terça-feira, 23 de março de 2010

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1

“DA nossa vida, em meio da jornada,”
Depois de tantas dores e alegrias,
Enquanto com terror tanto porfias
Depois de prosseguir em dura estrada,
Vivendo por viver, sem querer nada
Tampouco desenhando noites frias
Deveras nas estrelas vejo as guias
E adentro; destemido, a madrugada.
Mergulho neste anseio e posso crer
Nas lutas mais inglórias e vencer
Os medos tão comuns de quem batalha
Sabendo desde sempre quão dorida
Deveras, sem proveito a nossa vida
Porquanto feita em fio de navalha...


2

“Achei-me numa selva tenebrosa,”
Depois de caminhar por tantos anos,
Em meio aos mais terríveis desenganos,
A sorte se mostrando caprichosa
Por mais que a lua surja majestosa,
Momentos mais doridos e profanos,
Torturas envolvendo em vários planos
A vida que pensara prazerosa.
Seguindo em plena noite, tempestade,
Somente a solidão que agora invade
Domando o coração aventureiro.
E assim ao me sentir abandonado,
Revendo as velhas dores do passado,
Regando com terror o meu canteiro...


3


“Tendo perdido a verdadeira estrada”
Já não podia ao menos caminhar
Guiado pelos raios de um luar
Na noite sem estrelas e nublada,
O passo se transforma me derrocada,
Jamais imaginei poder chegar
Aonde talvez possa me encontrar,
Sabendo desde sempre que sou nada.
Mesquinhas noites frias, solitárias,
As horas transcorrendo, temerárias
Somente o frio toca o velho peito,
E quando me percebo já no fim,
Aonde se pensara num jardim,
Uma aridez invade em turvo pleito...




4

“Dizer qual era é cousa tão penosa,”
Se a sorte num completo desvario
Ou mesmo um coração que em desafio
Entranha-se em espinhos, mata a rosa.
A senda mais audaz, rara e formosa,
Agora desaguando em turvo rio,
Deveras quando um novo tempo crio,
A sorte se mostrando desairosa
Impede a caminhada e nada tendo,
Somente a dor se faz cruel adendo
E o peso do passado me envergando.
Pudesse caminhar em plena paz,
Mas quando a solidão se mostra audaz
O tempo não será decerto, brando...


5


“Desta brava espessura a asperidade,”
Já não permite o manso caminhar,
Aonde poderia me encontrar
Se não conheço mais felicidade.
E quando percebendo a realidade,
Deveras já cansado de lutar,
Pensando a cada instante num luar
Distante que jamais, eu sei, me invade.
Mesquinhas emoções, dias venais,
Abandonando ao largo o que era cais
Jamais perceberei o ancoradouro,
Morrendo dia a dia nada vejo,
E quando mais ausente o meu desejo,
Voraz tenho a certeza, o nascedouro...

6

“Que a memória a relembra inda cuidosa”
A sorte tão terrível do passado,
O dia amanhecendo mais nublado,
A noite que pensara maviosa
Perdendo qualquer brilho, o rumo glosa
Negando alguma luz ao manso prado,
Há tanto com certeza desejado,
E feito em flores tantas, bela rosa.
Mas sinto que jamais serei feliz
O quanto mais quisera se desdiz
Negando desde sempre a primavera,
E agora vendo a peça em seu final,
A dor num mais temível ritual
Expressa-se voraz, temível fera


7

“Na morte há pouco mais de acerbidade;”
Mas sinto redentora esta presença
Sem ter do que deveras me convença
Talvez ela traduza liberdade,
Cansado desta dor que me degrade
Jamais encontro a paz em recompensa,
E tendo a vida amarga, dura e tensa,
Já não suportarei temível grade.
E quero respirar tranquilamente
O quanto em dor e medo se pressente
Agora mostra um rumo mais suave,
E a morte calmamente se aproxima
E nela com certeza rara estima,
Deixando no passado algum entrave.


8


“Mas para o bem narrar lá deparado”
Esboço algum momento de atenção,
A vida se passando agora em vão
Da dor se escuta o forte, imenso brado.

Pudera acreditar no meu passado
Nas horas mais benditas que virão
E tendo ausente Norte e direção
O barco se percebe naufragado.

Medonhas tempestades enfrentei,
E quando imaginara calma a grei
Desaba sobre mim tal vendaval,

E a noite se nublando totalmente
O olhar extasiado de um demente,
Já não conhece paz, somente o mal.


9


“De outras cousas que vi, direi verdade”
E sempre que puder terei no olhar
Lembrança tão diversa a demonstrar
O quão ausente em mim felicidade.

Por mais que o coração ainda brade
Não posso contra o vento navegar,
E sei quanto é terrível naufragar
Bebendo desta imensa tempestade.

Ardentes emoções? Pura ilusão.
Inverno ao invadir o meu verão
Trazendo esta nevasca dentro da alma,

Nem mesmo acreditar num novo dia,
Na luz que o temporal já desafia,
O pensamento atroz, feroz, acalma...



10

“Contar não posso como tinha entrado;”
Durante as noites tensas, vida em dor,
O velho coração de um sonhador,
Já sabe o seu futuro, duro enfado.

E quando mergulhara no passado,
Imagem do que outrora se fez flor,
Agora percebendo decompor,
O sonho em tantas sombras, destroçado.

Viesse em redenção novo momento,
Mas quando isto percebo me atormento
E tento reagir, um ledo engano.

A sorte maltrapilha me desfaz,
E aonde se pensara em plena paz,
O mundo desmentindo cada plano.


11


“Tanto o sono os sentidos me tomara,”
Entorpecido eu pude perceber
Somente sob o olhar o desprazer
Aonde imaginara noite clara.

O peso do passado desampara
E causa ao sonhador, o fenecer
De todos os desejos, e perder
O rumo torna a vida mais amara.

Sentindo no meu rosto o forte vento,
Rajada após rajada me atormento
E sei que não terei um bom final,

A morte se mostrando em face nua,
Ausente dos meus olhos, sol e lua,
Sentindo tão somente o vendaval...


12


“Quando hei o bom caminho abandonado”
Deixando para trás uma alegria,
Somente esta tristeza ora me guia
E o medo sempre aqui, trago ao meu lado.

Vencido pela insânia, desvendado
Caminho pelo qual já não porfia
Uma alma feita em dor, vaga agonia,
Mergulha no vazio, amargo Fado.

Sentir esta terrível ilusão
Tomando dos meus olhos a visão
Jamais se percebendo um horizonte,

Não tendo à minha frente outra esperança
Somente num abismo a alma se lança
E impede que outro sol, claro desponte...

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