27330
“Chora ao vê-lo feliz como ave da floresta”
A medonha figura aonde se mostrara
A face verdadeira embora mesmo amara
Deixando para trás a sorte que inda resta.
O quanto se percebe a vida assim funesta
E o beijo em falsa luz, deveras escancara
A imensidão da dor que em ti já se declara
Matando o que talvez ainda seja aresta
De um tempo mais feliz, passado sem sentir,
Morrendo dia a dia o que se fez porvir
E tendo no vazio, apenas o retrato
Do quanto fora luz e agora nada além
Da treva mais feroz na qual já se contém
O que ainda vivo, espreito e desacato...
27331
“O Espírito que o segue em sua romaria”
Traduzindo a face espúria da verdade,
E quando a dor enorme adentra em fúria, invade
Deixando alheia então diversa fantasia
O corte se aprofunda, e a morte geraria
Naquele que talvez aos poucos se degrade,
Marcada a ferro e fogo a dura realidade,
Negando algum sorriso a quem não poderia
Saber do quanto dói a ausência da esperança
E quando a minha voz, ao nada ora se lança
Reflexos de quem tanto amou e não sabendo
Do quanto bebe em luz, quem trevas traduzira
Distante deste olhar, acende-se uma pira
E nela ainda vejo, inglório dividendo...
27332
“E a via-sacra entre canções percorre em festa;”
Deixando para trás as dores tão diversas
E quando sobre o sonho ainda sei que versas
Depois de certo tempo, ao nada já se empresta
O coração de quem sabendo ser funesta
A vida tão atroz em luzes mais dispersas
Sombria realidade; aonde vejo imersas
As dores mais venais, e a morte; aos poucos, gesta.
Eu quero ter à frente o olhar audacioso
Enquanto se prepara ainda sinto o gozo
No qual mergulharia o resto que inda trago
E nele tão somente o peso que carrego
Sabendo ainda ser o passo audaz e cego
Escuso caminhar sem luz e sem afago...
27333
“Às nuvens ele fala, aos ventos desafia”
E sabe que não tem sequer uma esperança
Aonde poderia a voz que não se lança
Trazer após tempesta a noite menos fria.
O quanto se perdeu e o tanto que faria
Não fosse a vida assim, amarga e dura lança
Deixando no passado apenas a lembrança
Da morte que se dando esgarça a fantasia.
E o beijo amargo e falso, apenas destempera
Gerando o nada ser, estúpida quimera
A porta se estraçalha e nada se percebe
Senão a dor feroz e atroz do que jamais
Servira como amparo em meio aos temporais,
Destroçando sem dó resquícios desta sebe...
27334
“Há um gosto de ambrosia e néctar encarnado”
Na boca que me morde e teima ser venal,
Aonde se faria um rito triunfal
Apenas o vazio aos poucos desvendado
O cheiro que percebo assim adocicado
Na pútrida certeza, o medo sem igual
E o corte se aprofunda, eu sei quanto é fatal
Traduz o que seria ao menos um pecado.
Satânico e mordaz, sorriso em face exposto,
O olhar decepcionado e mesmo decomposto
De quem se fez a fera e tenta disfarçar
Deixando no passado apenas o vazio,
E nele o quanto quero e teimo e desafio,
Matando o que restara ao menos, soube amar...
27335
“E em tudo o que ele come ou bebe a cada instante”
A pútrida carcaça exposta ao forte vento
Explode em raro gozo, e nele me apascento
Deixando um resto amargo e mesmo deslumbrante.
O tempo nunca pára e sei do quão distante
Dos olhos de quem ama a luz de um vão tormento,
Mas tudo se transforma em fúria e desalento
Qual fora um falso brilho, inerte diamante.
Esbarro no passado e vejo a sua face
E nela se permite o quanto em tosco impasse
Futuro se desnuda audaz e em voz sombria,
A morte é solução, demônios me rondando,
Aonde se quisera um mundo ao menos brando,
Somente a solidão, deveras se porfia...
27336
“Inebria-se ao sol o infante deserdado,”
E deixa demarcada a face em cicatrizes,
De tanto que pensara envolto nos deslizes
Encontro tão somente o que pensei passado
E o gosto do futuro há tanto abandonado
Diverso do que agora ainda queres, dizes
Espúria realidade, envolta em tais matizes
Trazendo enfim o céu, sem luz, acinzentado.
Nas ruas párias, sinto o quanto se fez claro
O desamor que vivo, e neles desamparo
Traçando o dia a dia, em mortalhas desfeito,
E o beijo da pantera estraçalhando o rosto,
Carcaça da ilusão, meu corpo decomposto
Seguindo sem destino, embora satisfeito...
27337
“Sob a auréola, porém, de um anjo vigilante,”
O corpo putrefeito, a carne exposta e crua,
Deitando sob a fonte argêntea desta lua
Que mesmo em tal fastio encontro deslumbrante.
A morte é talvez tudo o quanto neste instante
Ainda sobre mim, domina e se cultua
A porta da ilusão expressa a própria rua
E nela uma alma bebe a luz inebriante
Do quanto poderia e nada então se fez,
No olhar do caminheiro há tanta insensatez
E o fim se aproximando, e nele se redime,
Certeza que terei, não nego e nunca fujo,
O coração imerso em lama, podre e sujo,
Sabendo que terá castigo após tal crime...
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