quarta-feira, 9 de junho de 2010

35931 até 35940

1

Saudades de quem foi e não mais quis
Saber da casa eternamente aberta
Enquanto esta lembrança não deserta
Jamais eu poderia ser feliz.
O quanto desta vida contradiz
O coração volúvel, mas alerta
E quando um novo amor vem e desperta
Apenas da saudade chamariz.
Qual fora algum espectro imorredouro
Buscando por um cais, ancoradouro
E nada se mostrando senão este
Depois que tu partiste; nada resta
Senão esta loucura em vão, funesta
É como se jamais, amor morreste.


2

Rondando qual espectro a minha casa,
Não deixa um só momento em paz, enquanto
Turvando assim meu céu em negro manto
Reacendendo em mim a velha brasa.
O tempo neste instante em vão se atrasa
E o mundo se promete em desencanto,
Lembrança de outros dias não espanto
Nem mesmo diluindo se defasa.
O quanto fui feliz ou muito menos,
Apenas entranhara em tais venenos
Uma alma sonhadora e nada mais,
E o barco sem saber de outro caminho
Retorna como estúpido velhinho
Volvendo sem querer ao mesmo cais.

3


Refeito dos meus erros, nada peço
E tento apenas isto: acreditar
Que possa novamente caminhar
Enquanto das amarras me despeço,
E quando noutro engodo enfim tropeço
Enveredando sempre este lugar
Não adianta mais sequer lutar
O amor que tanto nego, assim confesso.
O fato de tentar a liberdade
Embora em cordoalhas da saudade
Talvez permita crer ser mais possível
Um novo amanhecer mesmo implausível
Saudade com seu ar imperecível
De novo a cada noite vem e invade.

4

Restara muito pouco do que fomos,
Mas mesmo assim alenta-me saber
Do mundo caminhando a entorpecer
Qual livro renovando velhos tomos,
E agora quão diversos inda somos,
Não temos mais da vida o desprazer
De tanto acreditar no bem querer
Fatias estragadas, tolos gomos.
E assim ao percebermos novo dia
Porquanto além já morre a fantasia
Rompendo da ilusão temida grade,
Tentando acreditar numa esperança
Por mais que a minha vida enfim avança
Ainda sinto o peso da saudade.

5

Olhando para os ermos dos meus dias
E neles as entradas e bandeiras
Searas mais antigas, corriqueiras
E delas meras sombras, fantasias,
Enquanto o renovar tu mais querias
E mesmo tão distante eu sei que queiras
As hordas de fantasmas derradeiras
Invadem e derramam tais magias,
E quando a panacéia se pensara
O todo noutra face demonstrara
O quanto inútil fora a minha vida,
Assim ao perceber mera indulgência
De quem se imaginara mais decência
A história realmente está perdida.


6

Ocasionando apenas tempestades
Enquanto poderia haver bem mais
Transtornos repetindo vendavais
E neles as lembranças, as saudades
Ditames desta vida em turvas grades,
Ausência de esperança em ledo cais
O quanto nos meus sonhos nunca mais
Terei quando deveras inda brades.
Rondando a falsa imagem de um legado,
O corpo há tanto tempo estraçalhado
Apodrecido em vida, tão somente,
E assim o quanto tive e já perdi
Revivo a cada instante estando aqui
Somente esta saudade se apresente.

7

Apático e venal qual fosse um dia
O resto de um medonho caricato
No quanto da ilusão eu me retrato
Gerando nova senda em fantasia,
O tempo na verdade poderia
Tramar cada momento, mas ingrato
E quando das amarras me desato
A sorte se mostrando hipocrisia,
Cursando o velho rio para o nada
Da foz há tanto tempo imaginada
Sequer qualquer lembrança, sigo alheio,
Reflito esta ameaça de uma sorte
Sem nada que decerto me conforte
Apenas a saída, em vão, rodeio.

8

Presumo acreditar no quanto posso
Vencer os descaminhos nesta senda
Sem ter sequer quem saiba ou mesmo entenda
O quanto deste tanto nunca é nosso,
E quando noutro rumo ainda endosso
O passo procurando quem me estenda
As mãos e possa além de mera lenda
Viver além do espólio que ora aposso.
Realço meus enganos, vou ao fim
Bebendo esta aguardente, o vinho e o gim
Entranhas da ilusão se penetrando,
Afãs diversos teimo, inutilmente,
Apenas o final já se apresente,
Num ar tempestuoso e mais nefando.

9


Viver e acreditar no amanhecer
Embora reconheça os descaminhos
De quem cevara em vida tais espinhos
E sente a sua vida esvaecer
No torpe caminhar, já me perder,
Os dias se repetem tão mesquinhos
Meus olhos procurando ledos ninhos,
Nos vinhos da tristeza me embeber,
Restando apenas isto e nada mais,
Desisto do que fosse sem jamais
Sentir qualquer alento em vida vã,
A morte preconiza-se deveras
E adentro as derradeiras primaveras
Sabendo; não terei novo amanhã.

10

Prenunciado o fim, apenas isto
E nada se compara ao que inda tento
Enfrento peito aberto o forte vento
E quanto mais dorido, mais insisto,
Apenas persistindo, pois existo
E sei que ao fim de tudo em mero alento
A sombra do que fora sofrimento,
A morte sutilmente inda despisto
E quando inda me visto de ilusões
E nelas outras faces tu me expões
Dos dias mais sombrios, terminais,
Eu penso noutras sortes mais felizes,
Mas quando te aproximas e desdizes
Certeza traça em mim o nunca mais.

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