27322
“E se arrependem por lhe haver cruzado os passos”
Qual fora algum demônio astuciosamente
Seguindo cada traço, um pária, este demente
Ocupando sem trégua aos pouco seus espaços
Deixando o caminhar em tons sombrios, lassos
Vencendo destemido o quanto ainda sente
Aquele que pensara apenas tão somente,
Vivendo por viver, sequer deixando traços.
Assisto à derrocada enfim dos meus anseios
E bebo a tempestade, adentrando os seus veios,
Nefasta maravilha exposta a cada olhar
E tendo esta certeza, a morte companheira
Por mais que ainda tente, inútil se não queira
A sombra do futuro, em trevas irá tomar.
27323
“Hipócritas, dizem-lhe o tato ser nefasto,”
Mas sabe muito bem o quanto se desfez
Quem tanto imaginara além da lucidez,
Por isto da verdade, eu sinto que me afasto,
E o gesto quase insano, há tanto tempo gasto,
Diverso do que ainda eu sinto que tu crês
Mudando a direção, negando seus porquês
Gerando do vazio, o quadro em que o repasto
Pudesse ter além de um sórdido momento,
No qual com total fúria às vezes me alimento
Arcando com engano e treva que se gera,
Bebendo a podridão que exalas quando ris,
E mesmo assim ainda, eu creio-me feliz,
Podendo ter no olhar, a apascentada fera.
27324
“Eis que misturam cinza e pútridos bagaços”
E desta estupidez na qual eu me criara
A fome não sacia, a sorte se faz rara,
E o gozo não me deixa ao menos leves traços.
Realço cada passo em busca dos regaços
Aonde talvez creia amor já se declara
E quando me entranhando em noite fria e amara,
A morte se aproxima, e trama em duros laços
Errático caminho aonde ainda trilha
A lua ensandecida, espúria maravilha
Vestida em plena prata, anunciando o sol,
Mas como se nublando a vida me tortura
E quando se percebe a madrugada escura
Tomando em cinza intenso as cores do arrebol.
27325
“Ao pão e ao vinho que lhe servem de repasto”
Apodrecendo a cruz matando assim o Cristo,
Negando amor, perdão, deveras eu insisto
Quando percebo assim, aspecto tão nefasto
Do quanto ainda vive, embora um tanto gasto
O vendilhão canalha, um pútrido e vão cisto
Adentrando num Templo, aonde não resisto
E vejo com terror enquanto enfim me afasto.
Estranho este poder aonde não houvera
Da furiosa garra exposta de uma fera
Matando este cordeiro há tanto em sacrifício,
E quando se mostrara outrora mais cruel,
Poder sem ter limite, além do próprio Céu
Gerando em nome D’Ele o “sacrossanto” Ofício!
27326
“E empenham-se em sangrar a fera que ele traz”
Vorazes seres tais que adentram cada sonho
E neles o retrato audaz, feroz, medonho
Qual fosse nesta vida, a angústia mais voraz,
E tendo em meu olhar, a face tão mordaz
Do quanto imaginara e agora decomponho
Num ato quase insano e nele já me exponho
Enquanto ao longe; vês e sei que satisfaz
Instinto mais cruéis, da estúpida pantera
Que apenas um vacilo, espreita e tanto espera
Devora com terror, as vísceras expostas
E quando me percebo inerme, sob as garras
Fatídico prazer; em ti vejo as fanfarras
E nelas o delírio em carnes decompostas...
27327
“Buscam quem saiba acometê-lo em pleno seio,”
Os medos mais sutis, as armas escondidas
E neles eu me espelho e vejo sendo urdidas
As farsas pelas quais expões todo o receio,
E quando no vazio, estúpido inda creio,
Enganos mais venais, as honras esquecidas,
A lágrima que escorre encobre tais feridas
E nelas eu percebo, em ti claro recreio.
Bebendo cada gota esgotas todo o sangue,
E tens no teu olhar, a podridão do mangue
Tocando com furor, o charco que hoje sou,
E nele se entranhando, em lástimas farsantes,
Matando com sorriso, os sonhos delirantes
A fera se sacia e come o que restou...
27328
“Ou então, por desprezo estranha à sua paz, “
Mergulhasse num mundo aonde não teria
Sequer algum alívio e a morte então seria
Um rumo desejado, o que me satisfaz,
A pútrida verdade, o sonho não desfaz
Aonde se pudesse além da fantasia
Mortalha com certeza, em mim já caberia
E nela o meu futuro, espúrio e tão mordaz.
Ou então por somente acreditar no não
Jamais eu saberia aonde a sorte insiste
E o coração atroz, deveras sempre triste
Sem ter e nem saber se há rumo ou direção
Batendo por bater aguarda então meu fim,
E nele a redenção e a paz dentro de mim...
27329
“Os que ele quer amar o observam com receio,”
E nada mais trarão somente este vazio
Que tanto me maltrata e mesmo desafio,
Não tendo mais saída, ainda busco o veio
Por onde eu poderia estar da morte alheio,
A porta se fechando, amenos os estios
Que tanto procurara e agora sem pavios
Não posso mais tentar o encanto que eu anseio.
Quando esgarçada sorte entranho em luz opaca.
No peito se cravando amarga e fina estaca
A morte se aproxima e nela vejo o brilho
Aonde desvendara os ermos que busquei,
Sabendo da verdade, antevejo esta grei
Que agora, sem destino, em paz superna, trilho...
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