sábado, 27 de março de 2010

27627/28/29/30/31/32/33

27627

“ou como a sombra vã de uma outra sombra”
Ou simplesmente assim como se fosse
Imagem do passado que agridoce
Por vezes quem amara ainda assombra.
Ocasos entre sonhos mais felizes,
As sortes se mostrando em nuas faces
Por mais que noutras sendas inda passes
Carregas do que fora, cicatrizes,
Assim a vida é feita e se renova
Mutáveis os espectros que trazemos
E quanto mais em vidas envolvemos
O tempo revolvendo a antiga prova,
E destas somas tantas, o futuro,
Aonde o que não vivo se procura.

27628

“como um sonho que nunca se sonhasse”
Revelo-me entre cores mais diversas
E quando sobre o tanto ainda versas
A sorte se mantém no mesmo impasse.
Vencida cada etapa desta vida
Acumulando os erros e os acertos,
Tentando vez em quando alguns consertos
No fundo a minha história revivida
E tudo se transforma no que fora,
Caminho percorrido sabe os pés,
E mesmo quando vejo de viés
Uma alma se persiste sonhadora,
E o caos após o caos se reformula,
Porém a vida usando a velha bula.

27629

“tu és, as minhas mãos, vaga, fugace,”
E quando te percebo mais audaz
Às vezes se concebe longe a paz
Por mais que noutro rumo já se trace
A vida feita em ondas beija areias
E teima quando vê novas paragens,
Diversos descaminhos e miragens
Ainda que deveras nisto creias,
Servis os corações dos sonhadores,
Escravizando a sorte a cada passo,
E quando em nova senda me desfaço
Esqueço dos jardins e mato flores,
Mas vejo o mesmo brilho do passado,
Que há tanto sempre tem me acompanhado.

27630

“mas, num mistério surdo que me assombra,”
A vida se transcorre em luz e treva
Enquanto a fantasia trama e leva,
Não resta nem sequer mais uma alfombra.
Os traços conhecidos se refletem
No quanto é necessário uma mudança,
Mas quando no vazio já se lança
Histórias conhecidas nos repetem
E o gosto do amanhã diz do que fomos
A soma gera sempre o mesmo zero,
Além do que pretendo ou mesmo espero,
Já não concebo mais dos frutos, gomos
E o prazo do viver já se encurtando,
As esperanças fogem, torpe bando...



27631




“e trago em mim tua alma adormecida”
Sabendo decifrar ou não quereres,
E os anos que vivemos têm poderes
De decidirem mesmo a nossa vida.
O quanto se reflete neste espelho
Nas rugas e grisalhos que ganhamos,
Por sermos tão distintos e unos ramos
Por vezes nos teus mares me aconselho,
Porém adormecendo dentro em nós
A fúria de um passado furacão
Nas calmarias todas que virão
A sorte não se faz fera ou atroz,
Vagamos calmamente e sempre assim,
Dois barcos, mesmo norte até o fim...


27632


“E' tua vida minha própria vida”
E por termos idênticas paragens
Ao vislumbramos mesmas paisagens
A senda muitas vezes repartida.
Ocasos são iguais, também albores
O fardo dividido fica leve
E o passo mais audaz já não se atreve,
Seguindo pareado aonde fores
Até que chegue ao fim a caminhada,
Momentos partilhados, dor e gozo,
O quanto se faz nulo ou prazeroso
O quanto se faz muito ou quase nada.
Certezas? Tenho poucas, mas eu sei
Que juntos deciframos mesma grei.

27633

“paira o deslumbramento do teu vulto,”
Por sobre cada passo que inda dê
Razões para viver, algum por que
Ao dividirmos sempre o mesmo culto,
Riscamos diferenças, ignoramos
As idiossincrasias costumeiras;
Andando juntos; únicas fileiras,
Não somos nem servis sequer dois amos,
E tendo acorrentados o presente,
Futuro dividido diz amor
E quando se colher diversa flor,
Talvez uma aridez já se apresente.
Mas nada me compele à solidão,
Tampouco dentre nós qualquer sertão.

Nenhum comentário: