291
Do cantar em liberdade
Nada mais pudesse ver
Tão somente o que degrade
Cada forma de viver,
Onde quis felicidade
Na verdade, o nada ter.
Escorraço cada engano
E se possa de tal sorte
Desenhar o velho plano
E meu mundo não suporte
O que seja mais um dano
Presumindo novo corte,
Abraçando este vazio,
Cada tempo o desafio.
292
Nada mais pudesse ou tento
Quando a vida se faz leda
A palavra, o verso, o vento
Numa sórdida alameda
E o que possa em sentimento
Cada encanto ora conceda,
Nos meus dias mais sutis
E nos versos mais profanos
Quando outrora um sonho eu quis
Acenando em velhos danos,
Os meus olhos num matiz
Entre traços desumanos,
Apresentando o final
Do meu mundo em tom venal.
293
Acordando para o quanto
Na verdade não viera,
Esperando o desencanto
De uma vida mais austera.
E se nada mais garanto
O meu prazo destempera,
Vendo o prédio desabando,
Vendo a vida se perdendo,
O meu canto em contrabando
O cenário vão e horrendo,
Pouco a pouco me negando
E decerto hoje morrendo.
E crocita o velho corvo
Envolvido em vago estorvo.
294
Navegar contra tais ondas
E sentir a força em luta
Onde a vida tu me escondas
A verdade não refuta
E se mostra em velhas sondas
Esta cena atroz e bruta.
O meu passo se desvenda
O meu canto se aproxima
Do que fosse mais que lenda
Dominando o velho clima,
A verdade ora se estenda
Onde a luz não me redima.
Esperando pelo fim,
Mato o quanto existe em mim.
295
Na verdade que liberta
E maltrata tanta vez,
A palavra não deserta
Quem tentara e já não vês
Acenando onde desperta
A dorida insensatez.
Repetindo este bordão
Com temor cada estribilho,
Sem saber da dimensão
Do caminho aonde eu trilho
Entoando a negação,
No vazio ora me pilho.
Esperando pelo bote,
A serpente me derrote.
296
Esbarrando nos enganos
De quem tanto quis diverso
Caminhar em rotos panos
Planos claros do universo,
E se possa mais insanos,
Sobre o nada agora verso.
Invertendo a direção
Do meu passo e do que tente
A verdade em tal versão
Se mostrando imprevidente,
No final desunião
Nesta morte audaz e urgente.
Nada levo e levaria
Nem sequer a poesia.
297
Na palavra sem medida
Na medida quase exata
De quem nega a própria vida
E deveras já se mata,
O meu canto em voz perdida
Resumindo outra bravata.
Aprendendo com a queda
Com o verso sem sentido
Esperança, a porta veda
E já vejo consumido
O cenário onde se enreda
O tormento onde o lapido.
Apressando o que não veio
Sou somente o vão receio.
298
Basta já de tanta farsa
A verdade não suporta
O que possa e já se esgarça
Renegando enfim a porta,
Libertária e bela garça,
Mas o tempo não se importa,
Apresento o fim da peça
Abaixando o pano quando
O momento se confessa
Noutro tanto desabando,
O meu mundo recomeça
E o final determinando
O que pude e não se veja
Desvendando tal peleja.
299
Resta pouco ou quase nada
Do que um dia se pensara
Ser além da mera estrada
Outra vida bem mais clara,
A palavra já cansada,
No final nada declara,
Resumindo o fim da festa
Neste tiro em rara mira,
A verdade adentra a fresta
E deveras interfira
O meu canto já se infesta
Do que tanto se retira
Do mergulho em abissais,
Em momentos desiguais.
300
Ao perder a direção
Do que tanto poderia
Marco a mesma sensação
Entre a dor e a fantasia,
Noutra rude dimensão,
Na verdade nada havia.
Averiguo o meu passado
Vejo o tempo sem proveito
E carrego do meu lado
O que tanto não aceito,
O meu verso embolorado
O caminho em ermo leito.
Nada mais pudesse ter
Esperando só morrer...
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