sábado, 27 de março de 2010

27701/02/03

27701

Vestindo a velha roupa do passado
Não vejo mais futuro no presente,
A morte do que sinto se pressente
Presente deste amor tão malfadado,
E quando se percebe tanto enfado
Em quem de mim vivendo agora ausente,
Deveras não permite nem consente
Diverso do que vejo enfim, meu Fado,
Palavras são palavras, vento leva,
Restando aqui somente a mesma treva
Aonde se emergindo o coração
Devasta-se em tal fúria que prevejo
A morte tão precoce de um desejo,
Mortalhas com que amores vestirão.

27702


Legado que permito a quem vier
Falar da poesia que já morta
Ainda tenta abrir a velha porta,
Não sabe e nem deseja ser qualquer,
Mas venha então decerto se quiser
Alerto que esta sorte não comporta
A imagem do futuro já bem torta,
E aborta cada sonho que trouxer.
Sentir o quão dorido é poder ter
Nas mãos alguma fonte e perecer
Na sede de quem busca a nada tem,
O preço da esperança é muito caro,
Soneto amortalhado enfim declaro,
Diverso do que tento dizer bem.



27703


Jogando esta toalha, desistindo
Não quero mais saber das ondas tais
Que possam transcender aos temporais
Aonde imaginara ser infindo,
Momento em tempestade, mesmo lindo
Traduz inglórios tempos mais venais,
Enquanto sei sutis e atemporais
Amores que deveras não deslindo,
A poesia é morta e disso eu sei,
Já não obedecendo regra e lei,
Mortalha se tecendo a cada verso,
E quando se prepara alguma luz,
Um louco num deboche reproduz
Anárquico e inorgânico universo.

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