sábado, 20 de março de 2010

27289/90/91/92/93/94/95/96

27289

“E num recanto pôs um mundo inteiro”
Num átimo, um mergulho ou cordilheira,
Abismos que encontrei, quer ou não queira
Traduzem variedade do tinteiro.

E sinto ser audaz enquanto medro,
Nefastas as manhãs, claras as noites,
Carinhos se misturam com açoites,
Transporto uma nobreza feita em cedro.

E quando em disparada perco o rumo,
Mesquinho, muitas vezes, me abandono,
E tendo necessários paz e sono
Errôneo caminheiro; não assumo.

Perfaço com percalços, mas acerto,
Gerando dentro em mim, caos e deserto.


27290


“Fez a nossa existência apetecida”
O sonhar fabuloso ou tanto inglório,
O quanto se fazendo em torpe empório
Aquilo que pensei moldasse a vida,

Esgotam-se os caminhos por si sós,
E vastas as planícies, charcos tantos,
Por vezes mais profusos desencantos,
E neles vejo insólitos tais nós.

Apedrejado ou mesmo apedrejando,
Seguindo num hermético vagar,
Bebendo cada raio do luar,
Volvendo ao meu início em contrabando.

Esparsos versos, veios tão diversos,
Dispersos os meus tantos universos...





27291


“Que, a despeito de toda a humana lida,”
Jamais se poderia crer na sorte,
Que tanto amaldiçoe e nos conforte,
Porquanto em treva e luz se faz urdida.

Ascetas ou profanos navegantes,
Espúrias criaturas, sacrossantas,
Diversidades ditam cores tantas
E nelas as belezas deslumbrantes.

Fantasmas de nós mesmos recriamos,
E temos a certeza de um incerto
Caminho que nos leve longe ou perto,
Das imaginações, servos ou amos.

Temíveis feras; somos, ou pacíficos
Retratos distorcidos e magníficos...

27292


“Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro”
Enquanto algum farsante sentimento
Trazendo tempestade ou mesmo alento,
Macabro por ser claro e corriqueiro.

Aspectos tão diversos deste prisma,
E nele incomparáveis maravilhas,
Porquanto se percebem armadilhas,
Uma alma sem destino ainda cisma.

E tento ver após o que não creio,
E creio no que tanto se sonega,
A vida sendo assim, imensa e cega,
Proclama a cada passo outro receio.

E vejo-me espelhando no vazio,
Que tanto quanto posso, desafio...


27293


“Trazer-te o coração do companheiro”
Depois de navegar mares imensos,
Às vezes dias calmos, frios, tensos,
Entranham nos meus olhos, vou inteiro.

Acasos são comuns, mas a desdita
Percebe-se no quanto se reluta,
A vida não passando de uma luta,
Verdade não se cala, um dia grita.

Sufoca-me deveras a gravata,
Disfarço uma nudez em rico terno,
Preparo a cada passo um novo inferno
Sabendo quanto a sorte é tão ingrata.

A queda se anuncia e desta escada
Degrau após degrau desvendo o nada...

27294

“Aqui venho e virei, pobre querida,”
Trazer qualquer alento, um lenitivo,
Das ânsias do viver eu sobrevivo,
Por mais que dolorida seja a vida.

E traço sobre traços mais distintos
Caminhos tão diversos, mesmo fim.
Por vezes um demônio ou querubim
Obedecendo à luz de meus instintos.

Adentrando os umbrais do que não vejo
Escrevo com penúria, dor e glória
Aos poucos o resumo de uma história
Marcada pelo anseio e por desejo.

Só sei que no final venço e vencido,
Somente dos meus pés, um ledo olvido.


27295

“Em que descansas dessa longa vida”
Após as velhas curvas costumeiras,
As chuvas que tu bebes, derradeiras,
E nelas com certeza tudo acida.

O parto se refaz em nova esfera?
É tudo o que desejo, esteja certo,
Mas quando o meu caminho eu já deserto,
Aonde se escondeu a primavera?

Esgarçam-se momentos dia a dia,
E traço do vazio esta esperança
Na qual o amanhecer novo se lança,
E a morte eternamente já se adia.

Pudesse desvendar cada segredo,
Mas como, se deveras nunca cedo?


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“Querida, ao pé do leito derradeiro”
Somando os meus enganos e tormentas,
Enquanto com palavras apascentas
Do fim ainda tento e não me esgueiro.

Escarpas que venci, quedas terríveis,
Imensos precipícios, cordilheiras,
Assim ao desfiar minhas bandeiras,
Os dias se mostrando em vários níveis.

O peso se alivia, mas quem dera
Se todo o caminhar se resumisse
No quanto a própria história já desdisse
Gerando a imensidão da amarga fera,

Aonde se funéreo fez caminho,
Eternizando ali, último ninho...

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