sexta-feira, 19 de março de 2010

27187/88/89/90/91

Extingue desde cedo a plantação,
E apenas o vazio já decorre





27187


“Perdi os risos — a minh'alma é triste”,
Vestígios de um passado mais feliz,
A sorte desairosa já desdiz
E nada do que amara ainda existe

Somente a ingratidão domina a cena
Perpetuando o medo do futuro
E a cada novo dia me amarguro
Nem mesmo a poesia me serena.

Dos sonhos um antigo serviçal
Agora escravizado pelo medo,
Se uma esperança atroz inda concedo,
A dor se renovando em ritual.

Aporto em cais terrível torpe ilhéu
Aonde imaginara ter um céu...

27188


“Pobre ludíbrio de cruéis enganos,”
Seguindo sem ter paz, navego a ausência
E aonde poderia ter clemência
Os medo seguem sendo soberanos.

Ausente do carinho de quem tanto
Pudera imaginar a companheira,
A vida se perdendo vã, rasteira,
Ainda sem destino, cessa o canto.

E o jeito é navegar mesmo em procelas,
Sabendo do naufrágio inevitável,
O sonho se tornando inabitável,
Apenas me trazendo frias celas,

Masmorras onde a morte já se espera,
Cessando o que restou da primavera...


27189


“Só eu não sei em que o prazer consiste”
Vestígios de ilusões trago comigo,
E quando alguma luz inda persigo,
O caminhar longínquo não insiste.

Percebo quão inútil ter o brilho
De um frágil pirilampo, uma esperança
Somente no vazio ela me lança,
Repito com tristeza este estribilho.

Acossam-me corsárias emoções
E nelas os espinhos aflorados,
Os dias que pensara abençoados,
Diversos do que agora tu me expões,

Senzalas são herança do vazio,
Que a cada desencanto mais desfio...

27190


“Dizem que há gozos no correr dos anos”,
Mera ilusão, a vida se repete,
E quando ao nada eterno me arremete
Percebo os dissabores soberanos.

Acreditar no amor que nunca veio,
Vencido pelas ânsias de um momento
Aonde bem distante do tormento,
Pudesse ter além deste receio.

E quando me percebo solitário,
Descrevo no silêncio a minha história,
Aonde poderia crer vitória,
O gozo sendo sempre temporário,

Não pude discernir felicidade,
Se apenas nos meus olhos, medo e grade...


27191


“Lamenta os sonhos que já tive outrora”
O velho marinheiro em mar bravio,
Ainda que o vazio desafio
Somente a solidão, que me devora.

Percebo após a vida, o nada ter,
Etéreas ilusões são falsos guizos,
Os dias com terrores imprecisos,
A morte sorrateira a me embeber,

Cadenciando os passos sigo aquém
Do quanto poderia e bem desejo.
Se nada após o nada ainda vejo,
O medo de viver ora contém

O passo mais audaz, e sem futuro,
O próprio amanhecer se fez escuro...

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