sábado, 20 de março de 2010

Soneto Italiano HOMENAGEM A MANUEL BANDEIRA

Soneto Italiano

Frescuras das sereias e do orvalho,
Graça dos brancos pes dos pequeninos,
Voz das anhãs cantando pelos sinos,
Rosa mais alta no mais alto galho:

De quem me valerei, se não me valho
De ti, que tens a chave dos destinos
Em que arderam meus sonhos cristalinos
Feitos cinza que em pranto ao vento espalho?

Também te vi chorar... Também sofreste
A dor de ver secarem pela estrada
As fontes da esperança... E não cedeste!

Antes, pobre, despida e trespassada,
Soubeste dar à vida, em que morreste,
Tudo - à vida, que nunca te deu nada!

Manuel Bandeira




1


“Tudo - à vida, que nunca te deu nada”
Tu deste sem pensar um só segundo
E quando nos teus passos me aprofundo
A sorte sem igual é vislumbrada.

Assim como se adentra em fantasias
Diversas noites; galga o pensamento
E nele ao mesmo tempo me atormento
Enquanto realidades várias crias.

A vida muitas vezes traiçoeira
Permite queda após queda e, portanto
Mesmo quando diverso seja o canto,
Não sigo fielmente uma bandeira.

Apraza-me saber diversidade
E nela se conclui realidade.

2

“Soubeste dar à vida, em que morreste,”
Um ar de soberana maravilha,
E quando ao longe estrela imensa brilha
Aonde outrora vira cena agreste

Encontro-te deveras nesta estrela
Luzindo eternamente em tal fulgor,
Do quanto em vida foste tradutor
De insofismável luz; como é bom vê-la!

Os olhos no horizonte percebendo
Incontestável fonte que me sacia,
E ao se mostrar gigante, traz ao dia
Um ar inquestionável e estupendo.

Assisto ao espetáculo divino,
Revendo-te estrelar, eu me fascino...


3


“Antes, pobre, despida e trespassada,”
Agora emoldurada em luz superna,
O quanto deste brilho já se externa
Tornando qualquer noite enluarada.

Houvesse mais caminhos como o teu
O mundo com certeza, bem melhor,
Lições que me ensinaste e sei de cor,
Dourando intensamente escuro breu.

E quando se desnuda em belas sendas,
Por sobre cordilheiras, soberana,
Tua presença etérea tanto ufana
Sublimes fantasias que desvendas.

Tu és e sempre foste além da vida,
A estrela pelos céus, em paz, ungida.

4

“As fontes da esperança... E não cedeste”
Às tentações diversas que poluem
E quando as maravilhas se diluem
O solo se transforma em tom agreste.

Apego-me aos teus passos, velha amiga,
E bebo cada gota que espalhaste,
A vida com o medo diz contraste
Ao ter quem nos acolhe e nos abriga.

Sensíveis emoções, doces promessas
E nelas se traduz um dia claro,
O quanto te querendo ora declaro
Diversas alegrias me confessas.

E sendo um escudeiro mais fiel,
Contigo vejo próximo, meu céu.

5

“A dor de ver secarem pela estrada”
As flores que espalhamos no passado,
Sabendo do futuro destroçado
E após tanta batalha, ver o nada.

À parte, não podemos desistir
Seguindo contra a força das marés,
Jamais suportaremos as galés,
A liberdade estampa este porvir.

E quando se embrenhasse em nós a dor,
Tomados pela fúria e rebeldia,
Talvez não percebêssemos que o dia
Renova-se em momentos de calor.

Fulguras sobre todos os caminhos,
Traçamos no infinito nossos ninhos...


6


“Também te vi chorar... Também sofreste”
E neste sofrimento percebi
O quão maravilhoso existe em ti,
Sabendo que a verdade; conheceste.

Apego-me aos tormentos, vez em quando,
E neles aprendendo dia a dia,
Da dor a liberdade ora se cria,
Mesmo se o sonho, eu vejo desabando.

Aprende-se a viver com cada queda,
A mansidão se aprende enquanto ensina
Deveras mui complexa nossa sina
Caminho que se abrindo já se veda.

E o pêndulo da vida, fabuloso,
Transforma uma tortura em pleno gozo.


7


“Feitos cinza que em pranto ao vento espalho,”
Os cantos muitas vezes tão dispersos,
Vagando por extensos universos,
Ao mesmo tempo eu sei o quanto é falho

O passo em contradança e contrafeito,
Escuto do vazio, cada voz
E nelas percebendo algum algoz
Do todo este pedaço sendo feito.

Mergulho nas insânias e demências
E nelas bebo a luz que a poesia
Por vezes, com fulgor tanto irradia
Gerando mesmo em tais incoerências.

A carga do viver nos atormenta,
Pois a alma sem limites é sedenta...

8


“Em que arderam meus sonhos cristalinos”
Momentos tão diversos quanto extremos,
E tendo em minhas mãos, prováveis remos,
Não sei se ainda creio nos destinos.

Anseios se transformam no vazio,
Ou mera fantasia realiza
Da tempestade imensa à branda brisa,
Porquanto cada engano eu mesmo crio.

Somando as provisões no meu farnel
Por vezes permaneço insaciável,
Aonde poderia ser palpável
Diversidade expressa amargo e mel.

À cântaros chovendo vez em quando,
Aprendo muito mais se me enganando...


9


“De ti, que tens a chave dos destinos”
E sabes comandar a minha vida,
Enquanto se prepara a despedida,
Dobrando num momento tantos sinos.

Esgueiro-me deveras, mas não creio
Possível libertar-me, pois em ti
Além do que deveras eu vivi
Singrando mesmo quando estou alheio.

Tu és a redenção e o desalento,
Medonhas emoções, vagos sentidos,
Caminhos que percorro decidido
Levados ao sabor do insano vento.

Dos acertos e enganos as lições,
Que agora como sempre tu me expões.


10


“De quem me valerei, se não me valho”
Nem mesmo desta imensa aprendizagem,
Mudando com constância tal paisagem
Seguindo vez em quando algum atalho.

Errático cometa; nada sei
Somente o que talvez ainda queira,
Realidade é sempre passageira,
Diversidade dita a mesma grei.

E tendo vastidões dentro de mim,
Acerco-me dos medos, fantasias,
Por onde tantas vezes me desvias,
Agruras entre flores, meu jardim.

A carga do saber não me apetece,
Minha alma a cada não rejuvenesce..

11


“Rosa mais alta no mais alto galho”
Esplendorosa imagem que traduz
Intensa claridade em farta luz,
Somando cada corte que amealho.

Vassalo de algum sonho; assim prossigo
E teimo contra tantas ilusões,
Mas quando o meu caminho recompões,
Vislumbro no final, crime e castigo.

A porta se entreabrindo me permite
Saber do quanto existe ou nada tem,
Por vezes tanta luz em ti contém,
Jamais se respeitando algum limite.

Floresces num canteiro, fabulosa,
Diversa e tão fantástica, uma rosa.


12


“Voz das manhãs cantando pelos sinos”
Adentrando os distantes lares, traz
Ao mesmo tempo a dor, angústia ou paz,
Trazendo ritos fúnebres, divinos.

Missais e funerais, velórios, dores,
Porém com euforia noutros cantos,
Traduz por vezes dias belos, santos
E nela se compõe fartos louvores.

Assim se faz a vida, dor e luz,
No repicar dos sinos, a verdade,
Transporta a festa, o medo ou a saudade
Cenário mais fiel se reproduz.

A voz dos sinos trama uma existência,
Da glória a mais terrível penitência...

13


“Graça dos brancos pés dos pequeninos,”
Libertos pelas ruas e calçadas,
Esperanças diversas desfraldadas
Singelos caminhares mais ladinos.

Poder de uma inocência que transforma
Talvez redima toda a humanidade,
Mas quando o mundo atroz, feroz invade,
Ditando insensatez, terrível norma,

Da Graça se perdendo dia a dia
Até se perceber crua faceta,
Depois quando senil; cada cometa
Retorna à mansidão e se recria.

Extremos que se tocam; vida e morte,
E neles a esperança tem aporte.


14



“Frescuras das sereias e do orvalho,”
Traduzem o mais belo amanhecer
Na praia o sol num raro incandescer
Areia transformada em assoalho.

Imagens tão sublimes, mansidão.
E nelas ao tecer um novo quadro,
Aonde com prazer quero e me enquadro,
Sabendo das belezas do verão.

Esqueço vez em quando o duro inverno
Que se prepara agora para mim,
Primaveril delírio num jardim,
Outono do viver onde me interno.

Na cíclica vereda que se invade,
Da estrela que seremos: claridade!

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