sábado, 27 de março de 2010

HOMENAGEM A ARTUR AZEVEDO

Eterna Dor

Já te esqueceram todos neste mundo...
Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,
Daquela escura noite de setembro
Em que da cova te deixei no fundo.

Desde esse dia um látego iracundo
Açoitando-me está, membro por membro.
Por isso que de ti não me deslembro,
Nem com outra te meço ou te confundo.

Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,
Vou chorar minha acerba desventura,
Eu tenho a sensação de haver morrido!

E até, meu doce amor, se me afigura,
Ao beijar o teu túmulo esquecido,
Que beijo a minha própria sepultura!

Artur Azevedo


1


“Que beijo a minha própria sepultura”
Enquanto me traduzo em dor e pranto,
Aonde se pudesse em tal espanto
Viver a própria dor, tanta amargura,
E sendo assim deveras sonhador,
Vagando entre o vazio e o não existe
Minha alma; com certeza sei tão triste
Tocada pelas ânsias desta dor
E quando se previra algum alento,
Perdida sem caminho; morre só,
Volvendo num instante ao velho pó
Tocada pela dor do esquecimento,
Assim prossigo embalde ainda creia
Na sorte mesmo quando a vejo alheia...

2


“Ao beijar o teu túmulo esquecido,”
Encontro alguns sinais do meu passado,
E quando me percebo neste enfado
Bebendo cada gota de um olvido
Aonde se perfaz nova esperança
Alheio ao caminhar em meio ao nada
Do todo que pensara ser estrada
Apenas ao vazio já se lança
O olhar que enaltecera um brilho ainda
Deveras nada traça e não mais quer
Segreda dentro da alma o que vier
Enquanto o meu destino se deslinda
Num outro vão momento mesmo quando
A sorte noutra sorte se moldando...

3

“E até, meu doce amor, se me afigura,”
O templo aonde outrora quis sentir
Deliciosamente algum porvir
Envolto pelas ânsias da ternura.
Mas todo este caminho feito em vão
Jamais eu poderia decifrar
Se tendo tão distante deste olhar
Os brilhos que outro rumo mostrara
Sorvendo cada gota do passado
Vivido em tempestades, nada resta
Somente a solidão louca e funesta
Tomando com terror o belo prado
Aonde num momento mais audaz
Pensara conhecer enfim a paz.



4


“Eu tenho a sensação de haver morrido”
Ao ter nos braços tanto desalento
E quando me percebo em forte vento,
O tempo noutro tempo decidido,
Jogada às mesmas feras do passado,
Já não suportaria outra tortura,
E quando a paz deveras se afigura,
Momento muitas vezes delicado,
Delírio tão somente e nada mais.
O peso do viver lanhando as costas
As horas entre medos decompostas,
Pereço nos sobejos vãos astrais
E a fúria se transforma em ar sombrio,
E o caos após o caos eu desafio.

5



“Vou chorar minha acerba desventura,”
Enquanto não puder sentir constante
A força que deveras me agigante
E noutra face mesmo se afigura,
Perdendo o meu caminho sigo alheio
Ao todo que jamais se fez tão meu
E quando este destino se perdeu
Restando doravante um novo veio
Por onde desventuras se trasbordam
E os abissais herdados; reconheço
Sabendo do terror seu endereço
Fantasmas do que fomos já me abordam
E o peso do viver não mais suporta
Fechando para sempre a antiga porta.


6


“Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,”
Vagara por soturnos caminhares
Traçando do vazio meus altares
Sonho precocemente destruído.
Vestindo a velha dor que me acompanha
E nada transformando o dia a dia,
Enquanto a antiga imagem renascia,
Agigantando a dor, venal montanha.
Incertos passos traçam meu futuro,
Tenazes se aprofundam, minha pele
E ao mais profano rumo se compele
Gerando tão somente o mesmo escuro.
Acordo solitário novamente,
E a morte a cada passo se pressente.


7


“Nem com outra te meço ou te confundo”
Tampouco poderia ser diverso
Se eu trago com firmeza cada verso,
Gerando nele amargo e torpe mundo
Aonde poderia ter a paz,
Ainda que vencesse descaminhos,
Os dias mais audazes são sozinhos
E o olhar que hoje percebo é mais mordaz.
Alucinadamente me perdi
E tudo o que eu quisera se fez nada,
A morte noutra senda anunciada
Agora está bem perto, sinto-a aqui.
E o que me restará? Somente o frio,
Que a cada amanhecer, cedo porfio...

8

“Por isso que de ti não me deslembro,”
E nem mais poderia, por haver
Ao recordar do amor quanto prazer
Em versos mais felizes já desmembro
Momentos que passamos lado a lado,
Vivenciando a glória a cada instante
E tendo tanta luz que me agigante,
Ousando em minha voz imenso brado,
O corte cicatriza pouco a pouco,
As chagas e feridas tatuadas
Perdidas muitas vezes as estradas,
Vagara no passado feito um louco,
E agora que eu te tenho, junto a mim,
Jamais nova aridez neste jardim...

9


“Açoitando-me está, membro por membro”
O quanto vivo ainda do que fora,
Imagem do passado redentora
A cada nova dor, disto relembro
E sinto este perfume inebriante
Mascaro com ternura o sofrimento
E mesmo em tempestade ainda tento
Viver o que se tivera noutro instante.
O quanto deste amor se fez capaz
Domina este cenário plenamente
E quando estando assim de ti ausente
Alheia a cada sonho vejo a paz.
Mortificando enfim o que me resta,
A sorte se desenha mais funesta.


10


“Desde esse dia um látego iracundo”
Vergasta em minhas costas penetrando,
Matando o que já fora bem mais brando,
E agora do terror sempre me inundo,

Desde este dia em que me abandonaste
Deixando tão somente esta lembrança
E quando esta saudade ora me alcança
A vida se mostrando em tal contraste
Por onde caminhara, nem poeira
Apenas este açoite que me lanha,
A solidão deveras é tamanha,
Por mais que a solução procure e queira
Jamais eu poderia imaginar
Que ausência iria aos poucos me matar.

11


“Em que da cova te deixei no fundo,”
Terrível solidão tomando a cena,
A própria desventura me envenena
Enquanto de saudades eu me inundo,
Vivesse pelo menos mais um tanto
Do amor que me tomara intensamente,
Mas quando dos teus olhos sigo ausente,
Restando tão somente o desencanto,
Amordaçada a vida não consigo
Além deste vazio que legaste,
A cada amanhecer outro desgaste,
Açoda-me deveras, desabrigo.
E o corte se aprofunda dia a dia,
Enquanto este vazio ora me guia.

12


“Daquela escura noite de setembro”
As marcas tão profundas me entranharam,
Castelos de esperanças desabaram
Momento mais cruel; sempre relembro.
Audaciosamente a vida fora
Além do que pensara noutros tempos,
Vencendo os mais difíceis contratempos
Uma alma tendo a imagem redentora
De quem se fez amiga, amante e amada,
Eterna companheira de viagem,
Olhando com cuidado esta paisagem
Só vejo desde então apenas nada,
Aonde se pensara em primavera
Setembro só me trouxe a imensa fera...

13

“Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,”
Do quanto imaginamos belos dias,
E agora estas tristezas são meus guias
Decepam dia a dia cada membro,
A morte é preferível, vejo assim,
Que não suportarei tanto abandono,
E quando do vazio eu já me adono,
O tempo se esgueirando busco o fim,
E o cálice divino dos teus lábios
Há tanto não matando a minha sede,
Apenas o retrato na parede,
Os barcos vão sem ter os astrolábios
E assim me condenando ao vil naufrágio
A dor se cobra em alto, e venal ágio..

14


“Já te esqueceram todos neste mundo”
Imagem distorcida do passado,
Momento muitas vezes vislumbrado
E nele com certeza me aprofundo,
Há quantas andaria a minha sorte
Não fosse ter perdido quem guiasse,
E apenas vejo enfim venal impasse,
Mataste-me também com tua morte
Já não suporto e tento ver enfim
Alguma luz que possa me alentar,
Somente este vazio em meu olhar
E sigo sem ninguém lembrar de mim,
E assim compartilhando a solidão,
Apenas nos separa este caixão...

Nenhum comentário: