segunda-feira, 15 de março de 2010

ESPIRAL DE SONETOS - Enquanto quis Fortuna que tivesse HOMENAGEANDO LUIS DE CAMÕES

Enquanto quis Fortuna que tivesse
esperança de algum contentamento,
o gosto de um suave pensamento
me fez que seus efeitos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse
minha escritura a algum juízo isento,
escureceu-me o engenho co tormento,
para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
a diversas vontades! Quando lerdes
num breve livro casos tão diversos,

verdades puras são, e não defeitos...
E sabei que, segundo o amor tiverdes,
tereis o entendimento de meus versos!

Luis de Camões


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“tereis o entendimento de meus versos,”
Assim quando notardes os caminhos
Por vezes são fugazes e sozinhos,
E quando estou distante; mais dispersos.

E tendo-vos amado mais que posso
Verdades incontidas sobrevêm
Andando da esperança mui aquém
Percebo quão constante ando assim, vosso.

Encanta-me o saber do Vosso Amor
Vencendo os mais diversos sofrimentos,
Adentrando-me então meus pensamentos,
Saber-vos com carinho é qual louvor.

Das águas cristalinas, pura fonte,
O Amor que nos conforta, a foz aponte...

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O Amor que nos conforta, a foz aponte
E adentre Mar imenso em belas sendas
Distante dos receios, fujo às lendas
Envolto em rara luz neste horizonte.

Servir-vos e poder seguir adiante
Com passos destemidos, vigorosos,
Sabendo quão diversos, caprichosos
Caminhos condizentes; diamante.

Ao enfrentar tempestas e procelas,
Navego em águas frias e sigo ausente
Do siso necessário, e se pressente
Atado às vossas mãos, sublimes celas.

Selando com prazeres raro Amor
Nesta esperança clara que se assoma,
E toda esta magia assim nos toma,
Traçando algum caminho redentor.

Invade-me e controla o pensamento
“esperança de algum contentamento.”


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“esperança de algum contentamento”
Domina cada passo rumo ao Norte
Aonde se sanando dor e corte,
O Amor trazendo enfim, suave alento.

Ser-vos-ia demais pedir num sonho
Belezas entre tantas, mais perfeita,
O meu olhar em vós, já se deleita,
Enquanto um Paraíso, enfim componho.

Por ter-vos tão somente nos meus olhos,
Sabendo-vos Senhora dos meus dias,
Espalham-se sobejas alegrias,
Deixando no vazio tais abrolhos.

Iremos dois libertos passarinhos
Assim quando notardes os caminhos.


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Assim quando notardes os caminhos
Erguer-vos mui além do que pensara,
Uma ânsia delirante, bela e clara,
Domina as cercanias, nossos ninhos.

E sendo-vos fiel, lacaio e servo
Num sôfrego desejo a vós me rendo
Momento que deveras estupendo
Guardado dentro d’alma inda conservo.

O Amor em ardentias convertido,
Comporta os sonhos meus, amada Dama,
E quando esta vontade vos reclama,
Nos medos contumazes de um olvido

Sentindo assim liberto, solto ao vento
“o gosto de um suave pensamento.”

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“o gosto de um suave pensamento”
Tomando a direção de antigos dias,
E nele se espalhando fantasias,
Encontro finalmente o meu alento.

Viver em vossos sonhos mais felizes,
Singrando os oceanos mais distantes,
Olhares tantas vezes radiantes
Já não comportam mais medos, deslizes.

E sendo-vos servil, Senhora Minha,
O Amor que trago em mim nunca descansa
E vive tão somente esta esperança
Que dos vossos quereres se avizinha

Os dias sem vos ter, tão pobrezinhos,
Por vezes são fugazes e sozinhos


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Por vezes são fugazes e sozinhos
Momentos em que vós não percebeis
Amor normatizando suas leis
Sorvendo em vossos lábios raros vinhos

Açoda-me a vontade de vos ver
E quando vos ausenta, a vida inglória
Tornando toda a noite merencória,
Ausente de meus olhos, o prazer.

Sentir-vos num instante de ternura,
É tudo o que minh’alma já deseja,
E quando mais sublime é mais sobeja
Trazendo a imorredoura luz da cura

O Amor por mais que nunca o merecesse
“me fez que seus efeitos escrevesse.”


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“me fez que seus efeitos escrevesse.”
O Amor ao dominar meu pensamento
Deixando no passado o sofrimento
Aonde do prazer não sei a messe.

E vendo em vossos olhos farto brilho,
Ao ter tanta Fortuna em vos saber
Ao lerdes meus destinos posso ver
A senda incomparável que ora trilho.

Pertenço-vos Senhora e nada além
Do sonho de ser vosso me sustenta,
Navego em vã procela e na tormenta
Uma esperança audaz aos olhos vem

Momentos radiosos ditam versos
E quando estou distante; mais dispersos...



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E quando estou distante; mais dispersos
Os dias em que tento desvendar
Segredos que permitam caminhar
Por mais que os dias sejam tão perversos.

Alheia aos meus propósitos, Senhora
Jamais vos perceberdes quão me engano
No encanto que é deveras soberano
E a cada novo verso mais aflora.

Pudesse ter nas mãos a direção
E o Norte aonde possa ter a paz,
Somente esta Fortuna satisfaz
Mostrando os belos tempos que virão.

Dos sonhos entranhando rito e prece
“Porém, temendo Amor que aviso desse”.





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“Porém, temendo Amor que aviso desse”
Navego entre procelas mar adentro
E quando nos quereres me concentro
Ausente de meus olhos rara messe.

Do Fado, ao perceber soberania,
Não sendo vosso ainda me pergunto
Se aonde merecia estar bem junto
De quem domina o passo e sempre guia

Trazendo nos meus olhos a esperança
Chegando aos vossos dias e podendo,
Viver momento mágico, estupendo,
Aonde o coração voraz se lança.

Não trago do temor qualquer destroço
E tendo-vos amado mais que posso.


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E tendo-vos amado mais que posso
Não vejo solução senão vos ter
Além de qualquer sonho de prazer,
Vontade incontrolável; quero e endosso

Não pude navegar contra a corrente,
E encontro em vós a praia em que ora aporto,
Temor da solidão agora é morto,
E sinto-me deveras mais contente.

Vencendo os dissabores chego a vós
Fortuna desejada e tão querida,
Do Amor que me domina a sorte urdida
Ouvindo finalmente a minha voz.

E assi ao me tomar o pensamento
“minha escritura a algum juízo isento.”


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“minha escritura a algum juízo isento.”
Não pode se conter; então vos digo
Que em vossos braços vejo o meu abrigo,
Distante dos carinhos me atormento.

Seguir-vos pareado vida afora,
Não posso me furtar a tal desejo
E um dia mais feliz ora prevejo,
Que a bela fantasia me decora.

E sendo de vós, mesmo qual lacaio
Esquivo-me das dores que de antanho
Viviam nestas águas em que banho
O sonho, pelo qual em vós me espraio.

E quando dos meus sonhos vivo além
Verdades incontidas sobrevêm.


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Verdades incontidas sobrevêm
Na audácia em que caminho pela vida,
De quem tanto desejo não duvida
Uma alma que se entregue e sabe bem

Dos vários descaminhos percorridos
Nas ânsias de um Amor que tanto estime,
Um fato prazeroso e sei sublime,
Destroçando as angústias dos olvidos.

Ascendo aos mais perfeitos caminhares,
E vendo em vossos olhos os meus olhos,
Supero quaisquer urzes, sem abrolhos,
Percebo quão soberbos os pomares

Sabendo quando outrora o sofrimento.
“escureceu-me o engenho co tormento.”



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“escureceu-me o engenho co tormento”
O Amor quando se ausente percebi
Estando em vossos braços, mas aqui
Deveras tão somente sofrimento.

Na ausência dos carinhos vos perdendo,
Alheio aos dias claros de verão,
Não vendo nem tampouco direção,
O sonho não produz mais dividendo.

Em vosso caminhar, Senhora amada,
O tempo desafia tantos Fados,
Não suportando mais velhos enfados
A sorte sem vos ter; queda adernada

E quando a noite escura sobrevém
Andando da esperança mui aquém.

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Andando da esperança mui aquém.
Percorro sendas várias sem abrigo,
Sabendo ser cruel, venal castigo,
Apenas o vazio me contém.

Amor com suas hastes; amparara
Os passos deste vago sonhador,
E agora sem caminho a se propor
A noite com certeza, nunca é clara.

Fortuna renegando alguma luz
A quem se fez em vós amante e escravo
Vencendo um oceano imenso e bravo
Ás ânsias mais vorazes me conduz

Amor com sábias mãos futuro tece
“para que seus enganos não dissesse.”

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“para que seus enganos não dissesse”
O Fado muitas vezes se disfarça
Vontade se tornando então esparsa,
Louvando em vossos olhos, rara prece.

Mudasse a direção dos ventos quando
Em vossas mãos pudesse deslindar
Maravilhosa sorte de encontrar
Um mundo bem tranqüilo, suave e brando.

Quisera em vossos dias me perder,
Amor não poderia ter outrora
Caminho mais seguro que d’agora
Seguindo a bela trilha do prazer.

E tendo mais Amor do que inda posso
Percebo quão constante ando assim, vosso.


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Percebo quão constante ando assim, vosso
Alvissareiros dias entranhados
Diversos dos terrores já passados,
Fortuna em bela senda agora endosso.

Vivenciando em mares mais bravios
Anseios de momento solitários,
Os dias se tornando temerários,
Invés de calmaria, desafios.

E os olhos no porvir, quem poderia
Traçar se não volvesse a ter em si
O quanto deste encanto já perdi,
Em vós ao renovar-se a fantasia

Fazendo em vosso encanto brados, pleitos
“Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos!”

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“Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos!”
Momentos discordantes e venais,
E enquanto em meu caminho derramais
Desejo, o satisfaço em vossos leitos.

Na angústia em que professo a solidão,
Discórdias entre medos e terrores,
Assim ao se encontrar os dissabores
Decerto novos dias mostrarão

O rumo em que vos tendo como guia
Pudesse transformar a caminhada,
E tanto se percebe em rara estrada
Além do que talvez uma utopia

E tendo-vos deveras com louvor
Encanta-me o saber do Vosso Amor

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Encanta-me o saber do Vosso Amor
E ter esta Ventura em farto brilho,
No encanto em ser tão vosso maravilho,
Divino caminhar em esplendor.

Os Fados me guiando aos vossos passos,
E neles antevejo o meu futuro,
Outrora um mundo amargo, frio e escuro,
Agora não restando mais nem traços.

Em ser-vos mais fiel, suprema glória,
Viver com a alegria de quem sonha,
Por mais que a vida mostre-se medonha
Saber já desvendar rara vitória

Submeto-me somente por quererdes
“a diversas vontades quando lerdes”.

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“a diversas vontades quando lerdes”
O quão se fez Amor mais necessário,
Ainda sendo o mundo temerário
Caminhos quando em vós, os creio verdes.

Na senda sempre flórea que ora vejo,
Além da mais perfeita imensidão,
Meus olhos com certeza seguirão
As trilhas que em vós dizem do desejo.

Senhora de Minh’alma ama e dona,
O Fado nos trazendo em par constante
Momento que é deveras deslumbrante
Do pensamento então ele se adona.

Convosco desconheço os vãos tormentos
Vencendo os mais diversos sofrimentos.

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Vencendo os mais diversos sofrimentos
Não tenho tais temores que noutra era
Ao impedir florada e primavera
Trouxeram tão somente desalentos.

Supero os maus momentos com sorrisos,
E tendo os dias claros vejo o sol
Qual fora um helianto, um girassol,
Em ritos mais sobejos e concisos.

A vida se mostrando em pleno Amor,
Não deixa que se pense noutras cores,
E quando se espalhando em nós as flores
Eu vejo a nossa história recompor.

E traço com carinho e tantos versos
“num breve livro casos tão diversos.”


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“num breve livro casos tão diversos”
Perfaço com Amor em alma pura,
E quando a noite fosse mais escura
Marcada por caminhos vãos, perversos

Em vós eu poderia desvendar
A clara maravilha deste Fado,
Há tanto pelos sonhos, alentado,
Trazendo cada raio de um luar

Alvissareiros dias, mar tranqüilo,
E nele uma certeza em que se fez
Ao expressar Fortuna e lucidez,
Uma esperança além, ora desfilo

E sinto então, sobejos sentimentos
Adentrando-me então meus pensamentos.


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Adentrando-me então meus pensamentos
Os brilhos fartos todos de um Amor
Dos passos e dos sonhos, o Senhor,
Apascento assim tantos tormentos.

Eu ao ver-vos dama amada em luz suave
Percebo quão divina a maravilha
Na qual uma esperança agora trilha
Fazendo deste encanto sua nave.

Atrevo-me a pensar em novos dias
E neles outras sendas mais floridas
Unindo então deveras nossas vidas,
Negando ao caminheiro noites frias.

Eu sei que com certeza meus direitos
“verdades puras são, e não defeitos...”


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“verdades puras são, e não defeitos”,
Sobejas qualidades e as procuro,
Por tanto seja o dia mais escuro,
Das luzes, vossos olhos sendo feitos

Espelham claridades tão diversas
Matizes que florescem primaveras
Sabendo desde antanho em priscas eras
Jamais as nossas noites são dispersas.

E tendo-vos Senhora é como outrora
Pudesse crer na fonte que irradia
Traçando em vossos passos fantasia,
Na qual toda a verdade se decora.

E quando me entregando ao vosso amor
Saber-vos com carinho é qual louvor.

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Saber-vos com carinho é qual louvor
E dele me espraiando em vossos braços
Estreitam-se deveras firmes laços
Traçando cada passo com fervor.

Senhora tanto amor quanto vos tenho,
Jamais se conhecera alguém, portanto
À nossa fantasia então vos canto
E nisto, com denodo, meu empenho.

Seguir-vos qual falena segue a luz,
E ter-vos ao meu lado, Fado e sina,
No brilho deste olhar que me fascina,
Certeza de um Amor que me condiz

Em vós tanta beleza quando crerdes
“E sabei que, segundo o amor , tiverdes”



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“E sabei que, segundo o amor , tiverdes”
Momentos tão felizes e sobejos,
Florindo em nossos passos os desejos,
Seara feita em campos todos verdes.

Augustas emoções em vós; percebo
E delas teço um tempo mais feliz,
No Amor o coração de um aprendiz
Perfaz esta paisagem que concebo.

Usando da palavra posso crer
Num tempo alvissareiro em luzes feito,
E quando deste encanto sei o pleito,
Deveras reconheço o meu prazer

E tendo-vos no dia que desponte
Das águas cristalinas, pura fonte


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Das águas cristalinas, pura fonte
Espalham alegrias pelos mares
E quando em vossos olhos meus altares
Um raro sol percebo no horizonte.

Fortuna desejando que eu tivesse
Certeza de um momento feito em paz,
Amor quando do Amor se faz capaz
Trazendo ao navegante rara messe.

Escuto a voz do vento a me clamar
Traçando com ternura a maravilha
Que agora o coração deveras trilha
Chegando aos claros reinos do luar

E assim ao perceber-vos universos
“tereis o entendimento de meus versos!”


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“tereis o entendimento de meus versos”
Ao conceber em vós tanta beleza,
O quanto se vencendo a correnteza
Encontram-se caminhos mais diversos.

E tendo sob os olhos rara luz
Enfrento as tempestades mais venais,
E quando em vossas mãos já me afagais
Imagem tão sublime reproduz

Da fonte aos grandes rios, belos prados,
Marginam redentores emoções
E nelas maravilhas, seduções,
Deixando os dias claros, bem traçados

E assim após saber da rara fonte
O Amor que nos conforta, a foz aponte...

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