quarta-feira, 17 de março de 2010

ESPIRAL DE SONETOS -ÚLTIMO FANTASMA HOMENAGEM A CASTRO ALVES

8a SOMBRA - ÚLTIMO FANTASMA

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso ...

Baixas do céu num vôo harmonioso!...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso! ...

Onde nos vimos nós? És doutra esfera ?
És o ser que eu busquei do sul ao norte. . .
Por quem meu peito em sonhos desespera?

Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte!
És talvez o ideal que est'alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!

Castro Alves


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“És a glória talvez! Talvez a morte!”
Anseios tão terríveis, luz imensa
Aonde se pudesse em recompensa
Talvez ainda reste um rumo e um norte.

Saber dos meus propósitos e ter
Nas mãos o meu futuro ensandecido,
Mergulho no passado e até duvido
Ainda existiria algum prazer?

Quem és que ao mesmo tempo traz a dor
Alenta e me tortura, frágua e frio
Sentido algum; decerto em ti desfio,
Admiração gerando enfim pavor.

Adentras nos umbrais das minhas portas
Sorris enquanto o sonho em vão deportas.


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Sorris enquanto o sonho em vão deportas
Ao mesmo tempo trazes ilusões
E quando a realidade não me expões
Momentos de alegria logo abortas

Assim entre o não ser e o ser além
Percorro descaminhos entre as urzes,
Por mais diversas sendas me conduzes
Nem sempre num caminho que convém,

Escuto a tua voz em consonância
Com todos os anseios, vez em quando,
Mas logo toda a história transmudando
Trazendo tão somente discordância

Qual fora esta aridez já disfarçada
“Que te elevas da noite na orvalhada?”


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“Que te elevas da noite na orvalhada,”
Momento ainda vivo na lembrança
Enquanto esta seara já se alcança
Percebo quão distando uma alvorada.

Ascendo ao quanto quis e não podia,
Tampouco imaginara ser ainda
Possível o que a vida ora deslinda
Imagem soberana e tão bravia.

Angustiadamente o tempo passa
E traça novas luzes, cruzes várias
Tentando protelar as procelárias
Ao menos se percebe uma fumaça

Minha alma proferindo em voz intensa
Anseios tão terríveis, luz imensa.




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Anseios tão terríveis, luz imensa
E todo o pensamento se desvia
Traçando tão somente esta agonia
Diversa do que uma alma ainda pensa.

Vestindo a mansidão já não consigo
Saber do que tu queres nem desejas,
As alegrias mesmo se sobejas
Traduzem aos meus olhos o castigo.

E o peso do não ter qualquer aporte
Que possa me trazer tranqüilidade
Ainda uma esperança viva e brade,
Não vejo solução, apenas corte

E vendo-te sonhando, imaculada
“Tens a face nas sombras mergulhada...”


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“Tens a face nas sombras mergulhada”
O olhar procura em vão qualquer caminho
E o coração deveras tão sozinho
Aguarda qualquer luz de uma alvorada

Distante neste imenso pesadelo,
Arcando com enganos do passado,
O beijo muitas vezes sonegado,
Momento tão cruel inda revê-lo...

Sentir em nuvens feitas a manhã
E crer na claridade do futuro,
Vagando por um prado sempre escuro,
Já sabe quanto a vida é mesmo vã

O sol por sobre a treva que adensa
Aonde se pudesse em recompensa...


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Aonde se pudesse em recompensa
Saber de algum momento mais feliz,
Num céu que se mostrasse menos gris
Sublime claridade agora imensa.

Mas quando se percebe a realidade
Vagando por espaços siderais
Apenas o vazio sendo o cais,
O medo nos tomando, tudo invade.

E o peso da esperança verga as costas
E tendo por final esta ilusão,
Ausente dos meus olhos o verão
No inverno se fazendo m’as apostas

O sonho, meu amigo, este andrajoso
“Sobre as névoas te libras; vaporoso ...”


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“Sobre as névoas te libras; vaporoso”
Pensamento que tanto me fascina
Enquanto ao mesmo tempo em leda sina
Sonega algum prazer, imenso gozo.

A sorte tantas vezes traz e nega
O encanto que deveras dói e traça
Qual fora num segundo uma fumaça
E nela a realidade não navega.

Augustas esperanças, tristes fins,
Escravizando uma alma que se deu
E tanto se promete luz e breu,
Demônios disfarçados, querubins,

Em meio a tal vazio sem suporte
Talvez ainda reste um rumo e um norte.


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Talvez ainda reste um rumo e um norte
Depois dos temporais mais corriqueiros,
E quando enfim florisse em meus canteiros
A paz que me envolvendo já conforte.

Escuto a voz macia de quem tanto
Se fez em luzes fartas, bela amante,
Agora numa ausência torturante
Apenas resta em mim cruel quebranto.

Serenas noites, dias tão suaves,
Anseios satisfeitos, gozos plenos
Aonde se pensaram mais amenos
Decorrem nas terríveis, frias traves

E quando o sonho fora pavoroso
“Baixas do céu num vôo harmonioso!...”

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“Baixas do céu num vôo harmonioso”
Traçando os mais sublimes, belos ritos
E os dias que passara tão aflitos
Agora num perfil maravilhoso.

Andando sobre espinhos, carne viva
Cicatrizando agora após notar
Que finalmente em ti vejo ao luar
Uma esperança em paz, mansa e cativa.

Das farpas e dos cortes nem lembranças
E sinto nova aragem se espalhando
Traçando amanhecer mais claro e brando,
E nele todo o amor que agora lanças

Da ausência que reclamas de prazer
Saber dos meus propósitos e ter.


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Saber dos meus propósitos e ter
A chance de viver felicidade,
Se tudo o que desejo ainda invade
O coração cansado de sofrer

Não tendo mais coragem de seguir
Durante as tempestades e procelas,
As noites constelares são mais belas,
Mas nelas não encontro o meu porvir.

A sorte se transforma a cada instante
E nesta instável luz, sigo sombrio
Meus erros e caminhos desafio
Sabendo quanto o amor se faz farsante.


Pergunto em vão ao vê-la enamorada
“Quem és tu, bela e branca desposada?”


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“Quem és tu, bela e branca desposada?”
Jamais encontraria uma resposta,
Minha alma solitária assim exposta
Não vê mais solução, somente o nada.

E quando me inundando esta tristeza
Vazio se espalhando em fria senda,
O quadro em terror já se desvenda
E sigo nesta forte correnteza

Ao mar onde salobra água me espera
Espúrias madrugadas, medos tantos,
E neles os diversos desencantos
A vida desfilando-se em quimera

E tendo tão somente, embrutecido,
Nas mãos o meu futuro ensandecido.


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Nas mãos o meu futuro ensandecido
Impede qualquer luz que ainda venha,
A frágua se desfaz na pouca lenha
Jamais inverno em mim sendo aquecido.

Pereço a cada passo um pouco mais,
E teimo contra tudo e contra a vida,
Que sinto sem encontro, em despedida,
Sorrisos que recebo são formais.

Assédios tão somente os da tristeza
Medonha caricata sorte amarga,
A solidão jocosa não me larga,
No amor é necessária uma destreza

A sorte trouxe em tépida alvorada
“Da laranjeira em flor a flor nevada.”


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“Da laranjeira em flor a flor nevada”
Somente o que restou ao sonhador,
Que tendo no jardim ausente flor
Percebe que somente ceva o nada.

Um jardineiro estúpido e boçal
Durante a vida quis alguma rosa,
Mulher entre as mulheres, maviosa,
Mas quando viu vazio o seu bornal

Não pode mais pensar numa colheita,
Granando tão somente uma daninha,
E quanto mais sonhava, mais continha
A dor na qual agora se deleita

Do amor e deste encanto ora sentido
Mergulho no passado e até duvido.


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Mergulho no passado e até duvido
Que possa ainda ter alguma chance
E mesmo quando o sonho em paz alcance
O amor traz em si próprio um ledo olvido.

Escassas emoções durante a vida
Não pude imaginar inda possível
Viver um sonho audaz neste terrível
Caminho que prepara a despedida.

Ascendo ao Paraíso só por que
Eu pude pressentir imensa glória
De ter no teu olhar minha vitória
Sobeja poesia que se lê

E assim um ar diverso e mavioso
“Cerca-te a fronte, ó ser misterioso!”

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“Cerca-te a fronte, ó ser misterioso”
Um ar que ao mesmo tempo me ternura
Enquanto se traduz em amargura
Delírio feito em dor, prazer e gozo.

Servido num banquete como fosse
Uma iguaria rara, o farto amor,
Dos sonhos meu vassalo e meu senhor,
Momento incomparável, agridoce.

Esbarro nos meus erros e temores,
E teimo contra a força de uma luz
Falena morre enquanto se seduz,
O céu se transformando em tantas cores

Pergunto sem respostas poder ter
Ainda existiria algum prazer?

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Ainda existiria algum prazer
Na insânia onde trafego em dupla mão
Por vezes imagino solução,
Mas noutras o vazio posso ver.

Estúpida quimera, amor e tédio
Misturam-se deveras e entontecem
E quando se percebe agora tecem
Ao mesmo tempo a dor e o bom remédio.

Assisto aos meus enganos neste encanto
Que seduzindo Marca a minha pele,
Ao mesmo tempo atrai e me repele,
Por isso sorte traça algum quebranto

E ao ver-te doce amada, imensa fera
“Onde nos vimos nós? És doutra esfera ?”

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“Onde nos vimos nós? És doutra esfera ?”
Ambígua fantasia gera o medo
E nela se mostrando em manso enredo
Caminho com o qual já se tempera

Salgando enquanto amarga e tanto adoça
Estende-me o teu braço e me abandona,
Trazendo lavas, fúrias, vêm à tona
Enquanto se propaga em riso e troça.

Aprendo e desaprendo o bem de amar,
Não posso caminhar, se é movediça
A face que se mostra e se cobiça
Enquanto se é neblina, diz luar.

Vassalo se mostrando imperador,
Quem és que ao mesmo tempo traz a dor.


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Quem és que ao mesmo tempo traz a dor
Enquanto algum alento; ainda dizes,
Momentos delicados e felizes
Em meio ao mar terrível, multicor.

Sedento dos desejos mais vorazes
Ausente dos meus braços quando estou
Vagando pelas noites, só restou
Do todo; alguma luz em várias fases.

Aprendo com teus passos, novas sendas,
Errático deliro em falsas trilhas,
E quando me entonteces, armadilhas
Preparas e depressa já desvendas

Assim mesmo que insana não conforte
“És o ser que eu busquei do sul ao norte”...


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“És o ser que eu busquei do sul ao norte”
Vencendo os mais complexos desafios
Ainda que pudesse mais estios,
Outono também traz algum aporte

Deste calor imenso que me dás,
Mas sei quando invernas, nada resta
A luz imensa então trama a funesta
Aurora feita em dor, mesmo mordaz.

Dicotomias ditam nosso caso,
E trazem para mim sorriso e medo,
Por mais que tanto amor; a ti, concedo,
O sol termina sempre em turvo ocaso.

E assim amor supremo, mas vadio
Alenta e me tortura, frágua e frio


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Alenta e me tortura, frágua e frio
Anseio que se torna medo e gozo,
Caminho sorridente ou pedregoso,
Decifrar nosso caso, um desafio.

E peço mesmo ajuda quando só
Encontro em desencontros nossos passos,
Os dias sobretudo morrem lassos
E neles se percebe do ouro, o pó

Perpetuando enfim o quanto quero
E nada ou mesmo tudo, vez em quando,
Deveras me domina atordoando
Nem sempre verdadeiro, ou mais sincero

Presente em ti querida, a bela e a fera
“Por quem meu peito em sonhos desespera?”

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“Por quem meu peito em sonhos desespera?”
Já não consigo ao menos decifrar
Caminho onde pudesse desvendar
Segredos que me mostrem primavera.

Essencialmente vejo o quão possível
Amar e ser amado, mas não posso
Fazer desta esperança algum destroço
Tocando com paixão mesmo implausível.

Espero pela luz que nunca veio,
Aguardo finalmente alento, pois
Sabendo deste encanto em que nós dois
Vivemos com delírio, sem receio.

E tendo em teu olhar, pleno e vazio
Sentido algum; decerto em ti desfio.


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Sentido algum; decerto em ti desfio
E nessa insensatez prazer e dor
Intensa claridade me compor
Porém em turbulência vejo o frio.

Arcando com enganos e delírios
Espero a luz que tanto desejara,
E nela se reflete medo e escara,
Gerando insensatez, tolos martírios.

Esgarçando a alegria e num só tempo
Angústia e paz se tornam mais freqüentes
E quando dos meus olhos tu te ausentes,
Encontro o mais terrível contratempo

No todo que maltrata e me conforte
“Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte!”


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“Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte!”
Negando a sensatez encontro em ti,
O todo que deveras percebi
Criando do vazio um novo norte.

Assisto aos meus momentos terminais
E neles outras vidas poderiam,
E quando os meus olhares se desviam,
Ainda buscam ledos outros cais

Estranhas turbulências, tempestades,
Angustiadamente até sorrio,
E o tempo sendo assim um desafio,
No todo que geraste e que degrades,

E nesta instável luz chamada amor
Admiração gerando enfim pavor.


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Admiração gerando enfim pavor
Distorcem-se caminhos entre trevas
E quando uma esperança ainda cevas
Percebo algum momento redentor,

Esbarro nesta vã dicotomia
E teimo entre as estrelas e as neblinas
Portanto me apavoras e fascinas
Terror se transformando em alegria.

Ausente da razão, não mais consigo
Discernir brilho farto deste escuro,
Enquanto me adoeço e já me curo,
Ao mesmo tempo alento e vão perigo.

Sabendo em ti a gata e a pantera
“És talvez o ideal que est'alma espera!”


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“És talvez o ideal que est'alma espera!”
Uma força que move o pensamento
Tormenta traduzindo em manso vento,
Palácio transmudado na tapera.

A cândida emoção, terríveis fúrias,
Amante delicada e mais feroz,
Voz apaziguadora, fria algoz
Riquezas transformadas em penúrias

Estranhas atitudes, atos claros,
Mascaras o que ainda em vão proponho,
Olhar tão fascinante quão medonho,
Doces delírios, sonhos mais amaros

Enquanto me transtornas e confortas
Adentras nos umbrais das minhas portas.

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Adentras nos umbrais das minhas portas
Trafegas por instantes mais diversos
E tomas com terror, meiguice os versos,
Palavras se tornando vivas, mortas,

Escapo destas garras e me entrego
Às presas afiadas da pantera,
E vendo em pleno inverno a primavera
De tanta claridade sigo cego,

Apraza-me saber que sou tão teu,
E temo qualquer tom do amanhecer,
Aonde desfiando dor, prazer
O senso há muito tempo se perdeu

Quem és que me maltrata e me conforte
“És a glória talvez! Talvez a morte!”


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“És a glória talvez! Talvez a morte!”
Escravo de teus braços, me liberto
Bebendo destas águas num deserto
Caminho sem ter rumo, esqueço o norte.

E beijo tua boca ensangüentada
Vasculho no teu corpo os meus sinais,
E vejo em formidáveis, magistrais
Delírios uma angústia desfraldada.

Ecléticos anseios, luz sombria,
Acordos desvendados, descumpridos,
Momentos delicados repartidos,
Terrível dor em brilho e fantasia

E quando te pensava em cores mortas
Sorris enquanto o sonho em vão deportas.

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