segunda-feira, 7 de junho de 2010

35791 até 35800

1

A neve entranha uma alma em desvario
E traz no inverno atroz que agora enfrento
O medo em mortalha e se inda tento
Desvendar os segredos deste rio,
Enquanto cada passo desafio
E bebo com furor ainda o vento,
Rendido nestas tramas, sofrimento,
O meu caminho perde o tênue fio.
Tecido pelas ânsias do passado
O corte a cada instante aprofundando
Gerando dentro em mim imensa chaga,
Assim ao me mostrar bem mais desnudo,
Decerto, e com razões jamais desnudo
Uma alma cuja sombra espúria afaga.

2

Um vago tremular entorpecendo
O olhar neste horizonte em brumas feito,
E quando meu caminho segue o leito
Do atroz passo ao que nunca mais desvendo
No quanto ainda teimo me excedendo
Mortalha se tecendo e me deleito
Da pútrida vontade em que me deito,
Olhando para trás, um mero adendo.
E perco a direção dos passos quando
O olhar noutra seara acumulando
Fatídicas e lúbricas verdades
E assim do quanto fora libertário
O sonho de um passado, hoje um corsário
Do qual a cada saque mais agrades;

3


A minha senda perde qualquer brilho
Enquanto perpetuo a solitária
Manhã em fúria vaga e temerária
Porquanto me concebo este andarilho
E quando em excrescências eu palmilho,
Minha alma etérea e tola procelária
Ainda se mostrando necessária
Roubando o que me resta de algum brilho.
Amordaçando enfim a minha voz,
Na pálida incerteza, o mesmo algoz
Revive a desmedida hipocrisia
E quando me concebo em verso amargo
As luzes mesmo frágeis; teimo e largo
Matando o que pudesse ser um dia.


4

Minha alma se perdendo em asas pobres
Vagando pela espúria imensidão
Sem ter sequer caminho nem noção
Vivendo deste manto em que me cobres,
E quando de soslaio tu descobres
A face mesmo amarga, solidão,
Resumo novos tempos onde estão
Os sinos que decerto em trevas dobres.
Alcanço esta terrível derrocada
E ao ver; assim, findada a tola estada
De um corpo pela vida espoliado,
Eu tento num sorriso, ainda mero
Mostrar novo caminho, mas só quero
O olhar entorpecido do passado.

5

As rosas entranhando com espinhos
A pele aonde um dia se quis clara,
O cântico em louvor já desampara
Os dias que virão bem sei mesquinhos,
Roubando da esperança frágeis ninhos,
A sorte se propõe noutra seara
E o verso a todo instante semeara
Alheios caminhares, mais sozinhos.
Na bem querência tola eu posso ver
Apenas desenhado o desprazer
E dele cada parto já se aborta,
O feto se transforma em podridão,
Apenas as mortalhas cobrirão
Rapinas nas janelas, pela porta...

6

Nevando sobre as portas onde entrara
A solidão decerto em ar sombrio,
O quanto dos meus dias os recrio
Moldando a frágil luz nesta seara
E bebo do fantoche aonde a apara
Percebe-se ou decerto ainda esguio
Olhar descendo alheio pelo rio,
Aonde toda mágoa desaguara.
E resolutamente sigo ao fim,
Matando pouco a pouco o que há de mim
Nas faces mais decrépitas, saudades.
E quando me percebo em tal estrada
A porta pelas neves entranhada
Enquanto em invernal também invades.

7

As cenas entre gozos fartos, risos,
Apenas desviando o velho rumo
E quando na verdade eu me acostumo
Ausentes passos largos e precisos,
Somando os mais terríveis prejuízos
Aos poucos me perdendo em vago fumo,
Somente nos meus sonhos inda aprumo
Os dias noutros tantos. Vis granizos.
Rendido ao temporal e já sabendo
Do corpo em cada ausência apodrecendo
Marcado pelas vagas, vãs tenazes.
Do todo em absoluta e até pretensa
Verdade aonde o nada mais compensa
Esgoto cada sonho que inda trazes.

8

Minha alma em turbulência agora queda
E todo o meu passado se aflorando
No olhar desta medonha ameaçando
Pagando com cruel, mesma moeda,
Do todo aonde a vida em vão se veda
O corte mais audaz, decerto é quando
O rumo noutro tanto desviando
Na espúria escuridão já se envereda.
Apático poeta, um aprendiz,
Que um dia além do todo bem mais quis
E agora se tornando a garatuja
Do quanto poderia e se abortara,
A morte aonde em glória cultivara
Das minhas emoções ora se suja.

9

A garra destes anos se aprofunda
Na carne deste estúpido poeta,
E quando no vazio se repleta
Uma alma sem caminho, mera e imunda,
O todo se transforma em moribunda
Presença que deveras me completa,
Penetra-me com fúria intensa a seta
Na face mais audaz e nauseabunda.
Efêmera ilusão domina a cena
De quem em tolo amor já se apequena
E volta o seu olhar para o vazio,
Cenário aonde eu vejo últimos atos
Os dias se mostrando mais ingratos,
E mesmo assim em mim, tolo, os recrio.

10

Após a minha morte o que viria?
A sorte de saber o desengano
Da vida em cada passo, e me profano
Bebendo desta imunda hipocrisia,
O olhar se transcendendo em rebeldia
Puindo da esperança o ledo pano,
Arcando com meus erros se me dano,
O todo noutra face mostraria
Apenas o resgate do medonho
Caminho aonde vago e me proponho
Sabendo do final tempestuoso,
E tento ao desvendar o meu tormento
O mero e tão sofrível que acalento
Num ar até quem sabe, mais jocoso?

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