sexta-feira, 19 de março de 2010

Leito de Folhas Verdes
Gonçalves Dias

Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.

Eu, sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.

Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.

Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!

A flor que desabrocha ao romper d`alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.

Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!

Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazóia na cinta me apertaram

Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma;
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!

Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!


1


“A brisa da manhã sacuda as folhas!”
E trague algum alívio para mim,
Assim ao se mostrar no meu jardim,
Por mais que as fantasias tu recolhas

Serenam-se os caminhos de quem tanto
Vivera sem destino, simplesmente,
Uma alma se mostrando transparente,
Traduz o que deveras quero e canto.

Não deixe que este verso morra aos poucos,
Tampouco não permita a solidão,
Ainda que se mostre no verão,
Os ritos entre dias parvos, loucos,

Outono dentro da alma amarelando
As folhas, sob um vento manso e brando...


2


“Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil”
Erguendo-se meus olhos na manhã
A vida se promete noutro afã
Por mais que a caminhada seja fútil.

O sol ao adentrar no quarto traz
A imensa claridade necessária,
A vida mesmo sendo temerária,
Do quanto poderia ser em paz

Transcende ao mais perfeito Paraíso,
Vestindo de ilusão triste quimera,
Eternizando na alma a primavera,
Deixando para trás o prejuízo,

Viver felicidade a cada instante
Num dia tão sublime e fascinante...


3


“À voz do meu amor, que em vão te chama!”
E nada mais terei senão meu fim,
Saber dos dissabores, mesmo assim
Tentar manter acesa a velha chama,

Minha alma se permite em sonho audaz,
Vibrando com a luz de um belo dia,
E nele se entregando à poesia
Percebo no final, imensa paz.

O vento sobre nós traçando então
A doce maravilha de sentir,
Liberto sem algemas o porvir,
Vivendo as noites claras que virão

Traçando em alegria cada passo,
Vagando sem temor, sem ter cansaço...

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