodrecendo a vida, posso ouvir
Lamento desta mãe sem horizonte
Mesquinharia doma o que pudera
Ser mais do que talvez simples demônio,
Destrói com fúria o enorme patrimônio
E como fosse assim terrível fera
Avassalando insano, rios, matas,
Por mãos tão agressivas e insensatas.
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Por mãos tão agressivas e insensatas
A derrocada expressa em sofrimento,
Não restando sequer algum momento
Imagens soberanas que retratas
Com toda insanidade contumaz
Aspectos tão diversos e uniformes
Os restos são deveras mais disformes
Apenas o final nos satisfaz
Medonha face exposta a cada dia,
Tornando-se impossível convivência
Aonde se pensara inteligência
A morte sem defesas perfazia
E em meio aos vendavais, terríveis medos
“Houve temor nas nuvens, e penedos.”
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“Houve temor nas nuvens, e penedos”
Gigantes nuvens feitas de fumaça
E quando sobre a Terra já se traça
O fim tornando tétricos enredos
A sanha do Planeta desenhada
Por mãos toscas e torpes, violentas
Gerando após tormentas mais tormentas
Herança pouco a pouco sonegada.
Vingança? Não. Somente conseqüência
De nossa estupidez esteja certo
Que tudo redundando num deserto
Criado com terrível eloqüência
Resultando das vândalas bravatas
Imensos fogaréus tomando as matas.
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Imensos fogaréus tomando as matas
Estúpido caminho eu adivinho,
E quando destroçamos nosso ninho,
Criaturas terríveis, pois ingratas
Não deixaremos nada após, por isto
Merecemos o fim que cultivamos,
E quando em voz audaz pensamos amos;
Servis dos nossos erros. Eu insisto.
E vendo esta faceta em garatuja
Traçada por demônios: nosso espelho,
Já não sabendo mais qualquer conselho
A face que se vê terrível, suja
Da verdade fugíamos ariscos,
“Pois dava o Céu ameaçando riscos”.
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“Pois dava o Céu ameaçando riscos”
Avisos deste estúpido final,
E a face que se mostra tão boçal
Repete os arranhados velhos discos
Não vês quão necessário ter um fim
Ganância após ganância gera o caos
Sem ter ancoradouro, pobres naus
Vagando em oceano segue assim
À beira do naufrágio inevitável,
Riscando mares turvos, podres águas
E quando na verdade tu deságuas,
Palavra sendo franca e não potável
Demonstra a escuridão anunciada:
Depois de tudo vejo o simples nada.
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Depois de tudo vejo o simples nada
E sinto a derrocada mais feroz,
Sabendo do vazio logo após
A sorte há tanto tempo foi lançada.
Escombros do que fora outrora vida
Nefasta imagem traz desolação
Sabendo que depois não sobrarão
Sequer resquícios, leda despedida.
Algozes de nós mesmos, os demônios
Que um dia perfilaram sobre a Terra
Assim este capítulo se encerra
Nos mais terríveis fatos, pandemônios.
Desenha-se o final de tais enredos
“Com assombros, com pasmos, e com medos”.
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“Com assombros, com pasmos, e com medos”
Sintomática imagem do futuro,
E quando se percebe tão escuro
Momento em que traçamos os degredos
Aos quais nos submetemos sem saída
Esgotam-se os caminhos, vejo assim
Que quanto mais terrível nosso fim,
Maior a percepção disto sentida
E inerte sobre a Terra a raça humana,
Destrói com fúria tudo o que existira
Acende com terror última pira
E bebe a podridão que assim se emana
Negando a realidade que se aponte
Ocaso se demonstra no horizonte.
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Ocaso se demonstra no horizonte
E tudo o que talvez pudesse ser
Transfigurando a faca do poder,
Matando em aridez a imensa fonte.
O trágico caminho em tempestade
Acida uma existência que é venal,
E tendo já noção deste final,
A cada passo mais alto se brade
Putrefação gerada pela audácia
E dela se traçando o nada vir,
Assim se desenhando este porvir,
Marcado por soberba e por falácia
Nos Céus se traçam fortes, grandes riscos
“Relâmpagos, trovões, raios, coriscos.”
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“Relâmpagos, trovões, raios, coriscos”
Explodem num momento terminal,
Aonde se pensara germinal,
Destroços que carrego, são confiscos
Do quadro desenhado há tantos anos,
Medonhas as figuras que ora vejo.
Assim ainda creio e até almejo
A solução, mas sei dos desenganos
E enquanto não se vê nem atitude
Tampouco se terá uma saída,
Caminhando sem rumo e já perdida
Bem antes que a verdade crua mude
O fim sem horizonte já desponte
A fera, raça humana, fim e fonte.
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